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Vadiagem: contravenção ou seleção natural dos marginalizados no Estado Democrático de Direito

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Agenda 01/04/2013 às 23:20

Apesar de tanto a liberdade quanto a dignidade da pessoa humana estarem consolidadas na Constituição, as pessoas continuam sendo acusadas, humilhadas, condenadas e presas pela contravenção da vadiagem.

Resumo: O Estado Democrático de Direito propicia a seus cidadãos a garantia de que os seus direitos estarão preservados frente a uma possível quebra desta harmonia. Já o Direito Penal regula a convivência das pessoas em Comunidade. O infrator que quebrar a harmonia em sociedade, ou der causa ao fato, pode ser punido para que o contrato social volte à normalidade. O Delito deve ser combatido. Nas Ordenações Filipinas, o Livro V era considerado o mais rigoroso e cruel, onde está tipificado o crime de vadiagem. Constituído a partir da sua classificação, eram caracterizados como vadios aqueles que nada fazem ou aqueles que não possuem dono ou patrão. As Penas substitutas nasceram para dar vazão ao sistema carcerário e evitar que pessoas sejam enviadas para o cárcere por crimes de menor e médio potencial ofensivo. Elas não incentivam a criminalidade, muito pelo contrario, tornam a pena mais humana e racional. O Protocolo de Tóquio, promovido pelas Nações Unidas, recomendam aos seus signatários uma melhor compreensão dos delitos e dos delinquentes. Que procurassem evitar as penas privativas de liberdade, e onde coubessem, estes delitos poderiam ser substituídos por penas alternativas. A intenção de tal medida é humanizar as penas aplicadas e evitar o colapso carcerário Mundial. O Código Penal Brasileiro passou por amplas reformas e criou as Penas substitutas, na década de 90. O Poder Judiciário Brasileiro inovou na aplicação das penas nos crimes de menor e médio potencial ofensivo. Ele substitui as penas privativas de liberdade em penas alternativas, que são cumpridas em sua maioria em órgãos públicos e entidades da sociedade civil. Assim, pretendo identificar do ponto de vista sociológico-jurídico penal qual o dano causado ou não ao Estado e aos seus membros pelo fato de pessoas viverem de maneira alternativa e se esta determinação pode interferir na autonomia dos grupos sociais e ferir o principio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Vadiagem, Protocolo de Tóquio, Penas substitutas, seleção dos marginalizados, Estado Democrático de Direito.


INTRODUÇÃO

Na minha experiência como Assessor Parlamentar da Deputada Federal Marina Sant’Anna, do Partido dos Trabalhadores do Estado de Goiás, na Câmara dos Deputados, a partir do ano de 2011, observei os inúmeros Projetos de Lei que alteravam a Lei de Contravenções Penais.

Este artigo visa analisar a Contravenção de vadiagem tipificada na Lei de Contravenções Penais frente ao Estado Democrático de direito e a contribuição da Teoria Significativa da Ação para sua extinção.

Assim, pretendo identificar do ponto de vista sociológico-jurídico penal qual o dano causado ou não ao Estado e aos seus membros pelo fato de pessoas viverem de maneira alternativa e se esta determinação pode interferir na autonomia dos grupos sociais e ferir o principio da dignidade da pessoa humana.

O tema é importante para analisar se conceitos essenciais como Liberdade e Principio da dignidade da pessoa humana dependem de interpretação ou se são absolutos.

Portanto a pergunta principal a ser respondida por este artigo é se, viver de maneira alternativa ou a margem da sociedade é considerado como Vadiagem, logo, Contravenção, ou se fere o principio da dignidade da pessoa humana.

A hipótese é que, apesar de poder parecer que tanto o principio da liberdade e o principio da dignidade da pessoa humana estarem consolidados na Constituição Federal, as pessoas continuam sendo acusadas, humilhadas, condenadas e presas pela contravenção da vadiagem.

O Brasil adota como regime de governo o Estado Democrático de Direito. Neste regime o princípio basilar é o principio da legalidade além do que ele é identificado pela vigência da submissão de todos à lei; pela divisão de poderes e a declaração de direitos além de ser um regime de transformação e justiça social. Apesar de alguns operadores do direito se alinharem a Teoria Minimalista, onde, os propósitos do estado democrático sejam vistos a partir do direito.

