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A cláusula democrática do Mercosul e o julgamento político de Fernando Lugo no Paraguai

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Agenda 31/01/2013 às 14:01

7. Críticas e Considerações

 Dos países associados ao MERCOSUL (Chile, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia) apenas o Chile desfruta de estabilidade econômica e política satisfatória segundo a consagrada posição doutrinária. Já o México e a Nova Zelândia, nações observadoras, não são dotados de instituições fortes. O estado latino americano do norte apresenta democracia embrionária e com críticas ao seu funcionamento institucional e crescente deterioração social.

O conceito doutrinário e jurídico positivado de democracia é a um só tempo amplo e vago, com fortes exemplos de antagonismos, como por exemplo: 1º) a eleição para Presidente dos Estados Unidos é indireta, ou seja, o candidato mais votado pelo cidadão pode não ser o eleito; e 2º) no Chile, os Prefeitos das cidades podem ser eleitos (5) para vários mandatos sucessivos. A democracia, na prática, é cheia  de especificidades e contradições terminológicas e jurídica.

Por outro lado, é inegável que o ingresso da Venezuela como membro associado faz do MERCSUL um sucesso do ponto de vista econômico. O referido país é, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, o detentor das maiores reservas de energia fóssil. Contudo, aspectos da Carta Politica, como a da indefinida reeleição traduzem o mau exemplo de nação democrática.

O bloco passa a ter cerca de 300 milhões de pessoas, o que corresponde a 70% da população da América do Sul; se tornando a quinta economia do mundo, atrás apenas do EUA, China, Alemanha e Japão. O fortalecimento econômico se concretiza com o estabelecimento de 83,2% do seu Produto Interno Bruto – PIB (US$3,3 bilhões) e 72% do referido território (12,7 milhões de Km2).

Entretanto, é inegável que o bloco sofre crise sem precedentes. As recentes medidas protecionistas da Argentina, o ingresso da Venezuela e a suspensão do Paraguai detonaram o estado de letargia e descredito na integração. As críticas de debilidade partem de todos os países. O presidente Uruguaio, por exemplo, em entrevista a jornal eletrônico (6), em 16/8/2012, reivindicou “mudanças” em meio às divergências políticas e comerciais entre os seus integrantes.

As Américas vivem décadas sobre a inspiração da doutrina Monroe (7), tendo os princípios básicos da não intervenção e da recolonizarão da Espanha sobre suas ex-colônias. O mérito das ideias difundidas por James Monroe foi o de permitir que os países de origem latina mantivessem sua integridade territorial e se fortalecessem politicamente, consolidando sua independência.

Cabe mencionar que a Organização dos Estados Americanos – OEA se posicionou a favor do atual governo do Paraguai e do procedimento adotado pelo Congresso.


8. Conclusão

A punição à República do Paraguai aplicada pelo Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, após o limitado exame aqui proposto, comporta, no mínimo, as seguintes considerações:

1ª) os membros originários do MERCOSUL apresentam cláusulas democráticas semelhantes em suas Cartas Magnas e legislações, quais sejam: a) eleições pelo voto direito para cargos no executivo e legislativo; b) liberdades individuais tuteladas pelo Estado, especialmente de manifestação e informação; c) independência entre os poderes executivo, legislativo e judiciário; d) igualdade de direitos entre todos os cidadãos; e e) admitida apenas uma reeleição.

Já a República Bolivariana de Venezuela, novo membro do bloco, é um caso a parte, atualmente dirigida por um militar transvestido de democrata. A política adotada é de pretensa inversão da pirâmide social ao custo do sucateamento das instituições democráticas e da economia então incipiente. A norma legal admite várias reeleições para o cargo de Presidente da República e as instituições funcionam com restrições de toda ordem.

2ª) O tratado de Usuhaia e as Cartas Politicas não estabelecem requisitos objetivos para deflagrar (enquadrar) o rompimento da democracia e nem um prazo mínimo para a defesa na hipótese de julgamento político.

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Já a Corte Suprema do Paraguai declarou o processo de julgamento meramente político lícito e dentro das normas aplicáveis ao direito interno especifico. A decisão levou em consideração que a Constituição Paraguai, no art. 225, estatui o processo de julgamento político contra membros do Poder Executivo e dos Ministros da Suprema Corte por mau desempenho de suas funções;

Não se tratou de um processo judicial e sim de julgamento político, pelo fraco desempenho das atribuições do cargo e depois que dezessete vidas foram ceifadas pela luta social pela posse de terras em área com intenso conflito armado.

