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Praticabilidade tributária

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Agenda 21/10/2012 às 15:00

3 LIMITES À PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA

Pode-se afirmar, com certa tranqüilidade, que a principal fonte do Direito tributário Brasileiro é a Constituição da República. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho[101]

É na Lei das Leis que estão consignadas as permissões para os legislativos da União, dos Estados e dos Municípios instituírem seus tributos, como também é lá que estão fixados os limites positivos e negativos da atividade legiferante daquelas pessoas. Igualmente, é o texto constitucional portador dos grandes princípios que servem como diretrizes supremas a orientar o exercício das competências impositivas, consagrando os postulados que imprimem certeza e segurança às pretensões tributárias do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os direitos individuais dos cidadãos.

No mesmo sentido, assinala Regina Helena Costa, defendendo ser a Constituição da República que “abriga os lineamentos para o adequado exercício da ação estatal de exigir tributos”, abrigando, ainda em sua dicção, os quatro temas fundamentais, a saber: (i) a previsão das regras-matrizes de incidência; (ii) a classificação dos tributos; (iii) a repartição de competências tributárias; e (iv) as limitações ao poder de tributar[102].

E, como se verá adiante, exatamente nesses temas fundamentais do Direito tributário, encontrados na Constituição da República, residem as limitações à aplicação do princípio da praticabilidade.

3.1 A PREVISÃO DAS REGRAS-MATRIZES DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

A regra-matriz de incidência tributária, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, é, por excelência, uma norma de conduta direcionada a disciplinar relações entre o Estado e seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias[103]. Tal regra-matriz, largamente estudada pelo mestre, abarca todos os critérios constantes do fenômeno da incidência tributária. Se, na hipótese de incidência tributária, veem-se os critérios material, espacial e temporal, no conseqüente têm-se os aspectos pessoal, e quantitativo[104].

Como já fora objeto de breve análise deste estudo, a Constituição da República cria, na concepção da José Roberto Vieira, aquilo que se convencionou chamar ‘tributo mínimo’. Defendendo essa tese, Vieira afirma que

Hoje, convencidos de que a promulgação da norma constitucional de competência tributária outorga cidadania jurídica ao tributo, confere-lhe uma existência mínima, produz-lhe a essência, julgamos mais adequado asseverar que a Lei Maior indica o ‘tributo mínimo[105]

Roque Antonio Carrazza[106], também já citado anteriormente, aponta os aspectos constantes ainda da Constituição da República que compõem a regra-matriz de incidência tributária, sendo eles

A hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível.

Diante dessa formulação basilar dos tributos, presentes já no corpo da Constituição da República, cabe ao legislador infraconstitucional respeitar e preservar tais preceitos, tomando como balizas ao seu próprio escopo legiferante aquilo que já se encontra cristalizado na Carta Magna. Disso resulta, segundo Regina Helena Costa, uma “pequena margem de liberdade outorgada aos legisladores ordinário e complementar para dispor sobre tributação”[107].

Nesse sentido, quando da aplicação do princípio da praticabilidade tributária, no sentido de tornar mais simples e exequível a norma tributária, o respeito aos aspectos já fixados na Constituição da República é fundamental. Qualquer que seja a violação ao ‘tributo mínimo’, instalado no corpo da Lei maior, em nome da praticabilidade, estar-se-á defronte a uma aberração jurídica.

3.2 A CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS

A classificação dos tributos em tributos vinculados ou não a uma atividade estatal também mostra-se uma evidente baliza à liberdade legiferante em utilizar-se do princípio da praticabilidade.

Regina Helena Costa observa que, quando diante de um tributo não vinculado a uma atividade estatal (imposto), a “gama de expediente à sua [do legislador] disposição para tornar praticável sua exigência” é maior, evidenciando, ainda, que “o pragmatismo fiscal encontra, assim, menos barreiras para alcançar sua operacionalidade”[108].

Entretanto, ainda que possua maior liberdade nessas situações, suas barreiras são visíveis e sua limitação, clara. Lembra Regina Helena Costa que as situações fáticas que podem ser apreendidas pelo legislador infraconstitucional para a confecção dos tributos já estão, em grande parte, pré-estabelecidas pela Constituição da República, como citado, limitando o camp de trabalho do legislador na seara da praticabilidade.

Respeitados tais preceitos, pode o legislador “valer-se de instrumentos vários destinados a viabilizar a apreensão daquele conteúdo econômico de maneira pragmática [que reflitam a capacidade contributiva objetivada]”[109]. [grifo nosso].

