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Eutanásia.

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

6 EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTONÁSIA: DISTINÇÕES NECESSÁRIAS

Os termos a serem abordados trazem, todos, na sua conceituação, o fator Morte, e fazem-se presentes no processo do morrer.

Conforme descrito anteriormente, Eutanásia significa a morte tranqüila, boa e serena, não ocasionando agonia ao paciente.

6.1 Distanásia

No seu sentido de origem grega, Distanásia quer dizer: dis igual a afastamento (nesse caso, prolongamento exagerado) e thanasia o mesmo que morte

Pode-se afirmar, a partir do seu significado etimilógico, que Distanásia, é o prolongamento exagerado, desnecessário, no processo da morte inevitável. O dicionário Aurélio traz a seguinte conceituação: "Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento".( Aurélio, 2000, p. 1345)

Trata-se do caso em que o médico, visando prolongar o vida do paciente terminal, com o esgotamento de todos os recursos, submete-o a um grande sofrimento, atendendo a perspectiva de que foi feito todo o possível e utilizado todo o recurso disponível, na tentativa de salvar o paciente, que, no caso concreto, é o paciente terminal.

Fala-se, nos Estados Unidos, em Futilidade Médica, e na Europa, em Obstinação Terapêutica.

Para enriquecimento ilustrativo, cita-se um caso famoso, no Brasil, de Distanásia, ocorrido em 1985, ou seja, a morte do então eleito Presidente da República Federativa do Brasil, Tancredo Neves. Perdurou por 36 dias o processo de sua morte, onde foram utilizados todos os recursos disponíveis para que se mantivesse vivo.

Entende-se, por Distanásia, portanto, a morte ansiosa e sofredora, sendo que, além de comum nos hospitais, é aceita na sociedade. Traduz a idéia de que tudo está, ou foi feito, para que se mantivesse a vida.

O Dr. Jonh Hansen publicou no Washington Post, em maio de 1991 uma história interessante, nominada de "Escolhendo morte ou Mamba em UTI".

Três missionários foram aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe lhes ofereceu escolherem entre morte ou Mamba (Mamba é uma serpente africana peçonhenta. Sua picada inflige grande sofrimento antes da morte certa ou quase certa). Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram Mamba e aprenderam da maneira mais cruel que Mamba significava uma longa e torturante agonia, para só então morrer. Diante disso o terceiro missionário rogou pela morte logo, ao que o chefe respondeu-lhe: "morte você terá, mas primeiro um pouquinho de Mamba". (Pessini, 2000, In: <https://200.239.45.3/cfm/espelho/revista/bio1v4/distanásia.html>)

Verifica-se portanto, ser a Distanásia a obstinação terapêutica, com o resultado previsível de fracasso, e de grande sofrimento ao paciente.

6.2 Ortonásia

Utilizando-se do mesmo critério, o significado do termo Ortanásia, derivada do grego, é: orto o mesmo que Correto (tha) násia igual a Morte.

Pode-se afirmar que Ortonásia significa a Morte Em Seu Tempo Certo, sem abreviação ou prolongamento desproporcional do processo de morrer:

Frente aos avanços da tecnologia, acobertadas da realidade da morte, a eutanásia, especialmente na modalidade omissiva, aproxima-se do conceito de ortotanásia, qual seja, o de morte, no momento certo, sem dificuldade desproporcionais ou distorções de seu processo.(Carlin, 1998, p. 146)

Apresentadas as características particulares, de cada um dos processos de mortes, observa-se que, enquanto a Eutanásia preocupa-se com a morte digna da pessoa, a Distanásia, por seu termo, busca o esgotamento dos recursos, sendo o oposto da Eutanásia. Já, a Ortonásia aparece como o limite certo da vida.

Verifica-se que no nosso ordenamento jurídico e social, pátrio, aceita-se a propositura da morte sofredora, demonstrando-se interesse algum para com o paciente, mas, precisamente, poderia ser dito que os interesses estão voltados para a utilização de conhecimentos tecno-científicos, de forma que o paciente passa a ser mero objeto para a utilização de tais mecanismos. Insta que o procedimento da Distanásia é aceito sem nenhuma sanção legal ou social quanto sua utilização, importando pouco, ou nada, a vontade ou as conseqüências oferecidas ao paciente.

A Ortonásia é a oportunidade da morte correta, sem ultrapassar barreiras e sem motivar debates com princípios Éticos, Teológicos ou Jurídicos.

