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Precatórios: da redação original do art. 100 da Constituição ao julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4357 e 4425

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Agenda 29/04/2013 às 08:54

Em março de 2013, o STF concluiu o julgamento das ADIs nº 4357 e 4425, que tinham por objeto dispositivos da Emenda Constitucional nº 62/2009 referentes à sistemática de pagamento de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública.

Resumo: Em 14 de março de 2013, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das ADIs nº 4357 e 4425, que tinham por objeto dispositivos do art. 100 da Constituição Federal e o art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, todos referentes à sistemática de pagamento de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública. O presente estudo aborda a evolução da sistemática de precatórios, desde a redação original do art. 100 da CF até a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos incluídos no texto da Constituição pela Emenda Constitucional nº 62/2009. Não visa defender esse ou aquele modelo, mas tão somente apresentar subsídios para uma reflexão e propor o debate acerca do aperfeiçoamento desse instituto jurídico.

Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 62/2009; precatório; STF; inconstitucionalidade.


Fazenda Pública é conceito que compreende os entes de direito público interno, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como as entidades de direito público por eles criadas, quais sejam, as autarquias e fundações públicas.

Em razão do interesse público entregue aos seus cuidados, isto é, o interesse “do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido” (BANDEIRA DE MELLO: 2010, p. 72), o ordenamento jurídico conferiu à Administração Pública uma série de prerrogativas, que visam, em último plano, propiciar a satisfação do bem-estar da coletividade. Dentre essas prerrogativas, encontra-se a regra da impenhorabilidade dos bens públicos.

Assim, diante da impossibilidade de contrição judicial dos bens públicos, o Código de Processo Civil cuidou de estabelecer um procedimento próprio para a execução contra a Fazenda Pública, a partir do seu artigo 730, assim redigido:

Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

I- o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do Tribunal competente;

II- far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito”.

Humberto Theodoro Júnior (2005, p. 255) explica que o Código de Processo Civil disciplinou “um procedimento especial para as execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública, o qual não tem natureza própria de execução forçada, visto que se faz sem penhora e arrematação, vale dizer, sem expropriação ou transferência forçada de bens.”

Portanto, o pagamento das dívidas da Fazenda Pública oriundas de condenação judicial é realizado por um instrumento denominado precatório, que deve respeitar uma ordem cronológica de inscrição e respectiva quitação. Conforme lembrado por Leonardo José Carneiro da Cunha (2006, p. 231), citando ARAÚJO, os precatórios surgiram no ordenamento jurídico pátrio pela primeira vez na Constituição de 1934, “sendo certo que, antes de sua instituição, 'a obtenção de pagamento de crédito em face da Fazenda Pública ficava subordinada ao bel-prazer do Administrador e a muito esforço e conhecimento político do interessado'.”

Seguindo uma lógica inversa, foi a Constituição Federal de 1988, e não a legislação ordinária, que tratou de forma mais detalhada da sistemática de precatórios, estabelecendo atualmente uma autêntica regulamentação em seu art. 100, que possuía uma redação original relativamente simples, nos seguintes termos:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.

§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

Há que se ressaltar que, não obstante a relativa deficiência de técnica legislativa empregada na redação original do caput do art. 100, também os créditos de natureza alimentícia são satisfeitos através de precatórios. Nos dizeres de CUNHA (2006, p. 233), “as execuções judiciais de créditos pecuniários proposta em face da Fazenda Pública – independentemente da natureza do crédito ou de quem figure como exequente – devem submeter-se ao procedimento próprio do precatório”. Nesse sentido é a redação da Súmula nº 655 do STF, que estabelece que “a exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza.” A ressalva que consta no início do dispositivo em comento consubstancia-se, na prática, na existência de duas listas de precatórios: os de natureza alimentícia e os não alimentícios. Não há, portanto, possibilidade jurídica de pagamento de crédito de natureza alimentícia por outra via que não os precatórios ou a requisição de pequeno valor, que será tratada adiante.

Nesse momento, importa destacar também que segundo o estatuído na redação original do §1º do art. 100 da CF, não era realizada a atualização monetária da dívida durante o período de trâmite do precatório, ou seja, da data da requisição até a data do pagamento, fixada para até o final do exercício financeiro seguinte, se inscrito até 1º de julho. Conforme corroborado por WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI (2005, p. 353), a “previsão de pagamento atualizado foi acrescida pela Emenda Constitucional n. 30/2000. Antes, apenas os precatórios alimentares eram assim atualizados, por força de construção jurisprudencial.” 