No que diz respeito aos tributos vinculados a uma prestação estatal, especialmente as taxas, o campo de manobra legislativa é visivelmente menor. Isso porque, como não poderia deixar de ser, sua base de cálculo deve observar, inexoravelmente, o custo da respectiva atuação estatal.

Não obstante tal constatação, o princípio da praticabilidade aplicado às taxas não é inviabilizado. Para Regina Helena Costa[110], a efetivação daquele princípio, no campo dos tributos vinculados, está condicionado

À possibilidade, maior ou menor, de mensuração do custo da atuação estatal com referência ao sujeito passivo da exigência fiscal, dependendo do tipo de atividade de polícia administrativa ou da modalidade de serviço público específico e divisível ensejadores da instituição da respectiva taxa.

Ainda nesse mesmo ponto de estudo, para Igor Mauler Santiago[111]

É a praticabilidade, por fim, que legitima as taxas fixas, observada, sempre, a correspondência entre o seu valor e o custo razoável do serviço ou do ato de fiscalização[112].

[Ainda que] a Praticabilidade [não equivalha] a um cheque em branco  em favor do legislador, que - reconhecidas certas impossibilidades materiais na quantificação dos tributos - ficaria liberado para fixá-los como bem entendesse.

O afastamento do estrito comando constitucional (retributividade para as taxas, capacidade contributiva para os impostos) não pode ser tal que afaste a exação de uma realização ao menos tendencial daquele comando, e muito menos que a conduza a afrontá-lo.

E, em sua análise dos escritos de Igor Mauler Santiago, Regina Helena Costa pondera acerca da aparente contradição da necessidade do uso da praticabilidade nos impostos e nas taxas. Diz ela que, em que pese a menor liberdade em utilizar-se de tal instituto nos tributos vinculados, é neles que se faz mais presente tal exigência.

Isso porque, como leciona, a utilização dos expedientes da praticabilidade irão “superar as barreiras existentes para a mensuração do custo da atividade estatal e sua repartição entre os contribuintes, viabilizando sua quantificação”[113].

3.3 A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

Também a repartição de competências tributárias, previamente estabelecidas pelo legislador originário, mostra-se um limitador à praticabilidade. Com relação a esse aspecto, vem de Geral Ataliba[114] importante lição, estabelecendo que

A ampla, minuciosa e estrita disciplina constitucional das competências tributárias retira toda liberdade do legislador no fixar os aspectos das hipóteses de incidência tributária. Assim, sua materialidade só pode ser a constitucionalmente já prevista (ou de âmbito menor).

Entretanto, a maior das limitações é aquela vista a seguir: os princípios constitucionais e tributários.

3.4 AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

As limitações ao poder de tributar, na visão de Regina Helena Costa, dividem-se, essencialmente, entre as imunidades tributárias e os princípios. E, como extraído de sua obra, é nesses últimos que residem as principais limitações à praticabilidade tributária.

3.4.1 Princípios Jurídicos

Poucos temas suscitam tanto debate dentro da Ciência do Direito quanto os princípios de direito e seus desdobramentos dento de um ordenamento jurídico. Conceito, interpretação, limites, interrelação: muitos são os aspectos que merecem debate e, de forma justa, já incorreram nos mais inflamados discursos por parte de doutrinados pátrios e estrangeiros.

Dentre os mais diversos conceitos que já foram oferecidos aos princípios, Celso Antônio Bandeira de Mello, como grande administrativista que é, obteve apertada porém interessante síntese. Segundo Mello[115]

Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Paulo de Barros Carvalho[116] tampouco se omite na tentativa de conceituar os princípios jurídicos, brindando a Ciência do Direito com valiosa definição. Assim os define

Os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.

Dessa forma, a praticabilidade, enquanto princípio, passa a reger-se por tais mandamentos e determinações, pensadas pela doutrina ao longo dos séculos e cristalizadas nos mais diversos diplomas jurídicos. Entretanto, como já fora rapidamente citado, enquanto princípio, a praticabilidade suscita importante aspecto a ser estudado: sua interpretação frente aos demais princípios constitucionais e de direito tributário.