A Eutanásia, merecedora de uma observação por estar implícita a Ortonásia, busca atender à questão da Dignidade Humana, assegurando sua extensão no processo do morrer, ocasionando o morrer bem.


7. A POSTURA DAS RELIGIÕES FRENTE A EUTANÁSIA

Centra-se, o presente estudo, a seguir, na postura das quatro maiores religiões do mundo: Budismo, Cristianismo, Islamismo e Judaísmo, frente a questão da prática da Eutanásia por seus seguidores.

A prática da Eutanásia tem provocado uma grande reflexão entre os pensadores religiosos, nesse momento em que verdades tradicionais colidem com as novas realidades, oportunizadas pelas ciências da vida e da saúde. Oportuno dizer que tais conceitos evoluíram, demonstrando que essa nova fase demonstra que a Eutanásia não é vista com tanta aspereza pelas quatro maiores religiões do mundo, sendo que, entre algumas, sua prática é um dever.

7.1 Budismo

O Budismo conta hoje com aproximadamente 500 milhões de seguidores. Fundado na Índia por Siddhartha Gautama (480-400 a C), que com seus "35 anos foi iluminado, passando a ser chamado de Budda,[4] esse é único, não ficando nenhuma outra autoridade religiosa em seu lugar" (Pessini, 1999, p. 319). O objeto de todos os seus seguidores é a iluminação (nirvana), ou seja, um estado de espírito e perfeição moral que pode ser conseguido por qualquer ser humano que vive de acordo com os ensinamentos de Buda.

O Budismo não acredita em ser superior ou num deus criador, não entra na discussão da existência ou não de um deus. O que se apresenta, como motivo para os estudiosos, voltados ao estudo das religiões, é que o Budismo não é uma religião, mas sim uma filosofia de vida, seguida pelo caminho da sabedoria, iluminação e compaixão.

Os documentos budistas se referem à Buda freqüentemente, como sendo o "grande médico". Assim como o médico cuida das doenças do corpo, Buda cuida das doenças do espírito Becker, 1994; Keon, 1998; Nakasone, 1995 (Pessini, 1999, p. 319).

Os budistas tradicionalmente associaram a vida com sensibilidade e, num sentido amplo, estão englobados também os animais e as plantas. A sensibilidade inclui sentimento e consciência. Uma vez que o sentimento é parte da sensibilidade, muitos budistas entendem que não podem ser feitos transplantes de órgãos, especialmente de coração, uma vez que a morte da mente não é a morte do corpo (pessoa), porque a morte é entendida como dissolução de corpo e mente, ou seja, a morte pressupõe o fim do corpo e da mente.

Os budistas não vêem na morte o fim da vida, mas sim uma simples transição. O suicídio, em determinados casos, foi visto por Buda com elogios, como no caso dos suicídios praticados em Vakkali e Channa, que foram cometidos por causa de enfermidades dolorosas e irreversíveis. Mas é importante observar que o fato de Buda elogiar os suicidas não se baseia no fato deles estarem em estado terminal, mas, antes, porque estavam com as mentes livres de egoísmo e de desejos, e estavam iluminados no momento da morte.

O budismo reconheceu, já há muito tempo, o direito das pessoas de determinar quando deveriam passar desta existência para a seguinte. Reafirmando o que anteriormente foi expressado, o importante não é se o corpo vive ou morre, mas se a mente pode permanecer em paz e harmonia consigo mesma. A tradição Jodo (a terra pura) tende a dar ênfase à continuidade da vida, enquanto que a tradição Zen tende a sublimar a importância do momento e a maneira de morrer. Os budistas valorizam mais a paz da mente e a honra da vida, do que uma vida longa.

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O código Samurai incluía uma disposição para a eutanásia: o Kaishakunin (assistente).

O simples corte no hara (abdômen) era muito doloroso e não provocava uma morte rápida. Depois de cortar o hara, poucos Samurais tinham forças suficientes para degolar-se ou cortar a espinha dorsal. Mas sem cortar o pescoço, a dor do hara aberto continuaria durante minutos ou horas antes da morte. Portanto, o Samurai combinava com um ou mais kaishakunin para que o assistissem em seu suicídio. Enquanto o Samurai tranqüilizava sua mente e se preparava para morrer em paz, o kaishakunin permaneceria ao seu lado. Se o Samurai falasse ao kaishakunin antes ou durante a cerimônia seppuku, a resposta padrão era go anshin (mantém tua mente em paz), buscando dessa forma que o suicida pudesse morrer com a menor tensão e a maior paz mental. Depois que o Samurai terminasse de abrir o ponto preestabelecido ou desse qualquer outro sinal, o kaishakunin tinha o dever de cortar-lhe o pescoço para terminar com sua dor, dando-lhe o golpe de misericórdia.

