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Análise jurídico-administrativa do trabalho escravo no estado do Piauí

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Agenda 03/04/2013 às 09:49

2. O CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

2.1. CONCEITO

O crime de redução à condição análoga à de escravo está situado no capítulo que trata dos crimes contra a liberdade individual, na seção dos crimes contra liberdade pessoal, mais especificamente no artigo 149 do Código Penal.

De acordo com Nelson Hungria, o artigo 149 do Código Penal trata do fato criminoso denominado plagium (plágio), que “é a completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra”.[36]

Sendo que, como explica Cezar Roberto Bitencourt:

quando o Direito Romano proibia a condução da vítima, indevidamente, ao estado de escravidão, cujo nomen iuris era plagium, o bem jurídico tutelado não era propriamente a liberdade do indivíduo, mas o direito de domínio que alguém poderia ter ou perder por meio desta escravidão indevida.[37]

Percebe-se, então, que há diferença entre o crime do artigo 149 do Código Penal e a conduta punida em Roma, especificamente em relação ao bem jurídico protegido. Tanto que, como ressalta Bitencourt, “o Direito Romano punia a escravidão do homem livre e a comercialização de escravo alheio”.[38]

O dispositivo legal atual protege o status libertatis, ou seja, a liberdade do ser humano, em todas as formas de manifestação. O bem protegido, como explica Bitencourt, é a “liberdade sob o aspecto ético-social, a própria dignidade do indivíduo, também igualmente elevada ao nível de dogma constitucional”.[39]

Na verdade, como bem explica Fernando Capez, a liberdade, como estado direito, permanece inalterada, mas no contexto fático é possível perceber a sua supressão.[40]

Na configuração desse crime, o sujeito ativo se apodera totalmente da liberdade pessoal do sujeito ativo, ou seja, aquele fica totalmente submisso ao poder deste, com anulação do status libertatis.

Com isso, resta excluída, por completo, “a liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a sua integridade física e moral”.[41]

Após a análise do conceito do crime de redução à condição análoga à de escravo, imperioso se faz analisar sua ação nuclear.

2.2. AÇÃO NUCLEAR

Com a edição da Lei nº 10.803/2003, o artigo 149 do Código Penal buscou elencar as condutas nas quais pode se configurar o crime em análise, as quais se analisa a seguir.

Uma das formas de reduzir o trabalhador à condição análoga a de escravo é mediante submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva. Ao explicar tal conduta, Fernando Capez explica que:

submeter significa sujeitar, subjulgar a vítima, no caso, a trabalhos forçados, entendendo-se como tais aqueles em que não há como oferecer resistência ou manifestar recusa, em face do emprego de violência, ameaça ou fraude.[42]

Também configura o crime quando o sujeito ativo impõe ao trabalhador, sujeito passivo, a obrigação do labor até a exaustão física, sem perspectiva de interrupção a curto prazo.[43]

Outra forma de se configurar o crime previsto no artigo 149 do Código Penal é mediante a sujeição do trabalhador a condições subumanas sem a possibilidade de interrupção voluntária da relação empregatícia.

Além disso, a restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, também é uma ação nuclear do crime de redução à condição análoga a de escravo, tendo em vista que há “verdadeiro cerceamento à liberdade de ir e vir do indivíduo”.[44]

Dessa forma, configura o crime do artigo 149 do Código Penal quando a vítima, que é o trabalhador, for submetida a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

O simples fato de não haver pagamento de salários do trabalhador não é suficiente para configurar o crime do artigo 149 do Código Penal, tendo em vista que se faz necessário que haja simultaneamente o tratamento desumano e o cerceamento da liberdade de locomoção do sujeito.[45]

Por oportuno, ressalta-se as figuras equiparadas, que são aquelas condutas que, uma vez cometidas, impõem ao sujeito ativo as mesmas penas do tipo básico, e estão previstas no §1º do artigo 149, CP.

São elas: quando o sujeito ativo cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho ou quando mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

A Terceira Turma do TRF da 1ª Região, ao analisar uma apelação criminal, relata as seguintes condições que se encaixam no tipo penal em análise:

Trabalhadores, inclusive adolescentes, submetidos a condições de trabalho degradantes, num cenário humilhante de trabalho, indigno de um humano livre, havendo não apenas desrespeito a normas de proteção do trabalho, mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e alimentação, além de laborarem sem equipamentos de proteção individual, comprovam a autoria do crime previsto no art. 149, caput, do CP pelo acusado.[46]

Destaca-se, a seguir, decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª região, segundo a qual:

Para a configuração de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo faz-se necessária a completa sujeição da pessoa que tenha relação de trabalho ao poder do sujeito ativo do crime, nãobastando a submissão do trabalhador a condições precárias de acomodações. Tal situação é censurável,mas não configura o crime do art. 149 do Código Penal.[47]

Ademais, o §2º do já exaustivamente citado artigo 149, prevê causas que aumentam a pena do agente pela metade, que são: crime cometido contra criança ou adolescente ou crime cometido por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Analisa-se, a seguir, as consequências jurídicas do consentimento do ofendido em relação à prática do crime sob análise.

2.3. O CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

Ressalta-se que, mesmo com o consentimento do ofendido, configura-se o crime, tendo em vista que princípios maiores de ordem constitucional e internacional devem ser garantidos, como mencionado anteriormente, não podendo ser relativizados pela simples vontade da vítima.

Até porque, como bem explicado por Ingo Wolfgang Sarlet, “a dignidade necessariamente é algo que pertence a cada um e que não pode ser perdido ou alienado, porquanto, deixando de existir, não haveria mais limite a ser respeitado”.[48]

Ou seja, tanto a dignidade da pessoa humana como sua liberdade são direitos indisponíveis, dos quais o indivíduo não pode afirmar que renunciou.

A dignidade humana protege “a individualidade e autonomia da pessoa contra qualquer tipo de interferência por parte do Estado e de terceiros, de tal sorte a assegurar o papel do ser humano como sujeito de direitos”.[49]

Assim, mesmo que o trabalhador consentisse em ser explorado, sem ter o reconhecimento de seus direitos trabalhistas, tal disposição de vontade seria nula, pois os princípios constitucionais e as normas trabalhistas são de ordem pública, portanto,  irrenunciáveis.

Ocorre que é comum o trabalhador aceitar a oferta de trabalho, iludido com as promessas que lhe são feitas. E só depois se vê numa situação análoga à de escravo, e não mais consegue se desvencilhar do empregador.

2.4. SUJEITO ATIVO E ELEMENTO SUBJETIVO

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, que submeta um trabalhador ao seu poder, reduzindo-o à condição análoga à de escravo. Trata-se, portanto, de um crime comum.

Para configurar o crime é necessário que o sujeito ativo, empregador ou preposto, aja com dolo, “consistente na vontade de submeter outrem ao seu poder, de forma a suprimir-lhe a liberdade de fato”.[50] Já nas formas equiparadas exige-se o fim específico (elemento subjetivo do tipo) de reter a vítima no local de trabalho.

2.5. DANO MORAL

Os Tribunais trabalhistas adotaram o entendimento de que é cabível a indenização por dano moral ao trabalhador que é submetido a trabalho em condições análogas à de escravo. Tal ação é de competência dos tribunais trabalhistas por força do artigo 114 da Constituição Federal.