Outro ponto importante é a exceção à regra da impossibilidade de contrição de bens e recursos públicos, estabelecida na parte final do §2º do art. 100 da CF desde sua primeira redação. Ressalte-se que nessa disposição originária, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito só tinha cabimento nos casos de burla à ordem cronológica de pagamentos, não havendo que se falar na medida em caso de simples mora do ente público devedor.

A redação original do art. 100, e por conseguinte a sistemática de precatórios, sofreu sucessivas alterações. A primeira delas ocorreu por meio da Emenda Constitucional nº 20/98, que incluiu um art. 3º, com a seguinte redação:

§ 3° O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Introduziu-se, portanto, uma sistemática paralela à de precatórios, por meio da qual as dívidas consideradas de “pequeno valor” (60 salários mínimos na esfera federal, 40 salários mínimos no âmbito estadual e 30 salários para os municípios) são pagas mediante “requisição de pequeno valor”, que em muito se assemelha às requisições de precatórios, no que tange à exigência de coisa julgada e observância do art. 730 do CPC, distinguindo-se quanto ao prazo de pagamento, que nos termos do art. 17 da Lei nº 10.259/2001, é de 60 dias para as dívidas da Fazenda Pública federal.

A segunda alteração da sistemática de precatórios se deu através da Emenda Constitucional nº 30/2000, que inseriu o §1º-A e deu nova redação aos §§ 1º a 3º. Eis os dispositivos:

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

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A alteração da redação do §1º ocorreu para fazer constar a expressão “débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado”, de forma a espancar qualquer discussão acerca da necessidade da constituição definitiva do crédito como requisito ao pagamento da dívida. Mas a alteração mais significativa deste dispositivo refere à atualização monetária, que passou a ser garantida em todo o período do trâmite do precatório, isto é, até a data do efetivo pagamento.

O novel §1º-A cuidou de estabelecer um rol de obrigações que devem ser consideradas de natureza alimentícia, para fins de inscrição em lista própria de precatórios. Para autorizada doutrina, trata-se de rol taxativo, por se tratar de norma excepcional descrita no próprio texto da constituição e que, portanto, só admite interpretação restritiva. (CUNHA: 2006, p. 234).

O §2º passou a conter o termo “diretamente”, em reforço ao procedimento de consignar os créditos abertos em favor do Poder Judiciário. Por fim, o §3º não sofreu modificação significativa em seu texto.

A terceira alteração do art. 100 da CF se deu com a Emenda Constitucional nº 37/2002, com a inclusão de três novos parágrafos, assim redigidos:

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo,retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.  (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

No §4º encontra-se a vedação ao fracionamento da execução, de modo a impedir que o exequente postule o recebimento de  parte do valor em RPV, no limite da dívida considerada de pequeno valor, e o restante por meio de precatório. A respeito deste tema, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria[1], de forma que atualmente há processo afetado para julgamento, em que se definirá a possibilidade jurídica de desmembrar os honorários advocatícios de sucumbência..

O § 5º é uma homenagem ao princípio da isonomia, na sua acepção material de igualar os iguais e desigualar os desiguais, na medida em que prevê a possibilidade de estabelecimento de critérios diferenciados para a definição do limite da dívida considerada de “pequeno valor”, em razão da capacidade econômica do ente federado. Pela lógica da repartição das receitas tributárias, à União caberia um valor maior, seguida dos Estados e Distrito Federal e, por último, os municípios. O art. 87 do ADCT cuidou de estabelecer um teto provisório para cada ente federado, sendo de 40 (quarenta) salários mínimos para os Estados e o Distrito Federal, e 30 (trinta) salários mínimos para os Municípios.

Por último, o §6º cuidou da responsabilidade do Presidente do Tribunal que porventura crie embaraços ao regular pagamento dos precatórios e RPV.

Mas foi a Emenda Constitucional nº 62/2009 que promoveu as mudanças mais significativas, e também mais polêmicas, na sistemática de precatórios. Por meio dela foram incluídos 10 parágrafos no art. 100 da CF e foram alteradas as redações dos outros seis parágrafos, assim como a do caput :

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).   (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 7º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatórios incorrerá em crime de responsabilidade e responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para compra de imóveis públicos do respectivo ente federado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 14. A cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 15. Sem prejuízo do disposto neste artigo, lei complementar a esta Constituição Federal poderá estabelecer regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, dispondo sobre vinculações à receita corrente líquida e forma e prazo de liquidação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 16. A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

Cuidemos das inovações mais relevantes. De início, tem-se a disposição veiculada no novo §2º, que estabeleceu uma possibilidade de fracionamento e uma posição preferencial na fila de inscritos, para os idosos com 60 (sessenta) anos ou mais na data da expedição de precatórios e para os portadores de enfermidade grave, até o limite de três vezes o montante definido como dívida de pequeno valor, que no âmbito federal equivaleria à 180 (cento e oitenta) salários mínimos, devendo o restante da dívidas ser pago segundo o cronograma ordinário.

