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Concretização do pós-positivismo jurídico no âmbito do Direito Processual Civil

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Agenda 05/03/2013 às 15:28

O jusnaturalismo e o positivismo têm seus valores, mas se excedem em extremismos. O pós-positivismo procura um meio-termo entre filosofias tão distintas.

Resumo: Este artigo inicia-se com abordagem sobre a evolução histórica que culminou com o Pós-positivismo Jurídico. Analisa a referida escola como uma proposta de mediação entre o Jusnaturalismo e o Positivismo, tendo como característica principal a aplicação das normas escritas com respeito aos princípios jurídicos. Faz análise crítica de exemplos de concretização do Pós-positivismo no Direito Processual Civil, expressos em decisões judiciais, em súmulas e em enunciados aprovados em encontros de magistrados. Tais exemplos consistem, dentre outros, em inversão do ônus da prova e em desconsideração de personalidade jurídica da empresa independentemente de irregularidade praticada. Conclui defendendo a razoabilidade do Pós-positivismo, desde que aplicado com ponderação, em atenção ao valor “segurança jurídica”.

Palavras-chave: Pós-positivismo Jurídico. Direito Processual Civil. Entendimentos jurisprudenciais. Justiça e segurança.

Sumário: Introdução. 1 Definição de “Pós-positivismo”. 2 Jornadas de magistrados trabalhistas e o ônus da prova diante do Pós-positivismo. 3 Dispensa de carta precatória no âmbito de um mesmo tribunal. 4 Instauração de ofício de execução provisória. 5 Penhora de qualquer valor em conta poupança. 6 Redirecionamento da execução contra os sócios apenas pela insolvência da pessoa jurídica, antes mesmo de exaurida a execução contra esta. 7 Extinção do processo por abandono da causa pelo autor dependendo de requerimento do réu. 8 Substituição de certidão de dívida ativa durante o trâmite de execução fiscal. 9 Extinção do primeiro processo em caso de litispendência. 10 Bloqueio de valor em conta bancária do Estado. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

“Onde há sociedade, há Direito”. Trata-se de máxima consagrada pela doutrina jurídica. Ocorre que as sociedades são diversas e são mutáveis, de sorte que um mesmo Direito não pode ser aplicado a todos os povos nem a todas as épocas de um mesmo povo. Assim, o Direito está em constante mutação, em constante adequação às necessidades sociais.

Além das realidades sociais, também as correntes filosóficas e científicas ditam os rumos do Direito. O que, em uma época, parece justo e apropriado nas Ciências Jurídicas, em outros tempos fica superado, abrindo espaço para novas considerações.

Os tempos atuais são de tentativa de harmonização entre regras e princípios, de interpretação dos códigos à luz das máximas que regem o ordenamento jurídico. Com o Direito Processual Civil não é diferente. Multiplicam-se os entendimentos judiciais pela relativização da literalidade de determinadas normas para melhor aplicação dos princípios jurídicos.

O presente trabalho tem como escopo abordar a escola do Pós-positivismo, representante das referidas tendências, com enfoque nos seus reflexos sobre o Direito Processual Civil, através da análise de entendimentos judiciais que exemplificam a concretização das tendências sob análise na prática dos processos civis.


1 Definição de “Pós-positivismo”

É comum, nas Ciências Humanas, que as correntes de pensamento e as escolas filosóficas, quando no nascedouro, recebam denominações provisórias, precedidas de expressões como “neo” e “pós”. Enquanto contemporâneas com os estudiosos que as apreciam, suas características ainda não estão plenamente definidas, o que justifica a utilização, em suas denominações, de títulos conferidos às correntes ou escolas anteriores, mas com os referidos prefixos. Por vezes, com a superação das correntes ou escolas referidas como “neo” ou “pós” e a conseqüente análise científica completa sobre suas características, as denominações provisórias são eternizadas. Por vezes, são substituídas por nomes definitivos.

Com as Ciências Jurídicas não é diferente. Afirma-se que o Direito está na época do “Pós-Positivismo”. Para sua melhor compreensão, segue breve esboço histórico da transição que culminou com seu surgimento.