Deve-se a Ronald Dworkin o reconhecimento da normatividade dos princípios, bem como de sua supremacia em relação às regras. Além disso, sob o auspício de seus ensinamentos criou-se a noção de que as regras são institutos “aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada”[117]. Porém, ressalta Regina Helena Costa[118]

Os princípios, por seu turno, não impõem, desde logo, uma decisão particular, apenas representam uma razão a conduzir a decisão em um determinado sentido, e que deve ser ponderada e sopesada com outras razões derivadas de outros princípios, que se demonstram igualmente relevantes para a regulação do caso concreto e que, porventura, apontam em um sentido diferente

O conflito entre princípios [portanto] resolve-se através da escolha do princípio que, diante das características do caso, assume maior importância ou peso, isto é, representa a melhor razão para a tomada da decisão jurídica; a eleição de um princípio não invalida […] os demais princípios que conduzam à direção oposta.

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Refutando a distinção entre regras e princípios sob o aspecto da generalidade, Robert Alexy afirma que tal distinção reside no aspecto qualitativo. Segundo Alexy, “tanto as regras como os princípios são normas porque ambos estabelecem o que é devido”[119]; porém, enquanto as regras são aplicadas pela subsunção, sendo necessariamente aplicadas caso o conceito do fato seja suficientemente adequado ao conceito da norma[120], os princípios são mandamentos de otimização. Alexy atenta, ainda, para a utilização das expressões ‘conflito entre regras’ e ‘colisão entre princípios’, como lembra Virgílio Afonso da Silva[121].

Nesse sentido, enquanto em um conflito de regras deve ser analisada a dimensão da validade no caso concreto, na colisão de princípios tem lugar a dimensão do peso [de cada princípio]. Assim, os princípios são normas que “ordenam que algo seja realizado em uma medida tão ampla quanto possível, relativamente a possibilidades fáticas ou jurídicas; e, como tais, podem ser preenchidos em graus distintos”[122].

Regina Helena Costa ainda cita um artigo de Robert Alexy[123] em que o autor afirma que

Princípios e ponderações são dois lados do mesmo objeto. Um é do tipo teórico-normativo; o outro, metodológico. Quem efetua ponderações no Direito pressupõe que as normas, entre as quais é ponderado, têm a estrutura de princípios, e quem classifica normas como princípios deve chegar a ponderações. A discussão sobre a teoria dos princípios é, com isso, essencialmente, uma discussão sobre a ponderação.

Realizada breve análise dos princípios jurídicos e os desdobramentos que interessam ao tema principal, passa-se à apreciação dos mais variados princípios jurídicos de direito tributário. Seu estudo, lembrando sempre de sua interação com o princípio da praticabilidade tributária, levarão ao ponto nuclear deste trabalho, qual seja, os limites a serem respeitados por esse.

3.4.1.1 Princípio da isonomia e capacidade contributiva

“Indissoluvelmente ligadas às noções de isonomia, capacidade contributiva e praticabilidade”[124]: com essas palavras, Regina Helena Costa dá início à sua análise acerca das limitações a que se submete o princípio da praticabilidade.

Se a ideia é analisar a observância do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, quando da aplicação da praticabilidade, nada mais oportuno do que trazer à baila os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando do lançamento de sua obra O conteúdo jurídico do princípio da igualdade.

Segundo Mello, a principal amostra do respeito necessário ao princípio da igualdade reside na necessária correlação entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida, e que essa vislumbre os interesses abarcados na Constituição da República. Ainda segundo Mello[125], a proteção à isonomia reside em quatro pontos basilares

-                     que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo;

-                     que o fator de desigualação consista num traço diferencial residente nas pessoas ou situações, vale dizer, que não lhes seja alheio;

-                     que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele; e

-                     que, no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público, à luz do texto constitucional.

Com relação ao princípio da isonomia especificamente aplicado à seara tributária, José Marcos Domingues de Oliveira[126] tece relevante observação, face a sua peculiaridade

-                     se todos são iguais perante a lei, todos devem ser por ela tributados (princípio da generalidade)

-                     o critério de igualação ou desigualação há de ser a riqueza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do contribuinte para manter as finanças públicas; assim, pagarão todos os que tenham riquezas; localizados os que têm riqueza (logo, contribuintes), devem todos estes ser tratados igualmente - ou seja, tributados identicamente na medida em que possuírem igual riqueza (princípio da igualdade tributária);

-                     essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza (primeira acepção do princípio da capacidade contributiva, como pressuposto ou fundamento do tributo);

-                     essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita, nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade (segunda acepção do princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de graduação e limita da tributação) [grifos no original].

Como se pode observar das citações transcritas, o princípio da isonomia, quando aplicado ao direito tributário, tem sua principal expressão no princípio da capacidade contributiva. Embora o primeiro proteja a discriminação quando da aplicação da lei e vise à colocação de desiguais em patamar de maior equilíbrio, é no princípio da capacidade contributiva que se encontra o mais importante aspecto da igualdade tributária.