As pesquisas bibliográficas adotadas neste artigo científico consultam as mais diversas obras especializadas, as decisões dos tribunais penais, a legislação pátria, identificará processos judiciais, os Projetos de Leis em tramitação na Câmara dos Deputados, examinará a doutrina e, a partir dela, irá investigar um modelo possível de utilização prática pelos tribunais, nos casos concretos que cominem com a extinção da prisão por vadiagem e a sua extinção do ordenamento jurídico brasileiro.

Presumindo-se que os problemas das agressões familiares envolvendo a embriaguez afetam a quase todas as famílias e ao Estado, poder-se-ia deduzir que o numero de pessoas que abandonam o seu lar é significativo, o que caberia avaliar qual seria a maneira adequada para tratar tais situações. Presume-se ainda que as pessoas que estão nas ruas, na sua grande maioria sofreram problemas em seu lar, o que os levou a uma vida sem rumo ou uma vida de Vadiagem. Para o filosofo Italiano Giorgio Agambem o Browm, termo cunhado para identificar o lugar sem lugar algum, ou a La Nuda Vida.


DESENVOLVIMENTO

O primogênito direito a surgir foi o penal. A pena representava a vingança privada da vitima, de seus descendentes ou da tribo que vivia. Era a época do olho por olho, dente por dente, o Código de Hamurabi e a Lei das XII Tábuas.

Preliminarmente iremos observar a evolução das penas. Passando da fase da vingança, teve inicio nos primórdios prolongando-se até o século XVIII. A vingança divina era caracterizada pelas catástrofes naturais, as pragas e pestes que arrasavam multidões. A vingança pública trouxe um avanço jurídico para a época, as penas não eram mais aplicadas por terceiros e sim pelo Estado. Posteriormente,  com os ideais do movimento humanitário nasciam os limites ao combate ao crime, humanizando-se as penas.

Cesare Beccaria nasceu em Milão, no ano de 1738. Ele foi o primeiro de sua época a se insurgir contra as injustiças dos processos criminais, das penas espetáculos, da tortura, das penas infamantes e da atrocidade dos suplícios.

Mas, o que mais chamou a atenção de todos foi a ideia reformadora de uma pena.  Entendia que “é melhor prevenir do que castigar” e continua, “a finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível”, mas sim impedir que novos delitos aconteçam (BECCARIA, 2002).

As penas alternativas aplicadas aos crimes de médio e menor potencial ofensivo parecia ser a medida acertada e aparentemente era defendida por Beccaria no século XVII, quando afirmava que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estricta medida que a necessidade o exige” (BECCARIA, 1984. PG. 107).

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“La Filosofía penal liberal se concreta en el pensamiento de Beccaría fen una fórmula jurídica que resultaba del Contrato social de Rousseau: el principio de la legalidad ele los delitos y de las penas: nadie podrá ser castigado por hechos que no hayan sido anteriormente previstos por una ley, y a nadie podrá serle impuesta una pena que no esté previamente establecida en la ley.” (ASÚA. 1958.pg.34).

O conceito Penal criado por Asúa leciona (1958. pg.18) como sendo um:

“Conjunto de normas y disposiciones jurídicas que regulan el ejercicio del poder sandonador y preventivo dele Estado, estableciendo el concepto del delito como presupuesto de lá acción estatal, así como la responsabilidad del sujeto activo, y associando a la infracción de la norma una pena finalista o una medida asseguradora.”

Assim, a reforma do Código Penal de 1984 inovou instituindo as penas substitutivas da privativa de liberdade, no bojo das ampliações trazidas pela Lei 9.714/97, que alteraram o Código Penal quanto à aplicação de penas restritivas de direitos.

Para Machado (2003, p. 01), “Qualquer decisão que condene o réu a pena alternativa diversa àquelas dispostas no artigo anteriormente referido estará eivada de nulidade”.

