3 CRITÉRIOS UTILIZADOS PELA JURISPRUDÊNCIA AO APLICAR A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Após um levantamento jurisprudencial nos tribunais de justiça brasileiros, verifica-se que atualmente não há um número expressivo de ações versando sobre reparações por danos provenientes da perda de uma chance. Entretanto, em parte considerável dos estados é possível encontrar alguns julgados onde a teoria fora aplicada, contudo, devido à divergência existente quanto à sua classificação, a jurisprudência utiliza-se de diferentes critérios para a concessão de tais indenizações.
Sendo assim, se a perda de uma chance for considerada como lucro cessante, será necessária a comprovação de forma inequívoca que o resultado esperado teria sido obtido se não houvesse a interferência por parte do agente. Sob este prisma, torna-se difícil a prova do já mencionado dano, pois este é embasado numa situação hipotética, baseado em probabilidades. (MELO, 2007).
Noutro giro, se for equiparada ao dano moral, estará tratando teoria da perda de uma chance como um instituto desnecessário, apesar de sua importância. Mister se faz a distinção entre os institutos, pois, enquanto o dano moral deriva da violação de um bem que está ligado à personalidade, na perda da chance, o dano decorre da frustração de um interesse do indivíduo, seja de cunho patrimonial ou extrapatrimonial.
Caso a teoria seja vista como uma espécie de dano autônomo, serão utilizados critérios específicos para a sua aplicação, diferentemente dos institutos já existentes, onde caberá ao magistrado a análise da teoria de acordo com cada situação.
Segundo entendimento de alguns autores, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, analisar os seguintes critérios:
a) Se as chances são sérias e reais, não incluindo meras expectativas, “para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva”. (SILVA, 2012).
b) A questão da probabilidade, onde será verificada, de acordo com regras de estatísticas, percentuais maiores ou menores de probabilidade que a vítima teria em alcançar a chance perdida. Segundo Sérgio Savi, “somente será possível indenizar a chance perdida quando a vítima demonstrar que a probabilidade de conseguir a vantagem esperada era superior a 50%”. (SAVI apud FARIAS E ROSENVALD, 2007, p. 510).
c) Quantificação das chances perdidas, em que prescreve como regra fundamental, que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima. (SILVA, 2012).
Apesar de tratar-se de uma atividade discricionária do magistrado, dotada de cunho subjetivo, classificar esta espécie de dano e seus critérios, bem como a fixação do quantum indenizatório, tornam-se tarefas difíceis por se tratar de um tema que ainda necessita de parâmetros que possam servir como diretrizes para um julgamento seguro.
Insta frisar que para a aplicação de tais critérios estarão adequados somente se a perda de uma chance for vista como uma espécie autônoma de dano, já que institutos como dano moral e lucros cessantes possuem mecanismos próprios de avaliação.
Nesse sentido, observa-se a tendência à utilização do critério da probabilidade em alguns tribunais. Em relação ao cálculo que irá determinar quais seriam o valor do dano total e o percentual de probabilidade, o Tribunal de Justiça do Ceará, posicionou-se em uma de suas decisões da seguinte maneira, conforme um trecho do acórdão:
[...] Esse cálculo será relativamente fácil somente nos casos em que existam condições de determinar quais seriam o valor do dano total e o percentual de probabilidade. Assim, aproveitando um exemplo de Yves Chartier, reproduzido por Peteffi da Silva [2001, p. 28], se um advogado deixa de interpor um recurso em ação que, se tivesse sido julgada favoravelmente, traria uma vantagem econômica de dez mil reais, e se havia 30% de chances de reverter a sentença, a indenização final pela perda da chance devia ser de três mil reais". Apelação Cível nº 50728545200080600011. Relator(a): José Mário dos Martins Coelho. Órgão julgador: 6ª Câmara Cível. (CEARÁ, 2011).
Em jurisprudência do STJ já referida por este voto o Min. Ruy Rosado fixou a indenização um limite máximo de 20% sobre o valor total a ser obtido pela parte autora caso pudesse participar e vencesse o certame licitatório do qual não participou por conduta atribuída à parte ré daquele processo. (ROSADO apud TJ-CE, 2011).
A decisão a seguir foi a que obteve maior notoriedade, onde o STJ, ao aplicar a teoria da perda de uma chance, também utilizou, de forma bastante acertada o critério da probabilidade ao caso concreto.
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (STJ-REsp. nº 788459/ba; Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 13/03/2006, p. 334). (BRASIL, 2006).
Trata-se de programa de televisão, conhecido como “Show do Milhão”, no qual a participante, logrando êxito nas questões formuladas, chegou então à pergunta final, intitulada como "pergunta do milhão", não tendo sida esta respondida pela autora por preferir garantir a premiação já cumulada R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), pois caso não acertasse tal pergunta, perderia o valor citado.
Entretanto a pergunta formulada não tinha resposta correta, tornando assim impossível o acerto, ponderando haver má fé por parte da organização do programa, BF Utilidades Domésticas Ltda. Foi, então, condenada a empresa ré ao pagamento do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com acréscimo de juros legais, contados do ato lesivo e verba de patrocínio de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Houve apelação por parte da BF Utilidades Domésticas Ltda, que teve provimento negado pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, mantendo a decisão.