Com o fulcro de garantir segurança jurídica, dentre outros escopos, estudiosos dos séculos passados deram origem ao denominado Positivismo Jurídico, linha de pensamento segundo a qual, em síntese, o Direito se resumiria às normas jurídicas. Caberia ao aplicador do Direito a análise principalmente gramatical sobre as normas. Assim exerceria adequadamente seu mister. Considerações sociológicas e morais não seriam deveres primordiais do advogado ou do juiz, mas do legislador.

Ocorre que a redução do Direito às regras escritas, se por um lado traz uma aparência de ordem à sociedade, acaba por fundamentar condutas que estão conforme a gramática legal mas são evidentemente inapropriadas noutras esferas de análise. Assim ocorreu com o nazismo. Amparada pelo texto do ordenamento jurídico alemão vigente à época, surgiu a liderança que originou tal regime, vindo a promover inúmeros atos frontalmente contrários a quaisquer esboços de direitos humanos.

Detectadas as falhas do Positivismo, os doutrinadores passaram a conceber novas teorias jurídicas. Passaram a buscar meios de equilíbrio, formas de harmonizar o Positivismo e o Jusnaturalismo. Deduziram que o Direito não se resumiria às regras escritas pelos legisladores, mas também não se resumiria aos princípios imutáveis revelados pela natureza humana. O Direito corresponderia, sim, à lei, mas com balizas impostas pela moral. E a conciliação entre os escritos legais e a moral seria viabilizada pelas cláusulas abertas constantes nas codificações, especialmente nas constituições.

Hoje, com o Pós-positivismo, é conferida intensa valorização aos princípios jurídicos. Não servem mais apenas para complementar lacunas na lei ou para direcionar a produção legislativa, mas como autênticas regras de aplicação imediata à sociedade, devendo ser observadas pelos juízes quando dos julgamentos. Mais do que nunca, a constituição assume o topo da pirâmide de referência normativa. Os valores nela consagrados servem de direcionamento para a aplicação de todo o ordenamento jurídico. A atividade judiciária eleva seu grau de eficácia social, enquanto a atividade legislativa tem reduzido seu grau de interferência direta na sociedade.

A vastidão de estudos doutrinários, inevitavelmente, acaba por gerar diversas denominações para as tendências jurídicas atuais. Assim, além do Pós-positivismo, diz-se que estamos na época do Neoconstitucionalismo e do Neoprocessualismo.

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O Neoconstitucionalismo é tratado por alguns autores como sinônimo de Pós-positivismo em sua essência. Outros o consideram como doutrina contrária ao Positivismo, ao passo que o Pós-positivismo seria doutrina mais conciliadora com as escolas anteriores, albergando maior margem de concepções.

O Neoprocessualismo consiste, em síntese, no enfoque processual do Pós-positivismo, ou seja, na abordagem do processo sem descuidar das normas legais, mas com maior atenção aos princípios jurídicos que o envolvem.

Expostas as considerações acerca do fenômeno pós-positivista, chega-se ao cerne deste trabalho: a análise crítica acerca de opiniões jurisprudenciais que, no âmbito do Direito Processual Civil, relativizam a letra da lei mas são fundamentadas em princípios jurídicos. Diz-se “opiniões jurisprudenciais”, e não “julgados” ou “precedentes judiciais”, porque o objeto da análise abrange súmulas e enunciados de jornadas promovidas por magistrados. Sabe-se que tais figuras são elaboradas abstratamente, sem vinculação a determinados casos concretos, mas não deixam de ser “jurisprudenciais”, já que são frutos de produção de magistrados.


2 Jornadas de magistrados trabalhistas e o ônus da prova diante do Pós-positivismo

A ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) promoveram, na sede deste em Brasília - DF, em novembro de 2007, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho. A mesma ANAMATRA, em novembro de 2010, promoveu outra jornada, dessa vez denominada Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho. O evento foi realizado em Cuiabá – MT, em novembro de 2010.

As referidas jornadas concluíram com a aprovação, ao todo, de 136 enunciados, muitos dos quais albergando entendimentos vanguardistas, representativos do Pós-positivismo tanto na esfera processual quanto no âmbito dos direitos materiais.

Contudo, o enfoque deste artigo é a aplicação prática do Pós-positivismo no Direito Processual Civil. Logo, os enunciados de tais jornadas aqui abordados dizem respeito a tal matéria.

