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Notas gerais e críticas sobre o regime dos bens públicos

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Agenda 08/05/2013 às 08:17

5 Afetação e desafetação

Afetação, no caso dos bens públicos, é a sua destinação a uma determinada finalidade pública. DIÓGENES GASPARINI (2008, p. 871) afirma que afetação ou consagração é “atribuir ao bem uma destinação; é consagrá-lo ao uso comum do povo ou ao uso especial”.

Segundo ODETE MEDAUAR (2008, p. 241), ela pode ser explícita, mediante lei, ato administrativo ou registro de projeto de loteamento e pode ser implícita, quando o Poder Público passa a utilizar o bem para alguma finalidade pública.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2011, p.922) além da afetação decorrente de uma lei ou ato do Executivo, também refere à afetação proveniente do destino natural do bem, “como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas, praças”.

A desafetação, por sua vez, é o inverso da afetação, isto é, passar um bem de uso comum do povo para bem de uso especial ou bem dominical, ou passar um bem de uso especial para bem dominical.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2011, p. 922), relativamente aos bens de uso comum, indica a necessidade de lei para desafetá-los. Já os de uso especial poderiam, segundo ele, passar para dominicais mediante lei ou ato administrativo.

DIÓGENES GASPARINI também menciona a desafetação por fato jurídico, quando, por exemplo, um terremoto destrói um edifício em que funcionava uma creche pública (2008, p. 871). Para este administrativista, a alienação de um bem, autorizada por lei que não faz menção à desafetação, tornar-se-ia inválida. (2008, p.873)

Não parece ser acertada essa posição, já que a vontade do legislador de alienar o bem deve prevalecer quando colidente com a afetação do bem. Além disso, a exigência de desafetação dos bens públicos consta de lei, de modo que lei ulterior que autorize a venda, sendo eventualmente incompatível com a consagração do bem, estará, implicitamente, revogando a anterior, segundo art. 2º, §1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[2] (BRASIL, 1942).

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (2008, p. 1059) posiciona-se no sentido de que a afetação e a desafetação seriam fatos administrativos, “independentemente da forma com que se apresentem.” Para ele, seria irrelevante a forma pela qual se processa a alteração da finalidade do bem.

Se o conceito de afetar é destinar e o de desafetar é desconsagrar, de fato, é irrelevante o instrumento ou a forma para efetivar a alteração da destinação do bem.

Embora possa ser irrelevante a forma do ato pela qual ocorre a mudança de destinação para que se diga que houve afetação ou desafetação, o mesmo não se pode dizer quanto às exigências para tanto. A título de ilustração, não seria admissível, em princípio, fechar a Avenida Paulista na cidade de São Paulo para transformá-la em uma praça mediante mero ato administrativo.

A repercussão que esse fato teria na vida dos munícipes, por si só, evidencia a necessidade de lei para tanto, já que, por meio dela, da lei, o povo fala. Por isso, nesse aspecto, a razão está com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2011, p.922).

Mesmo no caso de bens de uso especial, se a afetação se der por lei, ao que tudo indica, em princípio, será necessária outra lei para desafetá-los ou alterar sua destinação. Caso contrário, haveria descumprimento da lei. Mesmo no caso do terremoto citado acima por DIÓGENES GASPARINI, como fato ensejador de desafetação, isso não significa que o ente público estaria autorizado a reconstruir o prédio para lhe dar finalidade distinta da anterior, se esta estiver determinada por lei.

É importante apontar que afetação não é forma de aquisição de propriedade. Se um ente público ingressa em um imóvel particular desocupado e nele erige um hospital público, não se nega que houve afetação.

Mas o imóvel continuará a ser privado até que se regularize a situação, mediante desapropriação, usucapião ou outra forma de aquisição.

Caso contrário, estar-se-ia admitindo uma ofensa ao direito de propriedade. Aliás, a própria Constituição garante o direito de propriedade e, mesmo quando admite a desapropriação, exige prévia e justa indenização em dinheiro.


6 Características

Em razão da destinação dos bens públicos, efetiva ou potencial, a uma finalidade pública, decorrem certas características peculiares.

DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO (2001, p. 333) assevera que elas seriam consequência da indisponibilidade dos bens públicos, já que dependeriam de lei para sua disposição.

A primeira característica seria sua alienabilidade condicionada (CARVALHO FILHO, 2008, p.1060), normalmente denominada inalienabilidade. O art. 100 do Código Civil menciona que “os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar” (BRASIL, 2002). Os bens dominicais, por seu turno, são tratados no art. 101 do Código Civil como passíveis de alienação desde que atendidas as “exigências da lei”.

Apesar dessa aparente distinção, é certo que as três espécies de bens públicos estão sujeitas ao mesmo regime nos art. 17 a 19 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Nessa linha, nos termos desses dispositivos, quando trata de imóveis, tanto uma via pública quanto um terreno baldio, por exemplo, somente poderão ser alienados se houver autorização legislativa, salvo se o bem a ser alienado houver sido adquirido por dação em pagamento.

De qualquer forma, observa-se que não se pode dizer que haja uma absoluta inalienabilidade, mesmo em relação aos bens de uso comum e aos de uso especial. Trata-se efetivamente de alienabilidade condicionada, já que o administrador público pode efetuá-la, desde que autorizado por lei.

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Além da alienabilidade condicionada, também há a imprescritibilidade, isto é, a impossibilidade de serem objeto de usucapião, consoante os termos do art. 102 do Código Civil (BRASIL, 2002) e também do §3º do art. 183 e no parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

A jurisprudência, ora refere à natureza do titular do bem[3], ora à destinação desse bem[4], para considerar a incidência ou não da imprescritibilidade.

Também se verifica outra peculiaridade dos bens públicos pela impossibilidade de serem penhorados (impenhorabilidade). Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2011, p. 923), essa restrição seria decorrência da necessidade de os pagamentos devidos pelos entes públicos em razão de sentença transitada em julgado serem feitos necessariamente por precatório, nos termos do art. 100 da Constituição, cujo regime é incompatível com a expropriação em juízo.

DIÓGENES GASPARINI (2008, p.874) lembra que a impenhorabilidade dos bens públicos também decorre do art. 649, I, do Código de Processo Civil[5]. Mas ressalva a possibilidade de o ente público, por meio de lei, autorizar a oneração (GASPARINI, 2008, p.875).

Esse autor também menciona que “não se deve estranhar tal possibilidade, que já é viável em relação aos créditos de natureza alimentícia, que podem ser executados nos termos da legislação comum, e bens do Poder Público executante podem ser penhorados para garantir o exequente” (GASPARINI, 2008, p.875).

Ao que tudo indica, o autor quis referir-se a “Poder Público executado” em vez de “executante”. O que importa, de qualquer forma, é que a lei estabeleça quais bens podem ser onerados e para quais finalidades. Pode-se trazer em favor dessa tese o argumento de que, se a lei pode autorizar o mais, que é alienação, poderia o menos, isto é, a penhora.

Por outro lado, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2001, p.538) considera impossível a penhora e mesmo a oneração dos bens públicos, com base no disposto do art. 100 da Constituição, razão pela qual, segundo ela, nem lei poderia dispor em contrário. Seguindo esse raciocínio, também poderia ser levantada eventual ofensa à isonomia, uma vez que o ente público, ainda que por lei, estaria estabelecendo vantagem em favor de determinado sujeito em detrimento dos demais.

Mas, em sentido contrário, pode-se dizer que é razoável tratar sujeitos que estão em situação jurídica diferente de forma diferente. Se um determinado sujeito oferece uma vantagem ao ente público, como, por exemplo, um financiamento com condições especiais, condicionando tal empréstimo ao oferecimento de garantia, talvez o interesse público seja melhor atendido com a aprovação, por lei, do atendimento dessa condição.

De qualquer forma, a reflexão sobre o assunto merece maior desenvolvimento, incabível no presente artigo, valendo citar, todavia, que o art. 8º da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004), já apresenta hipóteses de garantia prestada pela Administração Pública.

