No ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal trouxe um importante precedente para as hipóteses de reconhecimento de responsabilidade tributária nos autos do Ag Reg no RE 608.426-PR, de relatoria do i. Ministro Joaquim Barbosa tendo ficado assentada a necessidade do respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal nos processos administrativos tributários para a inclusão de co-devedor.
O referido julgado vem sendo utilizado pelos co-devedores e pelo Judiciário de forma indiscriminada, sendo aplicado indevidamente nas hipóteses de dissolução irregular da sociedade. Vejamos o entendimento do i. Magistrado da 10ª Vara Fiscal Federal do Estado de São Paulo:
Processo nº 0002875-50.2010.4.03.6182
Entendo que inclusão dos sócios de empresa executada no polo passivo sem a devida comprovação de que contra eles deve, realmente, prosseguir a execução é medida extremamente perigosa, uma vez que atenta contra o patrimônio das pessoas. Muitas vezes, sequer tiveram contato com a empresa executada, ou se faziam parte dela, não tinham participação em decisões.
Assim, para o redirecionamento do feito contra os supostos responsáveis tributários, faz-se necessária a comprovação por parte da exequente dos seguintes pressupostos:
a) a existência de um fato que não seja o inadimplemento (STJ, Súmula 430);
b) a dissolução irregular da sociedade (STJ, Súmula 435);
c) que o(s) apontado(s) como responsável(eis) estava(m) na direção, gerência ou representação quando do fato gerador do tributo e que era(m) sócio(s) da empresa executada (STF, RE 562.276/PR, rel. Min. Ellen Gracie) ed) o respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (STF, Ag Reg no RE 608.426-PR, rel. Min. Joaquim Barbosa). Para tanto, deveria apresentar cópia do processo administrativo de responsabilização.
Considerando que a exequente deixou de comprovar todos os pressupostos acima mencionados, indefiro o pedido de inclusão dos sócios no polo passivo por entender que não está configurada a responsabilidade tributária da(s) pessoa(s) indicada(s) e mantenho a suspensão do feito nos termos do artigo 40 da Lei 6.830/80.
Int.
É assente no STJ que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes: REsp n.º 513.912/MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 01/08/2005; REsp n.º 704.502/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 02/05/2005; EREsp n.º 422.732/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 09/05/2005; e AgRg nos EREsp n.º 471.107/MG, deste relator, DJ de 25/10/2004.
Assim, a não localização da empresa em seu endereço gera a presunção de encerramento irregular da sociedade, possibilitando o redirecionamento da execução em face dos sócios-gerentes, por infração à lei.
Nesse sentido, entende o C. Superior Tribunal de Justiça, como se observa dos julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA NÃO LOCALIZADA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO. RESPONSABILIDADE. SÓCIO-GERENTE. ART. 135, III, DO CTN.
1. A não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possibilidade de responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. Entendimento sufragado pela Primeira Seção desta Corte nos EREsp 716.412/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22.09.08.
2. Embargos de divergência conhecidos em parte e providos.
(STJ, EREsp 852437 / RS, 1ª Seção, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, j. 22/10/2008, DJe 03/11/2008)
PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - INCLUSÃO DE SÓCIO-GERENTE NO PÓLO PASSIVO - RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA - DISSOLUÇÃO IRREGULAR - MUDANÇA DE DOMICÍLIO FISCAL SEM COMUNICAÇÃO À FAZENDA PÚBLICA - AUSÊNCIA DE REGISTRO EM JUNTA COMERCIAL - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - AGRAVO REGIMENTAL - ALEGAÇÃO DE REEXAME PROBATÓRIO - VALORAÇÃO DOS FATOS.
1. O mero inadimplemento do tributo não é causa de responsabilização tributária do terceiro para imputar-lhe a obrigação tributária por transferência.
2. A infração à lei, hipótese que autoriza a transferência da responsabilidade tributária, deve ser compreendida como o comportamento antijurídico do empresário e deve ser aferida em cada caso.
3. Há inúmeros precedentes desta Corte que consideram a dissolução irregular da pessoa jurídica como hipótese de infração à lei e, por conseguinte, causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal.
4. Trazendo o acórdão em seu corpo a descrição dos elementos de fato, a análise (valoração) da suficiência destes para a configuração ou não da responsabilidade tributária não implica no reexame do acervo probatório. Precedentes.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg no REsp 866082 / RS, 2ª Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, j. 16/09/2008, DJe 14/10/2008)
No mesmo sentido é o entendimento constante da Súmula 435 do STJ, pacificando a questão, vejamos:
Súmula 435: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente".
Ao analisar atentamente o julgado do Supremo Tribunal Federal, percebemos que a situação fática é completamente diversa da hipótese de redirecionamento da execução fiscal por dissolução irregular.
No caso levado ao conhecimento da Egrégia Corte Constitucional, a inclusão do contribuinte, na qualidade de co-responsável, se deu na oportunidade da constituição do crédito tributário, ou seja, ainda na fase administrativa, para que seu nome constasse diretamente da Certidão de Divida Ativa.
Nesta senda, verifica-se que no precedente a constituição do crédito do tributário decorreu da lavratura de auto de infração, onde necessariamente deve ser oportunizado aos administrados a sua impugnação, tendo a autoridade administrativa visitado a empresa e analisado os livros próprios, ocasião em que verificou a irregularidade
Contudo, quando estamos diante de hipóteses de dissolução irregular não há na fase administrativa qualquer interesse no redirecionamento do feito, uma vez que a empresa, em regra, encontra-se em funcionamento, tendo cumprido suas obrigações acessórias de apresentar as devidas declarações que são aptas a constituição do crédito tributário.
Ademais, a dissolução da sociedade, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, deve ser comprovada prioritariamente por meio do Oficial de Justiça, oportunidade em que nasce o interesse de redirecionar o feito executivo.
Ainda, é oportuno salientar que nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal em face da dissolução irregular, em regra, o crédito tributário já está devidamente constituído por meio de Termo de Confissão Espontânea/Declaração/DCTF, realizada pelos próprios sócios administradores, que participam do procedimento administrativo com o ato da formalização da entrega destes ao Fisco.
Por fim, a conduta dos sócios gerentes que implicou sua responsabilização ocorreu depois da constituição do crédito tributário, por meio da dissolução irregular da sociedade, não tendo nenhum nexo de causalidade com o crédito tributário que se encontra devidamente constituído.
Desta forma, exigir a participação dos sócios administradores da sociedade no processo administrativo fiscal no caso de dissolução irregular, configura-se prova diabólica ou impossível, uma vez que é impossível, no âmbito administrativo, comprovar a dissolução irregular de uma empresa que cumpre suas obrigações tributárias assessórias, por meio da entrega regular de suas Declarações e DCTFs e promover sua responsabilização por fato que ainda não ocorreu, devendo ser realizado o “distinguishing” entre o caso concreto e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo sua inaplicabilidade nestes casos.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 5ª ed. São Paulo: Método 2011.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 7. ed. Salvador: Juspodium, 2007, t. I.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
SABBAG, Eduardo. Manual do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.