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Pensamento e Direito, notas para uma compreensão em Hegel

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Agenda 05/02/2013 às 17:55

Pensar o Direito em Hegel talvez seja pensar a totalidade da vida traduzida como tal, obrigando moralmente o homem a uma concessão frente a seus pares.

Resumo: O presente trabalho busca uma reflexão analítica de alguns aspectos da obra hegeliana, iniciando em suas categorias mais amplas rumo àquelas que se afiguram enquanto especificidades para se pensar o fenômeno jurídico. Buscar-se-á subsidio teórico numa série de autores, todavia, entendendo-se como linha mestra da pesquisa, a percepção ontológica do Ser, contida nas lições de Heidegger. Não obstante, leva-se à baila, também expoentes do pensamento pátrio, tais como Reale, Vaz e Adeodato.

Palavras-chave: Filosofia, direito, ontologia, dialética.

Sumário: 1. Introdução ou, Hegel e seu tempo, 2. Tempo de Hegel, 3. O Direito de Pensar; O Pensamento do Direito, 4. Conclusão.


1.INTRODUÇÃO OU, HEGEL E SEU TEMPO

O processo dialético da histórica pressupõe uma tese já posta na realidade, que confrontada em alguma medida por um oposto seu, como coisa nova ou que passa a ganhar importância, faz com que ambos seabsorvam mutuamente, criando algo que além de reflexo das anteriores, é já, em si mesmo, um ponto de entendimento maior. Nesse sentido, muito se produz a respeito daqueles estudiosos de outrora, que lançaram paradigmas conceituais para a construção da época contemporânea, a fim de que por meio da discussão dos mesmos, encontre-se o caminho mais propício.Com Georg Wilhelm Friedrich Hegel,não poderia ser de outro modo.

Nome de maior vulto na filosofia do idealismo alemão apresenta-se como pós-kantiano, no sentido de continuador de algumas de suas categorias, e ao mesmo tempo, pensador autêntico, dada a forma com que constrói seu sistema. É um dos homensque mais influencia a produção de sua época, assim como o desenvolvimento posterior do pensamento ocidental. Hegel é filho temporal do idealismo alemão,mas,todavia, membro intelectual da atemporalidade. Feitor de uma obra em que, cujas linhas se encerra uma potência analítica ímpar,é de fato e de direto, um dos maiores nomes da história das idéias. Nesse sentido, é mister, para que se compreenda as motivações por trás de sua obra, uma breve revisão histórica, tecendo notas acerca do zeitgeist[1] em que se encontrava inserto durante sua vida e militância acadêmica.

A esse intento, a obra de Vaz (1993) apresenta-se de grande utilidade para se compor um quadro da idéia de homem que veio a se tornar o paradigma do idealismo alemão, e consequentemente o modelo básico para as especulações do autor em estudo. Preliminarmente, é grato considerar, que o movimento por estas linhas citado, é entendido como o grande inaugurador da época contemporânea da filosofia. Nesse sentido, como uma abertura generosa, que possibilitava o diálogo entre as mais distintas classes de pensamento àquela época em voga. Podendo-se citar dessa perspectiva, a teologia protestante, atradição moderna do direito natural, o legado de Kant, o romantismo e a Aufklärung[2], entre outras de menor vulto.

Todas as correntes postas em linhavão exercer alguma influência na obra hegeliana. Contudo, para se melhor entender a fase idealista alemã, é mister que antes, se observe a particular relevância do fenômeno batizado pelos alemães como die Romantik[3] para a sua construção. Entretanto, é meritoso aqui, citar a peculiaridade que Reale (2005) apresenta ao se referir à origem do termo. De acordo como pródigo pesquisador, diferentemente do que se poderia conjeturar o senso comum, o uso da palavra “romântico” se dá pela primeira vez na Inglaterra. Pelo médio do século XVII, considerava-se o extravagante, o irreal e o fantástico como categorias sinônimas à da idéia agenciada pelo termo nessas linhasexaminado.