Em relação aos bens das sociedades de economia mista e empresas públicas, se eles estiverem afetados a uma prestação de serviço público, também serão impenhoráveis, segundo forte corrente doutrinária e jurisprudencial. O principal fundamento seria o fato de essas empresas, ao prestarem serviço público, não se enquadrarem como exploradoras de atividade e econômica, afastando-se a incidência do art. 175, §2º, da Constituição[6] (BORGES, 2002).

Ligada à impenhorabilidade, cita-se a impossibilidade de oneração, isto é, de os bens públicos serem dados em garantia, por meio de hipoteca, penhor, anticrese (MEDAUAR, 2008, p.243; CARVALHO FILHO, 2008, p.1063). O que se disse a respeito da impenhorabilidade também se aplica à oneração.

ODETE MEDAUAR (2008, pp.243/244) menciona, com o título polícia dos bens públicos, a possibilidade de os entes públicos promoverem medidas por si próprios para retirar, mesmo utilizando a força, eventuais invasores de espaços públicos. Assere que alguns autores baseariam essa possibilidade na autotutela administrativa. Apesar disso, a autora também cita a possibilidade de utilização das vias judiciais, como as ações possessórias para reaver a posse dos bens (2008, p. 244).

DIÓGENES GASPARINI (2008, p. 866) cita que “se o bem objeto do esbulho for de uso comum ou de uso especial”, caberia “a retomada auto-executória da Administração Pública, sua proprietária, como já decidiu o Tribunal de Justiça de Brasília (DJU, 9 mar. 1983).”

Ocorre que essa posição merece esclarecimento. Se for possível a autotutela, não caberia ação possessória, pois faltaria interesse processual, no que diz respeito à necessidade (SANTOS, 1997, p.170). Por outro lado, se a ação judicial for necessária, então não se poderia admitir a possibilidade de a Administração agir de ofício nesse caso.

Ainda que se sustente que a inadmissibilidade de interrupção do serviço público autorizaria medidas de ofício (por exemplo: retirar invasores de escola ou de hospital para possibilitar o atendimento), deve-se buscar uma base legal para tanto.

No exemplo citado, é certo que a possibilidade de a retomada ser efetivada pelo próprio titular do bem é prevista no art. 1.210, §1º, do Código Civil, desde que “o faça logo” (BRASIL, 2002)[7]. Mas, quando se trata de um terreno baldio, invadido por diversas pessoas e há muito tempo, esse dispositivo não seria aplicável.

Por fim, como última característica dos bens públicos que merece nota, cite-se a imunidade de imposto (MEDAUAR, 2008, p. 244), com fundamento no art. 150, VI, a, da Constituição[8] (BRASIL, 1988).

Relativamente às autarquias, em razão de o §2º desse dispositivo prever que a imunidade a elas se estende “no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”, há quem sustente que, em caso de bens sem utilização, haveria incidência de impostos (OLIVEIRA, 2010). Nessa linha, a título de exemplo, eventuais bens imóveis que uma autarquia federal não estivesse utilizando estariam sujeitos à incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU.

Esse entendimento, todavia, não é compatível com a racionalidade constitucional.

Ao que tudo indica, o constituinte quis permitir a tributação de tais bens somente quando utilizados na “exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”, nos termos do §3º do art. 150 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Seria o caso, por exemplo, de um bem público explorado por particulares, como nos boxes de mercados municipais.

Para as autarquias, há de se presumir o uso de acordo com seus fins essenciais, já que a atuação pública presume-se legal e legítima até prova em contrário (MOREIRA NETO, 2001, p.138). Dessa forma, se algum ente pretender cobrar impostos de bens imóveis da autarquia, deverá comprovar, pelo menos, o desvirtuamento de seu fim. Mais do que isso: deverá demonstrar a exploração econômica do bem.


7 Aquisição de bens pelos entes públicos

Preferiu-se não nomear o presente tópico como aquisição de bens públicos para tentar obter maior precisão terminológica. Se se diz aquisição de bens públicos, pode-se induzir ao entendimento de que o bem já é público quando da aquisição. Daí que sua aquisição poderia estar sendo feita tanto pelos entes públicos quanto pelos particulares.