A justificativa para gerar o dever de indenizar baseia-se, então, na violação dos direitos básicos do ser humano, sujeitando-o a posição degradante, humilhante e sem justificativa legal para amparar tal comportamento.[51]

Geralmente a ação é proposta pelo Ministério Público do Trabalho, que pleiteia a indenização por danos morais coletivos, que tem por fim ressarcir a sociedade, de forma abrangente, pelo fato em si, qual seja, a existência do trabalho degradante na fazenda. [52]

Ressalta-se, ainda, a figura do dumping social, que diz respeito ao valor a ser pago pelo empregador em face da sua reincidência.[53] Ou seja, o empregador paga um valor em razão das práticas desumanas para obter lucro no mercado.

De acordo com a jurisprudência e com o Enunciado nº 4 da ANAMATRA,:

há que se arbitrar uma indenização suplementar às empresas que agridem de forma reincidente e inescusável os direitos trabalhistas dos empregados que, por meio da burla aos limites econômicos e sociais, obtêm lucros exagerados em detrimento da dignidade do trabalhador. [54]

Sabendo dessas características do crime de redução à condição análoga à de escravo, passa-se à análise dos casos detectados no Estado do Piauí, de acordo com os danos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e do Emprego.


3. TRABALHO ESCRAVO NO PIAUÍ

3.1. GENERALIDADES

Em estudo feito pela OIT, apontou-se que atualmente existe cerca de 12,3 milhões de trabalhadores escravos no mundo.[55] De acordo com números divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1995 e maio de 2006, mais de 17 mil trabalhadores foram encontrados em condições análogas à de escravo, e segundo a Organização Internacional do Trabalho, a estimativa era que, em 2005, 25 mil trabalhadores ainda se encontravam nessa situação, especialmente na região amazônica dos estados do Pará e do Mato Grosso.[56] Esses dois Estados são destaques porque neles a incidência é mais comum, embora o trabalho escravo possa ser encontrado em diferentes partes do território nacional[57], inclusive no Piauí.

De acordo com Luis Antonio Camargo de Melo, coordenador nacional de Combate ao Trabalho Escravo, o Piauí é um dos estados com mais vítimas de exploração do trabalho escravo no país, sendo a miséria a principal causa. Segundo tal procurador, “a pobreza, a miséria e a dificuldade de ingressar no mercado de trabalho levam as pessoas a serem submetidas a esse tipo de exploração".[58]

Conforme ressalta Anfrísio de Moura Neto, diretor de política salarial da Fetag (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) em 2004, os três municípios piauienses onde há uma maior incidência de trabalho escravo são: Cristino Castro, Uruçui e Baixa Grande do Ribeiro.[59]

Como exemplo da existência de trabalho escravo no Piauí, cita-se o que fora relatado em 2011 pelo Delegado Regional de Bom Jesus, no sul do Estado:

Na fazenda em estudo, encontravam-se 13 (treze) trabalhadores em condições desumanas, realizando trabalhos exaustivos e degradantes, com a liberdade de locomoção reduzida em face de uma suposta dívida contraída pela alimentação fornecida pelo empregador. Os trabalhadores passavam o dia no roçado executando trabalho pesado, dormindo debaixo de barracos de lona, dentro de um matagal, sem as mínimas condições de higiene, realizando suas necessidades fisiológicas dentro da vegetação e bebendo água sem tratamento e em temperatura elevada. Além de todas essas dificuldades relatadas, eles eram obrigados a pagar a alimentação fornecida pelo empregador, e essa dívida superava até o valor que eles recebiam.[60]

Em fevereiro de 2012, o Ministério Público do Trabalho da Bahia noticiou o resgate de 24 baianos que trabalhavam em condições análogas à de escravos em fazenda no sul do Estado do Piauí.

Na oportunidade, os trabalhadores foram libertados e encaminhados para sua cidade de origem. Foram-lhes pagos todos os direitos trabalhistas assegurados em lei, inclusive com a emissão de guia de seguro desemprego especial, bem como uma indenização por danos morais. Além disso, fora firmado um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) com o dono da fazenda e com o empreiteiro responsável pelos trabalhadores.[61]

De acordo com a notícia, além dos direitos trabalhistas, o dono da fazenda pagou:

uma multa por danos morais que variou de R$1.250 a R$20 mil por cada trabalhador, dependendo do tempo de serviço e se era menor de idade, já que dois menores foram encontrados entre os trabalhadores. O fazendeiro também teve que arcar com indenização por danos morais coletivos no valor de R$300 mil, revertidos para compra de veículos para a fiscalização rural do estado do Piauí.[62]

Dessa forma é possível perceber que, assim como ocorre em todo o Brasil, o trabalho escravo ainda é uma realidade no Estado do Piauí.

No Piauí há o Decreto nº 12.742, de 22 de agosto de 2007, que institui e constitui o Comitê Estadual de Erradicação do Aliciamento e de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo do Estado do Piauí, ao qual cabe, dentre outras atribuições:

II - propor as diretrizes para o Poder Público Estadual atuar nas questões referentes à política de erradicação do aliciamento e de prevenção e combate ao trabalho escravo;

III - propor mecanismos legais e institucionais que permitam o aperfeiçoamento da legislação e da gestão acerca da temática do trabalho escravo;

IV - estimular e promover a realização de estudos e eventos que incentivem o debate sobre o trabalho escravo e suas formas de prevenção e combate;

V - redigir e publicar trabalhos, emitir pareceres, organizar campanhas de forma a difundir o conhecimento e a conscientização acerca dos direitos fundamentais das pessoas e dos instrumentos legais e serviços existentes para sua promoção;

VI - denunciar e investigar situações de aliciamento e práticas de trabalho escravo ocorridas no Estado do Piauí ou que envolvam piauienses;

XII - atualizar, monitorar e promover a execução do Plano Estadual de Erradicação do Aliciamento e Combate ao Trabalho Escravo do Piauí.

Além disso, em 2004 foi estabelecido o Plano Estadual de erradicação do aliciamento e prevenção ao trabalho escravo no Piauí, que prevê as seguintes ações:

1. Declarar a erradicação do aliciamento e a prevenção ao Trabalho Escravo como prioridades do Estado do Piauí.

2. Promover campanha estadual de conscientização, sensibilização para erradicação do aliciamento e prevenção ao trabalho escravo.

3. Promover a conscientização e capacitação de todos os agentes envolvidos na erradicação do aliciamento e prevenção ao trabalho escravo.

4. Estimular a produção, reprodução e Identificação de literatura básica, obras doutrinárias e normativas multidisciplinares sobre o aliciamento e o Trabalho Escravo.

5. Formação Educativa de trabalhadores e trabalhadoras migrantes, localizados nos municípios foco de aliciamento.

6. Organizar Banco de Dados que reúna informações sobre trabalhadores aliciados ou escravizados, rotas de saídas fluxo de trabalhadores migrantes, autuações administrativas, inquéritos policiais e ações judiciais.

Diante da inegável existência de trabalho escravo no Estado do Piauí, passa-se à análise dos dados colhidos perante os órgãos oficiais competentes, para entender a atual situação jurídica e administrativa do Estado em relação ao tema.

