O crime conhecido como peculato eletrônico recebe tal denominação em razão do seu Projeto de Lei, tendo em vista: a) cuida-se de crime funcional, com as mesmas penas do peculato (312); b) a conduta diz respeito à atuação do funcionário público em condutas criminosas envolvendo meios eletrônicos ou automatizados.
Ressalva-se que o objetivo inicial da Lei 9.983/2000 era a proteção da Previdência Social. Em que pesem as diversas alterações que fez junto ao Código Penal, foi ampliado “de modo a estender a proteção para os bancos de dados e sistemas informatizados da Administração Pública em geral.”[1]
O artigo 313-A do Código Penal surge em razão da Lei 9.983 do ano 2000, prevendo como crime a inserção de dados falsos em sistema de informações. Conforme salienta Mirabete, a Lei tem por objetividade jurídica a regularidade dos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública,[2] sendo tutelada a segurança do conjunto de informações da Administração Pública.[3] Por certo que a presente legislação atende a um anseio da modernidade, de uma época em que os sistemas de informações são elementos indispensáveis à Administração Pública. Neste prisma muito bem destacou Bitencourt: "Essas facilidades tanto para administrar quanto para fraudar, propiciadas pela informatização em massa, servem de justificativa para criminalizar condutas como a descrita no artigo ora em exame."[4]
Previsto sob o título Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral, tem por sujeito ativo o funcionário público[5], desde que esteja autorizado a operar com os sistemas informatizados ou com os bancos de dados da administração pública.[6] Salienta-se, o tipo penal tem o especial cuidado de afastar qualquer outro funcionário que, eventualmente, imiscua-se indevidamente nos sistemas informatizados ou bancos de dados da administração pública.[7] Sendo que a diferença entre sistema informatizado e banco de dados “(...) é que aquele sempre se relaciona aos computadores, enquanto este pode ter como base arquivos, fichas ou papéis que não estejam ligados à informática."[8]
Os objetos materiais das condutas praticadas são o sistema de informações. Por sistema de informações podemos entender o sistema que manipula informações por meio de uso de banco de dados; programa de informática é o software.[9]
As condutas típicas previstas pela lei são: a) inserir dados falsos, ou seja, o funcionário público acrescenta informações no banco de dados e/ou sistemas informatizados da administração publica que sabe não ser verdadeiros; b) incorre ainda no crime o funcionário público que facilitar a inserção destes dados por terceiros; c) alterar indevidamente dados corretos, logo, comete o delito o funcionário público que alterar dados existentes ou facilitar para que terceiros o façam, modificando a veracidade dos mesmos; d) excluir, ou facilitar para que excluam, de forma indevida, dados corretos que deveriam ficar constando no banco de dados ou no sistema informatizado da administração pública.
O fim especial de obter vantagem indevida constante no art. 313-A, ora em exame, constitui somente o elemento subjetivo especial do injusto que nem sequer precisa concretizar-se, bastando que exista como fundamento da motivação subjetiva do agente para a prática do crime [...][10]
Observa-se que se trata de crime doloso, tanto na forma de atuação pessoal quanto de facilitação, com a finalidade de obter vantagem indevida para si ou para outrem, qualquer que seja ela, ou para causar dano à Administração Pública.[11] Como penas, de dois a doze anos de reclusão, e multa. A jurisprudência tem reconhecido o delito em seus julgados, a exemplo da seguinte ementa de apelação criminal:[12] “Comete o delito previsto no art. 313-A do Código Penal (peculato eletrônico) aquele que insere dados falsos no sistema de dados da Previdência Social, ocasionando com tal ato a concessão de aposentadorias.”
Tem a seguinte redação o artigo:
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.
