CONCLUSÃO.
Procurou-se demonstrar, no decorrer do resumido estudo que ora se apresenta, que a aferição do status de consumidor de uma determinada pessoa em uma certa situação jurídica específica depende, essencialmente, de sua qualidade de destinatário final do produto ou serviço que é colocado no mercado pelo respectivo fornecedor – e não da verificação concreta da existência de vulnerabilidade ou de hipossuficiência de uma parte em relação à outra, conforme tem sido, por vezes, sugerido em excertos doutrinários e jurisprudenciais.
A vulnerabilidade aparece, sim, no artigo 4º, I, Código de Defesa do Consumidor, como condição absolutamente presumível de todos os consumidores, princípio basilar do microssistema, que viabiliza, inclusive, as prerrogativas diferenciadas ali estabelecidas, sem que se tenha uma agressão à garantia constitucional fundamental de respeito à igualdade.
A hipossuficiência, por sua vez, é apontada pelo artigo 6º, VIII, da 8.078/90, como critério de inversão do ônus da prova, a ser verificado pelo juiz, caso a caso, segundo as regras gerais de bom senso.
Não se tem notícia de que vulnerabilidade e hipossuficiência, portanto, sejam apontadas, em qualquer momento, pelo ordenamento jurídico em vigor, como critérios de reconhecimento de um consumidor enquanto tal.
De qualquer forma, não se pode dizer, salvo melhor juízo, que as pessoas envolvidas em uma determinada situação jurídica de aquisição de um produto ou serviço que não possa ser classificada como uma relação consumerista estejam desprovidas de tutela jurídica, uma vez que toda uma seara do ordenamento jurídico em vigor é destinada, precipuamente, a regulamentar as relações jurídicas civis, em sentido estrito.
REFERÊNCIAS.
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003.
ANTUNES, Thiago Caversan e BELLINETTI, Luiz Fernando. O Controle de Constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal nos Limites da Democracia. In: Anais do XVIII Encontro Nacional do CONPEDI: Maringá. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 6645-6663.
BAGGIO, Lucas Pereira. Medidas Urgentes no Processo Arbitral Interno. Monografia (Especialização) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2006. Disponível em: < http://tex.pro.br/tex/images/stories/PDF_artigos/060409medidas.pdf>. Acesso em 18 jan. 2011.
DUARTE, Nestor. Parte Geral. In: PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 2 ed. Barueri: Manole, 2008, p. 13 a 176.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pelegrini (et. al.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 21 a 51.
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis Civis Comentadas. São Paulo: RT, 2006.
OLIVEIRA, Júlio Moraes. 20 Anos do Código de Defesa do Consumidor: a evolução do conceito de consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2709, 1 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17948>. Acesso em: 17 jan. 2011.
POHLMANN, Eduardo Augusto. Uma Análise dos Reflexos da Vulnerabilidade sobre a Responsabilidade do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1794, 30 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11321>. Acesso em: 16 jan. 2011.
ROSENVALD, Nelson. Contratos: geral. In: PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 2 ed. Barueri: Manole, 2008, p. 408 a 471.
SILVA, Rodrigo Brum. Breves Considerações sobre o Princípio da Vulnerabilidade no CDC. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2150, 21 maio 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12797>. Acesso em: 17 jan. 2011.
SIMÕES, Alexandre Gazetta. A Conceituação Generalista do Consumidor a partir do Paradigma Social da Constituição Econômica. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2750, 11 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18246>. Acesso em: 16 jan. 2011.
Notas
[1] Trata-se no artigo que ora se apresenta apenas do consumidor propriamente dito, e não da figura do consumidor por equiparação a que se refere o artigo 2º, parágrafo único, da Lei 8.078/90, que, apesar de tema para interessante pesquisa, constitui matéria completamente alheia ao objeto deste estudo.
[2] É de se destacar que o termo “necessidade”, aqui, é empregado no sentido mais lato que se puder imaginar; isto é, o fato de uma determinada negociação ter por objeto um produto de alguma forma voluptuária, por si só, não descaracteriza a sua natureza consumerista.
[3] Merece atenção o fato de que só existirá relação jurídica de consumo quando estiverem presentes três elementos: a) um consumidor; b) um fornecedor; c) um produto ou serviço. A ausência de qualquer desses elementos obsta a configuração de uma determinada relação jurídica como consumerista. Se um destinatário final adquire um determinado serviço ou produto de quem não é, propriamente, “fornecedor”, segundo a definição legal, haverá aí uma relação jurídica civil, em sentido estrito, e não consumerista. A análise mais aprofundada deste ponto, todavia, conquanto tenha destacada importância, fica excluída dos estreitos limites do estudo que ora se apresenta.
