Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Crime organizado

Exibindo página 2 de 2
Agenda 25/05/2013 às 15:36

CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO

Indubitavelmente, como assevera Francis Beck (2004, p. 74), a enunciação das características se apresenta muito mais fácil do que a conceituação do crime organizado, não existindo “o rigor da univocidade de um conceito”. É que cada organização criminosas vai apresentar essa ou aquela característica, ou várias, conjugadamente.

Nesse prumo, quanto às características do crime organizado, assim pondera Alberto Silva Franco, citado por Luiz Flávio Gomes e RaúlCervini (1997, p.75):

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém imenso poder com base em estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de lato vulto; tem grande força de expansão compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos deliqüenciais e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade, origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inerciar ou flagilizar os Poderes do próprio Estado”.

É dizer-se que as características do crime organizado são diversas, apresentando cada uma deles, em cada Estado em se originam aspectos distintos, a depender da realidade social, econômica, política, tecnológica etc. Nesse sentido, assim assevera Marcelo Mendroni (2002, p.10):

são inúmeras as organizações criminosas que existem atualmente. Cada uma assume características próprias e peculiares, amoldadas às próprias necessidades e facilidades que encontram no âmbito territorial em que atuam. Condições políticas, econômicas, sociais etc., influem decisivamente para o delineamento dessas características, com saliência para uma ou outras, sempre na conformidade das atuações que possam tornar mais viável a operacionalização dos crimes planejados e objetivo de obter maiores fontes de renda.

Como características possíveis de estarem presentes, elenca Luiz Flávio Gomes (1997): hierarquia estrutural; planejamento empresarial; uso de meios tecnológicos avançados; recrutamento de pessoas; divisão funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público; oferta de prestações sociais; divisão territorial das atividades ilícitas; alto poder de intimação; alta capacidade para a prática de fraudes; e conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.

Por sua vez, a “Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera 10 características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos” (OLIVEIRA, 2007, p.01).

Marcelo Mendroni explica a estrutura hierárquico piramidal das organizações criminosas tradicionais, como composta de três níveis, a saber, chefes, gerentes e aviões.

Os chefes são

pessoas que ocupem cargos públicos importantes, que possuam muito dinheiro, posição social privilegiada por qualquer razão, etc. ..., podendo conter chefe na posição suprema da organização e sub-chefes logo abaixo e no mesmo nível (MENDRONI, p. 13-14).

Gerentes são “pessoas de confiança do chefe, com capacidade de comando, a quem aqueles delegam algum poder. Recebem as ordens da cúpula e as repassam aos aviões” (MENDRONI, p. 14).

Aviões são “pessoas com algumas qualificações (por vezes especializadas) para as funções de execução a serem desempenhadas. Evidente que a ‘contratação’ destes ‘trutas’ dependerá dos ramos de atividades a que se dedique a organização” (MENDRONI, p. 15).

Acerca do planejamento empresarial, assim se manifesta GOMES, Flávio (1997, p. 95):

cabe ainda realçar o planejamento empresarial, que é algo mais e distinto que o simples programa deliqüencial, também presente na quadrilha ou bando. Não é preciso que o crime organizado derive de atividades empresariais formais. Ele pode girar em torno de empresas constituídas formalmente ou não. Havendo, no entanto, planejamento de tipo empresarial (custo de atividades necessárias, forma de pagamento do pessoal, programação do fluxo de ’mercadorias’, de caixa e de pessoal, planejamento dos numerários etc.), é evidente que podemos afirmar com maior facilidade a existência de uma organização criminosa.  

A utilização de mios avançados se faz presente, na medida em que as organizações criminosas

valem-se de meios informáticos e de telecomunicação que nem o Estado possui. Aparelhos parabólicos de escuta telefônica a distância, circuitos internos e externos de televisão, aparatos de comunicação telefônica e radiofônica intercontinentais, câmaras fotográficas auxiliadas por raio laser, teleobjetivas, gravadores capazes de captar sons a grande distância, atravessando, inclusive, paredes, comunicação por microondas, satélites etc. são exemplos dessa sofisticação tecnológica, que foge do alcance inclusive dos órgãos oficiais encarregados da persecução pena (GOMES, 2007, p. 95-96).

