2 PRINCÍPIOS NORTEADORES
O sistema jurídico pátrio apresenta rigidez em sua hierarquia normativa, de forma que as normas jurídicas inferiores encontram fundamento de validade nas normas jurídicas superiores até que se alcance o Texto Constitucional, de maneira que a unidade do ordenamento deriva da relação de interdependência e irradiação de efeitos decorrentes das aludidas normas jurídicas.
Nesse liame, Mello norteia:
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (MELLO, 2009, p. 53)
Os princípios têm grande importância no sistema jurídico e, igualmente, no subsistema processual tributário, posto que aqui também informam rumos a serem seguidos para que as decisões proferidas no âmbito do processo administrativo tributário alcancem seu fim maior, qual seja, o da efetiva justiça fiscal.
Os princípios aplicáveis ao processo administrativo tributário, inicialmente deduzidos na doutrina, são encontrados na Constituição Federal, em regras de direito objetivo que condicionam o funcionamento global do sistema e em atos específicos que os regulam.
2.1 Princípios de natureza constitucional
2.1.1 Legalidade
O artigo 5º, inciso II, do Texto Constitucional de 1988, determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, impondo a reserva formal da lei pela autoridade competente.
Meirelles, a respeito, adverte que:
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos. (MEIRELLES, 2004, p. 87)
Trata-se, aqui, do princípio capital para a configuração do regime jurídico administrativo. É fruto da submissão do Estado à lei, que consagra a idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da norma legal, encontrando amparo no artigo 37 da Constituição Federal.
Na verdade, esse princípio é tão importante na aplicação do Direito Tributário, que o CTN, em seu artigo 142, determinou que todos os atos praticados no interesse da atividade administrativa de cobrança de tributos sejam estritamente vinculados. Significa que o procedimento administrativo tributário deve seguir rigorosamente as determinações legais, ou seja, a legalidade deve abranger o desenvolvimento dos, objetivando enquadrá-los nos estritos e precisos termos normativos.
A Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, estabeleceu expressamente em seu art. 2º o atendimento do princípio da legalidade no processo administrativo como dever da Administração.
2.1.2 Contraditório
Previsto na Constituição Federal (art. 5°, inc. LV), trata-se de manifestação do princípio do devido processo legal, e decorrente do brocardo latino audiatur et altera pars, exprimindo a possibilidade, conferida aos contendores no processo, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Tem estreita ligação com o princípio da igualdade das partes e se traduz na necessidade de se dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, bem como na possibilidade de estas reagirem aos atos que lhes forem desfavoráveis.
A esse propósito, Xavier pontifica:
[...] o princípio do contraditório reporta-se ao modo do seu exercício. Esse modo de exercício, por sua vez, caracteriza-se por dois traços distintos: a paridade das posições jurídicas das partes no procedimento ou no processo, de tal modo que ambas tenham a possibilidade de influir, por igual, na decisão (“princípio da igualdade de armas”); e o caráter dialético dos métodos de investigação e de tomada de decisão, de tal modo que a cada uma das partes seja dada a oportunidade de contradizer os fatos alegados e as provas apresentadas pela outra. (XAVIER, 2005, p. 10)
Os litigantes têm, portanto, direito de deduzirem pretensões e defesas, apresentarem provas para demonstrar a existência de seus direitos e serem ouvidos paritariamente. (NERY JR., 2004)
O contraditório traduz-se na faculdade da parte de manifestar sua posição sobre fatos ou documentos, trazidos ao processo, pela outra parte.
2.1.3 Ampla defesa
O princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, decorre igualmente do princípio do devido processo legal (due process of law) inerente à Constituição dos Estados Unidos da América, por meio do qual impera a idéia de que as partes litigantes transcorram um processo de forma justa (fair procedure).
Como elucida Xavier (2005), o direito de defesa e o contraditório são manifestações do Princípio do Devido Processo Legal. Apesar de ser possível separá-los por uma abstração, pode-se dizer que estão intimamente relacionados. Não há ampla defesa se o contraditório inexistir.
O princípio do contraditório, na realidade, encontra-se relacionado com a ampla defesa por um vínculo instrumental. Ele representa o modo de exercício de um direito, afirmado pela ampla defesa.
