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A imunidade do livro eletrônico: a visão fazendária acerca do alcance normativo do art. 150, VI, “d”, Constituição Federal

Agenda 27/01/2013 às 13:17

O livro constitucionalmente imunizado é o de papel. Eventual exoneração do livro eletrônico há de ser viabilizada pelos legítimos representantes eleitos pelo povo, via emenda constitucional ou projeto de lei.

I. INTRODUÇÃO AOS CASOS CONCRETOS: RREE 202.149 E 595.676

1.No presente artigo, apresentaremos os fundamentos normativos e os argumentos jurídicos que alicerçam o entendimento fazendário acerca da imunidade tributária contida no artigo 150, VI, ‘d’, CF:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 

....

VI – instituir impostos sobre:

...

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

2.Com efeito, tramita no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário n. 595.676, com repercussão geral reconhecida, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, que tem a seguinte controvérsia constitucional: a imunidade contida no art. 150, VI, “d”, CF, alcança componentes eletrônicos a ser utilizados como material didático em curso prático de montagem de computadores?

3.Recentemente, em 26.4.2011, a 1ª Turma do STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário n. 202.149, que tem como objeto a subseqüente indagação: a imunidade do art. 150, VI, ‘d’, CF, é extensiva às peças sobressalentes para equipamento de preparo e acabamento de chapas de impressão offset para jornais?

4.Cuide-se que no julgamento do aludido RE 202.149, o Ministro Menezes Direito (relator originário) e o Ministro Ricardo Lewandowski votaram favoravelmente aos interesses fazendários e, por consequencia, contrariamente aos interesses do contribuinte. Já os Ministros Marco Aurélio, Ayres Britto e Cármen Lúcia votaram favoravelmente aos interesses do contribuinte e, por óbvio, contrariamente aos interesses fazendários. O acórdão do aludido julgamento ainda não foi publicado.

5.A Fazenda Nacional entende que, à luz do texto constitucional, dos precedentes da Suprema Corte e de uma adequada hermenêutica tributária, as respostas devem ser negativas, com a vênia das respeitáveis dissensões, como a do ilustre homenageado Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário, 19 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 239-241), que entende necessária uma interpretação evolutiva da Constituição para que ela cumpra o seu papel na sociedade.


II. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO EXONERAÇÃO FISCAL CONSTITUCIONALMENTE QUALIFICADA

6.O direito tributário tem duas grandes categorias: a oneração e a exoneração (ou desoneração). Ou se recolhe tributo ou não se recolhe o tributo ou o tributo é recolhido parcialmente. O recolhimento do tributo é o mandamento geral. Todos devem contribuir, todos devem ser onerados, pois o Estado necessita de riquezas para cumprir com os seus postulados: a paz e a justiça.

7.Tenha-se o disposto no artigo 150, § 6º, CF:

Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, parágrafo 2, XII, g).

8.Como se vê a exoneração (ou desoneração) deve ser específica e direta, porque o não pagamento de tributo é a exceção. O dever de pagar tributos é a regra, daí porque as exonerações devem ser explícitas, devem ser claras, uma vez que, reitera-se, a expectativa reside na oneração de todas as pessoas e de todos os “fatos econômicos” produtores de riquezas.

9.Pois bem, na esteira do magistério de Sacha Calmon Navarro Coelho (Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, São Paulo: RT, 1982, pp. 119-125) a imunidade tributária consiste na exoneração fiscal constitucionalmente qualificada, porquanto somente a Constituição institui imunidades tributárias.

10.Como é cediço, além da imunidade tributária há outras hipóteses exonerativas, como a isenção, alíquota-zero, redução de base de cálculo e outros modos de diminuição do ônus fiscal. Todavia, somente imunidade tem assento constitucional. Essa é uma diferença crucial entre ela – imunidade – e os demais tipos exonerativos.

11.Nada obstante o caráter constitucional da imunidade tributária, não é possível presumir uma interpretação para as imunidades distinta daquela que deve ser destinada para as demais espécies exonerativas, pois não há uma interpretação constitucional e uma interpretação tributária e uma interpretação civil ou penal.

12.Com efeito, o que há (e deve haver) é uma interpretação jurídica, de todo o ordenamento jurídico, que envolve enunciados constitucionais, tributários, civis, penais, ou seja, de todo o Direito e não de parcela do direito, que não deve ser “interpretado em tiras”, como insistentemente tem ensinado Eros Grau (Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 4 ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 44).