Com efeito, otraslado do conceito de romantismo durou mais de cem anos, até que se desvencilhasse totalmente dessa primeira acepção inglesa, para iniciar enfim, sua identificação com a predominância do instinto e da emoção, tão sufocados pelo racionalismo que prevalecera no século XVIII. De tal sorte exposto, num sentido histórico, o romantismo como se conhece, é um movimento espiritual que se desenvolve na Europa entre fins do século XVIII e a metade do século XIX. Defluindo de terras inglesas para todo o velho mundo e conhecendo sua faceta mais importante e definitiva na Alemanha.

Embora não se possa delimitar com clareza as características exatas ou mesmo a duração correta do movimento romântico. Uma vez tendo-se como objeto a manifestação alemã, pode-se a partir de tal, citar algumas peculiaridades que marcaram sua existência. O conceito de Volksgeist[4]assume um papel imprescindível nesse contexto, como o caminho para que o sentimento do Eu individual comungue com o todo orgânico. Podendo-se nesses termos, entender esseVolksgeist, como um traço fundamental da percepção do indivíduo em relação a si mesmo e a seu pertencimento, imanente a um tempo e um espaço.

Ainda em atenção às linhas de Vaz (1993), observa-se por último a influência do chamado Goethezeit[5], que visava unir razão e sensibilidade num tipo superior de conhecimento. Sendo esse, em algum sentido, um tema também presente em Kant, contribuindo para a construçãode uma ideologia que afigurou-se, fundamental na formação do escopo daquilo que seria o idealismo alemão. Todavia, a elaboração de uma idéia propriamente filosófica de homem que servirá como paradigma à visão romântica, caberá, aos pensadores do idealismo, tal qual Hegel, que trabalharão no sentido de lavrar um conceito híbrido que comporte tanto essa visão sentimentalista como citada alhures, quanto uma revisão de elementos da tradição racionalista utilizando-os com acerto digno de nota.


2. TEMPO DE HEGEL

Nesse cenário de entroncamento entre o século XVIII e o XIX, onde se digladiavam as correntes do classicismo oriundo da ilustração racionalista, e do romantismo na sua diversidade de manifestações,emergia a necessidade de um diálogo entre as citadas teses, que permitisse abrir a possibilidade maior de entendimento acerca do homem e seu mundo. É nesse momento que surge então Hegel, com a intenção de um conhecimento do Absoluto. Propondo a análise da história como o processo necessário ao conhecimento do todo, sugere novamente em observância a Vaz (1993) um reencontro com a Ética e a filosofia política clássica, sendo possivelmente esse, o seu grande diferencial teórico.

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Nesse sentido, Heidegger (1971) vai apontar como a grande novidade do sistema hegeliano a capacidade de se pensar a filosofia dos gregos como uma unidade, um todo sob o ponto de vista filosófico. Tal se dando, pelo fato de que a história da filosofia no legado de Hegel existe, mesmo antes de sua construção no mundo sensível. Significa dizer, que ela se coloca enquanto ser que pré-existe, apartado e rumo à sua manifestação temporal, persistindo muito depois dela.Forma-se desse modo, a senda inexorável em que o espírito deve avançar em direção a si mesmo, o em si unitário, que ainda em sede de sistema do porvir, está irrevogavelmente comprometido com o encontro doser em estado absoluto.

Abre-se nesse ponto, a emergência de um segundo conceito, que é a matriz, ou razão de ser do Volksgeist, o inconsciente coletivo que leva o indivíduo ao entendimento de si.  Nas lições de Adeodato (2002) é apontado que, no projeto filosófico de Hegel, a história pode e deve ser entendida, como o registro da caminhada humana rumo à unificação do Weltgeist[6], o espírito do mundo. Sendo a revelação total desse, programada a ocorrer no momento em que a humanidade se conheça plenamente livre.É o encontro marcado do espírito subjetivo, que apartado de suas impossibilidades e comungante no sentido de liberdade com o Volksgeist, vai encontrar a totalidade do ser espiritual, e por tanto da existência.