Paulo de Barros Carvalho ressalta que o princípio da capacidade contributiva, quando empregado em sua acepção relativa ou subjetiva (tal critério será analisado mais profundamente a seguir), “embora revista caracteres próprios, sua existência está intimamente ilaqueada à realização do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, do Texto Supremo”[127].

Nas palavras de Regina Helena Costa, no direito tributário, o próprio “critério básico que mensura a igualdade ou a desigualdade é a capacidade econômica do contribuinte”[128], devendo essa servir como farol à confecção dos tributos. Leciona ainda que a capacidade contributiva se revela como “critério ético da imposição tributária, porquanto responde aos reclamos da justiça tributária, voltada à minimização das disparidades sociais e econômicas”[129].

Sacha Calmon Navarro Coêlho, por sua vez, alude à noção de que a capacidade contributiva apresenta “duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito”, sendo elas, a supremacia do indivíduo frente ao Estado e a necessidade de realização do princípio de justiça que, no direito tributário, é expresso pelo princípio da capacidade contributiva e suas técnicas[130].

Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário, vai ainda mais longe ao afirmar que mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributos (ou seja, respeitar os limites objetivos e subjetivos do princípio da capacidade contributiva) é o “grande desafio dos quantos lidam com esse delicado instrumento de satisfação dos interesses públicos”[131].

Citado na passagem pretérita, cabe distinguir as capacidades contributivas absoluta e relativa, ou objetiva e subjetiva, nas expressões usadas anteriormente. Enquanto a primeira representa “a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza”, a segunda consiste na “repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”[132].

Em outras palavras, está-se diante da capacidade contributiva objetiva quando a norma se refere a um fato que constitui uma manifestação de riqueza, ao passo que a capacidade contributiva subjetiva está ligada a um sujeito individualmente considerado e sua própria expressão de aptidão para contribuir[133].

Com relação à expressão da capacidade contributiva no corpo de um sistema normativo e sua influência na efetivação dos demais direitos fundamentais, imponente a passagem do jurista português Casalta Nabais[134], quando diz que

Por isso, compreende-se que o apelo ao princípio da capacidade contributiva, a que se assiste um pouco por toda a parte, não obstante a diversidade que apresenta, não é senão a expressão da tentativa de afirmação da ideia do Estado de Direito material, no cada vez mais absorvente e indomesticável domínio da tributação, depois de, há bastante tempo, a mesma ideia se ter afirmado com assinalável êxito na generalidade dos sectores da acção estadual, através essencialmente da subordinação desta aos direitos fundamentais e do seu efectivo controlo pelas jurisdições constitucionais. Pois bem, é o diagnóstico deste défice, relativamente ao qual converge a generalidade das análises, o pano de fundo que está por detrás da (re)vitalização do princípio da capacidade contributiva, visto como uma terapia, ao lado de outras, capaz de anular ou ao menos diminuir o fosso que se foi instalando entre o direito fiscal e o restante direito público, a expensas aliás de pretensões autonomistas que, por excessivamente ancoradas em aspectos formais, mormento no princípio da legalidade fiscal, se revelaram contraproducentes, ao redundarem, afinal de contas, num regime de apartheid desfavorável ao desenvolvimento do direito dos impostos (sic).

Conceituados de acordo com a doutrina pátria e estrangeira, o princípio da capacidade contributiva também é expresso na legislação brasileira. A capacidade contributiva subjetiva vem expressa no art. 145, §1º, da Constituição da República, o qual dispõe que

Art. 145, §1º, CR: sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à Administração Tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes.

Enquanto isso, a capacidade contributiva objetiva está presente nos dispositivos da Constituição da República que formam as regras-matrizes de incidência de cada um dos tributos, revelando, assim, as manifestações de riqueza passíveis de tributação.

Aclarados os aspectos mais relevantes dos princípios da autonomia e da capacidade contributiva, cabe, finalmente, demonstrar  de que forma esses têm influência no princípio da praticabilidade tributária, limitando-a, ainda que também necessitando dessa para sua efetivação. Esse binômio, aparentemente contraditório, é elucidado novamente por Casalta Nabais[135], ao defender que

Uma tributação preocupada com a busca maximalista da justiça fiscal, assente assim numa capacidade contributiva efectiva dos contribuintes a apurar em termos personalizados no respeitante ao(s) imposto(s) sobre o rendimentos dos indivíduos, pode precisamente conduzir ao resultado oposto, por deficiências inultrapassáveis na sua aplicação e execução (sic).