13.Nessa linha, duas são as premissas que servem como pontos de partida para uma adequada compreensão do tema e solução do problema: a) a interpretação da Constituição é interpretação de todo o Direito, é interpretação jurídica; b) a exoneração tributária, seja de que modalidade for, deve ser sempre excepcional, explícita, direta e clara, pois a expectativa reside na oneração fiscal com o recolhimento de tributos que financiem o Estado na consecução de suas finalidades.


III. O LIVRO COMO BEM IMUNIZADO CONSTITUCIONALMENTE

14.No cogitado RE 595.676 pretende o contribuinte que a imunidade concedida ao livro seja estendida ao CD-ROM. Todavia, o legislador constituinte elegeu o livro como objeto imune à tributação (art. 150, VI, “d”, CF).

15.Se o legislador fiscal julgar conveniente exonerar componentes eletrônicos do recolhimento de tributos, tem ele – o legislador – o poder de modificar o texto constitucional e ampliar o rol das imunidades tributárias ou o poder de inovar a legislação e ampliar o rol das isenções tributárias.

16.Nessa perspectiva, com a devida vênia, em homenagem ao postulado da separação dos Poderes e da estrita legalidade tributária, defende a Fazenda Nacional a indispensável intervenção normativa do legislador na específica regulação das exonerações tributárias (imunidade, isenção, não-incidência e outros benefícios fiscais).

17.Por esse ângulo, em fidelidade ao texto constitucional, os cogitados componentes eletrônicos não foram alcançados pela imunidade destinada ao livro, com o devido respeito.

18.Os precedentes da Corte não favorecem a postulação do contribuinte. Com efeito, em caso semelhante ao referido recurso extraordinário, o eminente Ministro Joaquim Barbosa, nos autos do RE 416.579 deu provimento ao recurso fazendário sob o fundamento de que o CD-ROM (compact discs – read only memory) não é alcançado pela imunidade do livro. Eis a aludida decisão de Sua Excelência:

Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a da Constituição) interposto de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região que considerou imune à tributação operações com livros eletrônicos, gravados em compact discs – read only memory (CD-ROM).

Sustenta-se, em síntese, violação do art. 150, VI, d da Constituição.

A orientação firmada por esta Corte interpreta o art. 150, VI, d da Constituição de forma a restringir a salvaguarda constitucional aos estritos contornos dos objetos protegidos: livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Assim, embora a salvaguarda possa abranger diversas etapas do processo de elaboração e circulação do material protegido (RE 102.141 - RTJ 116/268), bem como comporte ampla interpretação a densidade do objeto (imunidade de álbum de figurinhas – cromos autocolantes - RE 221.239, rel. min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 06.08.2004 e das listas telefônicas - RE 101.441, rel. min. Sydney Sanches, Pleno, DJ de 19.08.1988), a imunidade não abrange elementos que fujam à estrita classificação como livros, jornais ou periódicos ou o papel destinado à sua impressão (cf. a interpretação conversa da Súmula 657/STF).

Nesse sentido, não há proteção constitucional à prestação de serviços de composição gráfica (RE 229.703, rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 17.05.2002), às capas duras auto-encadernáveis utilizadas na distribuição de obras para o fim de incrementar a venda de jornais (RE 325.334-AgR, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 19.09.2003), à tinta para impressão de livros, jornais, revistas e periódicos (RE 265.025, rel. min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ de 21.09.2001), às peças de reposição (RE 238.570 - RTJ 171/356 – cf., ainda o RE 230.782, rel. min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ de 10.11.2000) ou à importação de bens para montagem de parque gráfico (AI 530.911-AgR, rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 31.03.2006).

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Dado que o suporte físico que funciona como mídia (“cd-rom”) não se confunde e não pode ser assimilado ao papel, o acórdão recorrido contrariou a orientação fixada por esta Corte (cf., e.g., o AI 530.958, rel. min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJde 31.03.2005 e o RE 497.028, rel. min. Eros Grau, decisão monocrática, DJe 223 de 26.11.2009).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para denegar a segurança.

19.Na mesma batida, além das citadas na referida decisão, há outros precedentes da Corte: RREE 372.645, 495.385, 450.422, 276.213, 203.859, 176.626 e 282.387.

20.Outrossim, colha-se a Súmula 657 do STF: “A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”.

21.Os referidos precedentes, bem como a aludida Súmula, revelam que para o STF a imunidade concedida no agitado dispositivo constitucional não abarca todo e qualquer insumo nem favorece a toda e qualquer relação, mas tão somente aquela que esteja intimamente vinculada com os interesses explicitados no texto constitucional.