No §4º estabeleceu-se um piso para fins de definição de “dívida de pequeno valor” pelos entes federados, que não pode ser inferior ao valor pago ao maior benefício do regime geral de previdência social.

O §6º criou mais uma hipótese de sequestro de valores, de forma que a medida constritiva tem cabimento agora não só no caso de burla à ordem cronológica que estabelece a precedência do pagamento, mas também para a situação em que o ente público não realiza a dotação do crédito orçamentário em valor suficiente ao pagamento do débito, lembrando que segundo o atual §5º do art. 100 da CF, é obrigatória a inclusão nos orçamentos das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, que constem em precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.

No §7º foi acrescida uma instância apuratória, o Conselho Nacional de Justiça, para o caso de eventual ato ilícito praticado pelo Presidente do Tribunal ao criar óbices ao regular pagamento do precatório.

Os §§ 9º e 10 trataram de uma fórmula de compensação da dívida decorrente da condenação com eventuais créditos que a Fazenda Pública disponha em face do exequente, inclusive quanto aos referentes às prestações vincendas de parcelamento de dívidas, excetuando-se apenas as dívidas cuja exigibilidade esteja suspensa em razão de impugnação administrativa ou judicial. Tal ocorre porque no caso do parcelamento há um reconhecimento da dívida pelo devedor, enquanto que a impugnação administrativa ou judicial visa questionar a própria existência do débito.

No § 11 estatuiu-se a possibilidade de utilização do crédito do precatório para aquisição de imóveis públicos, na forma da Lei.

É no § 12 que se encontra uma das disposições que gerou maiores controvérsias no âmbito judicial, dentre as inseridas pela novel Emenda Constitucional. Trata-se da fixação dos índices de atualização monetária do valor da dívida a incidir no período de trâmite do precatório, ou seja, da requisição até o efetivo pagamento, que deve ocorrer no final do exercício financeiro seguinte à inscrição, quando esta é efetuada até o dia 1º de julho. O constituinte reformador estabeleceu que devem ser utilizados os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança para correção monetária, que é a Taxa Referencial – TR.

No que toca aos juros, restou estabelecida a não incidência de juros compensatórios, ou seja, os que se prestam a remunerar o capital. Para os juros moratórios, que são aqueles que possuem caráter de sanção pelo descumprimento do prazo de pagamento da dívida, devem ser aplicada a mesma taxa também aplicada à caderneta de poupança, que atinge no máximo 0,5% ao mês, nos termos do inciso art. 12 da Lei nº 8.177/91[2], com a redação dada pela Medida Provisória nº 567/2012, convertida na Lei nº 12.703/2012.

Quanto à mora, é entendimento do STF[3] que não se caracteriza tal situação no período regular do trâmite do precatório – da sua inscrição até o efetivo pagamento –, pois durante esse período não há que se falar em descumprimento do prazo pela Fazenda Pública. Assim, se o precatório for inscrito até o dia 1º de julho de determinado ano, e for pago até 31 de dezembro do ano seguinte, não haverá que se falar em mora do ente público devedor, razão pela qual não incidirão juros moratórios.

A inovação dos §§ 13 e 14 consiste na possibilidade de cessão dos créditos em precatórios a terceiros, independente da concordância da Fazenda Pública devedora. Contudo, há que se ter em conta que tal negócio jurídico não obsta a realização de compensação de créditos que o ente público porventura disponha em face do credor original (DIDIER JR., CUNHA, BRAGA e OLIVEIRA: 2011, p. 741).

Em pequena inversão da sequência numérica, registra-se que o §16 conferiu ao legislador infraconstitucional a possibilidade de criar fórmulas de refinanciamento de dívidas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios pela União.

Por derradeiro, o § 15, cujas disposições provavelmente geraram as maiores discussões jurídicas, trata de um regime especial para pagamento de crédito de precatórios de Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser instituído por Lei Complementar.

Ocorre que o próprio constituinte reformador tratou de regulamentar tal regime especial de precatórios enquanto não sobrevir dita Lei Complementar, o que fez por meio do Art. 97 do ADCT[4], o que, contudo, criou grande polêmica e foi alvo de severas críticas doutrinárias.