A observância do princípio da ampla defesa garante aos contribuintes o exercício do direito da defesa de seus interesses de forma incondicional e irrestrita, não sendo admitidas quaisquer limitações.
Na concepção de Medauar:
A Constituição Federal de 1988 alude, não ao simples direito de defesa, mas, sim, à ampla defesa . Nesse sentido, tem-se a expressão final do inciso LV: “com os meios e recursos a ela inerentes”, englobados na garantia, refletindo todos os seus desdobramentos, sem interpretação restritiva. (MEDAUAR, 1993, p. 111)
Assim, admitir-se-á a produção de provas e a dedução das razões da pretensão que se quer ver atendida, a fim de demonstrar cabalmente o direito que foi violado. Consiste, portanto, na efetiva participação das partes no processo, prestando os esclarecimentos e juntando as provas necessárias à obtenção de justo julgamento.
2.1.4 Devido Processo Legal
Esse princípio tem origem na cláusula due process of law do Direito inglês e norte-americano, conforme registra a doutrina e já referenciado anteriormente. Consiste em assegurar ao contribuinte o direito de não ser privado de seu patrimônio sem a garantia de um processo desenvolvido na forma estabelecida pela lei.
Na Carta Política encontra-se expresso no ordenamento constitucional, artigo 5º, LIV, que dispôs: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e, mais especificamente direcionado aos processos judicial e administrativo, no inciso LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa”. Assim, verifica-se que é por meio do contraditório e da ampla defesa que esse princípio se manifesta.
Representa garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurada a plenitude da defesa. Genericamente, caracteriza-se pela tutela do trinômio vida-liberdade-propriedade em seu sentido mais amplo e genérico. Em sentido processual, a expressão tem significado mais restrito e compreende a garantia de ampla defesa, o contraditório, a prévia determinação de competência (juiz natural) e o direito a uma decisão fundamentada e que ponha fim ao processo.
Nesse caminho, Silva esclarece:
O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em “processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. (SILVA, 2002, p. 430)
O princípio do devido processo legal é fundamental, por ser a base sobre a qual se assentam todos os demais princípios. A inobservância aos princípios informadores do processo administrativo tributário (constitucionais, administrativos e processuais específicos), portanto, em última análise, acaba por desrespeitar o princípio do devido processo legal.
2.1.5 Duplo grau de jurisdição
Neder e López (2002) lembram que, não apenas a Constituição (art. 5º, LV), mas, também, o Código Tributário Nacional (art. 151, III) e a legislação ordinária são plenos de referências que prestigiam a dupla instância no âmbito do processo administrativo fiscal.
A propósito, Melo assevera:
Na medida em que a CF (art. 5º, inciso LV) outorga aos litigantes em processo judicial ou administrativo, o direito à ampla defesa com os recursos a ela inerentes, está pressuposto a instância recursal para que as decisões singulares (normalmente mantendo as exigências tributárias), sejam revistas em caráter devolutivo e suspensivo. Tendo em vista que os julgadores singulares usualmente homologam as exigências tributárias, é necessária a previsão de recursos, para que os órgãos de segunda instância administrativa (normalmente de composição paritárias), possam reexaminar toda a matéria posta na lide. (MELO, 2006, p. 88)
A Lei n° 9.784/1999, por seu turno, estabeleceu que os apelos dos administrados fossem apreciados em, pelo menos, duas instâncias independentes. O artigo 56, parágrafo único, prescreve que o "recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior".
Destarte, poderá a parte insatisfeita com a decisão prolatada no processo administrativo ou judicial recorrer a um segundo órgão julgador, com igual poder e amplitude de conhecimento do órgão recorrido, possibilitando-se, assim, a eventual reforma da decisão.
2.1.6 Segurança Jurídica
Trata-se de princípio geral do direito que informa a manutenção dos atos administrativos geradores de direito. Esse princípio encontra-se positivado no preâmbulo do texto constitucional e tem como corolários o princípio da irretroatividade da lei e o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, bem como os institutos da prescrição e da decadência.