Outra característica marcante que se pode apontar é o poder desses grupos emcorromper os membros e funcionários dos Poderes do Estado, isto é, Legislativo, Executivo e Judiciário. A respeito, assim explica Silva, Eduardo (2003, p.28-29):

o alto poder de corrupção de que dispõem essas organizações é uma das conseqüências diretas da acumulação de riqueza, que é direcionada a várias autoridades de todos os poderes do Estado: àquelas que compõem as instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário); àquelas integrantes das altas esferas do poder Executivo, para a aquisição de informações privilegiadas com os altos escalões do poder, especialmente de natureza econômica e financeira; e àquelas responsáveis pelo processo legislativo, com a finalidade de paralisar qualquer elaboração de medidas limitadoras de suas finalidades  (corrupção política), Com a paralisação de parte do aparelho estatal, notadamente aquela voltada à repressão criminal, as organizações criminosas têm atuado com certa liberdade em diversos campos (itálico no original).

É bem notável, outrossim, que a globalização, mormente na atual fase, de abertura ao mercado econômico, aliadas a tecnologia sofisticada, como facilitadora, inclusive, de comunicações a grandes distância, tem muito contribuído para fomentar o caráter transnacional de parte das organizações.                          

A internacionalização como já salientamos é uma das principais características do crime organizado na atualidade. A facilidade de comunicação, a globalização das economias, o fim das fronteiras etc. favorecem as conexões, especialmente as internacionais. Mas a existência de conexão local, regional ou nacional com outra ou outras associações ilícitas organizadas já é suficiente para revelar mais um indício de associação organizada.

Por outro lado, o poder intimidatório que apresentam as organizações criminosas, mediante aplicação de “sanções” extralegais, aliados ao oferecimento de serviços a setores da classe baixa da população (favelas, v.g.) têm repercutido em uma espécie de Estado paralelo, representado pelas organizações criminosas, que invade os espaços em que o Estado não alcança por ineficiência. Nesse sentido, assim expressa Hireche:

finalmente, o traço mais amedontrador inerente à criminalidade organizada é a formação - como alguns pretendem - de um Estado paralelo, que competiria, verdadeiramente, com o Estado. Para atrair novos colaboradores e ganhar a simpatia popular, os “chefes” oferecem à comunidade serviços básicos, como educação, saúde e segurança. Constata-se que, onde existe um império de uma “organização criminosa”, há leis específicas, sendo aplicável, em alguns casos, a pena capital. Ressalte-se, também, que o conjunto de valores morais é intimamente influenciado nessas regiões. Em verdade, a criminalidade estaria por ocupar um vazio deixado pelo próprio Estado. 

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

CONCEITO DE “ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS”

Antes de adentrar nas discussões referentes à conceituação das “organizações criminosas”, mister que se esclareça o que deve entendido por crime organizado.

Para Luiz Flávio Gomes, o conceito de crime organizado, hoje, isto é, após o advento da Lei 10.217/01, envolve a quadrilha ou bando, as associações criminosas e todos os ilícitos delas decorrentes, não se envolvendo na definição de crime organizado, contudo, a “organização criminosa” e o concurso de pessoas. Este, por ser eventual e momentâneo e aquele, em razão da ausência de uma definição legal.

Na nossa visão, o conceito de crime organizado agora envolve:

(a) a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01) recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno completamente distinto do verdadeiro crime organizado;

(b) as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico (art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as que porventura vierem a sê-lo e

(c) todos os ilícitos delas decorrentes (“delas” significa: da quadrilha ou bando assim como das associações criminosas definidas em lei).

Referido conceito, em conseqüência, de outro lado e juridicamente falando, não abrange:

(a) a “organização criminosa”, por falta de definição legal;

(b) o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é sempre eventual e momentâneo). (GOMES, 2007, p.06-07).

Não pensamos assim. A nosso sentir, crime organizado envolve tão-somente as ações ligadas às organizações criminosas. Nesse sentido, assim explica Eduardo Araújo da Silva:

Não bastasse tal omissão, o legislador [de 2001] também não afastou antigas dúvidas que pairavam na disciplina legal do fenômeno, pois, ao manter na lei a expressão “quadrilha ou bando”, continua a induzir os operados do direito à conclusão – em que pese à pacificada orientação doutrinária em contrário – de que as ações decorrentes desse tipo legal serão sempre praticadas por organizações criminosas... (SILVA, 2003, p.39).

Ao conceito de “organizações criminosas”.