Klaus Tipke também enaltece esse importante papel da praticabilidade, defendendo que, embora pareça estranho raciocinar com padronizações como expressão do princípio da igualdade, e de fato há certa violação desse, o princípio da capacidade contributiva, aplicado minuciosamente, levaria a uma mitigação ainda maior da igualdade[136].

Esse embate entre os princípios da capacidade contributiva, um ideal a ser perseguido, e da praticabilidade, uma ferramenta a ser utilizada frente à impotência de o Estado fiscalizar, somente pode ser resolvido pelo método da ponderação, de Robert Alexy[137].

Diante disso, Regina Helena Costa afirma que “o desafio será encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessária praticabilidade e a realização da isonomia”, ressaltando, ainda, que “o respeito à isonomia e à capacidade contributiva tem prevalência; assim, somente é legítima a praticidade que não conculque tais valores, mas, ao contrário, os efetive”[138].

Novamente Casalta Nabais[139] traça consideração da mais relevante sobre esse conflito aparente de normas, lembrando que

Por isso, o relevo ou mesmo o primado que o princípio técnico da praticabilidade deve assumir nos sectores jurídicos dominados pela fenomenologia da massificação, como é paradigmaticamente o do direito dos impostos, é ainda, ao fim e ao cabo, um requisito dos próprios princípios materiais, sobretudo do princípio da igualdade, que, deste modo, se tem de contentar ou autolimitar para poder ser exequível e praticável (sic).

Ainda que de forma apertada, têm-se como abarcado todo o princípio da isonomia, sua expressão na capacidade contributiva, e a interrelação com o princípio da praticabilidade tributária. Delineada a limitação à qual se atenta este estudo, dá-se continuidade aos demais princípios jurídicos relevantes.

3.4.1.2 Princípio da razoabilidade

À exclusão do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, talvez o princípio da razoabilidade seja aquele que mais intimidade revela com o princípio da praticabilidade tributária.

Enquanto Estevão Horvath leciona que o manejo do conceito de razoabilidade nunca foi tão importante para o intérprete do Direito como nos dias de hoje[140], Regina Helena Costa o define como um preconizador entre o equilíbrio, a ponderação e a harmonia entre os diversos interesses amparados pela Constituição da República[141].

Luis Roberto Barroso[142], por sua vez, classifica-o como “mecanismo destinado a controlar a discricionariedade legislativa e administrativa, ressalvando ainda que

Mais fácil de ser sentido que conceituado, o princípio habitualmente se dilui num conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão bastante subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar (grifos no original).

E continua, demonstrando de que forma a razoabilidade se divide em dois elementos fundamentais ao seu entendimento e à persecução de seus fins. De um lado temos a necessidade ou exigibilidade da medida, impondo “verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados”, hipótese em que a razoabilidade “se expressa através do princípio de vedação do excesso”; de outro a noção de proporcionalidade em sentido estrito, no bojo da própria razoabilidade, aludindo a noção de ponderação entre ônus imposto e benefício trazido[143].

Regina Helena Costa pontua tal princípio, no corpo normativo brasileiro, como expressão do art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Já Celso Antônio Bandeira de Mello fundamenta-o nos mesmos dispositivos que abarcam a legalidade (arts. 5º, II, XXXVII e LXXXIV) e a finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX)[144].

Temos, ainda, constante na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, em seu art. 2º, a seguinte disposição: “A administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” (grifo nosso).

E, extraídas desses dispositivos legais e da interpretação sistemática de todo o arcabouço jurídico pátrio, temos as noções de razoabilidade e proporcionalidade, visando, como pontua Regina Helena Costa, “à adoção de formas simples, propiciadoras, de um lado, de segurança e, de outro, de respeito aos administrados, evocando-se claramente a noção de praticabilidade”[145].

Assim, a noção de razoabilidade na seara tributária nos remete à ideia do não-confisco, ou seja, a tributação com caráter sancionatório. É razoável que a tributação seja reflexo, também, dos próprios contribuintes, não podendo, em nome da praticabilidade, que tais limites sejam ultrapassados.

A utilização de mecanismos de simplificação fiscal não pode servir ao escopo da tributação com fins de confisco, ou seja, “tributação desarrazoada, na medida em que subtrativa de expressiva parcela do patrimônio do sujeito passivo, em ofensa à justiça na tributação”[146].