O suicídio dos Samurais era o equivalente moral da Eutanásia, sendo as razões do suicídio Samurai as seguintes: evitar a morte inevitável por mãos de outros; escapar de um período prolongado de dor insuportável ou de sofrimento psicológico, quando não podiam continuar a ser membros ativos e úteis para a sociedade; conforme observa-se são esses os parâmetros singulares da prática da Eutanásia; para evitar uma morte inevitável por mãos de outros (incluindo doenças irreversíveis); para evitar um longo período de dor e de sofrimento.

Em síntese, a perspectiva budista em relação a Eutanásia, gira em torno da proposta de que a vida, embora seja preciosa, não é considerada divina, pois não existe a crença em um ser supremo ou deus criador. Nos valores básicos do budismo, além da sabedoria e da preocupação moral, que andam juntas, existe o valor básico da vida, que diz respeito não somente aos seres humanos, como é comum nas outras religiões mundiais, mas inclui a vida animal. A crença no Karma e renascimento tem uma profunda influência na atitude budista, em relação à natureza vivente. Sendo o que faz com que os budistas não tenham uma separação entre vida humana e outras formas de vida, e dessa forma, é atingido o estado de consciência e paz no momento da morte. Não existe uma oposição ferrenha contra a eutanásia ativa e passiva, que pode ser aplicada em determinadas circunstâncias.

7.2 Cristianismo

Os cristãos somam a quantia de 2 bilhões de seguidores em todo o mundo, segundo o Anuário Pontifício - 1999. Os católicos são maioria apenas na América onde alcança 62,9%, na Europa 41,4%, na Oceania 27,5%, na África 49% e na Ásia 3%.

Inicialmente têm-se a visão de que a Igreja Católica posiciona-se contra a prática da Eutanásia, o que de fato não é verdade, conforme as declarações feitas pelo Papa Pio XII, - 24./5/1957- em que orientava o médico para:

... incumbência do médico tomar todas as medidas ordinárias destinadas a restaurar a consciência e outros fenômenos vitais. Não tem, entretanto, a obrigação de continuar de forma indefinida o uso de medidas em casos irreversíveis. De acordo com o critério da igreja Católica, chega um momento em que todo o esforço de ressuscitação deve suspender-se e não nos opormos mais à morte. (Diniz, 1999, p. 255)

Já em Junho de 1980, no Documento da sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, o papa João Paulo II afirmou:

Ante a iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios empregados, é licito, em consciência, renunciar a alguns tratamentos que procuram unicamente um prolongamento precário e penoso da existência. Por isso o médico não tem motivo de angústia como se não houvesse prestado assistência a uma pessoa em perigo. (Pessini, 1999, p. 319)

Posição essa que foi novamente mantida pelo Catecismo da Igreja Católica, e referendado pelo mesmo papa em 1992, onde foi admitida a "interrupção de procedimentos médico custoso, ou perigoso, que mantém artificialmente vivo o paciente" (Pessini, 1999, p. 319).

Percebe-se uma evolução dos documentos mais antigos aos mais recentes, onde o bem da pessoa passa a ser interpretado e valorizado, sendo apresentadas normas morais para resolver tal impasse.

Acrescenta-se, ainda, que a Eutanásia deixa de ser vista como o simples fato de tirar a vida de alguém, e sim como uma preocupação com o bem estar do doente, e não por um desejo de desfazer-se dele, conforme a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, editada em 1980.

Experimentam grande angústia acerca do sentido da velhice extrema e da morte" e "também começam a perguntar-se se não têm direito de procurar para si ou seus companheiros uma ‘morte suave’, que lhes abrevie os sofrimentos e que a seu ver esteja mais de acordo com a dignidade humana. Além disso, os pedidos dos doentes que desejam a própria morte devem ser entendidos como ‘um caso de angustiado pedido de ajuda e amor.’ (Pessini, 1999, p. 318)

A revolução frente a Eutanásia, na Igreja Católica, fez-se pela distinção entre Matar e Deixar Morrer, sendo que entendesse como:

A tradição católica defende que existe uma diferença moral entre, de um lado não utilizar um tratamento num paciente terminal, quando nada mais pode ser feito para reverter significativamente a progressividade da deterioração de vida, e, de outro, intervir diretamente para provocar a morte do paciente. Nota-se, pelo exposto, que a Igreja Católica condena a Eutanásia Ativa, admitindo a Eutanásia Passiva.