3ª) A Venezuela, no plano constitucional, se assemelha aos demais membros originários do MERCOSUL, porém sob o crivo doutrinário, especialmente no quesito da reeleição e da liberdade aos meios de comunicação, existem notórias restrições. A ausência de alternância no poder cria obstáculos para conceituar o país como uma nação democrática, apesar de todas as ponderações em sentido contrário, inclusive de organizações e observadores internacionais.

Por fim, o que chama atenção do caso é o isolamento político do ex-presidente Lugo e o seu rompimento com as lideranças de todos os partidos e ideologias. Contudo, o fato não é tema deste trabalho e a questão remete a aspectos políticos e sociológicos, pois de 74 julgadores apenas um votou a favor do cassado, o que é motivo de detida reflexão.


NOTAS

(1) Carlos Tobar foi Ministro das Relações Exteriores da Republica do Equador.

(2) A formação do bloco guarda semelhança com o antigo Tratado de Montevidéu, firmado em 1980, erigindo cooperação entre os povos da América.

(3) O ato formal do colégio de presidentes é carente de fundamentação.

(4) Na lição de Gilmar Ferreira Mendes, págs. 926e 927, o Supremo Tribunal Federal – STF do Brasil, em 1992, por maioria de votos, deferiu em Mandado de Segurança o prazo de dez sessões para que o ex-presidente Fernando Collor de Melo produzisse as provas requeridas na fase de admissibilidade, perante a Câmara dos Deputados. Cabe destacar que o Ministro Paulo Brossard, em voto vencido, não admitia a medida judicial, por entender que a matéria era de caráter eminentemente político.

(5) Ley nº 18.695 Orgânica Constitucional de Municipalidade, publicada em Diario Oficial de 26 de Julio de 2006, modificado por Ley no 20.568, publicada em Diario Oficial de 31 de enero de 2012. “ARTÍCULO 57. El Alcalde será elegido por sufragio universal, en votación conjunta y cédula separada de la de concejales, en conformidad con lo establecido en esta ley. Su mandato durará cuatro años y podrá ser reelegido” (D.F.L. 1-19.704, Art. 57, D.O de 03.05.2002)

(6) Opera Mundi, 16/8/2012, no endereço www.operamundi.uol.com.br.

(7) James Monroe foi o quinto Presidente da República dos Estados Unidos da América, com destacada atuação na política internacional.


BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7ª Edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000, 207 páginas.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 18ª. Edição. São Paulo: Malheiros Editores. 2011. págs. 550.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. 2ª. ed. v. I. Salvador: Secretaria de Cultura, Fundação Pedro Calmon, 2009. 68p. – (Coleção Cultura é o quê?, I).

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.24 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 306 págs.

KELSEN, Hans. Teoria Do Direito e Do Estado. 2ª. Tiragem da 3ª. Edição. São Paulo: Martins Fontes. 2000. 637 págs.

MANGABEIRA UNGER, Roberto. La Democracia Realizada. Editota Manantial, 1999, 1ª ed, 320 págs.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Publico. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, 1.103 págs.

MENDES, Gilmar Ferreira; Inocêncio Martires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 2 ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008, 1432 págs. 

PLATÃO. A República. 2ª. edição. São Paulo: Martin Claret, 2000. Título original em grego: IIOΛITEIA (Politéia), séc. IV a.C. Tradução Pietro Nasseti. 320 págs.

REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978.

RESEK, Jose Francisco. Direito internacional publico: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 2011, 13ª ed. Revisada, aumentada e atualizada.

SILVA, José Afonso da. O Estado Democrático de Direito. Revista dos Tribunais – Ano 77, v. 635 (set. 1988).

TOQUEVILLE, Alexis de. Da democracia na América. Lisboa: Principia, 2002. 878 págs.


ANEXO I

O Tribunal Permanente de Revisão, criado através do Protocolo de Olivos, para a solução de controvérsias ente “Estados Partes” do Mercosul, tais como o supramencionado rompimento com a “cláusula democrática”, reiterou o seu posicionamento, após Procedimento Excepcional de Urgência solicitado pelo Paraguai, rejeitando seu recurso e mantendo a suspensão do país do bloco, até que, pela via democrática, seja possível restabelecer o sistema político no país. A seguir, íntegra da decisão:

“DECISIÓN

1.Por unanimidad, de conformidad con las consideraciones precedentes, el Tribunal Permanente de Revisión decide, en relación con el planteo de los demandados de incompetencia racione materiae, que la jurisdicción del sistema de solución de controversias del MERCOSUR abarca el examen de legalidad de la aplicación Del Protocolo de Ushuaia.