Seguindo o conceito da humanização das penas e a ressocialização dos delinquentes, a Organização das Nações Unidas – ONU recomendou aos países membros que adotassem regras mínimas para os crimes de menor e médio potencial ofensivo, que ficaram conhecidas nas regras de Tóquio como “sanções  e medidas que não envolvem a perda da liberdade”.

“Direitos Humanos na Administração da Justiça - Tratamento dos Delinquentes Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio)” - Adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990. A Assembleia Geral, Tendo em consideração a Declaração Universal dos Direitos do Homem(1) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos(2), assim como outros instrumentos internacionais de direitos do homem relativos aos direitos das pessoas em conflito com a lei,Tendo igualmente em consideração as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos(3) adoptadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, assim como a importante contribuição dada por estas regras às políticas e práticas nacionais, Lembrando a Resolução 8 do Sexto Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes(4) relativa às soluções alternativas à prisão, Lembrando também a Resolução 16 do Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes(5), relativa à redução do número dos reclusos, soluções alternativas à prisão e reinserção social dos delinquentes, Sublinhando que o aumento da população penitenciária e a superlotação das prisões em muitos países constituem factores susceptíveis de entravar a aplicação das Regras Mínimas para o tratamento de reclusos,”..

Para o autor Italiano Alessandro Barata a justiça criminal não detém os meios eficazes para estancar a criminalidade, senão garantir o seu cumprimento.

“a Justiça Penal somente administra a criminalidade, não dispondo de meios de combatê-la. Funciona apenas como selecionadora de sua clientela habitual nas classes trabalhadoras. O crime é um subproduto final do processo de criação e aplicação das leis, orientadas ideologicamente às classes dominantes. Percebe-se a negação total do mito do Direito Penal como igual, em que a lei protege todos”. (BARATTA, 1999, p. 175).

No Brasil esta em andamento o trabalho de uma comissão de juristas do Senado Federal que apresentará os estudos para reformar o Código Penal Brasileiro. Esta comissão corroborando com as regras de Tóquio aprovou, dentre outras, a descriminalização do uso pessoal de drogas no País.

Já o Doutrinador Eugenio Zafaroni se alinha a Teoria Minimalista Penal do Estado. Defende a formula garantista donde os propósitos do estado democrático sejam vistos a partir do direito. Estado, com uma intervenção mínima. “Jamais pode o Direito penal ter incidência senão quando absolutamente necessário (princípio da intervenção mínima - Nulla lex poenalis sine necessitate: não há lei penal sem necessidade).”

Os Tratados Internacionais que versam sobre direitos humanos onde o Brasil é signatário passam a ter status de Emendas Constitucionais, e constituem-se em clausulas pétreas. Ihering afirma que “o direito é um labor continuo, não apenas dos governantes, mas de todo o povo” (IHERING, 2004, p. 27).

A tipificação da Contravenção de Vadiagem está insculpida no Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, Lei das Contravenções Penais, alterado pelas Leis 1.390 de 1951, 6.416 de 1977, 7.437 de 1985, 9.521 de 1997 e a 11.983 de 2009, em seu artigo 59, tipifica o que seja Vadiagem.

"Art. 59 Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena” prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses.

Parágrafo único “A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena".

Após longa discussão no Congresso Nacional, em julho de 2009 foi sancionada pelo Presidente da Republica a Lei 11.983/2009, abolindo a infração penal da pratica de mendicância. Por mais estranho que possa parecer, em pleno século XXI, pedir esmolas para resolver um problema de sobrevivência era punido com pena de prisão simples, de quinze dias a três meses (art. 60 da Lei de Contravenções Penais – Decreto Lei 3.688/1941). No entanto a abolição da contravenção de vadiagem, dentre tantas outras, dependem da vontade politica partidária ou da politica criminal.

A disciplina formada nas escolas, quarteis, casa dos senhorios, nas prisões, fazem parte de um grande adestramento do corpo e mente. Segundo Foucault (2006, p.149) “a disciplina traz consigo uma maneira especifica de punir, e que é apenas um modelo reduzido do tribunal. O que pertence à penalidade disciplinar é a inobservância...”.