7.2.1 Postura adotada por outras religiões Cristãs.

Em pesquisa realizada pelo prof. Pessini, (1999) foi constatada a seguinte postura de outras religiões cristãs:

7.3 Islamismo

Traz no seu significado literal a tradução de "Submissão à Vontade de Deus". Pode-se afirmar que é, entre as quatro religiões propostas para o estudo, a mais jovem e a única surgida após o cristianismo (Maomé – 570-632 d. C). Calcula-se que a população mundial de muçulmanos alcance a quantia de um bilhão, ou seja, um quinto da população mundial, Sachedina, 1995; Schepherd, 1998. (Pessini, 1999).

Em 1981, a UNESCO proclamou em 19 de setembro a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos, baseado no Corão e na Suna ( tradição dos ditos e ações do Profeta), organizada por eminentes juristas muçulmanos e representantes de movimentos e correntes de pensamento islâmico. É um dos documentos fundamentais publicado pela Conselho Islâmico para marcar o começo do século XV da era islâmica.

Em seus artigos, no que toca o direito a vida, Pessini afirma que:

A vida humana é sagrada, e inviolável, e devem ser envidados todos os esforços para protege-la. Em particular, nenhuma pessoa deve ser exposta a lesões ou à morte, a não ser sob a autoridade da lei

Durante a vida e depois da morte deve ser inviolável o caráter sagrado do corpo de uma pessoa. Os crentes devem velar para que o corpo falecido seja tratado com a solenidade exigida. Concilium, 1994 (1999, p. 325).

Todos os Direitos Humanos, na legislação Islâmica, provêm de Deus, não sendo presente de uma pessoa a outrem, e nem propriedade de qualquer criatura que algumas vezes os distribui e outras vezes os retém. Dessa forma tais direitos, são confirmados por garantias religiosas e morais, independente da punição legal, que sempre deve ser imposta aos possíveis infratores e abusadores.

Segundo a concepção islâmica, a pessoa humana é digna de toda honra existente, tudo que o céu e a terra abrangem deve estar a sua disposição, mas por outro lado, a pessoa humana, é criatura de Deus e seus representantes na terra. Ele a criou com as próprias mãos, deu-lhe o sopro de sua alma e fez dela a figura mais bela, sendo a vida de uma única pessoa quase tão valiosa como a vida de todo o gênero humano.

"Se alguém matar uma pessoa (mas) não (por exemplo, como vingança) por um outro (que foi morto por esta pessoa) ou (como castigo) pela desgraça (que esta cometeu na terra), isto deve ser considerado como se tivesse matado todas as pessoas. E se alguém mantiver com vida outra pessoa é como se tivesse mantido com vida todas as pessoas". (Suna: a mesa, verso 32)

Curiosamente, a tradição islâmica, considera a vida tão valiosa, que proíbe que seus seguidores bebam vinho, que, pela sua visão, aniquila o juízo e prejudica a capacidade de percepção e discernimento. Proibindo, também, tudo o que prejudica o bom senso humano, ou que debilita a faculdade humana.

Diante dessa postura, verifica-se que o Islamismo não aceita a prática da Eutanásia para abreviar a vida, mas entende que o papel do médico é de manter o paciente vivo e não de intervir no processo da morte, pois a morte não é um castigo e sim um translado para outra vida, sendo que "...não se deve degradar ou tratar com desprezo o corpo da pessoa morta. Deve-se lavar o defunto, envolvê-lo em pano próprio e, após uma oração especial, enterrá-lo" (Pessini, 1999, p. 323). Entendendo, ainda, que a vida é de Deus, dada por ele e tirada por ele, sem que nisso ocorra qualquer interferência, pois a morte é a conclusão de uma vida e começo de outra.

Cabe observar-se que diante desse postura, quanto ao paciente que se encontre em estado vegetativo ou de qualquer outro estado que o impeça de viver a plenitude da vida, não tem direito, o médico, no caso concreto, de utilizar qualquer procedimento que impeça o processo de instalação da morte, ocasionando, pela fé islâmica, o começo de uma nova vida. A visão islâmica, quanto a morte, é vista como obediência a vontade de Deus, limitando de forma definitiva e drástica a autonomia da ação humana para a manutenção da vida.