Contudo, não se poderia afirmar que, caso tivesse uma alternativa correta, a participante acertaria, e por consequência ganharia o prêmio. Assim, ao julgar o Recurso Especial, o STJ acolheu a teoria da perda de uma chance, no entanto, usou um critério diferente do utilizado pelo Tribunal de Justiça da Bahia. Tal critério baseou-se em avaliar a probabilidade de acerto que a pergunta, na hipótese de haver uma resposta correta, teria a participante. Sob esta ótica, foi considerada a margem de 25% de chance de acerto, servindo essa porcentagem como base de cálculo para o arbitramento do quantum a ser indenizado, correspondente ao valor de R$ 125.000,00 (Cento e vinte e cinco mil reais), que representa 1/4 do valor almejado, já que eram quatro as opções de resposta, considerando de forma inequívoca a perda da oportunidade e não da vantagem em si. (BRASIL, 2006).
Após a análise desta decisão, é possível perceber que o critério da probabilidade, adotado pelo STJ, é de fato bastante adequado, visto que a teoria da perda de uma chance é um instituto criado para reparar a vítima, cuja oportunidade de auferir uma vantagem fora dissipada, levando em consideração o percentual de obtenção de tal vantagem, servindo assim como base de cálculo para a fixação do quantum indenizatório. Contudo, o valor da reparação não poderá ser igual ao valor da vantagem que se pretendia alcançar, pois esta ainda estava no campo da incerteza.
Portanto, não há dúvidas quanto ao cabimento da devida reparação ao lesado, pois o fato deste ter sido impedido de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo pela ação ou omissão de outrem, por si, já caracteriza este direito, onde o dano já está configurado, na proporção que couber a cada caso, desde que as chances forem sérias e reais. No entanto, para que seja mensurada tal reparação, mister se faz a adoção de critérios específicos pertinentes às peculiaridades do instituto, para que sua aplicação ocorra de forma eficaz.
CONCLUSÕES
Ante o exposto, entende-se que a teoria da perda de uma chance vem a ser uma inovação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, trazendo a possibilidade de reparação à vítima pela perda da oportunidade da obtenção de uma vantagem ou de evitar um prejuízo, por ato ilícito de terceiro, consolidando assim um direito outrora inadmissível. Tal direito traduz-se na ampliação das possibilidades de reparação em sede de responsabilidade civil.
Após uma análise das decisões acerca do tema nos tribunais pátrios, constata-se que a teoria da perda de uma chance vem sendo aceita e aplicada pela jurisprudência brasileira, contudo, de forma tímida, haja vista a ausência de sua aplicação em alguns estados.
Nos casos em que houve a aplicação da teoria da perda de uma chance, em sua grande parte, esta não foi o objeto da concessão das indenizações. Nota-se que há a ausência de uma base sólida para conceituar a perda de uma chance. Assim, tanto a classificação do dano quanto a fixação do quantum indenizatório tiveram embasamento em outros institutos da responsabilidade civil, tais como os lucros cessantes e dano moral.
Em poucos casos foram utilizados critérios específicos, entendidos pela doutrina como sendo pertinentes ao instituto, sendo estes utilizados somente se a perda de uma chance for classificada e entendida como uma terceira modalidade de dano, ou em outras palavras, como uma espécie de dano autônomo.
Sendo assim, apesar de haver um entendimento jurisprudencial pacífico quanto à aceitação da teoria, em contrapartida, há uma grande dificuldade no que diz respeito à classificação da perda da chance. Este seria um reflexo da divergência doutrinária existente, onde não se pode encontrar parâmetros uniformes para que haja uma perfeita utilização do instituto.
Mister se faz a distinção da perda da chance de outros institutos como o lucro cessante e o dano moral, pois estes possuem características e critérios próprios. Sendo assim, dificilmente a vítima terá sucesso em sua demanda caso o magistrado tente enquadrar ao caso concreto um dos institutos já citados, pois como já foi abordado neste trabalho, o instituto da perda de uma chance atua no campo do desconhecido, logo, não há como fazer prova daquilo que ainda não ocorreu. Nesse caso, o que se tem é o dano, já configurado.
Outro aspecto importante que deve ser lembrado em relação à distinção entre os institutos já citados, é o fato de que possa haver ocorrência de um dano, independentemente da existência do outro, ou seja, pode haver a perda de uma chance nos casos em que não se vislumbra a possibilidade do dano moral ou dos lucros cessantes. Assim como também poderia haver a cumulação destes, conforme entendimento jurisprudencial (Súmula 37 do STJ). Em suma, a não distinção da perda de uma chance dos outros institutos, os quais possuem critérios próprios, poderia gerar como consequência a não reparação à vítima por esta espécie de dano, tornando assim inócuo o instituto.
Sob este prisma, entende-se que a perda de uma chance deve ser classificada como uma espécie de dano autônomo, a qual possibilita a utilização critérios específicos e adequados para a sua avaliação, tais como a análise do percentual de probabilidade que a vítima teria de alcançar a vantagem perdida, sendo estes capazes de trazer maior efetividade às decisões judiciais que envolvem o tema perante o caso concreto.
Conclui-se que ao ser aplicada a teoria da perda de uma chance, e sendo esta o objeto da indenização, os critérios mais utilizados pela jurisprudência brasileira são a análise da seriedade da chance, o cálculo do percentual de probabilidade de obtenção da vantagem, e ainda a premissa de que o valor a ser indenizado deverá ser sempre inferior ao valor que a vantagem almejada pela vítima teria de fato, pois o dará ensejo à reparação não é a vantagem em si, mas sim a oportunidade que fora obstada.
REFERÊNCIAS
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