Ressalte-se que, embora os feitos trabalhistas sejam orientados pela parte processual da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que forma matéria com autonomia científica (Direito Processual do Trabalho), o Direito Processual Civil está sempre presente na rotina do operador do Direito do Trabalho, pois a CLT é consideravelmente lacunosa em sua parte processual. A propósito, em seu art. 769 dispõe que “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

Portanto, repita-se, as análises ora efetuadas dizem respeito ao Direito Processual Civil, ainda que aplicáveis à Justiça do Trabalho.

Expostas tais considerações, passa-se a tratar de tema dos mais delicados para os operadores do Direito: o ônus da prova. Quem deve provar o que? Como julgar o caso havendo insuficiência probatória? A princípio, deve-se seguir o que está no art. 333, incisos I e II, do CPC (Código de Processo Civil), segundo os quais o autor deve provar os fatos constitutivos do seu direito e o réu deve provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor. Havendo insuficiência de prova, o juiz deve julgar contra a parte que não se desincumbiu do seu ônus probatório.

Mas, se uma das partes for mais hábil financeira e tecnicamente para a produção da prova, pode o juiz transferir a ela tal encargo?

Dentre os enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, constam dois que tratam de inversão do ônus da prova:

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA. (...) III – LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. ÔNUS DA PROVA. Quando há alegação de que ato ou prática empresarial disfarça uma conduta lesiva a direitos fundamentais ou a princípios constitucionais, incumbe ao empregador o ônus de provar que agiu sob motivação lícita.

41. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA. Cabe a inversão do ônus da prova em favor da vítima nas ações indenizatórias por acidente do trabalho.

Percebe-se que tais verbetes impõem ao empregador (réu) o ônus de provar a inexistência do fato constitutivo do direito do empregado (autor).

Uma das bases jurídicas para tanto seria o Princípio da Proteção ao Empregado, presente tanto no Direito Material como no Direito Processual e revelado através de diversas normas jurídicas, como as elencadas no art. 7º da CF88 (Constituição Federal de 1988). No âmbito processual, o referido princípio demonstra-se presente, por exemplo, na norma que impõe depósito recursal ao empregador sucumbente em primeira instância, caso deseje levar a discussão aos tribunais (art. 899 da CLT e seus parágrafos).

Sob ampla análise, também o Princípio da Igualdade, inserto no caput do art. 5º da CF88, serve como fundamento para a inversão do ônus da prova nos casos sob análise. Trata-se de desigualar as partes formalmente para tentar igualá-las materialmente.

O denominado Princípio da Adaptabilidade do Procedimento, revelado em diversas normas jurídicas, como a que estabelece prazos estendidos para a Administração Pública (art. 188 do CPC), é outro fundamento jurídico para os verbetes em tela.

Também a analogia serve como justificativa para os verbetes em questão. O CDC (Código de Defesa do Consumidor), em seu art. 6º, inciso VIII, permite ao magistrado, conforme as circunstâncias, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, já que, via de regra, este é hipossuficiente (financeira e tecnicamente) diante do fornecedor. O mesmo ocorre com o empregado diante do empregador. E onde há a mesma razão deve viger o mesmo dispositivo (ubi eadem ratio ibi idem jus).

Pelos mesmos motivos expostos, defende-se que, também nos demais processos civis, havendo notável superioridade técnica e econômica de uma das partes diante da outra, seja possível a inversão do ônus da prova pelo julgador.

Ressalte-se que a inversão do ônus da prova pelo magistrado deve ser feita antes da dilação probatória e com expressa notificação às partes, para que elas fiquem cientes de seus exatos ônus processuais.


3 Dispensa de carta precatória no âmbito de um mesmo tribunal

Transcreve-se o teor do enunciado nº 6 da Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho:

CARTA PRECATÓRIA. DISPENSABILIDADE. No âmbito da competência territorial de cada Tribunal Regional do Trabalho, a carta precatória é dispensável quando a prática do ato processual não exigir decisão do magistrado que atua no âmbito territorial em que o ato deva ser cumprido. Nesses casos, o mandado deve ser expedido pelo próprio juiz da causa principal, para cumprimento por oficial de justiça da localidade da diligência.