3.2. ANÁLISE DOS DADOS DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

Apesar de toda a polêmica que envolve o tema, ressalta-se, de início, que a competência para julgar o crime do já estudado artigo 149 do Código Penal é da Justiça Federal, como se vê no trecho da ementa colacionada a seguir:

Os crimes de redução à condição análoga à de escravo, por submissão do empregado a condições degradantes de trabalho, e de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, ainda que tenham sido cometidos contra determinados grupos de trabalhadores, devem ser processados e julgados pela Justiça Federal, por se enquadrarem na categoria de delitos contra a Organização do Trabalho, conforme entendimento do colendo Supremo Tribunal Federal (RE 398041/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa), do STJ (CC 62.156/MG, Rel. Min. Laurita Vaz) e do TRF/1ª Região (RCCR 2006.43.00.002823-1/TO, Rel. Des. Federal Cândido Ribeiro)[63]

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Dessa forma, fez-se uma pesquisa na jurisprudência do TRF da 1ª Região, que abarca o Estado do Piauí, para verificar quantos casos do citado crime chegaram a ser analisados por este Tribunal, especificando quantos seriam originados de processos piauienses.

O TRF da 1ª Região possui 159 acórdãos que se referem ao trabalho escravo, sendo apenas 1 de origem no Estado do Piauí, cuja ementa se reproduz a seguir:

Decisão:  A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus.  Ementa:  PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". "TRABALHO ESCRAVO". DIREITOS INDIVIDUAIS. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Conquanto revele-se oscilante a jurisprudência, é majoritário o entendimento de que a Justiça Federal é competente para processar e julgar somente os crimes praticados contra a organização do trabalho, hipótese em que não se enquadra a redução de trabalhador à condição análoga a de escravo.

2. A infringência de direitos individuais de trabalhadores é de competência da Justiça Estadual.[64]

Percebe-se que apenas 1 caso do Piauí chegou ao conhecimento do TRF da 1ª Região, o qual, inclusive, entendeu que não se trata da configuração do crime. 

3.3. ANÁLISE DOS DADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Inicialmente, destaca-se que cada Procuradoria da República nos Estados possui uma Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão integrando sua estrutura, sendo o órgão responsável pela coordenação da defesa dos direitos da pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal.

No Piauí, esta PRDC tem dado prioridade às ações preventivas no combate ao trabalho escravo, na erradicação do trabalho infantil e a defesa de direitos de acessibilidade aos portadores de deficiência, procurando articular-se com outras instituições para e fazer cumprir a sua missão institucional.

Além de atuar como interlocutor entre a sociedade e os diversos órgãos estatais, buscando soluções para a efetivação dos direitos da pessoa humana no Piauí e oficiar nos procedimentos administrativos e na defesa judicial das garantias constitucionais relativas à cidadania.[65]

Além disso, cada Estado possui uma Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo, que  investiga situações em que os obreiros são submetidos a trabalho forçado, servidão por dívidas, jornadas exaustivas ou condições degradantes de trabalho, como alojamento precário, água não potável, alimentação inadequada, desrespeito às normas de segurança e saúde do trabalho, falta de registro, maus tratos e violência.

A partir dessas investigações, o MPT realiza ações judiciais e extrajudiciais que promovem a punição do empregador, prevenção ao ilícito e a inserção do trabalhador no mercado de trabalho com todos os direitos garantidos.[66]

Em 1999, o STF julgou o Inquérito nº 1114, iniciado pelo Ministério Público Federal. A decisão foi no sentido não ser mais de competência daquele Tribunal o julgamento da causa, tendo em vista que o réu perdera a condição de Deputado Federal, que lhe conferia a prerrogativa de foro. No entanto, considerando sua importância e relevância no estudo do presente tema, reproduz-se trechos da ementa, in verbis:

Trata-se de Inquérito Policial instaurado com o escopo de apurar condutas e atividades lesivas à liberdade humana e à organização do trabalho, tendo como agentes de tais condutas, apontadas como ilícitos penais no código respectivo, os dirigentes e empregados da empresa COMVAP.

(...) Consta do referido inquérito, instaurado atendendo ofício da Procuradoria Regional do Trabalho, com o fito de apurar denúncias de exploração de trabalhadores em condições de semi-escravidão pela COMPANHIA AGRO-INDUSTRIAL VALE DO PARNAÍBA (COMVAP), na fazenda sítio, município de União/PI, que os ditos trabalhadores estariam sendo ludibriados pelos dirigentes da empresa supra referida, vez que, segundo depoimentos insertos nos autos, laboravam em péssimas condições, ou sem condição nenhuma, em alojamentos desumanos, recebendo salários inferiores ao mínimo, com jornadas superiores à máxima legalmente permitida, bem como, sendo submetidos a alto grau de periculosidade e insalubridade, já tendo ocorrido alguns acidentes com vítimas letais em transporte da empresa.

(...) Ademais, os obreiros ainda eram submetidos a regime de semi-escravidão, dado que eram obrigados a comprar tudo que necessitassem em armazéns da empresa, o que os colocava em permanente débito para com esta, impedindo-os de sequer perceberem seus salários. Ilustra-se tal assertiva com o fato ocorrido quando da chegada desses trabalhadores, provenientes do município de Jaicós-PI, em número de quarenta e sete pessoas, momento em que tiveram que comprar até seus facões de uso cotidiano, instrumento que sequer teriam a propriedade se porventura viessem a ser demitidos. Há também indícios de maus-tratos e violência (...), inclusive com a participação de policiais militares, que segundo os depoentes supra, se postavam armados, com fins,certamente intimidatórios, mormente em época de pagamento.

(...) Tais condutas configuram, sem que restem dúvidas, o delito do art. 149 do CPB, o plágio,ou redução à condição análoga à de escravo, não do art. 197, sem que se exclua, no entanto, a possível ocorrência de concurso com outros delitos, como o do art. 203 do diploma penal (Frustração de Direito), ou lesões corporais (art. 129).

(...) Deve-se, portanto, ser severo e justo com tais fatos, por constituírem afronta aos direitos individuais, arraigados em nossa Constituição e nas modernas cartas constitucionais, bem como ofensa ao status libertatis individual. [67]

De acordo com dados do Ministério Público Federal (Procuradoria da República no Estado do Piauí), atualizados em 05/09/2011, há o registro de 33 procedimentos administrativos, que representam a atuação extrajudicial da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no combate ao trabalho escravo.

Dentre os citados procedimentos administrativos, 18 geraram o oferecimento de denúncia junto à Justiça Federal, sendo 18 ações penais públicas e uma ação civil pública. Importante esclarecer que um mesmo processo administrativo gerou dois processos judiciais, conforme se analisa abaixo.

Passa-se à análise de cada caso registrado pelo Ministério Público Federal.

O primeiro caso em análise foi autuado em 10/09/2004. A ação penal nº 2004.40.00.005462-0 (processo administrativo nº 1.27.000.000608/2004-77), que tem como réu a Fazenda Cosmos, resultou na condenação do proprietário e do gerente da fazenda, que fica localizada na zona rural do município de Ribeiro Gonçalves, no interior do Piauí.

Conforme apurado no processo, os 21 trabalhadores resgatados trabalhavam em jornadas exaustivas, sem carteira assinada, em péssimas condições de higiene, saúde, alimentação e moradia.