Segundo Foucault (2006, p. 197), não acredita que a prisão tenha o poder de ressocialização do individuo, mas entende ser um mal necessário que a sociedade não pode abrir mão, tendo em vista que ela parece ser a forma mais humana da pena e ninguém nasce condenado a viver no crime.

A Pena privativa de liberdade das demais punições, exceto a morte, é a mais severa para ser aplicada nesse caso, por menor que seja o tempo a ser cumprido. A liberdade é a conquista que o homem obteve nas lutas contra a tirania, por isso deve ser respeitada.

Mas, na contramão da história, no ano 1949 foi apresentado Projeto de Lei que cria no Departamento Federal de Segurança Publica, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o cargo de Delegado especializado em repressão da mendicância e vadiagem, tendo sido arquivado por vicio de iniciativa.

"parece evidente que a simples pretensão de punir aqueles que a sociedade já condenou à exclusão social, à fome e ao desespero revela uma crueldade talvez insuperável em nosso ordenamento jurídico", de forma que os artigos 59 e 60 expressam "a insensibilidade social das elites dominantes". Segundo o deputado o Brasil "possui milhões de seres humanos vivendo à margem da própria idéia de direito" e conforme "critérios mais conservadores, são pelo menos, 32 milhões os brasileiros que habitam esse mundo de esquecimento, violência e desespero. Cada um deles, a rigor, pode ser enquadrado nas condutas que a maldade legislativa do século passado tipificou nesses dois artigos".

Na busca de revogar as normas previstas nos artigos 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais encontramos diversos Projetos de Lei, dentre eles o de nº 5.799/01, de autoria do ex-deputado federal Marcos Rolim. O deputado justifica o projeto de lei afirmando que estes artigos expressam “crueldade talvez insuperável em nosso ordenamento jurídico”.

O Legislador está constantemente na busca de reformular as Leis que disciplinam a vida do individuo e a organização da sociedade, passando a representar um movimento em volta da reengenharia de novos sistemas punitivos associados à função Social da Pena. A atualização Legislativa faz-se necessário sempre que um fato social sofre pesados levantes da sociedade, ou dos próprios Legisladores.

O autor dos Delitos e das Penas, Cesare Beccaria, indignado com as contradições dos legisladores, sugere que “os meios que a Legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes a medida que o delito é mais prejudicial ao bem publico e pode torna-se mais comuns. Deve, pois haver uma proporção entre os delitos e as penas.”(BECCARIA,p.79,2006).

Os casos de Contravenção de vadiagem no Brasil ainda chegam aos tribunais Superiores de justiça brasileira. Então vejamos.

Em pleno Século XXI, terceiro milênio, onde vemos o avanço das tecnologias, das ciências, da comunicação nas nuvens, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul recebeu e acatou denuncia oferecida pelo Ministério Público, em dezembro de 2010, contra um jovem de 20 anos, natural daquele estado, filho de pais conhecidos, residência fixa, com ensino fundamental, com fulcro nas sanções do art. 59 da Lei de Contravenções Penais, pela prática do fato delituoso de pedir dinheiro em via pública, ou seja, esmolando.

O Réu alegou em sua defesa que era guardador de carros e que pedia dinheiro aos motoristas pelos serviços prestados. O Ministério Público entendeu que o réu provia a própria subsistência mediante ocupação ilícita.

A Denuncia foi julgada procedente e ele condenado a prisão simples, pena privativa de liberdade, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, ou seja, 03 (três) meses. TJRS -  Recurso Crime RC 71003203031 RS (TJRS)

TJRS -  Recurso Crime RC 71003203031 RS (TJRS) Data de Publicação: 13/09/2011. Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. VADIAGEM. ART 59 DA LCP. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Carecendo a instrução de provas seguras e suficientes acerca da autoria e da materialidade delitiva, assim como de anterior habitualidade ociosa ou de provisão da subsistência mediante ocupação ilícita, impositiva a reforma da sentença condenatória. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 71003203031, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, J...