Discorrendo sobre o tema, Xavier comenta:
[...] as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais. [...] o princípio da confiança na lei fiscal, como imposição do princípio da segurança jurídica, traduz-se praticamente na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base direta e exclusivamente na lei. (XAVIER, 1978, p. 46)
Nesse sentido, a Lei n° 9.784/1999 impõe, de modo expresso, o princípio da segurança como critério a ser obedecido pela administração pública federal. O preceito constante do parágrafo único, inciso XIII, do art. 2° da referida lei, prevê a "interpretação da norma administrativa que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação".
O próprio Código Tributário Nacional segue essa orientação, pois estabelece limites para a ação revisora da Administração nos seus artigos 146 e 149. Em outras situações, em razão da segurança jurídica, o direito estabelece limites temporais ao exercício da invalidação dos atos administrativos. É o caso do artigo 54 da Lei n° 9.784/1999, que prescreve o prazo de cinco anos para a Administração invalidar os atos administrativos, viciados de efeitos jurídicos, favoráveis aos contribuintes por mecanismos internos. Introduz, portanto, nova regra de decadência, pois a Administração Pública não precisa recorrer às vias judiciais para invalidar o ato administrativo.
2.1.7 Direito de Petição
O direito de petição é um direito político, que pode ser exercido por qualquer um, pessoa física ou jurídica, sem forma rígida de procedimento para fazer-se valer, caracterizando-se pela informalidade. Basta a identificação do peticionário e o conteúdo sumário do que se pretende do órgão público destinatário do pedido.
Pode vir exteriorizado por intermédio de petição, no sentido estrito do termo, representação, queixa ou reclamação. Para legitimar-se ao direito de petição, não é necessário que tenha sofrido gravame pessoal ou lesão de direito, porque se caracteriza como direito de participação política, onde está presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica. (NERY JR., 2004)
Direito de petição e direito de ação não se confundem. Enquanto este é público, subjetivo, pessoal e reclama a necessidade de preenchimento da condição da ação, aquele é político e impessoal, prescindindo-se da perquirição do interesse pessoal, bastando estar presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica.
O acesso ao processo administrativo está assegurado no artigo 5°, inciso XXXIV, alínea a, da Lei Maior.
A garantia do direito de petição também pode ser entendida como o direito de obter do poder público a manifestação fundamentada a respeito da providência que lhe seja solicitada, ainda que seja para negá-la.
2.2 Princípios de natureza administrativa
2.2.1 Interesse Público
O interesse público, ao contrário do particular, é o que se assenta em fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está, pois, ligado a todos os fatos ou coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva.
No que tange ao princípio em referência, Meirelles elucida:
O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares.
Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia. (MEIRELLES, 2004, p. 101)
Nas relações processuais instauradas entre Fisco e contribuinte não se pode confundir o interesse público com o interesse da Administração Pública, sendo vedada a prática de ato administrativo valorado por interesses pessoais, arbitrários e confiscatórios que persigam, a qualquer custo, exigências indevidas ou injustas do contribuinte.
2.2.2 Impessoalidade
A impessoalidade decorre do princípio constitucional da isonomia (CF/88, art. 5º, caput) e pode ser entendida pela impossibilidade de agir, o gestor da coisa pública, com vistas a beneficiar ou prejudicar determinados grupos ou pessoas, tendo em vista que compete ao poder público atuar pelo interesse da coletividade.
Acerca do princípio da impessoalidade, Di Pietro analisa:
[...] Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento [...].
No segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da Silva (1989:562), baseado na lição de Gordillo que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. (DI PIETRO, 1999, p. 64)
Em decorrência do princípio da impessoalidade prega-se o completo desligamento entre a figura do administrador e a Administração Pública, vedando-se a promoção pessoal. Almeja-se uma atuação administrativa neutra e objetiva.
2.2.3 Moralidade
A conduta do administrador público, além de guiar-se por critérios de conveniência, oportunidade e justiça de suas decisões, deve pautar-se pela obediência aos valores morais definidos em função de comportamento ético, aceitos pela opinião pública.
Previsto, expressamente, no caput do art. 2° da Lei n° 9.784/1999, o princípio da moralidade tem sua aplicação, no processo administrativo, orientada pelo critério contido no inciso IV deste artigo, o qual dispõe: "atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé".