Como já mencionado alhures, Hegel bebe também na fonte do pensamento provindo dos teóricos daAufklärung,que nos dizeres de Kant (2008), é um movimento emancipatório da consciência, tendo por objetivo último a saída do homem do seu estado de menoridade. Sendo grato observar, que o termo menoridade, coloca-se aqui como a incapacidade do homem guiar-se a si próprio através do entendimento particular, estando sempre a mercê da condução de um outro. Animado então, pelos ventos desse projeto de uma nova humanidade, Hegel elege, tal qual os membros da Aufklärung,a tomada da consciência de si num sentido de libertação.

Há de se convir, por conseguinte, que no fulcro de tal mote, não seria exagerado observar, em termos de uma linha evolutiva, traços de suas proposições na obra marxista, quando, por exemplo, dentro do conceito de alienação, volta à temática da liberdade possível, primeiro como libertação interior. No desenrolar dos estudos de Feracine (2011), observa-se como norte da obra hegeliana recepcionado por Karl Marx, sobretudo, a questão da dialética, sendo ela, o ponto de confluência mais conhecido entre os dois estudiosos. Porém, no presente estudo, optar-se-ápelas notas de Heidegger (1971) acerca do tema.

O gênio da floresta negraacena para um conceito pensado, através do universo semântico contido na palavra grega. Dialégesthai, que vem a ser na apropriação da língua portuguesa, dialética. É um termo composto de duas outras palavras. Légein, que no grego é o ato de recolher, torna-se ponto de partida para a primeira idéia constante no termo em exame, manifesta na voz média légesthai, que significa o recolhimento do múltiplo para o eu, encaminhando esse plural para dentro dele. E em segundo, o termo diá, que em grego pode ser entendido, como através de algo. É o ser pensante que recolhe para dentro de si o representado enquanto este o perpassa por meio de sua representabilidade.

Assim, na percepção heideggerianade processo dialético, esse, irá operar em duas frentes fundamentais. Em primeiro lugar, enquanto modo de produção da subjetividade do sujeito absoluto. Em segundo, como caminho necessário de sua ação-revelação. A partir daí, torna-se plenamente cognoscível a importância da dialética em Hegel. Se a história é unicamente o registro e o caminho da humanidade em direção aoWeltgeist, o dirimir das contingências humanas representadas por tese e antítese, torna-se imperioso, para se alcançar a consciência da totalidade.

De tal feita, não há pontas soltas, a multiplicidade de visões criadas ao longo da jornada humana, é uma profusão de sinais que precisam ser absorvidos como seres de igual valor, a fim de que na sua integração surja o sentido do absoluto. A esse propósito, bem assevera Adeodato (2002) quando em comento, lança luz sobre a questão, apontando, que em Hegel busca-se uma superação do idealismo subjetivo, onde se sugere, não uma identificação entre sujeito e objeto, mas sim a forma de síntese que possibilite uma ambivalência que ao mesmo tempo conserva e supera as antinomias que venham a se manifestar.

Tal proposição concebe a realidade no sentido de dialética do espírito, que em seu processo ruma inexoravelmente ao encontro da síntese total, assim, nos termos ofertados, significando o mesmo que o absoluto. Ora, se toda a relação entre sujeito e objeto tende a sintetizar-se num nível de compreensão cada vez maior, o fim lógico do processo é a unidade do todo, a dissolução da dicotomia entre o eu e o não-eu. Revisitando-se Heidegger (1971), é percebido que a significação de dialética em Hegel, tem haver, com o aparecer reflexivo, o speculum[7]da realidade, que traduz-se por unificação do processo que desencadeia a produção do próprio espírito com aquilo que a ele se opõe.

Por fim, com vistas a uma satisfação última em torno da questão dialética, é grato recorrer a Mascaro (2010), que em suas lições, sublinha o fato de que definitivamente em Hegel, as percepções acerca do conceito em exame, tornam-se diferentes de tudo aquilo que fora antes dele produzido. Sua grande inovação reside em apresentar o conflito entre opostos, como um conflito real. Daí, abrindo-se mais um tema de extrema importância na obra hegeliana, do qual segundo Feracine (2011), Marx é também signatário. Tal especificidade de Hegel é o chamado princípio de identidade, afirmando que tudo quanto é real é também racional, e vice versa.