A título de ilustração colaciona-se o seguinte julgado:
1. O delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, descrito no artigo 313-A do Código Penal, é especial ao crime de peculato delineado no artigo 312 do Estatuto Repressor. 2. Na hipótese, a vantagem indevida auferida em detrimento da administração pública (objeto de tutela do crime de peculato) foi alcançada por meio de um especial modo de agir, consistente na inserção de informações falsas nos sistemas informatizados ou banco de dados da municipalidade. 3. Tal circunstância evidencia a ocorrência de apenas uma lesão ao bem jurídico tutelado, sendo imperioso, diante do concurso aparente de normas penais aplicáveis, o afastamento da condenação referente ao crime de peculato-desvio, já que o delito descrito no artigo 313-A do Código Penal disciplina, na íntegra, os fatos praticados pelo paciente, remediando-se, por conseguinte, o bis in idem repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio.[13]
O tipo até então trabalhado, difere-se do crime de Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações, previsto no artigo 313-B do Código Penal, com redação igualmente introduzida pela Lei 9.983 do ano 2000. Mesmo que tenha por objetividade jurídica idêntica ao delito previsto no 313-A, difere-se, pois, neste crime o agente, também funcionário público, pode ou não estar autorizado a operar o sistema de informações ou programa de informática.
Tem por conduta típica: a) modificar o sistema ou programa de informática, isto é, substituindo programa atual; b) alterar o programa ou sistema já existente. Sendo que, para tanto, o funcionário somente comete o delito quando não estiver autorizado ou não for solicitado pela autoridade competente para realizar modificações ou alterações.
Nesta infração penal não há exigência da presença de elemento subjetivo especial do injusto, representado por um fim especial, como no dispositivo anterior, que exige o fim específico de obter vantagem indevida ou, simplesmente, causar dano.[14]
Causa especial de aumento de pena se da conduta, modificação ou alteração, resultar dano para a Administração Pública ou para o administrado, podendo ser majoradas as penas de um terço até a metade. Eis a redação do tipo:
Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente.
[...]
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.
Muito bem observa Bitencourt, retratando os tempos atuais, sobre a exigência de que o Direito Penal seja chamado para coibir a prática de determinadas condutas, as quais “[...] a facilidade do uso lícito dessas máquinas está diretamente ligada à facilidade também de sua alteração, modificação ou simples alteração, que precisa ser eficazmente combatida."[15] Assim, o peculato eletrônico adequa-se à atual sociedade, buscando preservar interesses tanto da Administração Pública quanto de seus administrados. Inegável assumir que se vive uma época informatizada e na qual o homem se torna dependente do sistema de informações e de dados eletrônicos. Porém, enquanto utilizado com probidade e parcimônia, traz comodidade e celeridade para gestão administrativa, da mesma sorte que instrumentaliza condutas criminosas.
REFERÊNCIAS
1 ACR 13296 PR 2004.70.00.013296-9 – TRF4.
2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v.
3 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8. ed., v. IV. São Paulo: Impetus, 2012. 4 v.
4 HC 213.179/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 03/05/2012.
5 MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado: parte especial Art. 313 a 359-H. v. 3. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.
6 MIRABETE, Julio F.; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte especial. Arts. 235 a 361. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
Notas
[1] MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado: parte especial Art. 313 a 359-H. v. 3. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 611.
[2] MIRABETE, Julio F.; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte especial. Arts. 235 a 361. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 277.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p. 67.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p. 67.
[5] Funcionário público é aquele descrito e conceituado no art. 327 do Código Penal.
[6] MIRABETE, Julio F.; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte especial. Arts. 235 a 361. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 277.
[7] BITENCOURT, op. cit., p. 67.
[8] MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado: parte especial Art. 313 a 359-H. v. 3. 2. ed. Rio de Janeiro: Método, 2012. p. 612.
[9] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8. ed., v. IV. São Paulo: Impetus, 2012. 4 v. p.398.
[10] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p. 71.
[11] MIRABETE, Julio F.; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte especial. Arts. 235 a 361. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 278.
[12] ACR 13296 PR 2004.70.00.013296-9 – TRF4.
[13] HC 213.179/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 03/05/2012.
[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p. 75.
[15] Id., p. 73.