22.Nesse percurso, além da obediência ao texto constitucional e do respeito aos precedentes da Corte, uma adequada hermenêutica jurídica autoriza a cobrança de tributos sobre os componentes eletrônicos que se visa exonerar. De efeito, não se cuida de interpretar extensivamente ou restritivamente os enunciados constitucionais, mas de alcançar a finalidade sistemática contida no texto. Essa finalidade sistemática pressupõe a compreensão de todo o texto, e não apenas de trechos ou parcelas da Constituição. 

23.Por esse prisma, o postulado é o de que o Estado necessita de receitas para fazer face às despesas. O princípio é o de que todos os agentes, bens e relações econômicas contribuam para o erário. A regra é a de que apenas os agentes ou os bens ou as relações econômicas explicitamente exoneradas não devam contribuir com o recolhimento dos tributos.

24.Nada obstante as respeitáveis visões em sentido contrário, uma interpretação constitucionalmente adequada é no sentido de que o pagamento de tributo seja o padrão, e o não pagamento ou a exoneração tributária seja a exceção, como já mencionado.


IV. A IMUNIDADE DO PAPEL E OUTROS INSUMOS

25.No citado RE 202.149 o objeto é a decisão que interpretou extensivamente a imunidade tributária contida no art. 150, VI, “d”, CF, em relação às “peças sobressalentes para equipamento de preparo e acabamento de chapas de impressão offset para jornais”.

26.Com efeito, pretende a contribuinte estender a imunidade relativa ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos (art. 150, VI, d, CF) às peças para equipamento de suas máquinas de impressão.

27.A Fazenda Nacional defende o descabimento dessa mencionada extensão de exoneração fiscal e, por conseqüência, a reforma do acórdão recorrido do Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região.

28.O voto do magistrado-relator foi extremamente lacônico e está vazado nos seguintes termos:

No tocante à questão da imunidade constitucional, em que pese serem de natureza distinta as peças sobressalentes importados e as espécies mencionadas no art. 150, inc. VI, al. “d” da CR/88, sua afinidade é flagrante: impressão de jornais (fls. 16/19).

A moderna jurisprudência do Pretório Excelso, notadamente o aresto emanado do julgamento do RE n. 0101441-RS pelo Tribunal constitucional: facilitar a confecção, edição e distribuição do livro, do jornal e dos periódicos.

Nessa linha evolutiva, não se afigura absurda a extensão da não incidência tributária à liberação das mercadorias aludidas na petição inicial, eis que inegável sua correlação com o propósito do constituinte, vertido na regra da Lei Maior.

Quanto à questão do ICMS, tornam-se dispensáveis maiores considerações, à vista do enunciado da Súmula n. 6, deste Tribunal.

29.O acórdão regional manteve a sentença escoteira que se fundamentou, no tocante à imunidade tributária, na perspectiva de que a referida exoneração fiscal é vocacionada à difusão do “conhecimento” e das “idéias”, pois, diz o édito judicial, que “deve a questão da produção do livro e jornal merecer interpretação extensiva, pois, do contrário, haveria conflito com o espírito e desiderato constitucional”.

30.Nada obstante a respeitabilidade das aludidas decisões judiciais, certeiro o bem lançado parecer ministerial que entendeu diversamente:

Não tem razão a impetrante no que se refere à imunidade tributária.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabelece imunidade apenas aos livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. A imunidade constitucional não abrange o maquinário utilizado na impressão dos mesmos.

A interpretação dada pela impetrante à norma constitucional invocada não tem a abrangência requerida. Quisesse o legislador constituinte estender a imunidade ao maquinário utilizado na impressão dos livros, jornais e periódicos assim o teria feito expressamente.

31.O contribuinte, em favor de sua pretensão, invoca a “liberdade de pensamento” estampada no art. 5º, IV, IX e XVI, CF, defendendo o conteúdo eminentemente político da imunidade tributária, de sorte que limitar a cogitada exoneração fiscal apenas ao “papel” destinado à impressão seria o mesmo que torná-la “letra morta”, porquanto o papel é apenas um dos muitos insumos que são essenciais à confecção dos veículos protegidos constitucionalmente (livros, jornais e periódicos).

32.O contribuinte insiste na tese de que o jornal é imune a quaisquer tributos (não somente aos impostos) e que não apenas o papel seja o único insumo eximido do recolhimento de tributos, mas todos os demais insumos e equipamentos para sua confecção e comercialização, de sorte a concretizar o mandamento constitucional de “barateamento” da livre divulgação da notícia, das informações e da cultura.