[4] É de se mencionar, por honestidade, que Almeida discorda fundamentalmente desta leitura da definição legal de consumidor. Segundo o autor, “pela definição legal de consumidor, basta que ele seja o ‘destinatário final’ dos produtos ou serviços (CDC, art. 2º), incluindo aí não apenas aquilo que é adquirido ou utilizado para uso pessoal, familiar ou doméstico como aquilo que é adquirido para o desempenho de atividade ou profissão, bastando, para tanto, que não haja a finalidade de revenda” (ALMEIDA, 2003, p. 39).
[5] Segundo a observação de Filomeno, prevaleceu na elaboração do Código de Defesa do Consumidor “[...] a inclusão das pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de produtos e serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa” (2001, p. 29). O autor, porém, faz questão de ressaltar que não entende que a lei tenha feito valer a melhor definição, e destaca que discorda “[...] da definição de ‘consumidor’ concebida por Othon Sidou, quando também considera as pessoas jurídicas como tal para fins de proteção efetiva [...], ao menos no que tange à sua literal ‘proteção’ ou ‘defesa’ jurídica. E isto pela simples constatação de que dispõem as pessoas jurídicas de força suficiente para sua defesa, enquanto o consumidor, ou, ainda, a coletividade de consumidores ficam inteiramente desprotegidos e imobilizados pelos altos custos e morosidade crônica da justiça comum” (FILOMENO, 2001, p. 28).
[6] Registre-se, contudo, que o próprio Filomeno, a certa altura, afirma expressamente que, segundo seu entendimento, a vulnerabilidade econômica deve ser levada em conta para a distinção entre fornecedor e consumidor, nas situações jurídicas concretas (2001, p. 32), o que, todavia, não parece encontrar amparo no ordenamento jurídico em vigor, conforme se procurará esmiuçar adiante.
[7] Há, todavia, um grande número de concepções distintas sobre o significado da expressão “destinatário final”, que dão margem a um número correspondente de teorias sobre o alcance de tal termo. Basta que se explicite, por ocasião deste modesto estudo, porém, que se considera mais adequado o ramo das teorias finalistas em oposição às teorias maximalistas, uma vez que se considera que “consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, safisfazendo uma necessidade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-lo à cadeia produtiva” (FILOMENO, 2001, p. 30). A respeito da classificação das diversas correntes teóricas e de suas respectivas diferenças mais marcantes, elucidativas as observações objetivas de Oliveira (2010).
[8] Cf. Superior Tribunal de Justiça – REsp 716877/SP – 3ª Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – DJU 23/04/2007 – p. 257.
[9] Cf. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – Emb. Decl. em Agrav. Instr. nº 640444- 6/01 – Rel. Mário Helton Jorge – J. 16/12/2009.
[10] No desenvolvimento deste estudo, assumiu-se o risco da repetição talvez cansativa do mesmo tema nas ementas de acórdãos transcritas, com o intuito de permitir uma análise comparativa mais aprofundada entre os paradigmas.
[11] Cf. Superior Tribunal de Justiça – REsp 1080719/MG – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJe 17/08/2009.
[12] Isto porque, conforme se verá adiante, “[...] embora todo consumidor seja sempre vulnerável, por expressa disposição legal [...] nem sempre ele é hipossuficiente” (SILVA, 2009).
[13] Segundo a observação acurada de Silva, o artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor, “[...] estabelece uma presunção jurídica iure et de iure de que o consumidor é sempre o elo vulnerável na relação de consumo, e isso, é de se frisar, sem a existência de quaisquer ressalvas, de ordem jurídica ou mesmo fática, mas pela simples razão de ser o destinatário final do produto ou do serviço cuja elaboração em nada contribuiu. Nesse sentido, para se caracterizar a vulnerabilidade pouco importa a situação econômica ou a classe social do consumidor, bem como seu grau de instrução, [...] pois a vulnerabilidade é qualidade indissociável do destinatário final do produto ou do serviço, ou seja, é adjetivo que se encontra sempre ligado ao consumidor, sem que qualquer ressalva tenha sido expressamente efetivada pelo legislador nacional” (2009).
[14] Almeida afirma que “a primeira justificativa para o surgimento da tutela do consumidor está assentada no reconhecimento de sua vulnerabilidade nas relações de consumo. Trata-se da espinha dorsal do movimento, sua inspiração central, base de toda a sua concepção [...]” (2003, p. 18).