Para IHERING (2004, p.27) “O objetivo do Direito é a paz. A luta é o meio de consegui-la. Enquanto o direito tiver de rechaçar o ataque causado pela injustiça – e isso durará enquanto o mundo estiver de pé – ele não será poupado”.

Para o Dr. Fábio Aguiar Munhoz Soares, da 17ª Vara Criminal de São Paulo, os casos de processo por vadiagem eram comuns até a década de 70. Depois da promulgação da Constituição, em 1988, foram poucos os casos.

"A lei que contém a vadiagem é de 1941. É uma contravenção, como se fosse um crime menor. O legislador entendeu que alguns delitos de menor expressão deveriam ser considerados contravenção penal. De lá para cá o Brasil mudou, as coisas mudaram. Em algumas cidades do Brasil, a sua aplicação ainda pode ocorrer. Mas dificilmente será aplicada em cidades grandes, como São Paulo."

Outro caso enigmático enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1958, que incitado a se pronunciar sobre Recurso em Habeas Corpus impetrado por paciente canceroso e com medo de ser confundido com um vadio, pede aquele corte a concessão de salvo conduto, uma vez, que por sua enfermidade não mais exerceria suas atividades, tamanho era o medo de ser confundido com um vadio.

O caso citado acima aconteceu com um meliante que tirava o seu sustento de maneira ilícita e com medo que a policia o surpreendesse em flagrante de vadiagem, foi aconselhado a ingressar com Habeas Corpus preventivo para evitar ter sua vida confundida com o tipo descrito no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais.

Após a perícia médica e a constatação que o paciente sofrera de câncer nas cordas vocais, o pleno do Supremo concedeu o salvo conduto, declarando-o em estado de invalidez, com um (01) voto contrário.

STF -  RECURSO EM HABEAS CORPUS RHC 36141 (STF) Data de Publicação: 1 de Janeiro de 1970 Ementa: PACIENTE CANCEROSO. PEDIDO DE HABEAS-CORPUS CONCEDIDO PARA IMPEDIR POSSIVEIS FLAGRANTES DE VADIAGEM. . VADIAGEM. CONCESSÃO DE SALVO CONDUTO A PACIENTE CANCEROSO. DIR. PENAL 1950, 1960 V DOCUMENTO INCLUIDO SEM REVISÃO DO STF ANO:** AUD:12-11-1958

Um cidadão na década de 80, que apresentava como profissão a arte de esteticista e que andava com outros travestis, fora alvo de sindicância por parte da policia de São Paulo para que provasse de onde tirava os frutos de sua subsistência. Como não provou foi preso e sofreu a ação penal, sendo incluído no tipo penal do artigo 59 da Lei Contravenções Penais. O paciente ingressou com Recurso em Habeas Corpus, buscando garantir seu direito liquido e certo de ir e vir, não obtendo êxito.

STF -  RECURSO EM HABEAS CORPUS RHC 61364 SP (STF)

Data de Publicação: 9 de Abril de 1984 - Ementa: HABEAS CORPUS. VADIAGEM. JUSTA CAUSA. PACIENTE QUE NÃO PROVA ESTAR EXERCENDO O OFICIO PARA O QUAL SE DIZ HABILITADO, OU CONTAR COM RENDA LICITA, A GARANTIR-LHE A SUBSISTENCIA. ANTERIOR SINDICANCIA POR VADIAGEM, SEM QUE ISSO TENHA LEVADO O PACIENTE A OPÇÃO POR ALGUMA FORMA DE TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER QUE CONTAMINE O PROCESSO CONTRAVENCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. . CONTRAVENÇÃO PENAL, VADIAGEM. PRISÃO EM FLAGRANTE, PACIENTE, PROFISSAO, PROVA, CARTEIRA DE ...

O Positivismo jurídico surge dentro das seguintes escolas do direito: Escola clássica do Direito Penal, Escola Positiva do Direito Penal e Escola eclética do Direito Penal.

Em 1746, período vigente da Escola clássica do direito penal, surge a obra de César Beccaria, Dos Delitos e das Penas, iniciando uma nova fase do pensamento penal onde clama por leis mais claras, justa e de fácil interpretação. Revela sua preocupação com a barbaridade das penas espetáculos e propõe o seu fim.