33.O contribuinte invoca o art. 111 do Código Tributário Nacional, e alega que a previsão de interpretação literal e restritiva se dá apenas nas hipóteses de “suspensão ou exclusão do crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias”, sendo, portanto, inaplicável para caso de imunidade constitucional.

34.Em um rápido lanço de olhar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal favorece à pretensão da Contribuinte no sentido de uma hermenêutica ampliativa da  imunidade constitucional relativa aos “jornais, livros, periódicos” e ao “papel” destinado à sua impressão.

35.Nessa perspectiva, recorde-se, vez mais, o enunciado contido no Verbete n. 657 da Súmula jurisprudencial do STF: “a imunidade prevista no art. 150, VI, d, CF, abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”.

36.Na mesma senda trilhou o STF nos seguintes julgados:

AI 597.746 (Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 14.11.2006, DJ. 07.12.2006):

EMENTA: Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, d): filmes destinados à produção de capas de livros. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que a imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Constituição, alcança o produto de que se cuida na espécie (Filme Bopp). Precedentes.

RE 174.476 (Redator Ministro MARCO AURÉLIO,  J. 26.09.1996, DJ. 12.12.1997):

IMUNIDADE - IMPOSTOS - LIVROS - JORNAIS E PERIÓDICOS - ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O benefício constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção dos bens referidos, como também insumos nela consumidos com são os filmes e papéis fotográficos.

RE 203.859 (Redator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, J. 11.12.1996, DJ. 24.08.2001):

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSUMO. EXTENSÃO MÍNIMA.

Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado papel fotográfico - filmes não impressionados. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

RE 221.239 (Relatora Ministra ELLEN GRACIE, J. 25.05.2004, DJ. 06.08.2004):

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, "D" DA CF/88. "ÁLBUM DE FIGURINHAS". ADMISSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.

37.No entanto, uma melhor reflexão sobre esses citados precedentes leva uma compreensão “restritiva” dessa jurisprudência do Supremo, porquanto adscrita a insumos que integravam os bens imunizados (livros, jornais e periódicos).

38.De efeito, no tocante a outros insumos – ou elementos – de composição de “livros, jornais e periódicos” ou indispensáveis para sua confecção, a jurisprudência do STF palmilha caminho diverso ao pretendido pelo contribuinte. A saber:

RE 324.600 (Relatora Ministra ELLEN GRACIE, J. 03.09.2002, DJ. 25.10.2002):

Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, "d" da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão "papel destinado à sua impressão". Precedentes do Tribunal. - Incabível a condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança, nos termos da Súmula 512/STF. Agravos regimentais desprovidos.

RE 244.698 (Relatora Ministra ELLEN GRACIE, J. 07.08.2001, DJ. 31.08.2001):

EMENTA: Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, "d" da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão "papel destinado à sua impressão". Precedentes do Tribunal. Para se concluir sobre a alegação da parte agravante de que as chapas de gravação utilizadas na produção do jornal equivalem a papel fotográfico, faz-se mister a análise de fatos e provas, procedimento inviável em sede de recurso extraordinário (Súmula 279). Agravo regimental desprovido.

RE 230.782 (Relator Ministro ILMAR GALVÃO, J. 13.06.2000, DJ. 10.11.2000):

EMENTA: TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE. SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA. ART. 150, VI, d, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Não há de ser estendida a imunidade de impostos prevista no dispositivo constitucional sob referência, concedida ao papel destinado exclusivamente à impressão de livros, jornais e periódicos, aos serviços de composição gráfica necessários à confecção do produto final. Recurso conhecido e provido.

39.Nesse prisma, fácil de ver que a jurisprudência da Suprema Corte não tem dado à imunidade constitucional contida no art. 150, VI, d, CF, o elastério que pretende a Contribuinte de sorte a abarcar todo o processo de produção de “jornais, livros e periódicos”, envolvendo não só esses referidos bens, além do papel destinado à sua impressão. A confirmar, tenha-se bem lançado entendimento do ministro Celso de Mello nos autos do RE 509.279, que se vergou ao entendimento predominante da Corte, a despeito de sua divergência pessoal:

DECISÃO: A controvérsia constitucional suscitada na presente causa põe em evidência a discussão em torno da abrangência normativa da imunidade tributária a que se refere o art. 150, VI, “d”, da Constituição da República.