O que se pretende no presente tópico é tratar do ingresso dos bens, independentemente de sua natureza, no domínio público.

Inicialmente, é bom frisar que alguns bens, por força do próprio ordenamento jurídico, já são integrantes do patrimônio público.

Como exemplos, a Constituição, em seu art. 20, traz um rol de bens da União, e, no art. 26, apresenta uma relação de bens dos Estados.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2011, pp. 925/931, passim), menciona os seguintes bens, assim como as normas respectivas: o mar territorial (art. 1º da Lei 8.617, de 4 de janeiro de 1993), as águas correntes e dormentes, segundo o art. 2º e 5º do Código de Águas, Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934), as terras devolutas (conforme Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, e Constituição Federal, arts. 20, II, e 26, IV), terrenos de marinha (Constituição, art. 20, VII e art. 2º, par. único, do Decreto-lei 9.760, de 5 de setembro de 1946), praias (Constituição Federal, art. 20, IV, e Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988), os terrenos reservados (art. 4º do Decreto-lei nº 9.760, de 1946 e art. 14 do Código de Águas), terrenos acrescidos (Código de Águas, art. 16), ilhas (art. 20, IV, Constituição Federal e art. 26, II), o subsolo (art. 20, IX e X, e art. 176 da Constituição Federal).

A respeito de bens públicos pertencentes a entes públicos por força direta do próprio ordenamento jurídico, há interessante julgado, inclusive do ponto de vista histórico, tratando de imóvel do Município de São Paulo que foi ocupado pela União (BRASIL, 2009). Nele se considerou inviável a reintegração do imóvel à posse do Município, mas apenas um direito à indenização[9].

Além dos casos acima em que, por força direta da norma, os bens são titulados por entes públicos, há casos, por exemplo, no Código Civil[10] (BRASIL, 2002) e na  Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979[11] (BRASIL, 1979) em que a aquisição depende da ocorrência de certos fatos, do mesmo modo como a pena de perdimento de bens prevista no Código Penal (BRASIL, 1940) e na Lei de Improbidade Administrativa (BRASIL, 1992).

DIÓGENES GASPARINI (2008, p. 876) assevera que importa mais conhecer os modos de aquisição da propriedade imobiliária, dada a simplicidade relativa aos bens móveis, exigindo-se apenas licitação, processo de compra e, se for o caso, registro patrimonial.

Em relação ao modo de aquisição dos bens imóveis, divide-os em originário e derivado. O primeiro ocorreria independentemente da vontade do anterior titular, não havendo transferência, mas aquisição independente. O segundo compreenderia as hipóteses de transmissão de propriedade, ou seja, quando há um transmitente e um adquirente (GASPARINI, 2008, p. 877).

Exemplos do primeiro modo seriam a usucapião e a desapropriação. Do segundo, pode-se mencionar a compra e venda e a doação.

Afora algumas formas de aquisição próprias dos entes públicos, no mais, eles passam a ter direitos sobre os bens pelas formas normais previstas no Código Civil, inclusive quanto aos contratos que antecedem a aquisição de propriedade (MEIRELLES, 2008, p.552; MELLO, 2011, 931). Podem até mesmo adquirir por usucapião (MEIRELLES, 2008, p.553).

ODETE MEDAUAR (208, pp.250/251) arrola os seguintes modos de aquisição: compra e venda, doação, dação em pagamento, permuta, usucapião, sucessão, desapropriação, apossamento administrativo (desapropriação indireta), obra pública, registro de projeto de loteamento, lei instituidora de entidade da Administração Indireta e perda ou confisco de bens de criminosos.

Conforme lembra JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (2008, p. 1065), é importante ressaltar que, segundo o Código Civil (BRASIL, 2002), a aquisição de bens imóveis por meio de atos entre vivos somente se efetiva com o registro do respectivo título no serviço de Registro de Imóveis, nos termos do art. 1227. Da mesma forma, os bens móveis, conforme art. 1226, somente são adquiridos após a tradição[12].