No século XIX surge a escola positiva do Direito Penal. Nesse período César Lombroso publica sua obra L’Uomo Delinquente, abrindo novos oportunidades para o estudo sobre o criminoso e a pena. A teoria era observar o homem ante da observação do tipo penal.

A Escola Eclética Crítica surge no século XX, onde busca uma posição conciliadora entre as escolas anteriores. “Surgem autores da envergadura de GABRIEL TARDE, VON LISZT, ALIMENA, INGENIEROS, que procuraram somar as experiências mais fecundas até então vivenciadas e teorizadas pelos filósofos das escolas anteriores” (SAVINO FILHO, p.11,2001).

Para Busato, apenas o simples fato de uma infração de gravidade insignificante não concede ao Estado o poder de agir duramente e procurar flexibilizar suas garantias Constitucionais. “O fato de estar diante de uma infração que não cobra relevância social a ponto de exigir uma intervenção dura, não significa estar com uma situação de direito que pode transigir com garantias, mais sim estar diante de uma situação que, por muito que a lei diga o contrario, não pode e não deve ser considerada Direito penal...” (BUSATO, 2007, P.339).

O Direito penal do inimigo teorizado por Günther Jakobs cria uma nova distinção de pessoas. Aquelas cumpridoras de suas obrigações e aquelas que estão à margem da Lei, para ele, estas seriam chamadas de inimigos, uma vez que não mais obedeciam as regras do Contrato Social.

Para Busato (2007.p342 citando Jakobs ), “Trata-se de legitimar, no âmbito do Estado, como única forma de preservação do cidadão, uma categoria de “não cidadãos” de “não pessoas”, definitivamente, de “inimigos”.”

Essa teoria vem de encontro com as democracias modernas, uma vez que suas Constituições trazem garantias fundamentais da pessoa humana, não aceitando tal diferenciação. Além de reascender um abismo gigante entre as pessoas, esta foi a tentativa de se criar uma raça pura sem desvio de condutas ou infalíveis, como praticado outrora por Adolf Hitler.

De toda sorte, é uma teoria que aumenta o fosso social existente no mundo, uma vez que procura garantir à burguesia ruas limpas de pessoas absolutamente desprovidas de posses. Para Busato (2007.p.24) “O desprezo ao ser humano é evidente. Quem está na condição do “inimigo”, e, portanto de “não pessoa”, pode simplesmente ser “eliminado”.

Como bem observou Busato citando Plinio de Arruda Sampaio “Penas mais severas, prisões mais duras, policia mais truculenta, é tudo quanto os porta-vozes da burguesia reclamam para deter a violência criminal”. Isto porque “há muito tempo a burguesia renunciou a qualquer projeto civilizatório e a classe media não tem outro sonho senão o de copiar o padrão de vida burguês”. Explica Hanna Arendt.

As Ciências Jurídicas e Sociais buscam interpretar os conflitos que muitas vezes tem sua origem/causa numa relação econômica e social que culminam com a pena privativa de liberdade, e apontar uma solução viável.

Sobre o autor
Pedro Rogério Melo de Lima

Advogado. Mestre em Ciência Política pelo Centro Universitário UNIEURO. Aluno dos Cursos Regulares de Doutorado em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp / LFG. Bacharel em Ciências Jurídicas pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB. Curso Superior em Redes de Computadores pela União Educacional de Brasília – UNEB. Exerce o cargo de Coordenador Geral da Coordenação Gestão Estratégica e o encargo de Chefe de Gabinete da Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e exerceu o encargo de Substituto do Coordenador Geral de Legislação Patrimonial. Exerceu ainda o cargo de Chefe da Assessoria Parlamentar do Gabinete do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, 2006 a 2009. Atuou também como Assessor Parlamentar na Câmara dos Deputados no gabinete da Deputada Federal Marina Sant'Anna PT-GO, de 2011 a 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Pedro Rogério Melo. Vadiagem: contravenção ou seleção natural dos marginalizados no Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3561, 1 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24074. Acesso em: 16 nov. 2024.

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