A respeito da questão vertente, Meirelles revela:
O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima. (MEIRELLES, 2004, p. 89)
Resta evidenciado que ao agir o agente administrativo não pode desprezar o elemento ético de sua conduta, devendo sempre pautar o seu comportamento funcional de acordo com valores republicanos, sobretudo a lealdade e a boa-fé.
2.2.4 Proporcionalidade e razoabilidade
O princípio da razoabilidade tem por objetivo verificar a compatibilidade entre os meios empregados e as finalidades almejadas na prática de determinado ato administrativo, no intuito de evitar restrições inadequadas, desnecessárias, arbitrárias ou abusivas aos administrados por parte do Poder Público.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade é concebido, assentando-se nos ensinamentos doutrinários, sob três enfoques:
a. da adequação: a medida adotada deve ser eficiente para alcançar seu objetivo, isto é, o meio adotado na atuação deve ser compatível com o fim colimado;
b. exigibilidade ou necessidade: a medida deve ser a menos gravosa possível, ou seja, a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público;
c. proporcionalidade estrita: o benefício obtido com a medida deve compensar o sacrifício imposto (relação custo/benefício).
Nesse diapasão, Meirelles discorre:
Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque “cada norma tem uma razão de ser”. (MEIRELLES, 2004, p.92)
Vale destacar que esse princípio está implícito no Texto Constitucional e previsto claramente no art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei n. 9.784/1999, como critério de atuação da administração nos processos administrativos, “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.
2.2.5 Publicidade
O princípio deriva da necessidade de transparência e visibilidade da atuação administrativa, reivindicação das sociedades democráticas. Em decorrência do princípio, os atos administrativos, e os processuais inclusive, hão de ser públicos. Já os particulares, mesmo aqueles que não são parte interessada em determinado processo, terão meios para cientificar-se das ocorrências na Administração.
A publicidade dos atos do processo administrativo fiscal deve ser analisada tanto de acordo com a norma constitucional para os atos processuais (art. 5°, inc. LX) quanto com o princípio da publicidade dos atos praticados pela Administração (art. 37, caput).
Hoffmann (2000) entende, com base nos fundamentos do Estado Democrático de Direito, que a publicidade deve ser a regra no que tange aos processos e aos dados administrativos fiscais, sobretudo porque o princípio consiste numa das formas de controle da moralidade administrativa.
A autora, no entanto, distingue a publicidade dos atos ocorridos no processo administrativo (decisões, votos, pedidos de diligências) da publicidade do processo administrativo em si. Segundo a mesma, o acesso às informações do primeiro grupo não feriria a garantia constitucional de sigilo. Ao contrário, a Administração teria o dever de publicar atos e decisões concernentes aos processos para viabilizar o controle de sua atuação. No segundo caso, todavia, há de se restringir o acesso de pessoas aos autos, sob pena de expor dados sigilosos dos contribuintes. O princípio da publicidade, portanto, comporta exceções derivadas da necessidade de preservar a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, bens declarados invioláveis pela Constituição (art. 5°, inc. X).
2.2.6 Eficiência
A eficiência é um objetivo que está presente desde a Reforma do Estado, insculpida no Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, submetendo toda atividade pública ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), fortalecendo o sistema de mérito (art. 25, VII), sujeitando a Administração indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art. 26, III) e recomendando a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).
A Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no artigo 37, caput.
No entender de Medauar o princípio em comento:
[...] determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão. (MEDAUAR, 2002, p. 157)
A aplicação do princípio da eficiência faz com que o processo seja instrumento, não se podendo exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. Como consequência, não se anulam atos processuais imperfeitos quando não prejudicarem as partes e não influírem na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.
Cumpre observar, no entanto, que a busca pela obtenção de resultados de forma satisfatória e eficiente, somente pode ser concebida dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios da legalidade e moralidade.
2.2.7 Finalidade
Quer este princípio que a atuação do agente estatal vincule-se ao interesse público, bem como à finalidade específica que anima a lei que esteja sendo aplicada.
Nessa trilha, Mello (2009) salienta que o princípio da finalidade é uma inerência do princípio da legalidade, estando nele contido, correspondendo à aplicação da lei consoante o objetivo pelo qual foi editada.