Uma vez que há conflito no conhecimento da realidade, postoque, tudo quanto é real e por isso verificável, é ao mesmo tempo racional no que tange à qualificação,sugere-se um embate perene onde os dois confundem. A síntese criada no processo dialético torna-se o instrumento de superação dessa beligerância. Tal ocorrendo, sobretudo, pelo que já foi dito alhures e nesse ponto reforçado.A dialética em Hegel, ao se apropriar numa perspectiva de totalidade, dos elementos que compõem o espírito, formam-noao mesmo tempo que, qualificam-no apontando certamente para uma via outrora não percebida. Esse caminho novo surge, da negação da negação da tese, tal qual o dizer de Safatle (2006), perfazendo-se o processo histórico, nesse exercício de negativização do que está posto.

Todavia, voltando-se a Feracine (2011) e o princípio da identidade, conclui-se que pensamento, no sentido de idéia, e coisa, não são categorias que apresentam entre si algum tipo de estranhamento originário. Se assim fossem, substancialmente conflituantes, a realidade se tornaria incognoscível. Nesse sentido, Heidegger (1971) volta à pauta de comento para afirmar, que o verdadeiro ser é o pensamento que é capaz de pensar a si mesmo em forma absoluta. Reforçando de maneira textual, que para Hegel, Ser e pensar significam a mesma coisa.

A esse propósito, vai o próprio Hegel (1995), em sua “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, escrever que a idéia pode ser entendida como unidade entre ideal e real, aquilo em que a natureza é concebida como existente. Assim, nesse sentido, não somos nós que pensamos, mas, é o pensamento que nos pensa. Uma vez que ele é o responsável por estruturar o mundo, estruturar o sentido de tempo, de identidade, das relações humanas, do amor, da violência e tudo o mais que concerne à noção de realidade. O homem não pode existir, enquanto uma categoria autônoma, o pensamento é um jogo autoconsciente, voltado para si mesmo, como uma dança fundamental,que faz o Ser girar, ao redor de um infinito de possibilidades significantes.


3. O DIREITO DE PENSAR; O PENSAMENTO DO DIREITO

No sistema hegeliano, como discorrido noutras linhas, existe uma identificação imediata entre o real e o ideal, aquilo que é, em idéia, e aquilo que é, em materialidade. Assim, o campo do real, só é completado, no instante que, faz-se revelado racionalmente, isto é, de uma forma cognoscível, possibilitada pela gestação do pensamento. Tal perspectiva, como já citado, é observada na obra deHeidegger (1971) quando define o processo dialético, ou noutros termos, a construção do inventar e reinventar da realidade, como espelhamento e unificaçãoVolksgeist que num devir histórico, fatalmente desagua rumo ao encontro doWeltgeist.

A respeito da identificação dessa fissura fundamental, que,ao mesmo tempo que qualifica a realidade também a cria, cabe examinar o direito enquanto um dos panoramas plausíveis da proposição posta em tela. De antemão, é grato esclarecer as razões da nomenclatura dada à seção que agora se adentra, no desenrolar do presente trabalho: o direito de pensar; o pensamento do direito. Poder-se-ia supor tratar de mero trocadilho, ou tentativa de frasear com requinte linguístico. Não obstante, tal acepção restaria incompleta em termos analíticos, ou ainda, muito restrita, em termos de uma gnoseología tal qual aqui se pretende.

O fenômeno jurídico pode ser vislumbrado em Hegel (2000) como direito de pensar, porque passa necessariamente pela fase metafísico-abstrata do ser, enquanto ser pensante. Diz-se de tal fase em um caráter metafísico, por possuir aspirações de um conhecimento racional, que reside a priori, como possibilitador, e não em sede de um empirismo, que como percepção a posteriori do objeto, torna-se mera leitura do mesmo.A referida fase do fenômeno jurídico apresenta-se então abstrata, primeiro, por ser um momento embrionário do real, ou noutros termos, uma pré-realidade, que é oposta ao concreto enquanto um dos polos que possibilita sua posterior síntese dialética.

