É possível aplicar medida socioeducativa a jovem adulto que já completou 18 anos de idade? Para responder a esta questão, devemos primeiramente saber qual espécie de medida socioeducativa estamos tratando.
Em se tratando de medida socioeducativa de internação e de semiliberdade é perfeitamente possível. Todavia, se for outra espécie de medida socioeducativa não será possível por falta de previsão legal.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 2º.Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até os doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único.Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Da leitura do dispositivo acima, temos as seguintes conclusões: a) considera-se criança pessoa menor de doze anos; b) considera-se adolescente pessoa a partir de doze anos e menor de dezoito anos; c) SOMENTE nos casos expressos em lei o Estatuto da Criança e do Adolescente será aplicado aos maiores de dezoito anos e menores de vinte e um anos (jovens adultos).
A par disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece nos artigos 121 e 122 os parâmetros para a medida socioeducativa de internação. Por ora, nos interessa o § 5º do artigo 121, segundo o qual:
§ 5º. A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
Como se percebe, o Estatuto a contrario senso reconheceu expressamente a possibilidade de aplicar aos jovens adultos a medida socioeducativa de internação. E a conclusão não poderia ser diferente, pois se o legislador determinou a desinternação compulsória do jovem adulto aos vinte e um anos de idade, pressupõe-se que este poderá ficar internado até esta idade.
E se de um lado é possível aplicar a medida socioeducativa de internação ao jovem adulto, também é possível aplicar a medida socioeducativa de semiliberdade, por força da norma contida no artigo 120, § 2º:
§ 2º. A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
Nada obstante a previsão legal expressa sobre a possibilidade de aplicar as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade ao jovem adulto, o legislador foi “omisso” quanto a mesma possibilidade em relação às demais medidas socioeducativas.
O parágrafo único do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente acima transcrito não deixa margens interpretativas, no sentido de que somente com previsão legal expressa este diploma legal poderá ser aplicado aos jovens adultos. Assim, se não há dita previsão, não é possível aplicar aos jovens adultos as medidas socioeducativas de advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida.
A afirmação pode causar certa perplexidade, posto que poderíamos pensar (e com razão): ora, se ao jovem adulto o juiz pode aplicar o mais, que é a internação, por que não poderia aplicar a liberdade assistida?
De fato talvez não seja essa a mais adequada solução, no entanto, trata-se de uma opção legislativa que (proposital ou não) devemos respeitar enquanto submetidos ao Estado de Direito.
O óbice é intransponível e decorre do princípio da legalidade, do qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei, assim como não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CR, art. 5º, inc. II e XXXIX).
Veja-se que na questão jurídica aqui enfrentada não há previsão da pena (que no caso da infância e juventude deve ser lido como medida socioeducativa) contra o jovem adulto diferente da internação e da semiliberdade. Portanto, sob pena de subverter o ordenamento jurídico, não podemos admitir o contrário.
Seja justo ou injusto, certo ou errado, concordemos ou não, o fato é que não cabe ao Poder Judiciário fazer inovações legislativas, muito menos analogias in malan partem.
Veja que nossa análise da questão é exclusivamente sob o viés jurídico.
De outro lado, quer nos parecer que o legislador optou por instituir um sistema socioeducativo de mínima intervenção. E tal conclusão vai ao encontro da doutrina da proteção integral.
O entendimento acima defendido ressoa na jurisprudência de vanguarda, conforme julgados abaixo:
HABEAS-CORPUS. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. EXTINÇÃO DA MSE PELA MAIORIDADE. POSSIBILIDADE. As medidas sócio-educativas consistentes na restrição ao direito de ir e vir (internação e semi-liberdade), podem perdurar até os 21 anos, desde que a prática tenha ocorrido antes de o adolescente completar 18 anos, entretanto, tal hipótese não ocorre com a medida sócio-educativa de liberdade assistida, a qual, por falta de previsão legal, não se aplica a excepcionalidade prevista no art. 2º, § único, da Lei 8069/90. ORDEM CONCEDIDA PARA JULGAR EXTINTA A MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA.Leg: Ato infracional análogo ao art. 214 c/c 224, a, do CP (TJRJ, 7ª Câm. Crim., HC 2007.059.02447, Des. Rel. Alexandre H. Varella, j. 29.05.2007).
HABEAS CORPUS. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional análogo ao delito de furto. Medida sócio-educativa de liberdade assistida. Adolescente que completa 18 anos de idade. Tratando-se de medida sócio-educativa de liberdade assistida, que não foi reavaliada, prorrogada ou substituída por outra mais severa, impõe-se a sua extinção, com a liberação compulsória da adolescente, que agora já conta com mais de 18 anos de idade. Ordem concedida (TJRJ. 1ª Câm. Crim. HC 2007.059.01388, Des. Rel. Moacir Pessoa de Araújo, j. 24.04.2007).