O enunciado é textualmente contrário aos arts. 200 e 201 do CPC:

Art. 200. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial ou requisitados por carta, conforme hajam de realizar-se dentro ou fora dos limites territoriais da comarca.

Art. 201.  Expedir-se-á carta de ordem se o juiz for subordinado ao tribunal de que ela emanar; carta rogatória, quando dirigida à autoridade judiciária estrangeira; e carta precatória nos demais casos.

Pode-se dizer, entretanto, que o enunciado está fundamentado no Princípio da Celeridade Processual (art. 5º, LXXVIII, da CF88). A prática cartorária revela as formalidades relativas à tramitação de uma carta precatória, especialmente a necessidade de autos próprios e numeração própria, com os procedimentos correlatos, como cadastro e baixa. A expedição de um mandado pelo juízo deprecante diretamente ao oficial de justiça da comarca de destino, a ser enviado pelo correio ou por meio eletrônico, consiste em procedimento mais célere, o que atende ao referido princípio constitucional.

Ainda como argumento em defesa da regularidade de tal procedimento, menciona-se o Princípio do Aproveitamento dos Atos Processuais, revelado no art. 154, caput, parte final, do CPC: “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. O referido artigo também alberga o supramencionado Princípio da Adaptabilidade do Procedimento.


4 Instauração de ofício de execução provisória

Durante a Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho, foi aprovado também o seguinte verbete:

15. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO. A execução provisória poderá ser instaurada de ofício na pendência de agravo de instrumento interposto contra decisão denegatória de recurso de revista.

O enunciado é gramaticalmente oposto ao inciso I do art. 475-O, do CPC, in verbis:

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; [...] (sem grifo no original)

A intenção dos participantes da jornada, ao aprovarem tal enunciado, é clara: a concretização dos Princípios da Celeridade e da Efetividade Processual. Frequentemente, por inércia de seus patronos, os credores por títulos executivos ainda não transitados em julgado deixam de requerer suas execuções provisórias.

Contudo, há que ser feito um alerta. Como diz a parte final do artigo transcrito, o exequente fica obrigado, em caso de reversão do julgado, a reparar os danos causados ao executado. Entretanto, se a execução provisória tramita sem seu requerimento, tal obrigação deve ser relativizada. Não sendo possível a reparação do dano causado ao executado, não há que se condenar o exequente por ato cuja iniciativa foi do Poder Judiciário.


5 Penhora de qualquer valor em conta poupança

Mais uma vez, analisa-se enunciado aprovado na Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho:

23. EXECUÇÃO. PENHORA DE CADERNETA DE POUPANÇA. INCOMPATIBILIDADE DO ART. 649, INCISO X, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) COM OS PRINCÍPIOS DO DIREITO E PROCESSO DO TRABALHO.

I - A regra prevista no art. 649, X, do CPC, que declara impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, é incompatível com o direito e o Processo do Trabalho.

II - A incompatibilidade com os princípios do direito e do Processo do Trabalho é manifesta, pois confere uma dupla e injustificável proteção ao devedor, em prejuízo ao credor, no caso e em regra, o trabalhador hipossuficiente. A proteção finda por blindar o salário e o seu excedente que não foi necessário para a subsistência e se transformou em poupança. Há, na hipótese, manifesta inobservância do privilégio legal conferido ao crédito trabalhista e da proteção do trabalhador hipossuficiente.

Trata-se de opinião bastante vanguardista, mas razoável. A princípio, o art. 649, X, do CPC deveria ser aplicado ao Processo do Trabalho, pois a CLT não trata de impenhorabilidade.

Porém, de fato é injusto deixar o empregador com o excedente às suas finanças (o que está em conta poupança via de regra é excedente) quando está devendo ao empregado verba alimentar. O Direito ao numerário é do empregado. Trabalhou para conquistá-lo. Precisa do valor para o sustento de sua família. Por que deixar a conta poupança do empregador (repita-se, correspondente ao que lhe sobra) imune?

O verbete em tela concretiza o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (presente no art. 5º, XXXV, da CF88), considerando-se “jurisdição” em sentido amplo, não só como julgamento, mas também como concretização do julgamento, ou seja, como execução.