Em 1995, com a Lei 9034, o legislador brasileiro inaugurou o tratamento, ainda que tangencial, de aspectos referentes às práticas delituosas de entidades denominadas de “organizações criminosas”. Com efeito, dispõe a Lei 9034 sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Entretanto, lamentavelmente, cumpre consignar que não há no ordenamento jurídico nacional vigente qualquer dispositivo que conceitue as “organizações criminosas”. Nem mesmo a ratificação pelo Brasil da Convenção da ONU que trata da matéria – o Decreto-Lei nº 50.015/2004 – serve para colmatar a lacuna da lei. É que o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, que foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, prevendo a incorporação de tratados pelo ordenamento como emenda constitucional, se aprovada por três quintos do Congresso Nacional, refere-se aos tratados e convenções que versarem sobre Direitos Humanos, o que não é o caso. Diversamente, trata a aludida Convenção da ONU de normas incriminadoras.

Além disso, o conceito trazido pela Convenção da ONU se aplica tão-somente às organizações criminosas transnacionais, como bem ressalta Aléxis Sales de Paula e Souza:

Com efeito, apesar de estar integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de lei ordinária, a mencionada Convenção trata, especificamente, das organizações criminosas transnacionais. As quais, na forma do artigo 3, são aquelas que cometem crimes: a) em mais de um Estado; b) em um só Estado, desde que parte substancial da preparação, planejamento, direção e controle tenha ocorrido em outro; c) num só Estado, mas envolvem a participação de grupo criminoso organizado que pratique delitos em mais de um Estado; ou d) num só Estado, mas os crimes produzam efeitos substanciais noutro país. Logo, as hipóteses de uma organização criminosa brasileira ser atingida pela Convenção estão relacionadas nas alíneas “b”, “c” e “d” do Parágrafo 2 do Artigo 3. Ainda assim, deve-se observar que o conceito continua vago, pois a Convenção prevê que a organização esteja formada “há algum tempo”, sem definir com precisão o lapso temporal (SOUZA, 2007, p.11).

Ante a omissão legislativa, coube à doutrina e a alguns órgãos buscar uma definição do crime organizado. Essa conceituação teria uma importância muito além da mera classificação, uma vez que serviria para enquadrar determinadas condutas de agentes que terão certos direitos e garantias flexibilizadas pela lei, caso sejam as condutas perpetradas por organizações criminosas, conforme se verá.

GamilFöppel El Hireche (2005, p.56), partidário da corrente que entende inexistir as “organizações criminosas”, aduz que

a busca por um conceito [das organizações criminosas] servirá, a bem da verdade, para ratificar e confirmar a tese que se defende: a inexistência do ‘crime organizado’. Com efeito, as ‘dificuldades’ conceituais representam e retratam, em verdade, a impossibilidade de conceituar o inexistente. As dúvidas, as incertezas, as indefinições a respeito do que seria a ‘criminalidade organizada’ são decorrência da sua inexistência.

Por outro lado, a doutrina seguidora do entendimento pela existência da criminalidade organizada muito tem se debatido à procura de uma definição do “crime organizado”, não tendo sido encontrado, ainda, um conceito unívoco, que relevaria a essência da criminalidade organizada. Explica GamilHireche (2005, p.60) que

tal conceito relaciona-se com aspectos políticos, sociais e econômicos de cada país, derivando, deste plexo de elementos, a dificuldade – senão impossibilidade – de fazê-lo. Ou seja: tantas e diferentes são as possibilidades de grupos que se pretendem considerar como “organizados criminalmente” que se torna impossível buscar um conceito único, que sirva a tudo aquilo que se pretende reprimir.

Segundo Marcelo Mendroni (2002, p.09), a instituição de um conceito legal teria que abranger as mais diversas hipóteses de manifestação do crime organizado, que se adapte a realidade brasileira. Entretanto, a dificuldade em se estabelecer tal definição é patente, considerando a dimensão continental do Brasil, os avanços tecnológicos das ciências etc. Deve-se notar que nem mesmo os Estados Unidos, que têm realidades sócio-econômica e culturais mais homogêneas e estão mais acostumados a lidar com o tema, ainda não o estabeleceu de forma definitiva. Desta forma,

não se pode definir para atribuir características rígidas, com formas pré-estabelecidas. Aliás, tolice á a definição legal, pois, como dito, em um País como o Brasil existirão diferentes organizações criminosas com distintos modus operandis conforme a deficiência Estatal da região que adotem operar.