Todavia, seu caráter abstrato, deve-se ainda mais, ao estar separado, de seu produto final. O direito de pensar, ou d’outro modo, o direito fabricado na idéia que é a fase de aparição do fenômeno jurídico pela via racional, manifesta-se calcado na abstração por não encontrar nessa, os mesmos limites físicos que tangem ao orbe concreto. Ao longo dessa etapa, surge, o tão necessário conceito de dever-ser, que por definição, deve colocar-se apartado de seus consequentes desdobramentos, possíveis e ou acidentais, para que se manifeste em plenitude.

Com efeito, Reale (2000) trata esse âmbito da questão, quando aponta ser a doutrina hegeliana, o primeiro sistema de pensamento a imputar uma correlação necessária entre o direito que deve ser e direito possível, que constantemente se atualiza dentro do processo histórico, revelando com isso um caráter essencial para a positividade. O grande pensador brasileiro oferece em contraposição, as colocações de Del Vecchio[8]. Esse estudioso trata um panorama em que a positividade não poderia ser imanente à idéia, por ser ela, espécie de subproduto de um caminho empírico do fenômeno jurídico.

Entretanto, se assim fosse, estaria anulada umas das mais festejadas contribuições do sistema hegeliano, a qual seja o princípio de identidade do ideal com o real. Sem prejuízo ao modelo concebido pelo mestre do idealismo, é possível se imaginar tal questão em Heidegger (1995), todavia, não como em Hegel, mas, a partir dele. Numa linha sucessória,primeiramenteHegel, busca elementos do sistema cartesiano, e Heidegger, por sua vez, caminha pelos dois num movimento de sintetização, não como mero resumo de ambos, mas nos termos lavrados alhures, como progressão da idéia.

O campo ideal como fundamento da existência, torna-se, nos trabalhos do mestre da floresta negra, campo de linguagem. É justamente ela (a linguagem) que, analisada num nível de historicidade, assume o papel condutor da realização de sua analítica existencial. A partir daí, podendo-se deduzir que tal como em Hegel, é a idéia que pensa o ente, em Heidegger éa fala quem o faz, no sentido de qualifica-lo. Note-se com especial atenção que é usado o conceito de ente, pois como bem aponta o autor de Sein und Zeit[9],observando as percepções de Blaise Pascal, o Ser é em função de sua universalidade, um algo indefinível.

Assim, parece ser satisfatório encerrar nesse ponto, a discussão acerca do direito de pensar, não pelo fato de não restarem considerações outras que possuam uma pertinência relevante, mas antes, por ainda se encontrar em aberto, a segunda parte do conceito que nomeia essa seção: o pensamento do direito. Consideramos essa faceta da idéia,como um recôndito de menor importância, face à possibilidade de que o pragmatismo estanque em seu exercício diminua, de maneira irrevogável, sua aplicação enquanto categoria conceitual.

Pensamento do direito vai assumir aqui, uma espécie de negação do Ser enquanto Ser, para permiti-lo na acepção de ente. Urge dar em ressalto que, direito de pensar, isto é, o direito que se produz na idéia e que não encontra na hipoteticidade da imaginação um óbice para seu prolongamento. Não deixa de ser matéria que goze de interesse ao ponto em que o estudo se encontra, visto que, pensamento do direito, é proposto como produto desse labor produzido pelo Ser que ecoa através do ente. Nesse sentido, é o pensamento do direito, uma ferramenta dialética, uma possibilidade aberta para a síntese, ou quando não, ela própria.