[15] Exemplo de prerrogativa diferenciada que é garantia aos consumidores é o direito básico de que sejam alteradas cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais – independentemente de circunstâncias posteriores à própria contratação, conforme previsão expressa do artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que não encontra equivalente exato na legislação aplicável às relações jurídicas estritamente civis.
[16] Segundo a leitura de Almeida, de acordo com a definição legal, o consumidor há de ser, apenas, “pessoa física ou jurídica, não importando os aspectos de renda e capacidade financeira” (2003, p. 37).
[17] Os limites da interpretação no âmbito da democracia constituem tema extremamente interessante, mas alheio ao objeto do resumido estudo que ora se apresenta. Uma análise mais aprofundada da matéria já foi realizada por Antunes e Bellinetti (2009).
[18] Cf. Superior Tribunal de Justiça – REsp 1080719/MG – 3ª Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJe 17/08/2009.
[19] Sobre a distinção entre tutela jurídica e tutela jurisdicional, cf. Baggio (2006, p. 11 e 12).
[20] Nas palavras de Rosenvald, “[...] a função social se converte em limite positivo e interno à estrutura contratual [...]” (2008, p. 409).
[21] Duarte, ao comentar o artigo 187, do Código Civil, observa que, “em diversas outras passagens, o Código Civil coíbe o abuso de direito, a saber, nos arts. 421 e 422, 1.228, §§ 1º e 2º, e 1.648, bem como a legislação extravagante, a exemplo da hipótese de limitação ao direito de o inquilino purgar a mora nas ações de despejo por falta de pagamento (art. 62, parágrafo único, da Lei n. 8.245/91). No campo do direito constitucional, várias são as condenações da conduta abusiva (arts. 14, §§ 9º e 10, 173, § 4º, da CF). No âmbito do direito processual, o litigante que abusar das faculdades que lhe são concedidas responde por isso (arts. 14, parágrafo único, 17, 18 e 538, parágrafo único, do CPC)” (2008, p. 139).
[22] Repise-se, além do mais, a advertência já constante de nota de rodapé do primeiro capítulo de que, independentemente da qualidade de destinatário final de um adquirente de produto ou serviço, ou de seu grau de hipossuficiência ou vulnerabilidade, não se configurará, absolutamente, uma relação jurídica consumerista se o vendedor ou prestador de serviços não se enquadrar na categoria de “fornecedor”, segundo os termos do artigo 3º, do Código de Defesa do Consumidor, situação que restará regida, também, pela legislação civil em sentido estrito, e não pelo microssistema consumerista. Almeida observa que “consumidor seria aquele que adquire ou utiliza bens ou serviços ofertados por fornecedor tal como definido em lei, ou seja, não está dito claramente que consumidor é só aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço de quem os oferece no exercício de sua atividade comercial ou profissional. Trata-se, no entanto, de uma decorrência necessária, pois se a relação de consumo pressupõe duas pontas, numa delas estando o consumidor, é curial que na outra esteja o fornecedor” (2003, p. 39). Vale ressaltar, aliás, que, segundo a observação de Nery Junior e Nery, a caracterização de determinada pessoa como fornecedor depende da aferição de habitualidade da atividade (2006, p. 183), mas maiores lucubrações a respeito da caracterização da figura do fornecedor constituem matéria alheia ao objeto deste estudo.
Resumé: Il traite de la définition du consommateur, sous des paramètres légaux établis dans le Code de Défense du Consommateur du Brésil, concernant extraits doctrinaux et jurisprudenciels contemporains. Il part de la caractérisation de la figure du consommateur tant que le dernier destinataire d'un certain produit ou service placé dans le marché par un determiné fournisseur. Il cherche à démontrer que la vulnérabilité et la fragilité ne sont pas des critères légaux d'étalonnage de la qualité de consommateur, mais qui accomplissent des autres importantes fonctions légales. Il rapporte qu'il y a une distinction accomplit entre vulnérabilité et fragilité. Il traite de la vulnérabilité comme vanité légale absolue, dans le contexte du Code de Défense du Consommateur, indépendamment de circonstances phatiques. Il soigne de la fragilité comme critère d'inversion de la responsabilité de la preuve, à être enquêté pour chaque cas concret, par le juge. Il rapporte, par dernier, succinctement, l'existence de mécanismes de tutelle juridique aux situations sujets à la législation strictement civile.
Mots Clé: Droit de la Consommation – Consommateur – Fournisseur – Produit