Devo registrar, neste ponto, que dissinto, respeitosamente, da orientação majoritária que tem sido observada, no tema ora em análise, pela jurisprudência desta Suprema Corte.

É que, embora vencido no julgamento do RE 203.859/SP, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal consagrou entendimento restritivo a propósito da matéria em causa, sustento - com fundamento em autorizada lição doutrinária (HUGO DE BRITO MACHADO, “Curso de Direito Tributário”, p. 248, item n. 3.12, 20ª ed., 2002, Malheiros; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, “Curso de Direito Constitucional Tributário”, p. 681, item n. 4.4.3, 17ª ed., 2002, Malheiros; REGINA HELENA COSTA, “Imunidades Tributárias”, p. 192, item n. 2.4.5, 2001, Malheiros, v.g.) - a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributária, na hipótese prevista no art. 150, VI, “d”, da Carta Política, considerando, para esse efeito, a própria teleologia da cláusula que impõe, ao Estado, essa específica limitação constitucional ao poder de tributar.

É preciso ter presente, na análise do tema em exame, que a garantia da imunidade estabelecida pela Constituição republicana brasileira, em favor dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à sua impressão (CF, art. 150, VI, “d”), reveste-se de significativa importância de ordem político-jurídica, destinada a preservar e a assegurar o próprio exercício das liberdades de manifestação do pensamento e de informação jornalística, valores em função dos quais essa prerrogativa de índole constitucional foi conferida, instituída e assegurada.

Não se pode desconhecer, dentro desse contexto, que as imunidades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetividade e a atribuir concreção a determinados direitos e garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições. Constituem, por isso mesmo, expressões que traduzem  significativas garantias de ordem instrumental, vocacionadas, na especificidade dos fins a que se dirigem, a proteger o exercício da liberdade de expressão intelectual e da liberdade de informação.

O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.

Cumpre ter em consideração, neste ponto, a grave advertência lançada pelo Ministro ALIOMAR BALEEIRO ("Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar", p. 189 e 191, 5ª ed., 1977, Forense), cujo magistério, versando o tema da imunidade concernente a livros, jornais e revistas, assinala:

"A Constituição almeja duplo objetivo ao estatuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura através dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação do pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária (...).

(...) o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, enfim, de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime democrático". (grifei)

Dentro dessa perspectiva, é preciso considerar que a garantia da imunidade qualifica-se como instrumento de proteção constitucional vocacionado a preservar direitos fundamentais - como a liberdade de informar e o direito do cidadão de ser informado -, em ordem a evitar uma situação de perigosa submissão tributária das empresas jornalísticas, reais destinatárias dessa especial prerrogativa de ordem jurídica, ao poder impositivo do Estado.

Ocorre, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar, restritivamente, o alcance da cláusula inscrita no art. 150, VI, “d”, da Carta Política firmou entendimento no sentido de que a garantia constitucional da imunidade tributária, tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, estende-se, exclusivamente, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em conseqüência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos (RTJ 167/988-989, Rel. p/ o acórdão Min. MARCO AURÉLIO - RE 178.863/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RE 289.370/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).

Essa diretriz jurisprudencial - de que respeitosamente divirjo, como já assinalei no início desta decisão - exclui, do alcance tutelar da garantia constitucional a que alude o art. 150, VI, “d”, da Lei Fundamental, quaisquer outros insumos, embora referentes ao processo de composição, impressão e publicação de livros, jornais e periódicos (RE 203.124/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM), tais como tintas (AI 307.932-AgR/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 265.025/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.), maquinários e peças necessárias à  produção (RE 195.576-AgR/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 203.267/RS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 213.688/PR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), equipamentos a serem utilizados no parque gráfico (RE 215.798/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO), tiras plásticas (fios de prolipropileno) para amarração de jornais (RE 208.638-AgR/RS, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 220.154/RS, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI) e produtos à base de solução alcalina, para acelerar o processo de secagem da tinta, viabilizando, desse modo, a pronta distribuição das publicações (RE 204.234/RS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA).

Cabe ressaltar, por necessário, que esse entendimento tem prevalecido na jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 167/1050, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - RE 208.466-AgR/RS), Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 244.698-AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.):

“O Supremo Tribunal Federal, no julgamento, em Plenário, dos RREE nºs 174.474 e 203.859, Relator para o acórdão o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, firmou entendimento de que a imunidade alcança as operações de importação de filmes e papéis fotográficos, e, nas decisões proferidas nos RREE nºs 208.466 e 203.063 (Rel.: Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 14/03/97), afastou a referida imunidade relativamente aos demais insumos gráficos.” (RE 206.076/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora questionado - que reconheceu, em favor da empresa recorrida, a prerrogativa da imunidade tributária, por tratar-se, no caso, de “kits” eletrônicos que acompanham fascículos educativos - diverge da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal consagrou na análise do tema em discussão.