Não pensamos assim. Ainda que seja admissível a idéia de que é muito difícil se encontrar um conceito unívoco e rígido sobre o crime organizado, entendemos, como Francis Beck, que é possível, por outro lado, encontrar um conceito preciso e que se aproxime do que seja, na essência, o crime organizado.

As pesquisas empíricas encontram-se ainda em um momento inicial, buscando resultados e respostas mais objetivas e esclarecedoras. Portanto, é falacioso o pressuposto de que pode ser encontrada uma definição única – que não seja por demais vaga e imprecisa – para essa forma de delinqüência. O que se torna possível é a aproximação do seu conteúdo. Assim, não é por outra razão que poucos são os que se arriscam a formular um conceito sério e coerente de crime organizado, limitando-se a elencar algumas de suas características (grifo nosso). (BECK, 2004, 163).

Deve, pois, haver sim, um conceito legal. Aliás, urge essa necessidade imperiosa e imprescindível de que haja um conceito legal de organizações criminosas no Brasil. E a busca por essa definição legal – que seja precisa e bem próxima do fenômeno social da criminalidade organizada – é problema do legislador.

É claro que não se poderá afirmar que, uma vez estabelecido na lei esse conceito, o mesmo será rígido e definitivo. Isso porque todos os conceitos e institutos legais variam com o tempo e o espaço, tendo em vista que o Direito é ciência cultural e, como tal, deve ser entendida a partir da compreensão, e não através da explicação (ciências naturais). E tal se dá porque os institutos e conceitos das ciências humanas variam com o tempo e o espaço3.

Uma vez conceituado o crime organizado na lei, se, com o passar do tempo, verificar-se que tal conceito já se encontrada defasado, o legislador deverá proceder às devidas alterações da lei – aliás, esta é uma de suas funções. E isso, porque o princípio da legalidade e o primado da segurança jurídica deverão ser sempre observados. 

A par dessas considerações, é certo que algumas instituições e alguns autores tentaram encontrar uma definição que se aproxime do conceito de organização criminosa, tendo em vista o que há de atributos essenciais entres elas, que as classifiquem, de algum modo, como tal.

Assim, o conceito proposto pela ONU, conforme a Convenção ratificada pelo Brasil sobre o tema, vem estabelecido no art. 2º, alínea “a”: “Grupo criminoso organizado – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

O Dr. Paulo Gomes, chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (GAECO), do Ministério Público do Estado da Bahia, talvez por uma visão mais pragmaticista, entende que o conceito de organização criminosa emitido em sede da Convenção de Palermo é satisfatório.

Essa Convenção de Palermo tem uma definição muito boa. Organização criminosa é um grupo formado por, pelo ou menos, três pessoas, que utilizam meios tecnológicos avançados para prática de crimes altamente lesivos aos interesses da sociedade. E, na maioria das vezes, ela utiliza-se de funcionários públicos. Todas as investigações feitas por nós envolvem, geralmente, funcionários públicos, valores monetários altos, crimes de corrupção e meios tecnológicos avançados. (GOMES, Paulo; 2007, p.03).

O Federal Bureau ofInvestigations (FBI), de forma extremamente ampla, definiu o crime organizado como sendo “qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada, cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais”.

Já para INTERPOL,

é qualquer grupo de criminosos que, tendo estrutura corporativa, estabeleça como objetivo básico a obtenção de recursos financeiros e poder através de atividades ilegais, freqüentemente recorrendo, para tanto, ao medo e intimidação de terceiros.

O doutrinador brasileiro Guaracy Mingardi, citado por Mendroni, assim as definiu:

grupo de pessoas voltadas para as atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão de trabalhos e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e intimidação, tendo como fontes de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território (MENDRONI, 2002, p. 6-7)

Em meio às críticas lançadas por relevante segmento da doutrina em relação à ausência de definição por parte do legislador sobre as organizações criminosas é que veio o Projeto de Lei (PL) nº 3.731/1997 a tentar corrigir as falhas apontadas na Lei 9.034/95. Dispõe este PL sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção de prova e o procedimento criminal. No tocante à definição das organizações criminosas, assim estabelece o art. 1º do PL 3.731/1997:

Art. 1º Considera-se organização criminosa a associação de três ou mais pessoas, por meio de entidade jurídica ou não, estruturada de forma estável, visando a obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, para a prática de:

I – tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou produtos que causam dependência física ou psíquica;

II – terrorismo e seu financiamento;

III – contrabando ou tráfico ilícito de armas, munições, explosivos, ou materiais destinados à sua produção;

IV – extorsão mediante seqüestro;

V – crime contra a Administração Pública;

VI – crime contra o sistema financeiro nacional;

VII – crime contra a ordem econômica e tributária;

VIII – exploração de jogos de azar cumulada com outros delitos;

IX – crime contra instituições financeiras, empresas de transporte de valores ou cargas e a receptação de bens ou produtos que constituam proveito auferido por esta prática criminosa;

X – lenocínio ou tráfico de mulheres;

XI – tráfico internacional de criança ou adolescente;

XII – lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores;

XIII – tráfico ilícito de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano;

XIV – homicídio qualificado;

XV – falsificação, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais;

XVI – crime contra o meio ambiente e o patrimônio cultural;

XVII – outros crimes previstos em tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja parte.

Paulo Gomes - chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e de Investigações Criminais (GAECO) - critica esse PL, apontando o arrolamento de crimes integrante do conceito de organização criminosa como sendo uma falha. Para ele, listar crimes é medida que tornaria, com o passar do tempo, o instituto anacrônico, tendo em vista a versatilidade com que agem as organizações criminosas, com o cometimento, inclusive, de delitos outros, na tentativa, sempre, de burlar a lei, com vistas ao lucro espúrio.

No Brasil a legislação é muito fraca. Nos EUA, eles têm uma lista com quatrocentos crimes. No Brasil, o Projeto indica lá uma “listinha” de poucos crimes. Então, isso é um absurdo. Pode haver uma organização criminosa voltada só para prática de estupro, por exemplo.

A par dessas considerações, o que se verifica é que nenhum desses conceitos acima elencados, ressalvando-se o do PL nº 3.731/1997, revela um conceito mais preciso sobre as “organizações criminosas”. É que todos esses pretensos conceitos apenas indicam características das organizações criminosas, que podem ou não se verificar nesta ou naquela organização criminosa. Desta forma, tais “conceitos” não traduzem em enunciações a essência real das organizações criminosas, por serem demasiadamente amplos, abertos e porosos.

Sendo assim, poderá haver restrição ou ampliação desnecessária, eis que nenhum desses “conceitos” traz uma segurança do que efetivamente sejam tais entidades criminosas. Assim, pode ocorrer que, em determinada hipótese, a situação fática se amolde perfeitamente à hipótese da norma, não se tratando, entretanto, de atividade perpetrada por essas entidades. Ou, pode ser que, com o avanço desmedido da tecnologia, ou mesmo com a sagacidade de desses grupos, a norma peque por não alcançar determinadas organizações criminosas.

Nesse espeque é que Hireche entende não haver na legislação pátria um conceito de “organização criminosa”, por patente impossibilidade, uma vez que, para ele, tais entidades inexistem no mundo fático. Assim, defende que a aplicação das normas da Lei 9.034/95 fere o princípio da legalidade.

Diversamente, entendia Luiz Flávio Gomes (1997) - até o advento da Lei 10.217/01 - que a Lei 9.034/95 tratava-se de tipo penal aberto em sentido estrito, cabendo ao juiz complementar o sentido da norma. Isso porque, para ele, o legislador de 1995 deferira um mínimo de definição à organização criminosa, sendo esta a que apresentaria os requisitos do art. 288, do Código Penal (tipo de bando ou quadrilha), além de outros, que seriam a presença de algumas das características explicadas no tópico 2.1 deste trabalho, quais sejam, a hierarquia estrutural, o planejamento empresarial, o uso de meios tecnológicos avançados, a divisão funcional de atividades, a conexão com funcionários públicos etc. Tais características, assim, seriam um plus que caracterizaria um grupo de mais de três pessoas como sendo uma organização criminosa. E caberia ao juiz dizer se há ou não em determinado grupo criminoso esse plus, ou seja, deveria o juiz verificar se, numa determinada hipótese, mediante critérios valorativos, que variam em razão de tempo de espaço (elemento normativo do tipo), faz-se presentes ou não os outros elementos que configuram tais organizações, que seriam, pois, apresentar ou não o grupo criminoso algumas das características apontadas pela doutrina relativas à criminalidade organizada.