Depreende-se que a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige. O administrador público, quando da consecução de seu mister, deve levar em conta não apenas a letra da lei, sob o pálio de estar cumprindo a legalidade exigida em sua atuação. Deve observar também a razão de ser da norma, o objetivo que gerou sua criação, buscando o resultado prático e eficiente, autorizado pela mesma.
No que tange ao processo administrativo fiscal, este possui finalidades próprias, nelas incluídas o resguardo das demandas dos contribuintes e a revisão interna do ato de lançamento.
2.2.8 Motivação
Decorrência lógica do princípio da ampla defesa, exige que os atos processuais de conteúdo decisório sejam motivados, isto é, devem se fazer acompanhar, expressamente, dos seus fundamentos, de forma a dar conhecimento ao seu destinatário das razões que levaram a autoridade a decidir de determinada forma, possibilitando, com isso, o pleno exercício do direito de defesa.
Ao definir referida espécie, Meirelles assim dispõe:
Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática [...].
A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda. (MEIRELLES, 2004, p. 99)
No que diz respeito ao processo administrativo federal, a Lei n° 9.784/1999 positivou o princípio em seu artigo 50. A administração tem o dever de emitir, expressamente, decisão nos processos administrativos e sobre solicitações e reclamações, em matéria de sua competência.
Especificamente em relação ao processo administrativo fiscal, a obrigatoriedade de o julgador se pronunciar sobre todas as razões de defesa suscitadas pelo impugnante, bem como especificar os fatos e fundamentos legais da decisão está explicitada no artigo 31 do Decreto n° 70.235/1972. A jurisprudência administrativa entende que a omissão desses requisitos enseja a nulidade da decisão.
2.2.9 Hierarquia
A hierarquia consiste na relação de subordinação decorrente da distribuição de funções, competências e níveis de autoridade existente nos órgãos do Poder Executivo. “Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar atribuições e a de rever os atos dos inferiores”. (MEIRELLES, 2004, p. 120).
Segundo o princípio em análise, os órgãos julgadores estão adstritos ao poder hierárquico dos seus dirigentes máximos somente no que diz respeito às suas funções administrativas típicas (execução orçamentária, horário de funcionamento, nomeação de servidores), mas não no que se refere ao mérito de suas decisões.
Desta feita, tem-se que o poder hierárquico é aplicável somente aos meros procedimentos, tendo em vista não existir subordinação hierárquica no que concerne aos órgãos julgadores e à sua atividade judicante.
2.3 Princípios setoriais do processo administrativo tributário federal
2.3.1 Verdade Material
Esse princípio se efetiva por intermédio do exame pormenorizado e da valoração das provas carreadas aos autos pelas partes (tanto pelas autoridades fazendárias quanto pelos contribuintes).
Eis a visão de Mello:
Deveras, se a Administração tem por finalidade alcançar verdadeiramente o interesse público fixado na lei, é óbvio que só poderá fazê-lo buscando a verdade material, ao invés de satisfazer-se com a verdade formal, já que esta, por definição, prescinde do ajuste substancial com aquilo que efetivamente é, razão por que seria insuficiente para proporcionar o encontro com o interesse público substantivo. (MELLO, 2009, p.502)
No tocante às provas, a Administração detém liberdade plena de produzi-las desde que obtidas por meios lícitos. A investigação dos fatos deve trazer aos autos o que realmente ocorreu, ou seja, a realidade, ao contrário do processo em que vigora a verdade formal, onde o julgador deve apreender os fatos que contiverem os autos.
No contencioso administrativo tributário a regra é que as provas devem ser apresentadas juntamente com a impugnação ou com a manifestação de inconformidade, no devido prazo legal, conforme artigo 15 do Decreto n° 70.235/1972. No parágrafo 4° do artigo 16, a disposição foi repetida, mitigando a regra preclusiva nas circunstâncias elencadas nas alíneas de "a" a "c", quais sejam: i) demonstração da impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior; ii) refira-se a fato ou a direito superveniente; iii) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.
Determina ainda o mesmo diploma legal retromencionado, nos parágrafos 5º e 6º do artigo 16, que a juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições acima destacadas. No caso de já ter sido proferida decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, em se interpondo recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância.
A despeito dessa norma restritiva, em busca da verdade material, a atual tendência do CARF tem sido no sentido de abrandar o rigor da regra, admitindo o exame de provas a qualquer tempo.