Por analogia jurisprudencial, pode-se aplicar o enunciado em tela também nas causas cíveis em sentido estrito. Não só em favor dos trabalhadores, mas em favor dos credores em geral, poderiam ser feitas penhoras em valores que sobram para os devedores, sendo maiores ou menores que quarenta salários mínimos.

Pode-se, enfim, discutir a constitucionalidade do art. 649, X, do CPC. Enquanto não há reforma legislativa a respeito, são oportunas as atitudes jurisprudenciais como a publicação do enunciado em tela.


6 Redirecionamento da execução contra os sócios apenas pela insolvência da pessoa jurídica, antes mesmo de exaurida a execução contra esta

Encerrando a análise de exemplos de concretização do Pós-positivismo na Justiça do Trabalho (mas, repita-se, no âmbito do Direito Processual Civil), segue a transcrição de parte da Recomendação nº 02/2011 da CGJT (Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho), publicada no Boletim Interno do TST (Tribunal Superior do Trabalho) em 06 de maio de 2011:

O CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO [...]

Considerando [...]

RESOLVE:

RECOMENDAR à criteriosa consideração dos Senhores Juízes da execução o seguinte iter procedimental:

a) Citação do executado;

b) Bloqueio de valores do executado via sistema do BACENJUD;

c) Desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, nos termos dos artigos 79 e 80 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho;

d) Registro no sistema informatizado e citação do sócio;

e) Pesquisa de bens de todos os corresponsáveis via sistemas BACENJUD, RENAJUD e INFOJUD;

f) Mandado de penhora;

g) Arquivamento provisório;

[...]

A recomendação, como a própria denominação indica, não é vinculante. Trata-se de aconselhamento aos magistrados trabalhistas. Seja como for, é consideravelmente vanguardista.

Discute-se, na doutrina jurídica, acerca da aplicabilidade da Teoria Maior ou da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica. De acordo com a primeira, só há redirecionamento da execução contra bens dos sócios em caso de irregularidade praticada pela pessoa jurídica. De acordo com a segunda, a mera insolvência da pessoa jurídica permite o redirecionamento da execução contra bens dos seus sócios.

É certo que o Código Civil adotou a primeira teoria, como demonstra seu art. 50, que traz norma de natureza híbrida (material e processual):

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (sem grifo no original)

O art. 8º, parágrafo único, da CLT, dispõe que “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”. Como a CLT não trata da desconsideração da personalidade jurídica, o art. 50 do Código Civil, sob primeira análise, deve ser aplicado na esfera trabalhista.

Entretanto, a Recomendação da CGJT, ora em comento, está contrária ao transcrito art. 50 do Código Civil. Orienta ao magistrado que desconsidere a personalidade jurídica mesmo sem ilegalidade da empresa e independentemente de requerimento do exequente. E vai mais além: orienta que o faça logo após a tentativa frustrada de penhora em conta bancária da pessoa jurídica, antes mesmo de exauridos os demais meios de execução contra ela (pesquisa de veículos e imóveis, expedição de mandado de penhora, etc.).

É sabido que o instituto da personalidade jurídica visa a fomentar a atividade econômica, o que beneficia a sociedade. Se os bens da pessoa física são protegidos no caso de insucesso da empresa, mais indivíduos se dispõem a iniciar empreendimentos econômicos, o que gera mais produção e mais emprego, elevando os índices econômicos e sociais do país. Observando-se a Recomendação em tela apenas sob tal enfoque, demonstra-se criticável, pois, em última análise, desestimula a atividade econômica, já que desprotege os bens dos indivíduos empreendedores.

Mas a Recomendação tem seus fundamentos jurídicos: os já mencionados Princípios da Efetividade Processual, da Proteção ao Empregado e da Inafastabilidade da Jurisdição. Portanto, ainda que discutível, é justificável diante do Pós-positivismo.

Sobre o autor
Thiago Serrano Lewis

Analista Judiciário na 5ª Vara do Trabalho de Campina Grande – PB; Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá; Professor de Direito Processual Civil na Faculdade Maurício de Nassau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEWIS, Thiago Serrano. Concretização do pós-positivismo jurídico no âmbito do Direito Processual Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3534, 5 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23879. Acesso em: 24 dez. 2024.

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