Em fiscalização feita na Fazenda Cosmos, auditores fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Rural do Ministério do Trabalho e Emprego constataram que os empregados eram alojados ao relento em barracos de plástico, construídos por eles próprios, com piso de chão bruto, sem proteção lateral e qualquer tipo de instalação sanitária para asseio pessoal e necessidades fisiológicas. "A água consumida era suja, devido à ferrugem do carro-pipa de propriedade da empresa, e armazenada em recipientes vazios (não reutilizáveis) de produtos químicos. Os próprios trabalhadores preparavam sua alimentação ao relento. A alimentação fornecida pelo proprietário da fazenda (uma das promessas feitas pela aliciador Luís Jorge Leal), na realidade, se resumia a arroz e feijão", afirma o juiz.[68]

O caso foi julgado pelo juiz federal Marcelo Cavalcante de Oliveira, da 3ª Vara Federal do Piauí. O empresário Eduardo Dall Magro foi condenado a três anos e quatro meses de reclusão e ao pagamento de 96 dias-multa pela Justiça Federal.

Já o gerente da fazenda, José Flávio Mariotti, e o responsável pelo recrutamento dos trabalhadores, Luís Jorge Leal, foram condenado a dois anos e oito meses de reclusão e 16 dias-multa e a três anos de reclusão e 32 dias-multa, respectivamente.[69]

A decisão judicial do presente caso, datada de 15/10/2009, dispõe o que segue:

ACOLHO PARCIALMENTE A DENÚNCIA MINISTERIAL E CONDENO OS RÉUS EDUARDO DALL MAGRO, JOSÉ FLÁVIO MARIOTTI E LUÍS JORGE LEAL, EXCLUSIVAMENTE, NAS SANÇÕES DO ART. 149, CAPUT C/C ART. 70 DO CÓDIGO PENAL, ABSOLVENDO-OS, NOS TERMOS DO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUANTO AO CRIME DO ART. 207, § 1º, DO DIPLOMA SUBSTANTIVO PENAL. (...) É MISTER AFIRMAR QUE A CULPABILIDADE DOS AGENTES OCASIONOU ALTO GRAU DE REPROVAÇÃO SOCIAL, POSTO QUE, EM PLENO TERCEIRO MILÊNIO, LANÇARAM MÃO DE PRÁTICAS SEMIESCRAVAGISTAS DE TRATAMENTO A TRABALHADORES RURAIS, SUJEITANDO-OS A EXPLORAÇÃO EM TRABALHOS PENOSOS, SEM QUE SE LHES ASSEGURASSEM O GOZO DOS MAIS ELEMENTARES DIREITOS. OS MOTIVOS DO CRIME FUNDAM-SE NO CLARO INTENTO DE OBTER LUCRO DA FORMA MAIS FÁCIL E AMPLA POSSÍVEL E EM DETRIMENTO DE TRABALHADORES HIPOSSUFICIENTES, COM POUCA OU NENHUMA ESCOLARIDADE. OS ACUSADOS NÃO APENAS SUBMETERAM OS TRABALHADORES A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE LABOR, COMO TAMBÉM CONTRIBUÍRAM PARA FRUSTRAR-LHES INÚMEROS DIREITOS TRABALHISTAS, POR EXEMPLO, DEIXANDO DE ANOTAR AS CARTEIRAS DE TRABALHO DOS EMPREGADOS E DE DEPOSITAR MENSALMENTE OS PERCENTUAIS RELATIVOS AO FGTS. CUMPRE ASSINALAR QUE, APESAR DE DEGRADANTES, AS CONDIÇÕES DE TRABALHO E HABITAÇÃO IMPOSTAS AOS TRABALHADORES DA FAZENDA COSMOS TAMBÉM NÃO ERAM AS PIORES POSSÍVEIS. OUTROSSIM, NÃO HAVIA AMEAÇA, VIGILÂNCIA ARMADA, CERCEAMENTO DO USO DE TRANSPORTE (...). (grifo nosso)

Válido ressaltar que, ao julgar o caso, o juiz não considerou as condições “as piores possíveis”, tendo em vista que não havia ameaça ou violência contra os trabalhadores, o que influenciou na aplicação da pena.

Em 17/11/11 o juiz ordenou que fosse certificado o trânsito em julgado da decisão. Dessa forma, tal condenação tornou-se definitiva, sem interposição de recurso.

O segundo caso a ser analisado é o do processo judicial nº 2004.40.00.005066-8, originado do processo administrativo nº 1.27.000.000548/2004-92 de representação da Delegacia Regional do Trabalho do Piauí, tem como parte ré a Fazenda Ribeirão.

A denúncia da Procuradoria da República do Estado do Piauí foi contra os diretores da citada fazenda, José Antônio Gorgen e Salete Teresinha Gorgen, e o funcionário Alexandre Celestino de Oliveira, por manterem 29 trabalhadores rurais em condições análogas às de escravo na propriedade localizada no município de Baixa Grande do Ribeiro, Piauí.

De acordo com noticia publicada sobre o caso:

Os trabalhadores faziam a cata de raízes e a aplicação de calcário no solo para o plantio de soja, em exaustiva jornada, sem registro de contrato na carteira de trabalho, sendo submetidos a condições degradantes de trabalho, devidas às péssimas condições de higiene, saúde, alimentação e moradia. As vítimas (...) eram obrigadas a adquirirem mercadorias no estabelecimento do “gato” Alexandre Celestino, ficando impossibilitadas de se desligarem do serviço em virtude das dívidas que contraíram para comprar alimentos, pasta dental, cigarros, fumos, bebidas alcoólicas e, inclusive, equipamento de proteção individual, a preços elevados. [70]

Conforme depoimento dos fiscais do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, o trabalho era prestado com informalidade, em condições degradantes e sub-humanas, sem observância de normas básicas de medicina e segurança no trabalho. Os trabalhadores eram submetidos a jornadas superiores a 10 horas diárias, em péssimas condições de higiene, alimentação e moradia. Fora relatado que:

Os alojamentos abrigavam 60 trabalhadores, com apenas dois banheiros. Foram fornecidos apenas quatro copos e os bebedouros ficavam longe dos alojamentos. A empresa também não forneceu recipientes para água, a qual era levada ao campo em vasilhas trazidas pelos próprios trabalhadores, que preparavam a refeição ainda de madrugada e se alimentavam no campo, ao relento e sem sombra.  Como não foram fornecidos equipamentos de proteção individual, os trabalhadores que faziam a capina ficaram sujeitos a perfurações e ataque de insetos peçonhentos. O empregador também não garantia nenhum material para prestação de primeiros socorros, nem condições para atendimento de urgências.[71]

O caso está na 1ª Vara Federal, ainda pendente de julgamento, sendo que a última movimentação foi em 17/02/2012.

O terceiro caso é o processo judicial de nº 2006.40.00.003805-8 (nova numeração: 0003800-89.2006.4.01.4000), em trâmite da 5º Vara Federal, autuado em 23/08/2006, tem como réu Antoninho Trento, Peter Trento, Ademir e Zé Ivan, da Fazenda Trento, localizada na cidade de Uruçuí, interior do Piauí. Tal processo ainda está pendente de julgamento, sendo a última movimentação datada de 12/04/2012.

À época da denúncia, em 2006, Paula Mazullo, então chefe da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) no Piauí, afirmou, à imprensa, que a maioria dos casos de escravidão é verificada em fazendas produtoras de soja, portanto, vinculadas ao agronegócio.

