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Sindicância punitiva e o risco da prescrição

Agenda 22/04/2013 às 09:01

O perigo é presumirmos que infrações leves são de simples e rápida apuração, muitas vezes se perde muito tempo na busca pela verdade real, além de inúmeros incidentes que causam o atraso na investigação.

INTRODUÇÃO

A doutrina pontua alguns tipos de procedimentos administrativos disciplinares, dentre outros destacamos os mais relevantes: investigação preliminar, sindicância investigativa ou preparatória, sindicância acusatória ou punitiva e processo administrativo disciplinar.

Neste estudo trataremos especificamente da sindicância acusatória ou punitiva, chamada também de híbrida quando convertida em punitiva no bojo da acusatória. Trataremos do caso específico em que a autoridade instauradora opta pela sindicância punitiva desde o início do processo. Em que pese sua destinação a infrações leves, puníveis com advertência ou suspensão de até trinta dias, seu prazo reduzido para conclusão e, ainda, limite para aplicação de penalidade o coloca como procedimento de risco e cada vez mais em desuso.

Ora, para penalidade de advertência tem-se que a prescrição ocorre em 180 (cento e oitenta) dias após ciência da Administração, prazo interrompido quando instaurada a sindicância. Considerando que o prazo para conclusão da sindicância é de trinta dias prorrogáveis por igual período, somados aos vinte dias de julgamento, se após a soma dos referidos prazos, ou seja, oitenta dias, não houver sido concluído o processo, tem novo início a contagem da prescrição.

O perigo é presumirmos que infrações leves são de simples e rápida apuração, muitas vezes se perde muito tempo na busca pela verdade real, além de inúmeros incidentes que causam o atraso na investigação. Por exemplo, caso o servidor acusado saia de férias durante trinta dias, já se perderia o prazo legal, obrigando a comissão a solicitar prorrogação.

Ademais, ao final da apuração, constada maior gravidade do ilícito, o relatório da comissão fica obrigado a indicar a necessidade de abertura de Processo Administrativo Disciplinar para aplicação da penalidade mais razoável, fazendo com que se perca mais tempo com outro processo para apuração do mesmo fato sem que ocorra nova interrupção do prazo prescricional.

Logo, este artigo pontua motivos para o desuso da sindicância punitiva, a uma por colocar em risco de prescrição a eventual advertência, a duas por limitar a penalidade e abrir espaço para dois procedimentos em razão de um único fato, implicando em extrema falta de celeridade e economicidade, e, por fim, havendo indícios de autoria e materialidade, nada impede que seja aberto um Processo Administrativo Disciplinar prontamente.


DA SINDICÂNCIA PUNITIVA

A denominação “sindicância” tem por significado primário o “conjunto de atos e diligências que objetivam apurar a verdade de fatos alegados; investigação” segundo o dicionário HOUAISS. Desta feita, a sindicância punitiva pode ser considerada híbrida quando houver elementos investigatórios aliados a garantias de contraditório e ampla defesa características do Processo Administrativo Disciplinar, uma vez que há acusado especificado nos autos. Contudo, só é considerado um procedimento híbrido quando é iniciada meramente como investigatória e posteriormente transformada em punitiva.

Nesse caso, há na doutrina o entendimento de que a sindicância é meio de coleta de provas e que, por economia processual, constatadas irregularidades menos gravosas, pode resultar em aplicação de penalidade na forma do art. 145, II, da Lei 8.112/90.

Art. 145. Da sindicância poderá resultar:

II – aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias

Vejamos as lições de Antonio Carlos Alencar Filho:

Não obstante, admite-se que, por questão de economia processual, seja possível punir desvios de conduta de menor gravidade, sujeitos a penas mais brandas, por meio de um procedimento administrativo mais simplificado (a sindicância) do que o mais complexo processo administrativo disciplinar, reservado à imposição de penalidades mais severas, como a demissão, a cassação de aposentadoria e de disponibilidade, embora admita, em seu bojo, a aplicação de penas mais brandas.

Daí a figura da sindicância punitiva, procedimento que pode ser instaurado de imediato, uma vez configurada a ocorrência de irregularidades cuja autoria e materialidade já se encontram definidas, passíveis de penas mais brandas.

Outra vantagem da sindicância apenadora é de resultar da conversão de um primeiro procedimento inquisitorial, destinado originariamente à mera elucidação de fatos, em princípio sem pretensão punitiva e sem a figura de um acusado, em cujos trabalhos se chegue à pessoa do infrator e ao esclarecimento das circunstâncias do fato constitutivo de transgressão funcional.[1]

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Entretanto, a facilidade da conversão do procedimento investigatório em punitivo é erroneamente aliada à impressão de o processo administrativo disciplinar seria restrito a infrações mais gravosas, motivo pelo qual comumente se instaura sindicância punitiva já de início quando o fato aparenta simplicidade.