Não obstante a minha pessoal convicção em sentido contrário, que acolhe exegese extensiva a propósito do tema em discussão, tal como exposta no julgamento do RE 203.859/SP, em voto parcialmente vencido que nele proferi, devo ajustar o meu entendimento à diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, em respeito e em atenção ao princípio da colegialidade.

40.Com efeito, à luz dos precedentes do Augusto Tribunal, não é possível dessumir autorização constitucional que torne as “máquinas gráficas” imunes à incidência de tributos.

41.É cediço que a jurisprudência constitucional produzida pelos Tribunais, que têm a excelsa missão de resolver definitivamente as controvérsias em torno da Constituição, é forjada no seguinte tripé: obediência ao texto constitucional, respeito aos precedentes da Corte e utilização de uma metodologia jurídica adequada.

42.Na presente discussão, a partir desse mencionado tripé, não é possível acolher a pretensão de extensão da imunidade constitucional, com a devida vênia.

43.Isso porque a letra do texto não dá margem a dúvidas: papel não é máquina. A imunidade alcança “livros, jornais e periódicos” e o papel destinado à sua impressão. Onde se lê papel, não se pode ler máquinas ou peças sobressalentes. É deturpar a palavra contida na Constituição. O intérprete – sobretudo o definitivo - não pode voltar-se contra expresso dizer constitucional. Tampouco se alegue “salvar o espírito da norma” matando-se a “palavra escrita”.

44.A segunda perna do mencionado tripé judicante também não favorece às pretensões do contribuinte, uma vez que a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal não foi além dos “insumos” componentes dos “bens” imunizados. Ou seja, de elementos que estivessem diretamente relacionados à composição de “livros, jornais e periódicos” e ao seu indispensável papel de impressão. O STF nunca autorizou uma absoluta exoneração tributária à produção desses cogitados “bens” imunes.

45.Por fim, em relação a uma metodologia adequada, a tese da extensão da imunidade do “papel” às “peças sobressalentes” desborda de uma compreensão razoável do sistema constitucional, pois o sentido extraído da Constituição a ponto de alcançar a imunização das “máquinas” gráficas torna o intérprete jurídico em “construtor político”, porquanto inovador material do ordenamento constitucional, introduzindo normas que sequer podem ser vislumbradas como “silêncio eloqüente” da Constituição.

46.Nesse compasso, seja de que ângulo for perspectivada a presente controvérsia, inviável a extensão imunitória do papel às máquinas.


V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

47.A imunidade tributária é espécie constitucionalmente qualificada de exoneração fiscal. O postulado orienta no sentido de que todos os contribuintes e todas as operações econômicas devem ser objeto oneração tributária. Excepcionalmente deve ocorrer a desoneração fiscal. Na dúvida, tributa-se e recolha-se valores para o Estado viabilizar a desejável paz e a justiça possível.

48.O livro constitucionalmente imunizado é o de papel. Eventual exoneração do livro eletrônico há de ser viabilizada pelos legítimos representantes eleitos pelo povo, via emenda constitucional ou projeto de lei. O juiz não tem autorização constitucional para tributar nem para exonerar. Somente o legislador tem autoridade para esse mister, em sufrágio da Separação dos Poderes e do Estado Democrático de Direito.

49.Não é evolutiva a interpretação de magistrado que vai além do disposto no ordenamento jurídico-constitucional, nem é ativismo judicial, mas arbítrio judicante e despotismo político, pois investe o magistrado de um poder que não lhe foi concedido pela Constituição.

50.Em síntese, as imperfeições legislativas ou constitucionais devem ser corrigidas pelo Parlamento, composto de legítimos representantes escolhidos pelos eleitores, em eleições livres e democráticas. Tribunal, seja de que grau for, tem de obedecer a Lei e a Constituição. É o preço que se paga para vivermos em um Estado que se diz e que ser quer Democrático e de Direito. Não vale a pena nos exoneramos desse tributo cívico.

Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A imunidade do livro eletrônico: a visão fazendária acerca do alcance normativo do art. 150, VI, “d”, Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3497, 27 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23544. Acesso em: 22 dez. 2024.

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