Nesse sentido, o procurador da República Travanvan da Silva Feitosa, autor da denúncia, ressaltou que o Piauí costuma ser o fornecedor de mão de obra escrava para outros estados. Ocorre que também é possível verificar essa prática dentro do Estado, especialmente na região sul, onde já foi possível verificar casos de exploração de mão de obra em condições degradantes de trabalho.[72]

Na fiscalização da Fazenda Trento, verificou-se que os trabalhadores não recebiam alimentação e eram obrigados a comprar produtos vendidos na cantina da própria fazenda a preços exorbitantes, constituindo, assim, dívidas, que lhes prendiam ao trabalho, até eventual quitação. Além disso, havia redução dos salários em época de chuvas, quando não era possível realizar o trabalho.[73]

Verificou-se, também, que:

os trabalhadores ficavam em barracos cobertos com palhas, sem proteção lateral, instalações sanitárias, refeitório, despensa para guarda de alimentos e cozinha, sendo estes preparados em fogareiros de pedra instalados no chão.  A água utilizada para o preparo de alimentos era de péssima qualidade, de cor amarelada, armazenada em baldes de plástico e servidas em garrafas plásticas reutilizadas e outros recipientes impróprios.[74]

O quarto caso é o processo judicial de nº 2009.40.00.002683-9 (nova Numeração: 0002650-68.2009.4.01.4000), autuado em 23/04/09, em trâmite na 1ª Vara Federal, tem como parte ré o Sr. Nelson José Cortes da Silveira e Leo Eduardo da Costa Hime, da Fazenda Santa Clara Buriti LTDA.

Conforme movimentação processual datada de 24/02/11, o referido processo encontra-se suspenso, até o julgamento do HC 0044101-11.2010.4.01.000/PI.

Ressalta que em 2010, Judson Barros, ambientalista e presidente da Funaguas, procurou a imprensa piauiense para relatar trabalho escravo na Fazenda Santa Clara, núcleo de produção da Brasil Ecodiesel, localizada em Canto do Buriti, a 405 km de Teresina, afirmando que “os trabalhadores viviam em regime de escravidão, trabalhavam sob ameaças e eram constantemente vigiados para evitar fugas”.[75]

Trata-se de um projeto da Petrobrás, implantado em 2005, no qual 620 famílias trabalhariam na agricultura familiar para fornecer matéria prima para a produção em larga escala do azeite de mamona. Judson Barros relata que:

os problemas já surgiram no ato de assinatura dos contratos de parceria rural, que continham cláusulas desvantajosas aos trabalhadores. O salário foi convencionado por conjunto familiar, isto quer dizer, os trabalhadores durante esses cinco anos receberam salário por conjunto de pessoas de uma mesma família, em média 4. O valor era de R$ 160, o que daria R$ 40 por pessoa.[76]

Diante dessas e outras acusações feitas à época na imprensa, a Petrobrás divulgou a seguinte nota à imprensa:

(1) a PETROBRAS repudia esta prática e inclui em todos os seus contratos cláusula, pela qual seus fornecedores se comprometem a não utilizar mão-de-obra em condições análogas à escravidão no exercício de suas atividades; (2) a PETROBRAS é signatária do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil desde o seu lançamento, em 2005; e (3) as aquisições de biodiesel são feitas em leilões, onde fornecedores cadastrados na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) se apresentam, sendo a participação nos mesmos uma obrigatoriedade a todos os refinadores de petróleo do país, na forma da regulação da citada agência.[77]

Conforme petição do advogado Ivaldo Carneiro Fontenele Júnior, em janeiro de 2010 os trabalhadores da Fazenda Santa Clara ajuizaram ação na Justiça do Trabalho na Vara de São Raimundo Nonato – Piauí buscando o reconhecimento dos seus direitos trabalhistas.[78]

O quinto caso é o processo judicial de nº 2006.40.00.005089-1 (nova Numeração: 0005083-50.2006.4.01.4000), em trâmite na 2ª Vara Federal, autuado em 24/10/2006, tem como parte ré o Sr. Antônio José Cardoso Feitosa, Pedro Aurélio dos Santos Araújo, Antônio Salomão Luz Nader e João Batista Lopes de Araújo, da Fazenda Brejo – Veleiro Agrícola S/A. O processo encontra-se aguardando expedição de mandado de citação, desde 17/08/2011.

De acordo com o MPF/PI, o citado processo teve origem porque o Grupo Especial de Fiscalização Rural da Delegacia Regional do Trabalho no estado do Piauí constatou que 46 trabalhadores foram submetidos à jornadas excessivas, em condições degradantes e sem terem suas carteiras de trabalho assinadas, na colheita de feijão na Fazenda Brejo, no município de Jerumenha, Piauí, explorada pela Empresa Veleiro Agrícola S/A.

Segundo o relatório foram negados direitos básicos aos trabalhadores, pois:

além de não terem suas carteiras de trabalho assinadas, os trabalhadores eram submetidos à jornada de trabalho excessiva, em condições degradantes, alojados precariamente no meio da mata, em barracos cobertos de palha, com piso de chão bruto, sem proteção lateral e sem qualquer tipo de instalação sanitária. (...) a água servida era de péssima qualidade, transportada em carro-pipa, que também abastecia o pulverizador de agrotóxicos da fazenda, e acondicionada em uma lona plástica. Não foram fornecidos equipamentos de proteção individual nem procedimentos de primeiros socorros. Os gêneros alimentícios eram fornecidos para posterior desconto e a comida era feita pelos próprios trabalhadores, em local inadequado e sem condições higiênicas. Os trabalhadores foram aliciados pelo “gato” Antonio José Cardoso Feitosa, com a promessa de que receberiam pagamento de cem reais por hectare trabalhado. Depois de dias de trabalho, constataram que só receberiam pelo serviço após a venda da produção do feijão cultivado.[79]

O sexto caso é o do processo judicial nº 2009.40.01.000015-1, refere à Fazenda Serra Negra, originado do processo administrativo nº 1.27.000.000049/2007-38 e do inquérito policial nº 849/2008. Ocorre que não foi possível consultar tal processo no sistema da Justiça Federal.

Situada em Aroazes (Piauí), a Fazenda Serra Negra, que é de propriedade do Grupo cearense Edson Queiroz, foi objeto de fiscalização, na qual foram flagrados 08 trabalhadores em condições análogas à de escravo e lavrados 12 autos de infração, sendo que valores das verbas rescisórias totalizaram mais de R$18 mil.[80]

O sétimo caso, da Fazenda Lírio Antonio Parisoto, inicialmente fora objeto do processo administrativo nº 1.27.000.000530/2007-33, e deu origem a dois processos judiciais.

O processo judicial de nº 2008.40.00.001445-7, em trâmite na 2ª Vara Federal, autuado em 11/03/2008, tem como réus Lirio Antônio Parisotto e Eneas Pedro Bovino. A última movimentação do presente processo foi em 06/03/12, informando que está aguardando a citação de um dos réus, por meio de carta precatória para a cidade de Guarapuava, no Estado do Paraná.

O processo judicial nº 2008.40.00.001304-0 (nova Numeração: 0001304-19.2008.4.01.4000), em trâmite na 5ª Vara Federal, autuado em 06/03/2008, fora arquivado em 20/05/2009.

De acordo com a Procuradoria da República no Estado do Piauí, a denúncia na Justiça Federal tem como réus Lírio Antônio Parisotto, proprietário da Fazenda Chapadão da Estiva, localizada no povoado Nova Santa Rosa, zona rural do município de Uruçui, e Enéas Pedro Bovino, conhecido por Polaco, por aliciamento de trabalhadores, exploração de trabalho escravo e frustração de direito trabalhista.

O Grupo Especial de Fiscalização Rural (Gefir), da Delegacia Regional do Trabalho do Piauí, constatou a existência de contratação irregular de oito trabalhadores para realizarem serviços de queima e catação de raízes para cultivo de soja na referida fazenda.