Flávio Gomes, inclusive, propôs um esboço de projeto de lei nestes moldes:

O Presidente da República

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a Lei:

Art. 1º O art. 288 e seu parágrafo único do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a ter a seguinte redação:

ASSOCIAÇÃO ILÍCITA:

Art. 288. Associarem-se duas ou mais pessoas, de modo estável e permanente, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão , de um (1) a três (3) anos.

ASSSOCIAÇÃO ARMADA

§1º. A pena aplica-se em dobro, se a associação ilítica é armada.

ASSOCIAÇÃO ORGANIZADA

§2º Se a associação ilícita é organizada:

Pena - reclusão , de três (3) a seis (6) anos.

§3º. Considera-se organizada a associação ilícita quando presentes no mínimo três das seguintes características:

I - hierarquia estrutural;

II - planejamento empresarial;

III - uso de meios tecnológicos avançados;

IV - recrutamento de pessoas;

V - divisão funcional das atividades;

VI - conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com agente do poder público;

VII - oferta de prestações sociais;

VIII - divisão territorial das atividades ilícitas;

IX - alto poder de intimação;

X - alta capacidade para a prática de fraudes;

XI - conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.

Com a promulgação da Lei 10.217/2001, que alterou a Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95), Luiz Flávio Gomes passou a afirmar que a sua sustentação jurídica anterior acerca da aplicabilidade da Lei 9.034/95 tornou-se insubsistente, uma vez que o legislador de 2001 distinguira claramente a quadrilha ou bando das associações criminosas, bem como das organizações criminosas.

Com a edição da Lei 10.217, de 11.04.01 (DOU de 12.04.01), o cenário é completamente diverso. A interpretação que acaba de ser referida perdeu toda sua sustentação normativa, porque agora a lei nova distingue com clareza insuspeitável a quadrilha ou bando das associações criminosas assim como das organizações criminosas (são três coisas distintas). (GOMES; 2007, p. 04).


Notas

1 .....Anotações da palestra proferida pelo professor Osvaldo Bastos Jr., no Seminário “Crime Organizado e Delitos Conexos”.

2 “Estatuto do PCC:

1. Lealdade, respeito, e solidariedade acima de tudo ao Partido

2. A Luta pela liberdade, justiça e paz

3. A união da Luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões

4. A contribuição daqueles que estão em Liberdade com os irmãos dentro da prisão através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate

5. O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado do Partido.

6. Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais, contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima de conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre Leal e solidário à todos os seus integrantes para que não venham a sofrerem nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7. Aquele que estiver em Liberdade "bem estruturado" mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão

2..

8. Os integrantes do Partido tem que dar bom exemplo à serem seguidos e por isso o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9. O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse como ao Bem de todos, porque somos um por todos e todos por um.

10, Todo integrante tem que respeitar a ordem e a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acôrdo com aquilo que fez por merecer. A opinião de Todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido. 

11. O Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de concentração "anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como tema absoluto a "Liberdade, a Justiça e Paz".

12. O partido não admite rivalidades internas, disputa do poder na Liderança do Comando, pois cada integrante do Comando sabe a função que lhe compete de acordo com sua capacidade para exercê-la.

13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões.

14. A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado à desativar aquele Campo de Concentração " anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes.

16. Partindo do Comando Central da Capital do QG do Estado, as diretrizes de ações organizadas simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem fronteira, até a vitória final.

16. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas penitenciários do estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos à nível estadual e à médio e longo prazo nos consolidaremos à nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o Terror "dos Poderosos" opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangú I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros.

Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido.

LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ!

O Quartel General do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com Comando Vermelho CV

UNIDOS VENCEREMOS” (com erros gramaticais no original).

3 “Cossio retomou e sintetizou a hussuerliana teoria dos objetos, que reconheceu quatro regiões ônticas delimitadoras das características e propriedades do ser”. Como caracteres dos objetos culturais, aponta Cossio:

“a) reais: têm existência no espaço e no tempo

 b) estão na experiência

 c) são valiosos positiva ou negativamente” (DINIZ, 2004, p.137). 

Sobre o autor
Luig Almeida Mota

Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTA, Luig Almeida. Crime organizado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3615, 25 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24521. Acesso em: 21 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!