5. ASSÉDIO PROCESSUAL X LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Como mencionado alhures, o assédio processual se aproxima muito da litigância de má-fé; contudo, cada um possui suas particularidades e estas devem ser diferenciadas.
A litigância de má-fé possui suas hipóteses de caracterização bem delineadas no art. 17 do Código de Processo Civil, vejamos:
Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Outrossim, segundo Jeane Alves42, “Aquele que litiga de má-fé pratica dano processual. O dano é sempre uma conduta isolada. A parte que interpõe embargos de declaração com intuito meramente protelatório, estará litigando de má-fé”.
Ademais, podemos destacar, no Código de Ritos, artigo 18, o valor da multa que poderá ser aplicada acaso a parte haja com má-fé, que não poderá ser excedente a 1% (um por cento) sobre o valor da causa e, o litigante de má-fé, poderá ainda, ser condenado a indenizar a parte contrária, dos prejuízos sofridos, em valor não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa.
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
Torna-se hialino que os valores apontados pelo legislador não impedem a fixação de outras sanções de natureza processual, material ou indenizatória.
No que tange ao assédio processual, ainda que se trate de uma litigância abusiva, mal intencionada, seu conceito é mais amplo, sendo indispensável a análise do caso concreto para averiguação dos elementos caracterizadores já citados: dimensão da violência, duração da conduta (prolongação no tempo), objetivo almejado pelo assediador, potencialidade do ato.
Para que seja configurado, faz-se necessária a prática de diversos atos, podendo ser enquadrados como litigância de má-fé (art. 17, CPC), referir-se a atos atentatórios à dignidade da Justiça (art. 600, CPC), ou ainda estarem relacionados à inobservância dos deveres das partes (art. 14, CPC).
Em destaque, jurisprudência do Tribunal Regional da 5ª Região que coloca o assédio processual como modalidade de litigância de má-fé:
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INDENIZAÇÃO. “Constitui verdadeiro assédio processual a utilização, reiterada, pela parte, de interpretação equivocada de norma coletiva ou legal para conseguir seu objetivo no processo, tentando induzir o juízo ao erro. É modalidade de litigância de má-fé que deve ser combatida, pois favorece o aumento de labor jurídico inútil desta justiça, que passa a discutir teses impertinentes e já decididas no processo”.
(TRT 5ª REGIÃO, PROCESSO Nº 0104000-07-2005-5-05-0133-RecOrd, 5ª TURMA, RELATORA: Desembargadora MARIA ADNA AGUIAR, DJ 09/08/2010)
No que concerne à indenização dele decorrente, não há legislação que a regule, restando ao magistrado arbitrar o valor indenizatório levando em consideração o sofrimento causado, o tempo despendido, o patrimônio do assediador, as repercussões e efeitos processuais e a intensidade do dolo.
Para Bruna Izídio de Castro Santos43,
Uma importante diferença entre o assédio processual e a litigância de má-fé está no fato da litigância visar à obtenção de vantagem processual enquanto que o assédio procura causar prejuízo a parte contrária, independentemente de se obter uma vantagem com isso.
Ousamos discordar do quanto apontado, haja vista acreditar que no assédio processual o assediador também tem o objetivo de aferir vantagem sobre o assediado. Quando aquele causa prejuízo a este, tem por intenção obter, como vantagem, a procrastinação do feito e a possível desistência da parte contrária.
Paim e Hillesheim44 destacam a distinção entre a litigância de má-fé e o assédio processual:
[...] enquanto a primeira é entendida como aquela previsão contida no artigo próprio das condutas tipificadas como sendo litigância de má-fé (art. 17 do CPC), a segunda pode conter a prática reiterada ou reincidente de alguma (s) das condutas definidas como litigância de má-fé, sempre cumulada com a inobservância dos deveres insculpidos como sendo das partes que de alguma forma participem do processo (art. 14 do CPC) e/ou incorrer numa das hipóteses de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 600 do CPC) dentre outras práticas quaisquer que venham a atentar contra o bom andamento do processo.
Em síntese, litigância de má-fé e assédio processual diferenciam-se pela reiteração, já que o último depende da prática de diversos atos, enquanto que o primeiro se consuma com a prática de um único ato. Ademais, a vítima da litigância de má-fé será apenas a parte contrária, enquanto que no assédio processual também será elencado como vítima o Estado, na figura do Poder Judiciário.
6. CONSEQUÊNCIA PROCESSUAL – CONDENAÇÃO EM DANO MORAL
Conforme se verifica da análise dos artigos 18645 e 92746 do Código Civil, aquele que, por ato ilícito, comete dano a alguém, fica obrigado a repará-lo. O dano pode ser encarado como qualquer lesão praticada contra um bem jurídico e este poderá abarcar tanto o patrimônio, como a honra, a saúde, a vida, todos suscetíveis de proteção.