Conforme especificado no relatório da Gefir, os trabalhadores encontravam-se:

em situação de trabalho degradante, alojados em um pequeno barraco de palha que eles mesmos construíram, sem contar com quaisquer condições de higiene ou instalações sanitárias. Os trabalhadores alimentavam-se precariamente e não lhes eram dadas condições mínimas para o preparo das refeições. A água servida era de péssima qualidade, transportada por carro-pipa e armazenada em baldes plásticos, com aspecto amarelado e insuficiente para consumo, sendo usada tanto para beber e cozinhar como para higiene pessoal. (...) os trabalhadores tinham uma jornada diária de dez horas de trabalho, incluindo domingos e feriados, e estavam com suas carteiras de trabalho retidas e não assinadas, e com os salários em atraso.[81]

O oitavo caso, do empregador JB Carlos S/A, originou o processo judicial nº 2008.40.00.001458-0 (nova numeração: 0001458-37.2008.4.01.4000), em trâmite na 1ª Vara Federal, autuado em 13/03/2008 e arquivado em 07/10/2009, sem condenação.

O nono caso em análise é o do processo: 2009.40.00.000259-3 (nova Numeração: 0000238-67.2009.4.01.4000), em trâmite na 2ª Vara Federal, com baixa em 27/07/2009. O citado processo tem como parte ré a Fazenda Brasil Agrícola.

O décimo caso é o processo judicial nº 2008.40.00.006461-2 (nova numeração: 0006448-71.2008.4.01.4000), em trâmite na 5ª Vara Federal, autuado em 05/11/2008, tem como réus Jaísa Virgínia Almeida da Silva, Vera Lúcia de Sousa e Francisco Willian de Sousa, da Construtora Almeida Sousa LTDA, localizada em Teresina, capital do Piauí.

O processo ainda está tramitando, sem julgamento, sendo que o último andamento foi em 17/04/2012.

Tal processo teve origem no processo administrativo de nº 1.27.000.001181/2007-77, tendo em vista que em outubro de 2007, restou constatado que 24 trabalhadores encontravam-se em situação análoga à de escravo na referida construtora.[82]

O décimo primeiro caso de ação penal é o processo judicial nº 2009.40.00.001714-4 (nova Numeração: 0001681-53.2009.4.01.4000), autuado em 18/03/2009, em trâmite na 5ª Vara Federal, que tem como réu José Lucivaldo da Silva, diretamente relacionado a Vicente de Paula Costa, empresário da produção de carvão vegetal na cidade de Corrente, interior do Piauí. O processo ainda está em andamento, logo, sem julgamento, sendo que o último andamento foi em 02/02/2012.

O décimo segundo caso que se analisa é o processo judicial nº 2009.40.00.003526-2 (nova Numeração: 0003474-27.2009.4.01.4000), em trâmite na 2ª Vara Federal, autuado em 03/06/2009, que tem como réu Wilson Luiz de Melo, da Fazenda Califórnia, localizada na zona rural de Antônio Almeida, no Piauí. O processo ainda está em andamento, logo, sem julgamento, sendo que o último andamento foi em 09/04/2012.

O décimo terceiro caso de ação penal pelo crime de redução à condição análoga à de escravo é o processo judicial nº 2009.40.00.002901-5 (nova Numeração: 0002855-97.2009.4.01.4000), em trâmite na 3ª Vara Federal, autuado em 08/05/2009, que tem como parte ré o Sr. Pedro Ilgenfritz, da Fazenda Alegria, que cultiva eucalipto na cidade de Antônio Almeida, no Piauí.

Ao analisar a possibilidade de absolvição sumária, em 07/12/2009, o juiz José Gutemberg de Barros Filho decidiu:

PEDRO ILGENFRITZ FOI DENUNCIADO PELO MPF PORQUE TERIA MANTIDO EM FAZENDA DE SUA PROPRIEDADE TRABALHADORES EM PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE HIGIENE E ALOJAMENTO, NÃO LHES FORNECENDO ALIMENTAÇÃO E LOCAIS ADEQUADOS PARA SUAS NECESSIDADES BÁSICAS, FATOS QUE SE ENQUADRAM NOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 149, 203 E 132 DO CPC. A DENÚNCIA FOI RECEBIDA E O RÉU CITADO PARA APRESENTAR DEFESA PRELIMINAR.. DISPÕE O ART. 397 DO CPP QUE A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PODERÁ SER DECRETADA QUANDO VERIFICADAS AS SEGUINTES HIPÓTESES: 1) EXISTÊNCIA MANIFESTA DE CAUSA EXCLUDENTE DA ILICITUDE DO FATO OU DA CULPABILIDADE DO AGENTE, SALVO INIMPUTABILIDADE; 2) O FATO NARRADO NÃO CONSTITUI CRIME; 3) EXTINTA A PUNIBILIDADE DO AGENTE. ASSIM, INOCORRENTES AS HIPÓTESES ACIMA ELENCADAS (ART. 397 DO CPP), DEIXO DE ABSOLVER SUMARIAMENTE O ACUSADO. DESIGNO O DIA 25.02.2010, ÀS 10H, PARA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA ACUSAÇÃO. INTIMEM-SE. COMUNIQUE-SE.

O processo ainda está sem julgamento, sendo que o último andamento foi em 18/04/2012, com a expedição de carta precatória.

O décimo quarto caso é o do processo judicial nº 0007806-03.2010.4.01.4000, em trâmite na 3ª Vara Federal, autuado em 08/04/2010, cujo réu é o Sr. Vicente de Paula Costa, da Fazenda Várzea Fechada. O processo ainda não foi julgado, sendo que a útltima movimentação foi em 22/03/2012.

A décima quinta ação penal a ser analisada é o processo judicial nº 2009.40.00.001715-8 (nova numeração: 0001682-38.2009.4.01.4000), autuado em 18/03/2009, em trâmite na 5ª Vara Federal, que tem como réu o Sr. Vicente de Paula Costa, da Fazenda Boqueirão da Tocai, localizada na zona rural de Corrente, Piauí. O processo ainda não foi julgado, sendo o último andamento de 19/04/2012.

O décimo sexto caso sob análise é o processo judicial nº 2006.40.00.002319-5 (nova numeração: 0002318-09.2006.4.01.4000), autuado em 22/05/2006, em trâmite na 3ª Vara Federal, relacionado com a Fazenda Vista Verde. Em 11/10/2006, o processo foi remetido da Justiça Federal para a Justiça Estadual do Piauí, tendo em vista que o juiz reconheceu sua incompetência para julgar o caso.

O décimo sétimo processo judicial a ser analisado é o de nº 2004.40.00.006142-0 (nova numeração: 0006139-89.2004.4.01.4000), autuado em 11/10/2004, em trâmite na 1ª Vara Federal, relacionada com a Fazenda Ribeirão. Em 13/09/2005, o processo foi arquivado.

O processo judicial de nº 1997.40.00.005956-0 (nova Numeração: 0005944-51.1997.4.01.4000), cadastrado no Ministério Público Federal como Ação Civil Pública, em trâmite na 2ª Vara Federal, autuado em 12/09/1997, tem como réu Antônio Odalto Smith, encontra-se com baixa desde 28/05/2003. No presente caso o processo foi extinto, tendo em vista a extinção da punibilidade, operada pela prescrição.