A idéia era criar um mecanismo que permitisse aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios saldar as dívidas antigas, muitas delas vencidas há vários anos. Em apertado resumo, estabeleceu-se que:

1) os entes federados a que se aplicam o regime especial devem opotar, por ato do respecitvo Poder Executivo, por uma das seguintes medidas: a) efetuar depósitos mensais numa conta especial aberta para tal fim, em valores que variam de 1% a 2% de sua receita corrente líquida (§1º, inc. I e § 2º); b) depositar anualmente em conta especial o valor obtido pela divisão do saldo devedor de todos os precatórios em estoque, atualizado pelos índices de remuneração básica da caderneta de poupança e juros simples a ela aplicados e deduzidas as parcelas de amortizações anuais, pelo número de anos restantes do regime especial, que inicia com prazo de 15 anos (§1º, inc. II);

2) em contrapartida, caso os entes federados submetidos ao regime especial não disponibilizem os recursos na forma mencionada no parágrafo anterior, o Presidente do Tribunal determinará o sequestro dos valores nas contas dos devedores. Também será apurada a responsabilidade do Chefe do Poder Executivo inadimplente, na forma prevista na lei de responsabilidade fiscal e na lei de improbidade administrativa. O ente devedor ficará, ainda, impedido de contrair empréstimo externo ou interno e de receber transferências voluntárias. Por fim, a União deverá reter os repasses  relativos ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios, depositando os valores nas contas especiais de que trata o regime (§10);

3) dos valores depositados na multicitada conta especial do regime, ao menos 50% deverá ser utilizado para pagamento dos precatórios em ordem cronológica de apresentação (§6º). O restante dos recursos, serão utilizados nas seguintes formas, que podem ser aplicadas isolada ou simultaneamente (§8º): a) leilão de precatórios, em que o credor renuncia a parcela do valor da dívida; b) pagamento à vista de precatórios em ordem única de valores crescentes, ou seja, desconsidera-se a ordem cronológica para estabelecer uma ordem de valores, do menor para o maior; c) celebração de acordo com os credores, na forma a ser estabelecida por lei própria do ente devedor.

Conforme mencionado acima, as críticas doutrinárias dirigidas ao regime especial de precatórios criado pela Emenda Constitucional nº 62/2009 e previsto no art. 97 do ADCT foram vorazes. A título de exemplo, DIDIER JR., CUNHA, BRAGA e OLIVEIRA (2011, p. 745) apontam a inconstitucionalidade da novel sistemática de pagamento de dívidas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, em razão da eliminação do dever de alocação de verbas orçamentarárias em quantia suficiente ao pagamento integral da dívida, o que estimularia o descumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado. Asseveram que o constituinte reformador tornou irrelevante o montante das condenaçõe judiciais, pois os depósitos nas contas especiais do regime são calculados em percentual da receita corrente do ente federado, independente de qual seja o valor total das condenações ao pagamento de quantia. Vislumbram que ocorreria um aumento do passivo devedor dos entes, pois o regime especial contempla tando as dívidas vencidas quanto as vincendas. Concluem afirmando que "o Estado-administrador passou a desconsiderar o Estado-juiz, elimando-se a submissão daquele a esse último."

Por sua vez, em sede jurisprudencial, o ataque mais potente veio do STF, e foi fulminante. Em 14 de março de 2013 a Corte Suprema concluiu o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4357 e 4425, em que se decidiu, por maioria, pela procedência parcial das ADIs, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 97 do ADCT em sua integralidade, e a inconstitucionalidade em parte dos §§ 2º, 9º, 10 e 12, todos do art. 100 da Constituição Federal. Ao final, prevaleceu o entendimento esposado pelo relator Ministro Carlos Ayres Britto, hoje aposentado. Vejamos cada um dos dispositivos declarados inconstitucionais. [5]

Sobre o disposto no §2º, entendeu-se que a expressão “na data de expedição do precatório”, referente ao momento em que se estabelece o critério da preferência para aqueles credores que tenham completado 60 anos de idade, ofenderia o fundamento da dignidade da pessoa humana e os postulados da isonomia e da proteção ao idoso, eis que prejudicaria aqueles que completassem 60 anos de idade após a expedição do precatório.

A fórmula de compensação de dívidas prevista nos §§ 9º e 10 também foi declarada inconstitucional, sob o argumento de que tal medida consistiria em privilégio conferido ao Estado e não assegurado aos particulares.