2.3.2 Formalismo moderado
Desse princípio decorre o desapego às formalidades excessivas e aos complexos ritos processuais. O processo administrativo deve ser simples e informal, sem que isso signifique, obviamente, a inobservância da "forma e de requisitos mínimos indispensáveis à regular constituição e segurança jurídica dos atos que compõem o processo" (BONILHA apud NEDER e LOPEZ, 2002, p.65).
Deve-se sempre ter em conta que o Estado não possui interesse subjetivo nas questões controvertidas no processo, senão para certificar-se da validade jurídica dos atos praticados por seus agentes. Portanto, ressalvadas as situações em que a lei exija, expressamente, certa formalidade, devem ser relevadas pequenas incorreções de forma, corrigida a instância quando a petição for dirigida à autoridade diversa da competente para proferir o despacho ou a decisão, de maneira a tornar simples o acesso do administrado ao processo, desde que não prejudique a sistematização necessária à sua tramitação.
E é esta a orientação do artigo 2º, inciso IX da Lei 9.784/1999, o qual preconiza a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado graus de certeza e respeito aos direitos dos administrados".
Ainda que não se desprezem algumas formalidades, a regra não é a predeterminação de forma para regularidade do ato processual. A exemplo do estabelecido no artigo 154 do Código de Processo Civil, os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente o exigir. Ainda assim, reputam-se válidos os atos que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
2.3.3 Oficialidade
Para Maia (1999), o princípio da oficialidade (impulso oficial) resume-se na obrigatoriedade da própria Administração, sob pena de responsabilização dos seus agentes, de ter que executar de ofício todos os atos que estejam dentro de sua competência, independentemente de provocação do sujeito passivo ou de qualquer ato ou ordem superior.
Contrapõe-se ao princípio da inércia, aplicável ao processo civil e que procura preservar a neutralidade do julgador que age apenas quando provocado pelas partes e no limite dos seus pedidos. Nesse caso, a falta de iniciativa das partes enseja o encerramento do processo.
A Lei 9.784/1999, artigo 2°, inciso XII, determina a impulsão de ofício do processo administrativo, sem prejuízo da iniciativa dos interessados.
O Decreto n° 70.235/1972, a seu turno, prescreve, no artigo 18, que a autoridade julgadora pode determinar ex officio a realização de diligências ou perícias que entender necessárias.
2.3.4 Gratuidade
Mello (2009) expõe que os procedimentos administrativos fiscais devem ser gratuitos porque são realizados no atendimento do interesse do Estado em promover sua autotutela, através dele pretende-se garantir que o procedimento administrativo não seja causa de ônus econômicos ao administrado.
No âmbito do processo administrativo federal, o princípio em referência fora consagrado no inciso XI, do parágrafo único, do artigo 2º, da Lei nº 9.784/1999, ao estabelecer a proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei.
Destarte, o princípio da gratuidade resulta na impossibilidade de cobrança de quaisquer despesas processuais, no âmbito do contencioso administrativo tributário, de forma que não sejam impostos obstáculos ao acesso dos administrados à instância administrativa.
2.3.5 Objetividade da ação fiscal
O princípio da objetividade não permite que se invoque, no curso do processo administrativo fiscal, outras situações ou tributos não especificados no escopo original do procedimento.
Emerenciano citado por Janczeski explica:
[...] O fiscalizado, para poder realizar eficaz defesa, necessita possuir elementos para poder insurgir-se contra os atos que afetem a órbita de seus direitos públicos subjetivos. Conhecer as razões constitui-se em garantia mínima para um adequado exercício de eventual direito de defesa e acesso ao judiciário para impedir eventuais violações. (JANCZESKI, 2006, p.93)
A Suprema Corte Brasileira homenageou o princípio da objetividade da ação fiscal em sua Súmula 439, a qual preceitua que “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação”.
No âmbito da Receita Federal do Brasil o procedimento de fiscalização é instaurado por meio de instrumento específico denominado Mandado de Procedimento Fiscal, o qual, previamente, define os limites da ação fiscal a que estará submetido o sujeito passivo, coibindo incidentes arbitrários por parte do agente fiscalizador e conferindo maior transparência à relação Fisco-contribuinte.