2.Por unanimidad, el Tribunal Permanente de Revisión decide que no están presentes los requisitos para la admisibilidad del procedimiento excepcional de urgencia reglado en la Decisión 23/04.

3.Por mayoría, el Tribunal Permanente de Revisión decide que, en las condiciones de la actual demanda, resulta inadmisible la intervención directa del TPR sin El consentimiento expreso de los demás Estados Parte. Por la misma razón, considera el TPR inadmisible, en esta instancia, la medida provisional solicitada en el marco de la demanda.

4.Por unanimidad, al adoptar esta decisión, sin ingresar al análisis de fondo de La demanda, el Tribunal Permanente de Revisión no se pronuncia sobre el cumplimiento o la violación de la normativa MERCOSUR en relación con La demanda planteada en este procedimiento. La presente decisión no inhibe otros medios a los que puedan acudir los Estados Parte en el marco del sistema de solución de controversias del MERCOSUR.

5. Por unanimidad. dispone el Tribunal Permanente de Revisión que los honorarios y gastos del presente procedimiento serán solventados en partes igales por lós cuatro Estados Partes en esta controversia conforme al art. 36.2 del Protocolo de Olivos.

6. Por unanimidad, dispone el Tribunal Permanente de Revisión la inmediata traducción al portugués del presente laudo en cumplimiento del art. 40.3 del Reglamento del Protocolo de Olivos y deja constancia que la versión en español es la oficial.

Asunción, 21 de julio de 2012.”

ANEXO II

A decisão dos presidentes do Mercado Comum do Sul, ocorrida em 24 de junho de 2012, em Mendonza (Argentina), sejam membros permanentes ou associados, aplicou a denominada cláusula democrática ao Paraguai. As penalidades serão suspensas após a realização de nova eleição para o cargo de Presidente da República.

“DECISIÓN SOBRE LA SUSPENSIÓN DEL PARAGUAY EN EL MERCOSUR EN APLICACIÓN DEL PROTOCOLO DE USHUAIA SOBRE COMPROMISO DEMOCRÁTICO

La Presidenta de la República Argentina, la Presidenta de la República Federativa del Brasil y el Presidente de la República Oriental del Uruguay;

Considerando que de acuerdo a lo establecido en el Protocolo de Ushuaia sobre Compromiso Democrático, la plena vigencia de las instituciones democráticas es condición esencial para el desarrollo del proceso de integración.

Subrayando que toda ruptura del orden democrático constituye un obstáculo inaceptable para la continuidad del proceso de integración.

Reafirmando que el espíritu del Protocolo mencionado es el restablecimiento de la institucionalidad democrática en la Parte afectada, sin que ello menoscabe el normal funcionamiento del MERCOSUR y de sus órganos.

Que conforme los tratados fundacionales del MERCOSUR, la suspensión apareja la limitación en la participación en los órganos, así como la perdida de los derechos de voto y de veto.

Que tal suspensión no disminuye el compromiso con el bienestar y el desarrollo del Paraguay ni debe producir perjuicio alguno al pueblo paraguayo.

Considerando la “Declaración de los Estados Partes del MERCOSUR y Estados Asociados sobre la ruptura del orden democrático en Paraguay” adoptada el 24 de junio de 2012.

DECIDEN:

1.- Suspender a la República del Paraguay del derecho a participar en los órganos del MERCOSUR y de las deliberaciones, en los términos del artículo 5° del Protocolo de Ushuaia.

2.- Mientras dure la suspensión, lo previsto en el inciso iii) del artículo 40 del Protocolo de Ouro Preto se producirá con la incorporación que realicen Argentina, Brasil y Uruguay, en los términos del inciso ii) de dicho artículo,

3.- La suspensión cesará cuando, de acuerdo a lo establecido en el artículo 7° del Protocolo de Ushuaia, se verifique el pleno restablecimiento del orden democrático em la parte afectada. Los Cancilleres mantendrán consultas regulares al respecto.

4.- Comunicar al Parlamento del MERCOSUR la presente decisión.

5.- Garantizar la continuidad de los proyectos relativos a Paraguay en el Fondo de

Convergencia Estructural del MERCOSUR (FOCEM).

Mendoza, 29 de junio 2012”

Sobre o autor
José Maurício Borges de Menezes

Advogado. Bacharel em Ciências Econômicas e em Direito. Doutorando em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, José Maurício Borges. A cláusula democrática do Mercosul e o julgamento político de Fernando Lugo no Paraguai. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3501, 31 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23596. Acesso em: 22 dez. 2024.

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