Em nossa estrita opinião, o legislador em muito se equivocou ao dispor um procedimento como a sindicância punitiva. Amplamente anotado na doutrina e jurisprudência dominante, a sindicância punitiva tem natureza de PAD, ambos tem o mesmo objetivo de responsabilizar e punir e devem observar garantias constitucionais de contraditório a ampla defesa. Pontua Léo da Silva Alves:

O legislador pátrio adotou confuso modelo, prevendo a possibilidade de, de uma sindicância, brotar punição de advertência ou suspensão até 30 dias, como formatado nos estatutos federal, estaduais e municipais; ou mesmo a pena máxima de rescisão de contrato de trabalho por justa causa, em se tratando de empregados públicos, regidos pelo sistema celetista. Essa sindicância, em que pesa essa nomenclatura, é, na verdade, um expediente de natureza processual e, por consequência, deve seguir a lógica de um processo, nascendo com os seus pressupostos (acusado e acusação definidos) e desenvolvendo-se com as garantias do contraditório e da ampla defesa. A aplicação da pena, por sua vez, obedecerá os mesmos princípios, normas e critérios do processo disciplinar.

Precisamos conviver com uma sindicância atípica, imprópria, que é aquela que pode levar à aplicação de uma penalidade. Apesar de nome – sindicância -, chamamos a atenção para o fato de ela ser, na verdade, um processo.[2]

Desta feita, o que era mero expediente administrativo passa a ter escopo mais complexo e com prazo reduzido de conclusão. Por mais que já seja sabido, pontua-se que mera extrapolação do prazo para conclusão não implica em nulidade, contudo, a preocupação é outra: findo o prazo, nova contagem prescricional tem início.

Com prazo reduzido para concluir a sindicância punitiva, temos que mais rápido se reiniciará a contagem prescricional. Considerando o caso de advertência, penalidade que prescreve em 180 dias, estamos diante de uma inconsistência jurídica.

Por óbvio, na figura de uma comissão temporária, designada tão somente para um único processo, os prazos tem certa razoabilidade. Contudo, em razão de inúmeras ações judicias que anularam procedimentos disciplinares instaurados pela Administração Pública, é cada vez maior a presença de Comissões Permanentes nos mais diversos órgãos a fim de garantir maior especialização de membros e diminuição na taxa de anulações judiciais.

Sobre o tema, destacamos o entendimento de Léo da Silva Alves:

É imprescindível a formação ou a constituição de Comissões Permanentes de Disciplina em todos os órgãos da Administração pública, nas diferentes esferas de governo, com a designação de servidores estáveis da mesma repartição, escolhidos entre aqueles que detenham uma conduta funcional ilibada e preferencialmente os portadores de curso superior na área de Direito.

A esses servidores membros das comissões será assegurado um mandato mínimo de pelo menos um ano, com previsibilidade de recondução, garantindo ainda dedicação exclusiva e gratificação adicional pelo trabalho relevante. Dessa forma preserva-se a imparcialidade, ao mesmo tempo em que se exige constante capacitação dos seus integrantes, com reflexos em um elevado índice de processos juridicamente perfeitos.

De acordo com estatísticas oficiais, 86% (pesquisa CEBRAD – 1997) dos processos administrativos disciplinares instaurados pela Administração Pública federal são anulados pelo Judiciário devido a incorreções na processualística. Decorrem esses fatos da certeza de que as comissões, em sua maioria, são compostas por servidores sem a indispensável qualificação para o desempenho de tão nobre múnus público, notadamente, quando nenhum de seus membros e principalmente o presidente não possuir formação acadêmica na área de Direito.[3]

Desta forma, considerando um cenário de comissões permanentes responsáveis pela instrução de diversos processos simultaneamente, o risco de prescrição de uma advertência sobe exponencialmente. Vejamos o seguinte cenário:

Há, em média, cerca de vinte dias úteis por mês. Considerando as exigências impostas pela Lei 9.784/99, a comissão normalmente gasta dois dias para notificar o acusado da abertura do processo, deve intimá-lo para interrogatório preliminar com três dias de antecedência, dá prazo de cinco dias para apresentação de provas e rol de testemunhas, outros três dias para intimação da audiência das testemunhas indicadas e outros dez dias para apresentação de defesa escrita.

Numa sindicância simples, o somatório dos mencionados prazos resulta em 23 dias de duração, considerando o cenário como ideal no qual não haja problemas para intimar testemunhas ou notificar o acusado. Conforme dito na introdução, caso o acusado tenha férias agendadas de trinta dias no decorrer do processo e fique impossibilitado de ser notificado, o prazo para conclusão da sindicância certamente será ultrapassado e dará início ao prazo prescricional.