Por fim, foi considerado inconstitucional o estabelecimento do mesmo índice de correção monetária aplicável às cadernetas de poupança como fator de correção da dívida, por entender que ele é insuficiente à reposição das perdas inflacionárias.

Quanto ao art. 97 do ADCT, conforme mencionado acima, tal dispositivo estabeleceu um regime especial de pagamento de precatórios para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Dentre os que votaram pela inconstitucionalidade do art. 97 do ADCT, destaca-se o Ministro Luiz Fux, para quem “a forma de pagamento prevista no parágrafo 15 do artigo 100 da Constituição Federal e detalhada pelo artigo 97 do ADCT é inconstitucional. Ele considerou, entre os motivos, o desrespeito à duração razoável do processo, uma vez que o credor quer um resultado palpável para a realização do seu direito de receber a quitação da dívida.” O magistrado asseverou ainda que “[É] preciso que a criatividade dos nossos legisladores seja colocada em prática conforme a Constituição, de modo a erigir um regime regulatório de precatórios que resolva essa crônica problemática institucional brasileira sem, contudo, despejar nos ombros do cidadão o ônus de um descaso que nunca foi seu.” [6]

Interessante as colocações dos Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, no sentido de que o regime especial previsto no art. 97 do ADCT deveria ter vigência determinada, pelo prazo de 15 anos, sob pena de perpetuação da inadimplência.[7]

A questão é que os defensores da Emenda Constitucional nº 62/2009 vêm nela uma tentativa de sanar o quadro de colapso por que passam algumas Administrações Públicas municipais, estaduais e distrital. Aponta-se que o modelo anterior não continha norma que constrangesse o devedor a saldar suas dívidas. Foi nesse contexto que o Ministro Dias Toffoli esposou seu entendimento de que “[O] que a emenda tentou fazer foi dar racionalidade ao sistema, instituindo também uma série de responsabilizações ao Estado”.[8]

Outros Ministros também reconheceram a insuficiência do antigo modelo, mas mesmo assim votaram pela inconstitucionalidade da EC nº 62/2009. Esse foi o caso da Ministra Rosa Weber, que registrou que “[Não] se trata de escolher entre um  e outro regime perverso”, observou ela. “Ambos são perversos. Teremos que achar outras soluções”.[9]

O ministro Teori Zavascki, que julgou improcedentes as ADIs, manifestou que não vislumbrou afronta a cláusula pétrea, não obstante a Emenda Constitucional em debate não ter trazido significativos avanços em matéria de pagamento da dívida dos entes federados.[10]

Feito esse relato, depreende-se que a sistemática de pagamento de precatórios evoluiu ao longo da atual quadra constitucional, como se verifica na inclusão da atualização monetária durante o período de seu trâmite, na criação da fórmula de pagamento através de requisições de pequeno valor, na separação dos créditos de natureza alimentícia e na atribuição de responsabilidade ao Chefe do Poder Executivo que não cumprir a determinação de liberação de valores nos limites determinados pelo texto da Emenda Constitucional nº 62. Não obstante, o STF, no desempenho de sua função de guardião da Constituição Federal, repudiou parte das últimas alterações do texto constitucional que rege a matéria.

Em verdade, a atual situação de endividamento dos entes federados é resultado de um longo processo histórico, em que se verifica uma total ausência de planejamento orçamentário e financeiro de muitas Administrações locais. Foi com a Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano de 2000, que se implementou regras mais rígidas que visam uma gestão pública responsável. Mais a inovação na área do direito financeiro não foi capaz de dar uma solução ao estoque da dívida dos entes federados.

O momento para ser oportuno para uma reflexão, que pode ter como ponto de partida a expressão utilizada pelo ministro Teori Zavascki no julgamento das ADIs, no sentido de que “não podemos avaliar a Emenda 62 à luz de um sistema ideal, mas à luz do que havia antes”.[11]

O grande desafio do legislador é encontrar uma fórmula que conjugue, de um lado, o respeito ao direito dos cidadãos de terem seus créditos satisfeitos em tempo razoável, e de outro, permita ao ente político organizar suas finanças sem comprometer os recursos necessários ao desempenho das atividades que visam atender a toda a população.

Sobre o autor
Rodrigo Matos Roriz

Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis. Especialista em Direito Público e em Direito Processual Civil. MBA em Gestão Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RORIZ, Rodrigo Matos. Precatórios: da redação original do art. 100 da Constituição ao julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4357 e 4425. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3589, 29 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24272. Acesso em: 23 dez. 2024.

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