Discorrido acerca dos limites encontrados pela praticabilidade no princípio da razoabilidade, dá-se continuidade ao estudo com a análise dos demais princípios relevantes.

3.4.1.3 Princípio da segurança jurídica

Analisado por alguns doutrinadores como um princípio basilar do próprio Estado Democrático de Direito, a Segurança Jurídica é um ideal a ser perseguido quando da edição e aplicação das leis.

Como assinala o mestre Maurício Dalri Timm do Valle, “em que pese alguns doutrinadores de tomo não encontrarem o princípio de forma explícita no Texto Constitucional […] estando implícito ou explícito, não se questiona sua existência”[147].

O Direito, como defendido por Geraldo Ataliba, é, acima de tudo, “um instrumento de segurança”[148]. Nesse sentido, antes de regular e limitar as possíveis atitudes daqueles que se encontram sob determinado sistema jurídico, a intenção de um corpo normativo é criar um ambiente de certeza e igualdade.

E nesse binômio, como defendido por Regina Helena Costa, reside o princípio da Segurança Jurídica[149]. Os indivíduos necessitam dessa certeza com relação à legalidade das atitudes dos demais e, principalmente, do Estado. A respeito desse aspecto da segurança jurídica discorre Ataliba[150], lecionando que

Ele (o princípio da segurança jurídica) é que assegura a governantes e governados os recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto mais segura uma sociedade, tanto mais civilizada. Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o Direito é objetivamente um e que os comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos não discreparão (…). (grifo nosso).

Misabel Derzi, por sua vez, relaciona o princípio da segurança jurídica a princípios intrínsecos ao direito tributário, ressaltando que as ideias de “anterioridade, previsibilidade, irretroatividade, jurisdição, processo devido e especialidade” são manifestações de um princípio único: a segurança jurídica[151]. Lembra ainda que, em matéria tributária, a segurança jurídica funda-se, precipuamente, no princípio da legalidade formal e material.

Ainda na seara tributária, Alberto Xavier indica, enquanto manifestação da segurança jurídica, o princípio da confiança na lei fiscal, discorrendo que “as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais”[152].

O ambiente de insegurança jurídica, por muito tempo arraigado na realidade brasileira, fora objeto de crítica de Alfredo Augusto Becker, quando da publicação de seu Carnaval Tributário. Disse o mestre que a “proliferação dessas alterações (no imposto de renda) é tão rápida e contínua que o Governo não se dá mais ao trabalho de consolidar tudo em novo Regulamento do Imposto de Renda, cuja sigla, hoje, é uma ironia:  RIR”[153].

Já Roque Carrazza cita o princípio da boa-fé, em matéria tributária, como expressão da segurança jurídica. Segundo Carrazza[154]

(o princípio da boa-fé) irradia efeitos tanto sobre o Fisco quanto sobre o contribuinte, exigindo que ambos respeitem as conveniências e interesses do outro e não incorram em contradição com sua própria conduta, na qual confia a outra parte (proibição de venire contra factum proprio).

Alcançando, finalmente, o ponto de encontro entre os princípios da segurança jurídica e da praticabilidade, Regina Helena Costa afirma que sua conexão é “de essência, visto que os mecanismos implementadores desta visam, exatamente, a reforçar aquela”[155].

Grande lição vem de Alfredo Augusto Becker[156] que, ao definir a praticabilidade e a certeza (segurança jurídica) como requisitos essenciais à juridicidade da regra jurídica, arrola as situações em que ambos os princípios são contemplados, em prol da legalidade e aplicabilidade da legislação

-                    na constatação dos fatos que realizam a hipótese de incidência;

-                    no entendimentos dos efeitos jurídicos preestabelecidos pela regra e condicionados à realização da hipótese de incidência;

-                    na fiscalização da respeitabilidade a estes efeitos jurídicos;

-                    no exercício da coação para alcançar a sujeição aos efeitos jurídicos, além de conduzir a uma natural limitação à natalidade das relações jurídicas, propiciando uma melhor efetivação da respeitabilidade ao seu conteúdo jurídico.

Dessa forma, garante o legislador certeza e aplicabilidade à legislação, abarcando os princípios da segurança jurídica e da praticabilidade. Entretanto, em que pese a visualização, por parte da doutrina, de situações em que tais princípios se complementam, a segurança jurídica acomoda-se como evidente limite à praticabilidade.