Com relação à aquisição, aponta-se a existência de certos requisitos prévios.

Em primeiro lugar, costuma-se citar a necessidade de lei autorizando sua aquisição. Ora, a lei é para o ente público o que é a vontade para o particular. Sob esse ponto de vista, não haveria nenhuma peculiaridade nisso. Trata-se de corolário do princípio democrático (MOREIRA NETO, 2001, p.78).

Seguindo, todavia, na linha da exigência de lei, há quem considere necessária não apenas uma autorização legal, mas uma autorização específica, indicando o bem a ser adquirido (GASPARINI, 2008, p. 885). Não parece ser o mais acertado.

Essa posição traria amarras que, na prática, poderiam não levar à melhor solução para o interesse público.

Para esclarecer melhor, é necessário mencionar que, afora necessidade de lei, é preciso, conforme o caso, haver licitação, nos termos da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Dessa forma, além do prazo necessário à promulgação da lei, haveria mais um lapso necessário à conclusão do processo de contratação.

Surgem, então, três hipóteses.

Na primeira delas, somente um bem atende às necessidades da Administração. Por óbvio, inviável seria a competição, aplicando-se, por conseguinte, as normas relativas à inexigibilidade de licitação.

Na segunda hipótese, ainda que houvesse mais de um imóvel compatível com os intentos da Administração, poderia ocorrer de, na prática, um deles ser escolhido, por dispensa de licitação, em razão das “necessidades de instalação e localização”, “desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia”, conforme art. 24, X, da Lei n.º 8.666, de 1993[13].

Nessas duas hipóteses, ainda que houvesse prévia autorização da despesa, o processo teria que ser interrompido, após devidamente instruído com a indicação do imóvel a ser adquirido e as justificativas cabíveis, para aguardar aprovação da referida lei específica.

A terceira hipótese seria aquela em que houvesse possibilidade de competição em caso não subsumido ao citado inc. X do art. 24.

Esse caso seria ainda pior: o bem somente seria conhecido após o término da competição. Com isso, seria impossível indicá-lo previamente na lei autorizadora, salvo se conhecidos todos os imóveis que participariam da disputa.

Só isso já demonstra o risco de a Administração perder o negócio, já que o pretenso alienante poderia não querer aguardar o demorado e incerto trâmite burocrático, mormente quando depender de uma aprovação legislativa.

Portanto, ao que tudo indica, basta lei de autorização orçamentária.

Vale registrar que não é necessária lei específica indicando o bem a ser adquirido nem mesmo na desapropriação, que é uma aquisição feita até contra a vontade do particular. Isso reforça a desnecessidade de lei específica indicando o bem nas aquisições mediante atos entre vivos.

Aliás, diante do que foi visto, a desapropriação acaba sendo o meio mais prático para adquirir o imóvel.

ODETE MEDAUAR (2008, p.250) acrescenta que a exigência de autorização para aquisição de bens dependerá do ordenamento de cada ente.

É bom salientar que DIÓGENES GASPARINI (2008, p. 890) menciona que não há necessidade de autorização legislativa para um ente público receber bem em doação sem encargo.

Ainda sobre os requisitos para aquisição, cita HELY LOPES MEIRELLES que (2008, p.553):

Toda aquisição de bens pela Administração deverá constar de processo regular no qual se especifiquem as coisas a serem adquiridas e sua destinação, a forma e as condições de aquisição e as dotações próprias para a despesa a ser feita com prévio empenho (Lei federal 4.320/64, art. 60), nos termos do contrato aquisitivo, precedido de licitação, quando for o caso (Lei 4.320/64, art. 70, e legislação estadual e municipal pertinentes).

A propósito da desapropriação, trata-se de peculiaridade do Poder Público, já que somente os entes públicos possuem o direito de adquirirem bens independentemente da vontade do seu titular anterior.

Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Notas gerais e críticas sobre o regime dos bens públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3598, 8 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24384. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Esse artigo foi publicado originalmente no Boletim de Direito Administrativo - BDA, nº 6, ano XXVIII, de junho de 2012.

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