Além desses processos judiciais, ressalta-se que alguns processos administrativos e inquéritos policiais foram arquivados no âmbito do Ministério Público Federal, sem que fosse oferecida denúncia perante a Justiça Federal. São eles:

Em 2005, a Fazenda Vista Verde foi fiscalizada pelo Ministério do Trabalho, ocasião em que os fiscais encontraram trabalhadores em situação análoga à de escravidão. De acordo com o relatório feito em tal investigação, colheu-se o que segue:

(...) Neste diapasão, relata o trabalhador Aluizio Pedro dos Santos (fl.30) ‘(...) que foi contratado dia 08/01/2005 pela empresa através do sr. Chico Novo para trabalhar na catação de tocos; que levanta(va) às 4 horas da manhã faz o almoço e vai para o campo; que, às vezes, caminha até 01 hora para chegar ao local de trabalho; que trabalha, mais ou menos, até o meio dia; que descansa e almoça em mais ou menos 01 hora; que, depois de comer, retorna novamente ao trabalho e vai até, mais ou menos, as 17h; que trabalha nesta jornada todos os dias, inclusive nos domingos e feriados; que não recebeu botas, nem luvas e nem chapéus; que trabalha de chinelo e com as mãos nuas; que os espinhos dos tocos de vez em quando furam suas mãos e seus pés”. In: Relatório de Fiscalização. (Fazenda Vista Verde – Manoel Emidio – PI). Ministério do Trabalho e Emprego, novembro/2005.[83]

Há, ainda, processos administrativos e inquérito policiais em andamento no Ministério Público Federal:

Em relação à Brasilagro – Companhia Brasileira de Propriedades Agrícolas – Baixa Grande do Ribeiro/PI, apesar de constar no arquivo, os dados não foram informados pelo Ministério Público Federal. Assim, não foi possível analisar se há processo administrativo e/ou judicial contra tal empresa.

Pode-se resumir o número de processos jurídicos e administrativos, em relação ao ano, conforme a tabela a seguir:

1997

2003

2004

2006

2007

2008

2009

2010

Processos judiciais

Condenação

-

-

01

-

-

-

-

-

Andamento

-

-

01

02

-

01

04

01

Arquivado

-

-

01

-

-

03

01

-

Outros

01

-

-

01

-

-

02

-

Processos administrativos

Andamento

-

-

-

-

01

01

-

01

Arquivado

-

01

-

01

01

-

-

-

Total

01

01

03

04

02

05

07

02

Ressalta-se, por fim, que no dia 18/04/12 foi ajuizada uma ação perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, distribuída para a 1º Vara Federal da Seção Judiciária do Piauí, pela Procuradoria da República no Estado do Piauí, em desfavor dos produtores agrícolas Marcos César Jordão, José Carlos Rampelotti e João de Deus dos Santos Lopes, estabelecidos nos cerrados piauienses.

Os citados produtores foram investigados pela Polícia Federal através do inquérito policial nº 630/2010, e a denúncia é pela prática de crime de redução de trabalhadores a condições análogas à de escravo.[84]

3.4. ANÁLISE DOS DANOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

No banco de dados da Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região constam 07 casos em que fora analisado se há situação de trabalho análogo ao de escravo. Quatro desses casos viraram Ação Civil Pública.

A Ação Civil Pública nº 00305-1993-000-22-00, que tem como parte ré a Agro-Industrial Mercantil Excelsior S/A, está arquivada, não estando disponível para consulta virtual o andamento do processo.

A Ação Civil Pública de nº 00249-1994-002-22-00, que tem como parte ré a COMVAP Açúcar e Álcool LTDA, foi julgada procedente em parte em 1997. O processo foi arquivado em 2008, após os atos executórios.

A Ação Civil Pública de nº 00009-2010-106-22-00, que tem como parte ré a Fazenda Alegria, foi extinta sem julgamento do mérito em 2010, estando o processo arquivado.

Tem-se, ainda, o processo administrativo nº 000180.2009.22.001/6-19, que tem como representado o Sr. Vicente de Paula Costa (Fazenda Várzea Fechada), que fora arquivado no âmbito da procuradoria regional, tendo em vista o ajuizamento da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho em 19/02/2010.

Nesse caso, após homologação do acordo feito entre as partes, o réu foi condenado a pagar indenização por danos morais aos trabalhadores que eram submetidos a condições análogas à de escravos, bem como a garantir todos os direitos trabalhistas. Além disso, a Fazenda Várzea Fechada foi condenada a pagar multa por dano moral coletivo e dumping social, já que era reincidente.

O juiz do Trabalho, Carlos Wagner, titular da Vara de Corrente, explicou que:

pelo acordo o réu (empregador) terá que pagar cerca de R$ 40,4 mil por três meses de atuação irregular, sendo R$ 8,4 mil em verbas rescisórias aos trabalhadores, R$ 11 mil de dano moral individual (R$ 1 mil para cada trabalhador), R$ 16 mil de dano moral coletivo e R$ 5 mil de dumping social.[85]

Na decisão em comento, os valores do dano moral coletivo e do dumping social seriam aplicados em políticas de erradicação e combate ao trabalho degradante, como em palestras para empregadores, capacitação de trabalhadores, cursos sobre uso correto de equipamentos de proteção individual, ou outras atividades afins. Dessa forma:

além de garantir os direitos dos trabalhadores e dos empregadores a Justiça do Trabalho está implantando na região de Corrente um trabalho de conscientização da sociedade, por que entendemos que as relações de trabalho dentro do que determina lei contribuem de forma muito mais eficaz para o desenvolvimento das empresas, da sociedade e da região como um todo, sempre respeitando aquilo que há de mais importante nas sociedades: as pessoas.[86]

Ainda no âmbito da Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região, tem-se o processo administrativo de nº 000172.2002.22.000/4-02, no qual o investigado era Gilvani Maria Gonçalves da Costa Araújo, mas fora arquivado por falta de provas.

O processo administrativo nº 000326.2004.22.000/5-04, que tinha como investigado Fazendas Reunidas Piracuruca LTDA (Fazenda Eldorado), também fora arquivado, em 2005, com o fundamento de legalidade da conduta.

Nos autos do inquérito civil de nº 000043.2009.22.001/0-24, cujo inquirido é FERGUBEL – Ferro Gusa Bela Vista LTDA, está em fase de acompanhamento, tendo em vista que fora firmado um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta.

Além desses 7 casos registrados no Ministério Público do Trabalho – Procuradoria Regional do Trabalho do Estado do Piauí (22ª Região), como “trabalho análogo ao de escravo”, há também 21 casos classificados pelo citado órgão como “condição degradante”.

Os processos administrativos abaixo relacionados estão em fase de acompanhamento, tendo em vista que fora firmando um TAC:

O inquérito civil de nº 000235.2012.22.000/6-21, de Teresina, tem como inquiridos Carlos e Silva LTDA (P.R. Construções LTDA) e Josimar Correia Furtado, está ativo, aguardando audiência.