Quando nos referimos à obrigação de indenizar, há de se analisar os pressupostos para tanto. São eles: ação ou omissão do agente; culpa (dispensada em alguns casos); nexo causal e dano. Para Gonçalves47:
Indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente. Se possível, restaurando o statuo quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária.
Apenas para fins didáticos, quando da conceituação de dano, alguns autores diferenciam as expressões “ressarcimento”, “reparação” e “indenização”. O ressarcimento seria o pagamento integral do prejuízo material sofrido, englobando não só o dano emergente, como também os lucros cessantes e demais acréscimos. A reparação diz respeito à compensação pelo dano moral, tendo por objetivo amenizar o sofrimento da vítima. Por fim, a indenização decorreria de ato lesivo praticado licitamente pelo Estado contra o particular, como ocorre nas desapropriações48.
Todavia, importante ressaltar que nenhuma indenização será devida se o dano não for atual e certo, haja vista que nem todo dano é ressarcível, mas somente aquele que preencher os requisitos de certeza e atualidade. Atual é o que já existe no momento da ação de responsabilidade; certo é aquele fundado sobre um fato preciso.
A Carta Magna, no seu Título II, referente aos Direitos e Garantias Fundamentais, assegura, em seu art. 5º, incisos V49 e X50, o direito à indenização por dano moral.
Cavalieri51 assim o define:
À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário [...]
Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas.
Zannoni52 o divide em direto e indireto. O dano moral direto é aquele em que há lesão a um interesse, que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade, tais como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem; ou contido, ainda, nos atributos da pessoa: nome, capacidade, estado de família. O indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menosprezo a um bem extrapatrimonial, “ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima. Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial.”
Nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona53,
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
Após análise do conceito de dano e dano moral, devemos seguir para a apreciação do dano moral incidente sobre o assédio processual. O dano moral poderá ser almejado tanto em ação própria – Ação de Indenização por Assédio Processual – ajuizada após ou durante a sua ocorrência em outro processo, ou requerido durante a própria ação onde ocorrera.
O magistrado, quando da prolação de sua decisão, deve atentar-se para o fato de que, mesmo a parte contrária utilizando-se de meios processuais lícitos, poderá ter causado ao autor da ação de indenização por assédio processual danos irreparáveis, haja vista que a prolongação do processo pode causar inúmeros prejuízos. Não se pode esquecer que o salário possui natureza alimentar e, quando uma reclamação trabalhista é alastrada no tempo, o empregado fica a mercê do fim do processo.
Entretanto, importante pontuar que há necessidade de provar o abuso no uso dos meios processuais, haja vista que conforme citado alhures, nenhuma indenização será devida se o dano não for atual e certo. É o que se vê da atual jurisprudência do TRT da 5ª Região:
ASSÉDIO PROCESSUAL. REPARAÇÃO POR DANOS. Inexistindo prova do alegado abuso no ajuizamento de medidas previstas no ordenamento jurídico pátrio para a defesa dos interesses da parte, não há que se falar em reparação por assédio processual em favor do ex-adversus.
(TRT 5ª REGIÃO, PROCESSO Nº 0001028-77.2010.5.05.0037RecOrd, 3ª TURMA, RELATORA: Desembargadora SÔNIA FRANÇA, DJ 20/04/2012)
Contudo, o dano moral é presumível; dispensa a produção de provas do seu efeito negativo sobre a vítima. Conforme os ensinamentos de Cavalieri54,
Dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.
Dessa forma, a indenização por dano moral, decorrente de assédio processual, possui natureza satisfatória, tendo em vista que se procura, de alguma forma, amenizar o sofrimento, a dor, a humilhação sofrida. Ademais, serve para frear os atos similares com outros reclamantes, inclusive, servindo de exemplo para diversos empregadores.
A prática do assédio processual poderá gerar um descrédito da Justiça para com a sociedade; há também a possibilidade de um dano moral coletivo, haja vista derivar de uma mesma origem. O dano poderá ser causado tanto a um indivíduo quanto a uma coletividade, que também possui o direito a uma tutela rápida e eficaz do processo. Conforme ensinamento de Carlos Alberto Bittar FIlho55,
Se o indivíduo pode ser vítima de dano moral não há porque não o possa ser a coletividade. Assim, pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto material
Conforme sustentou a Desembargadora Luíza Lomba, nos autos do processo de nº 0000856-58.2010.5.05.19256, a indenização não pode ser insignificante, de forma que não coíba a reincidência da prática da conduta ilícita perpetrada, tampouco poderá ser excessiva a ponto de fomentar e estimular aventuras jurídicas daqueles que postulam quantias exorbitantes, podendo, injustamente, provocar o enriquecimento ilícito de uma das partes.