Não há que se pensar, em nome da praticabilidade e da aplicabilidade da lei fiscal, em desrespeito à segurança jurídica e às suas expressões tributárias, como nos princípios da anterioridade e irretroatividade. 

3.4.1.4 Princípio da legalidade

Como não poderia deixar de ser, o princípio da praticabilidade também esbarra e se vê limitado pelo princípio da legalidade, corolário nuclear do sistema jurídico nacional.

Heleno Tôrres[157] destaca as diferentes feições as quais são remetidas o princípio da legalidade, sendo elas

-                    como princípio da “reserva de lei” formal, em relação às matérias para as quais a Lei Maior exige lei específica;

-                    como princípio da “tipicidade”, ou legalidade material, quanto à tipificação exaustiva dos critérios materias;

-                    como princípio da vinculatividade ou de preeminência, a exigir submissão de todos os atos administrativos império da vontade legislativa.

Vistos tais desdobramentos do princípio da legalidade, mormente no campo tributário, chega-se claramente à limitação imposta por aquele ao princípio da praticabilidade: a lei enquanto instrumento único de viabilização.

Como já fora tratado anteriormente, é função do legislador aplicar o princípio da praticabilidade, quando da edição de dispositivos legais, e, pesando-o com os demais princípios e regras do ordenamento jurídico, garantir sua aplicabilidade e legalidade.

Não obstante sua existência nos meios administrativo e jurisdicional, ainda que de forma excepcional e pautados em lei, Misabel Derzi afirma que a “praticidade é corolário do próprio princípio da legalidade […] pois ao legislador cabe a autotributação, o autoconsentimento ao pagamento dos tributos, a justiça geral (por todos e para todos), sem corporativismos e privilégios”[158] (grifos no original).

Também com relação à interação dos princípios, Eduardo Maneira[159] declara que

A praticidade como princípio autônomo é princípio vazio, sem conteúdo; a sua razão de ser é a de garantir a aplicabilidade da lei, por meio de técnicas de simplificação que possibilitam alcançar realidades de natureza complexa.

Portanto, na linha de raciocínio de Maneira, o princípio da praticabilidade perde sua razão de ser quando desvinculado da realização dos demais princípios do ordenamento jurídico, dentre eles, a legalidade. Se aquele é instrumento de viabilização da própria lei, o respeito à legalidade, ou seja, aos preceitos já existentes e às formalidades necessárias, torna-se um ponto de partida à sua aplicação.

Além disso, Casalta Nabais traça uma noção bastante interessante, ainda que inversa àquela usual, demonstrando que o princípio da praticabilidade pode mostrar-se um limite à própria legalidade (enquanto princípio da “tipicidade”), quando da simplificação da aplicação da lei, “sob pena de nos depararmos com soluções impraticáveis, no sentido de economicamente insuportáveis”[160].

3.4.1.5 Princípio republicano

Limita a praticabilidade, ainda, o princípio republicano. Consagrado na Constituição da República, em seu artigo 1º, caput, o princípio republicano, segundo Geraldo Ataliba, funda-se nos “princípios da legalidade, da isonomia e da intangibilidade das liberdades públicas […] no qual se asseguram a certeza e a segurança do Direito”[161].

Nos termos da análise realizada por Regina Helena Costa, sendo o princípio republicano pautado na isonomia e na segurança jurídica, exatamente pelos traços de certeza e segurança, imediatamente tem-se remetido, na seara tributária, ao princípio da capacidade contributiva.

Esse último, já analisado como grande limitador da praticabilidade, define a forma como a tributação deve pautar-se nos aspectos objetivo, ou nos atos signos presuntivos de riqueza, e subjetivos, ou na capacidade de cada sujeito em abastecer os cofres públicos.

Roque Carrazza ainda defende a existência do “subprincípio” da destinação pública do dinheiro obtido mediante a tributação, criado no bojo do republicano e também limitador da praticabilidade[162].

3.4.1.6 Princípio da eficiência

Outro princípio que apresenta grande relevância frente à praticabilidade é o princípio da eficiência. Tido como um dos principais norteadores do direito administrativo e da própria Administração Pública, tem sua expressão no ordenamento pátrio no art. 37, caput, da Constituição da República.

Em que pese sua importância ser exaltada pela generalidade de estudiosos do direito, seus fundamentos ainda causam discórdias na doutrina nacional. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[163], expoente de uma das correntes, defende que

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”.