Essa dimensão do real aqui nomeada como pensamento do direito, é a sua realidade material, o arcabouço de normas e instituições encontrado, sobretudo no perpassar do Estado, e do ordenamento jurídico. Todavia, a positividade jurídica concreta, que em última instancia, é o que essas categorias almejam, encontra em Reale (2000) uma pré-condição essencial. Advinda da indissociabilidade entre personalidade e socialidade, ser pessoa, é antes, ser com outrem, de acordo com o que conclui Hegel (1995) em sua fenomenologia do espírito.

Então, uma vez que para se efetivar, o pensamento do direito, ou seja, o arcabouço de instituições historicamente determinadas é mister, de antemão considerar a relação com o outro. Hegel (2000) imprime à dimensão política do direito, um caráter fundamentalmente moral, que opera de maneira objetiva, pois que, sociedade civil, Estado e na sua esteira, o ordenamento jurídico, determinam suas possibilidades de efetivação através do sentimento mútuo de comunidade compartilhado pelos membros da própria.

Nesse ponto, novamente como bem aponta Reale (2000), o pensador alemão, retoma o ideal de Estado grego como um traço indelével de sua obra. E o faz para dizer que o indivíduo abstraído da comunidade a qual pertence, quando considerado em si mesmo, possui valor reduzido frente aos outros. Assim, coloca-se para Hegel, no sentido daquilo que faz uma nação forte, a questão de que o todo é maior que a soma de suas partes. De tal modo a entender que o indivíduo que não se coloca enquanto signatário da série de regramentos que conduz a vida comunitária, que são por si, a vontade externalizada do Volksgeist, é um ente dotado de um espírito menos evoluído, necessitando ser esclarecido pelos seus pares.

Pode-se pensar através dessa perspectiva, na legitimação dos diversos modos de coação oferecidos pelo pensamento do direito, como ferramenta para levar o indivíduo a entender a necessidade de comunhão com o todo. Uma vez que o espírito do povo é absorvido pelo ente, ele aparentemente se entrega ao coletivo, no entanto, não é entrega o que ocorre, mas sim uma integração. A reinvenção do espírito subjetivo, que se ergue potenciado, depois de um mergulho na alma da comunidade, que é o conjunto objetivado de valores culturais pertencentes ao povo. Esse processe necessário do indivíduo que se une ao seu povo comungando com ele o Volksgeist, é a pré-condição de alcance do absoluto, que é a integração com o Weltgeist.

Esse encontro da consciência individual com a realização do absoluto, isto é, da liberdade consciente de si, em estado pleno, pode ser considerado para Hegel o fim da história, no mínimo, tal qual se conhece, como um jogo de contradições. O processo dialético existe a esse propósito, como a via de acesso, o meio que aponta incessantemente para o fim. De sorte que face, a importância do tema do Absoluto, cabe a esse propósito, um último adendo. Ao se contemplar a obra de Reale (2005) que discorre sobre pensadores cristãos, assume peculiar interesse num estudo comparado, Anselmo de Aosta[10].

O citado pensador, em seu "argumento ontológico", busca comprovar por meio da proposição racional a existência de um Ser absoluto, providente, no sentido de determinante ou, como meta da história, do qual nada se pode pensar de maior, assim criando-se na humanidade a necessidade de alcançá-lo. Tal absoluto assume no uso corrente, o status de Deus, pois é o argumento ontológico, uma tentativa de Anselmo, da qual Descartes corrobora, de demonstrar o criador que não existe como algo condicionado, mas é.  Considerando-o no sentido de Ser indeterminável. Essa proximidade com o teorema hegeliano que busca explicar a unidade na história poderia em algum sentido, prestar convite a pensa-lo não como um teórico político, mas como um teólogo que politiza suas crenças[11].

Sobre o autor
Leandro Moreira de Oliveira

Bacharel em Direito pela Escola de Estudos Superiores de Viçosa (2012). Graduando do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa-UFV. Tem experiência na área de Ciências Humanas com ênfase em Filosofia do Direito e Teoria Política

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Leandro Moreira. Pensamento e Direito, notas para uma compreensão em Hegel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3506, 5 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23651. Acesso em: 2 nov. 2024.

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