Já presenciamos casos de comissões permanentes instruindo, simultaneamente, dezenas de processos. Para controlar os prazos prescricionais, muitas vezes o presidente se vê obrigado a apressar o andamento de processos com prazos menores e, na ansiedade por garantir o jus puniendi, a possibilidade de ocorrer um erro e uma nulidade aumenta significativamente.

Mesmo que haja prorrogação do prazo por igual período de trinta dias, quando há muitos processos com instrução simultânea, sessenta dias ainda podem se mostrar por vezes insuficientes.

Devemos recobrar aqui a dicção do art. 169, §2º da Lei 8.112/90: a autoridade julgadora que der causa à prescrição de que trata o art. 142, §2º, será responsabilizada na forma do Capítulo IV do Título IV. Ou seja, há pressão administrativa e legal para que os prazos sejam obedecidos e a prescrição não tome lugar.


PREJULGAMENTO

Há fatos que aparentam simplicidade, mas após averiguação se revelam mais complexos e graves, tal fato coloca em xeque a economicidade da sindicância punitiva. Frente a um determinado fato já se sabe de antemão que a penalidade será branda? Aqui tem início uma verdadeira aposta administrativa.

Deste panorama decorrem três possibilidades: a) a sindicância punitiva lida de fato com um caso menos grave e o relatório final sugere arquivamento, advertência ou suspensão até trinta dias; b) o caso se demonstra mais grave do que o imaginado inicialmente e o relatório final limita a sugestão de penalidade até trinta dias de suspensão para evitar a abertura de PAD; c) em razão da gravidade mais acentuada, sugere-se a abertura de PAD para aplicação de pena superior a trinta dias de suspensão.

Das três possibilidades, duas não se mostram adequadas à finalidade de um procedimento administrativo disciplinar. A uma porque para atender ao princípio da economicidade a penalidade final sugerida não se mostra proporcional à ilegalidade praticada; a duas porque no caso de tal limitação ser muito discrepante entre conduta e penalidade, a abertura de novo processo de fato põe em xeque a ideia primária de que a sindicância punitiva visa economicidade. Some-se a tudo do aumento exponencial do risco de prescrição, uma vez que não há possibilidade de nova interrupção do prazo prescricional por ocasião da abertura de novo procedimento disciplinar.

No plano do “quem pode mais, pode menos”, a abertura direta de um PAD se mostra muito mais eficaz, econômica e diminui o risco de prescrição. Não há limitação da pena, o PAD pode resultar em arquivamento ou aplicação de qualquer das penalidades previstas em lei.


CONCLUSÃO

Dentre todos os aspectos analisados no decorrer deste artigo, tem-se que o PAD é estigmatizado como procedimento exclusivo para fatos que de pronto se mostrem graves, mas, na verdade, nada impede sua utilização para fatos menos gravosos.

Como resultado da utilização do PAD para ilegalidades simples em tese, temos a interrupção do prazo prescricional por até 140 (cento e quarenta dias) conforme dicção dos arts. 152 e 167 da Lei 8.112/90, tornando longínqua, portanto, a possibilidade de prescrição de uma advertência, por exemplo, quanto mais de uma suspensão ou demissão.

Nada impede, e nos colocamos favoráveis, a aplicação da sindicância punitiva na modalidade híbrida, pois nesse cenário, a investigação prévia já demonstra a simplicidade e menor potencial lesivo da conduta. A conversão em procedimento punitivo, de fato, gera maior economia processual e celeridade à apuração.

Considerando a mencionada “aposta administrativa” nas previsões impostas pela Lei 8.112/90, limitadoras da Sindicância Punitiva, tem-se que tal instituto está em desuso como opção inicial, sobretudo se mantivermos como crescente o número de comissões processantes permanentes, responsáveis por inúmeros processos simultaneamente.

Havendo indícios de autoria e materialidade, portanto, conclui-se pela necessária abertura de Processo Administrativo Disciplinar na garantia de afastamento do risco de prescrição e possibilidade de melhor adequação de penalidades sem as limitações impostas à sindicância punitiva.


Notas

[1] CARVALHO, Antonio Carlos AlencarManual de Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância: à luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. Brasília: Fortium, 2008, p. 382.

[2] ALVES, Léo da Silva. Sindicância investigatória. O confuso modelo das investigações dentro da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1150, 25/08/2006. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/8795>. Acesso em 26/03/2013.

[3] ALVES, Léo da SilvaProcesso Disciplinar passo a passo. Brasília: Brasília Jurídica, 2ª Ed., 2004, p. 46-47.

Sobre a autora
Giselle de Oliveira Coutinho

Servidora do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Giselle Oliveira. Sindicância punitiva e o risco da prescrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24223. Acesso em: 22 nov. 2024.

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