Os inquéritos civis, ambos de Antônio Almeida, abaixo relacionados, foram arquivados, já encaminhados ao arquivo morto, e não foi possível ter acesso ao motivo:

Ainda de acordo com os dados da Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região, há dois processos administrativos classificados como procedimentos preparatórios, que são investigações preliminares, que antecedem o inquérito civil. Um deles está arquivado e o outro ativo, respectivamente:

Há também três representações, sendo que duas foram arquivadas, não sendo possível verificar o motivo, e uma foi desativada, por ter o processo administrativo sido juntado a outro, a saber:

O processo administrativo de nº 000149.2010.22.001/3-24 deu origem a um processo judicial, cujo réu é Vicente de Paula Costa, em trâmite na Vara do Trabalho da comarca de Corrente, no Estado do Piauí. De acordo com a última consulta feita pelo Ministério Público do Trabalho, tal processo judicial, de nº 00001126220105220104, encontra-se aguardando decisão judicial.

Também aguardam decisão judicial, os processos abaixo relacionados:

O inquérito civil de nº 000195.2010.22.001/4-25, de São João do Piauí, cujo inquirido é o Grupo Shahin, fora arquivado em 05/03/2012.

O inquérito civil de nº 000273.2011.22.001/8-25, de Ipiranga do Piauí, cujo inquirido é Valdemar Marinho de Sousa, está ativo e concluso à banca. Ou seja, o processo encontra-se com o Procurador, para que ele tome a providência que achar necessária, podendo decidir ou despachar.

No inquérito civil nº 00021.2012.22.001/9-23, de Isaias Coelho, o inquirido é a Construtora Getel LTDA. O IC está ativo, tendo sido oficiado ao MTE, para que fossem tomadas as providências cabíveis.

Em relação a tal empresa, ressalta-se a reportagem feita pelos jornalistas Allisson Paixão e Toni Rodrigues, na qual relatam as condições de “semiescravidão” em que os trabalhadores eram submetidos na obra de construção da ponte da cidade de Luzilândia. De acordo com tal matéria:

A empresa responsável (pela obra) não possui maquinário pesado. Por isso, o trabalho é feito pelos operários, que se obrigam em fazer toda a concretagem manualmente. Alguns deles adoeceram gravemente e pensam em procurar reparação judicial por danos permanentes.[87]

Por fim, há o processo administrativo nº 000526.2010.22.000/4-22, de Teresina, sem definição de denunciado, que fora classificado como Procedimento Promocional, que analisa pequenas irregularidades, sem maiores consequências.

Tomando como base tais dados, é possível chegar à seguinte tabela:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

PROCESSOS NAS
VARAS DO
TRABALHO
(TRAMITANDO)

Arquivados

Procedente

Arquivados

Ativos

TAC

1993

01

-

-

-

-

-

1994

-

01

-

-

-

-

2002

-

-

01

-

-

-

2003

-

-

-

-

01

-

2004

-

-

01

-

01

-

2005

-

-

-

-

-

-

2006

-

-

03

-

-

-

2007

-

-

-

-

-

-

2008

-

-

01

-

01

-

2009

-

-

01

-

02

-

2010

01

01

01

-

01

03

2011

-

-

01

02

01

-

2012

-

-

-

02

-

-

TOTAL

02

02

09

04

07

03

3.5. ANÁLISE DOS DADOS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

Dentre os objetivos do MTE, tem-se a erradicação do trabalho escravo e degradante, por meio de ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, nos focos previamente mapeados. Assim, a fiscalização do trabalho visa regularizar os vínculos empregatícios dos trabalhadores encontrados e demais consectários e libertá-los da condição de escravidão.

Para tanto, o MTE conta com um Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que percorre o país investigando denúncias e, sempre que constatada sua veracidade, empregando todos os meios possíveis não só para a efetiva libertação dos trabalhadores (restauração do seu direito de ir e vir) como também para a satisfação das obrigações trabalhistas pendentes.

Através desse Grupo Especial, busca-se a conscientização de trabalhadores e empregadores acerca dos direitos e deveres de cada parte no contrato de trabalho e da absoluta falta de base legal para o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador, ainda que possua débito de qualquer natureza para com o seu patrão.[88]

Em 2004, o Ministério do Trabalho e Empregou criou a chamada “Lista Suja”, que representa um Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

Nesse sentido, a Portaria Interministerial nº 2, de 12 de maio de 2011, disciplinou os meios de inclusão e de exclusão dos nomes dos infratores no/do Cadastro. O art. 2º da referida portaria impõe que a inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos ao “trabalho escravo”.

O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos, dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.[89]

De acordo com Camargo de Melo, a existência dessa “lista suja” de empregadores tem sido uma medida que ajuda a diminuir a incidência da exploração da mão de obra. [90]

Aqueles que figuram na referida “lista suja” têm como penalidade a proibição de receber financiamentos com recursos públicos. Após a inclusão do nome do infrator na Lista, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista.[91]

De acordo com o diretor de fiscalização de trabalho escravo no Ministério do Trabalho, Alexandre da Cunha Lyra, é a impossibilidade de obter crédito em bancos públicos que tem contribuído para os resultados positivos da “lista suja”, isso porque, “eles (os incluídos) não estão preocupados com o valor da multa ou a caracterização de crime, mas com o bolso, com a possibilidade de não poder tomar crédito.”[92]

Além dessa penalidade, o setor privado tem implementado, através do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, medidas restritivas de relacionamento comercial com empregadores que constam do Cadastro, tornando-o um instrumento utilizado pelo Governo Federal para erradicação do trabalho escravo no país.[93] Há restrições comerciais e outros tipos de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do referido pacto, que representam mais de 25% do PIB brasileiro.[94]

O número de infratores que constam nessa lista tem aumentado a cada atualização semestral. Mas de acordo com Alexandre da Cunha Lyra isso não significa que tem aumentado a exploração de mão de obra escrava. Ele atribui esses acréscimos “ao aperto da fiscalização e à inclusão imediata na relação de todos os autuados, depois de concluído o processo administrativo”.[95]

De acordo com a atualização semestral de janeiro de 2012, o cadastro de empregadores possui 294 infratores, entre pessoas físicas e jurídicas, não computados os casos de exclusão por força de decisão judicial. Desses 294 infratores, 12 são do Piauí, a maioria proprietários de fazendas, geralmente localizadas na zona rural do interior do Estado.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, entre 2005 e 2011, foram libertados cerca de 30 mil trabalhadores em condições de escravidão no país.[96]

Conforme disposto no quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo - SIT/SRTE, feito a partir dos relatórios específicos de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, atualizado em 16/02/2011, em 143 operações realizadas em todo o Brasil, inspecionados 309 estabelecimentos, foram resgatados 2.628 trabalhadores que estavam em condições análogas à de escravos, e outros 2.745 tiveram seus contratos formalizados no curso da ação fiscal.

Desse total, 3 operações foram realizadas no Piauí, inspecionando 3 estabelecimentos, sendo 20 trabalhadores resgatados e 24 tiveram seus contratos formalizados. Ressalta-se que no ano de 2010, de que trata o referido quadro, foram lavrados 3.982 autos de infração no Estado do Piauí, sendo pago R$8.786.424,89 em indenização a trabalhadores.[97]

Esses dados tratam do ano de 2010, sendo que, ao todo, desde 2004, no Piauí foram encontrados 319 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão e os empregadores notificados.[98] Percebe-se, dessa forma, que é relativamente grande o número de trabalhadores reduzidos a condições análogas à de escravo no Piauí.

Sobre a autora
Bruna Letícia Teixeira Ibiapina

Advogada, com pós graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Unificado de Ensino de Teresina - CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IBIAPINA, Bruna Letícia Teixeira. Análise jurídico-administrativa do trabalho escravo no estado do Piauí. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3563, 3 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23999. Acesso em: 22 dez. 2024.

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