Segundo Regina Helena Costa, tal concepção traduz “um mandamento de otimização na atividade administrativa, daí sua relevância”[164]. Porém, posicionando-se frente à concepção mais acertada, em sua opinião, corrobora com aquela defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, para o qual a eficiência é um “dever administrativo, somente [podendo] ser concebida nas dobras do princípio da legalidade, revelando-se, mesmo, como uma das facetas de um princípio mais amplo, o da ‘boa administração’”[165].

Nesse sentido, defende a autora, o princípio da eficiência pode ser traduzido como a busca pela efetivação dos interesses coletivos. E, não obstante analisar o direito tributário espanhol nesse ponto, cita a rechaça à imposição de deveres instrumentais demasiadamente onerosos ao contribuinte como expressão da eficiência.

Regina Helena Costa[166] finaliza, por sua vez, ressaltando a opinião de Casalta Nabais, no sentido de que

Praticabilidade rima com eficiência, na medida em que a massificação das relações tributárias, expressa em milhões de contribuintes, há de se coadunar com as exigências de justiça na tributação, que reclama a atenção às condições pessoas e à capacidade contributiva daqueles.

Chega-se, assim, à interação existente entre os princípios da eficiência e da praticabilidade. Antes de um limitador, aquele exerce um papel de fomentador desse, relembrando ao legislador a necessidade de perseguição do interesse público, incluído, aí, a efetividade da tributação. Entretanto, como citado, pode ser externado também como limitadora, na medida em que impede o Estado de sobrecarregar o contribuinte com funções inerentes à fiscalização e aplicação estatal da lei.

3.4.1.7 Princípio da moralidade

Ainda que alguns defendam pela completa separação entre as noções de direito e moral, muitos são os doutrinadores (e pela grandeza de seu trabalho fazem-se ouvir) que defendem a permanência do conceito como princípio arraigado em todo o sistema jurídico nacional.

Grandiosa a passagem de Souto Maior Borges[167] a respeito da relação direito-moral, lembrando que

Ao longo do tempo, o Direito perdeu gradativamente, desfazendo-os, os laços que o uniam estreitamente à Moral. A Moral foi assim distinta do Direito, por dizer respeito ao ‘foro interno’ e o Direito ao ‘foro externo’ das ações humanas. Entre a separação absoluta do Direito e Moral e inserção primeva do Direito no âmbito da Moral interpõe-se - como estágio intercalar - a consideração de um ‘mínimo ético’.

Embora a noção de moral seja pouquíssimo aplicada à seara tributária, Regina Helena Costa desbrava tal caminho, buscando em Klaus Tipke o fundamento base. Assim, partindo da obra desse jurista, defende que o ‘mínimo ético’, proposto por Souto Maior Borges, quando aplicado à conduta dos contribuintes e do Estado, diz respeito à tributação enquanto instrumento para a realização de uma ‘justiça distributiva’[168].

Dessa forma, estaria ela (a moral) aplicada ao direito tributário mormente na forma dos princípios da isonomia e capacidade contributiva, e nos valores de probidade, lealdade, boa-fé, decência e justiça.

Ainda, ao dizer que o ‘mínimo ético’ opera, no direito tributário, em dois planos - legislativo e administrativo - relaciona-os aos princípios da razoabilidade e impessoalidade, respectivamente. O primeiro diz respeito à forma como a atividade legiferante deve encontrar um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação e a capacidade contributiva dos contribuintes, ao passo que o segundo diz respeito à correta fiscalização e arrecadação dos tributos.

Ambos, como já visto anteriormente, apresentam-se como barreiras à praticabilidade, não a mitigando por completo, ainda que lhe impondo claras e intransponíveis balizas, sempre no melhor interesse público.

Tem-se por analisados, de forma geral, ainda que concisa, os limites impostos à  praticabilidade pelos demais princípios existentes no Direito brasileiro e que, pelos motivos expostos, apresentam uma relação próxima com o objeto deste estudo.

Dessa forma, bases sólidas foram tecidas a fim de possibilitar a análise dos vários instrumentos de aplicação do princípio da praticabilidade, mormente abstrações generalizantes e conceitos jurídicos indeterminados, praticados pelo legislador, e atentar ao principal questionamento enfocado no trabalho: será que a praticabilidade tem sido aplicada com vista aos seus fundamentos legais e, principalmente, aos limites que a ela são impostos?

Com esse desafio em mente, parte-se ao terceiro e último capítulo.

Sobre o autor
Thiago Luis Reinert

Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba; e estudante de Direito, também pelo Centro Universitário Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINERT, Thiago Luis. Praticabilidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3399, 21 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22850. Acesso em: 24 dez. 2024.

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