7.4 Judaísmo

Considerada a mais antiga fé monoteísta do Ocidente, onde, em seus ensinamentos, as regras de condutas de seus seguidores, fundamentam suas regras nas interpretações da Escritura e em princípios morais.

Sua regras morais evoluíram juntamente com o avanço da sociedade contemporânea e, consequentemente, às novas tecnologias, gerando uma gama enorme de posições a respeito de problemas éticos.

O século XX trouxe problemas e realidades, tais como: criação do Estado de Israel, o Holocausto e o progresso da medicina, bem como, as mudanças globais no status da mulher e preocupação com o meio ambiente, trazendo a tona questionamentos às antigas Escrituras e a posição ética frente a tais fatos.

A morte da pessoa humana é assunto de ampla discussão entre bioeticistas e judeus contemporâneos. Pela medicina moderna a morte encefálica (cerebral) é o verdadeiro critério de morte, mas nos escritos do judaísmo tradicional, temos o critério da respiração e da parada cardíaca. Para os rabinos ortodoxos, a morte ocorre através do ensinamentos tradicionais. Já os Judeus contemporâneos, entendem que se é o cérebro que controla a respiração e o coração, se existir uma falência irreversível na área cerebral, não há que se esperar que o paciente volte a suas funções normais, pois já encontra-se no processo, irreversível da morte.

A morte cerebral constitui o fundamento para se desligar o paciente do respirador, uma vez que a respiração neste caso não é feita pelo paciente, mas pela máquina. Uma vez que hoje somos capazes de manter muitos sistemas físicos operando mesmo sem atividade cerebral, fica claro que tal discussão poderia ter importantes conseqüências práticas. De fato, não se fazendo isso, seria uma violação da Lei judaica, da proibição de deixar o morto sem ser enterrado. Sanhedrin 46b; Deut. 21;23. (Pessini, 1999, p. 325)

A Eutanásia, porém, é um exemplo em que rabinos de diferentes tendências têm visões muito similares. O argumento utilizado é o de que o moribundo é de qualquer maneira uma pessoa viva, e que deve ser tratado com a mesma consideração devida a toda e qualquer pessoa vivente. Mesmo nos casos de o paciente ser terminal, e em meio de muita dor, e diante da solicitação de acabar com tudo, isto não pode ser permitido, segundo o judaísmo. O médico que agir de tal maneira, causando a morte do paciente, é culpado de assassinato.

A eliminação da dor é um valor importante, mas desaba quando a sua implementação implica restringir a vida, porém não exige do médico o dever de ter que fazer tudo para manter vivo o paciente ou prolongar sua vida. É aceito o tratamento que alivia a dor à custa de tempo de duração de vida, e, nesse caso, alguns rabinos entendem que não existe nada de errado com tal tratamento, especialmente porque a própria dor pode abreviar a vida e, certamente, degradar sua qualidade.

O ponto importante a ser compreendido é que, exceto para o movimento da reforma judaica, a decisão correta não pertence ao indivíduo. É tarefa das autoridades rabínicas usar suas capacidades para interpretar a Torah e relacioná-la à vida cotidiana e chegar a uma decisão. (Pessini, 1999, p. 325)

A tradição judaica, em relação a prática da Eutanásia, é contrária. O médico serve como um meio de Deus, que deve preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar a prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito de que a vida é santificada, significa que não pode ser terminada ou abreviada, tendo como motivações a conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento do mesmo.

Na crença judaica, é importante discernir entre o prolongamento da vida do paciente e o alongamento do sofrimento da agonia do paciente. Esse diferencial oportuniza a pratica da Eutanásia Passiva, sendo que se o médico estiver convencido de que a morte poderá ocorrer em três dias, pode suspender as manobras de reanimação e, também, o tratamento não analgésico, mas proíbe a Eutanásia Ativa.

O grande dilema gira em torno de concepções sobre a Vida, onde alguns entendem ser um Dom Divino, portanto indisponível. Mas há uma conotação, bem disposta, em relação aos tratamentos, os quais, tendo origem no conhecimento humano (tecno-científico), não podem ser barreira para a finalização ou impedimento ao chamamento de Deus (processo da morte ou finalização da vida). Dessa forma, a discussão passa a gravitar em torno da Dignidade da Pessoa Humana, que é o propósito do presente trabalho.

Sobre o autor
Milton Schmitt Coelho

bacharel em Direito em Santa Cruz do Sul (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia.: Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2412. Acesso em: 30 abr. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Hugo Thamir Rodrigues.

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