Introdução
As mudanças são inevitáveis. Os costumes mudam a cada ano, a cada dia. A velocidade com que os veículos de comunicação vêm trazendo novas informações, e a facilidade de acesso a elas, vem modificando a forma com que passamos a nos ver, e também agilizando o conhecimento e socializando a informação. Não só pela influência dos meios de comunicação, mas, também pela influência de nós mesmos, a cada tempo há uma revolução diferente a ser feita.
Este trabalho tem como objetivo principal o estudo da possibilidade de comportamento provocador das vítimas menores de quatorze anos nos crimes sexuais. Pretende-se estudar aqui, não só os aspectos jurídicos desta questão, mas também os aspectos vitimológicos que envolvem este tema.
A Legislação brasileira resguarda a liberdade sexual do indivíduo com bastante seriedade, imputando severas penas a quem infringe os preceitos nela vigentes. De uma forma bastante interessante, o legislador pátrio protegeu também, e de maneira ainda mais rigorosa, a sexualidade de certos indivíduos que, de acordo com a lei penal, não são capazes ou não podem dar seu consentimento para ato de tal natureza.
Porém, este conceito vem sendo modificado, principalmente com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, que vê as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e obrigações. O ECA entende que o adolescente tem capacidade de discernir quanto às infrações penais, imputando medidas sócio-educativas aos infratores, como a internação em estabelecimento educacional.
Se este moderno Estatuto tem uma visão mais ampla e atual quanto ao crime, como não considerar as evoluções no campo sexual do indivíduo? Como não concordar que o adolescente de hoje tem plena capacidade de consentir com uma relação sexual?
Levando em consideração essa possibilidade de consentimento, o trabalho a seguir exposto demonstrará que existe também a possibilidade de um comportamento provocador por parte dessa vítima, e essa condição poderá trazer conseqüências no mundo jurídico.
A Possibilidade do Comportamento Provocador da Vítima Menor de 14 Anos
Para que se possa afirmar que nos casos de violência ficta os princípios da Vitimologia possam ser usados, necessário se faz demonstrar que em muitos casos um menor de quatorze anos pode dar um consentimento válido. Isso se mostra imprescindível pois, se restar provado que, em nenhuma hipótese, o menor anteriormente mencionado é capaz de dar o seu consentimento, não há que se falar em comportamento provocador dessa vítima.
Por outro lado, quando se afirma que uma pessoa estava em plenas condições de dar o seu consentimento, de que tinha completa certeza do que estava fazendo, é claro, pode-se dizer que essa pessoa pode ter um comportamento provocador. Aqui, não há que se dizer somente do menor de quatorze anos, mas também do alienado mental, que pode, em algumas hipóteses, ter plena ciência dos assuntos relacionados ao sexo, pois não é raro que o doente mental seja alheio somente a alguns assunto e que seja completamente capaz de discernir a respeito de outros
Não se quer explicar aqui somente da evolução dos costumes e de como os jornais, revistas, televisão têm uma grande influência no comportamento das pessoas. Nem tampouco o quanto a legislação brasileira se mostra ultrapassada em relação à realidade. Quer se mostrar também que a Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) fez uma grande mudança em relação à visão que se tinha sobre o adolescente.
A evolução pela qual a sociedade brasileira passa, em especial desde 1940, quando foi publicado o atual Código Penal, é extraordinária. Desde os costumes, o comportamento, até à Ciência e à Tecnologia, tudo se modificou. O linguajar, a forma aberta com que o tema "sexo" passou a ser abordado, o grande acesso à mídia e, conseqüentemente, informações. As doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS, trouxeram ao público uma gama muito grande de informações a respeito de prevenção à doença, vulgarizando as relações sexuais. O problema da gravidez precoce também fez com que as escolas se preocupassem com o assunto, tentando orientar os alunos a respeito de métodos de contracepção.
Todos esses problemas pelos quais passamos hoje trouxeram para a imprensa, de uma forma bastante veemente, orientações a respeito de sexo para os jovens (e também adultos desinformados), pois estes são o público alvo das campanhas de prevenção às doenças e à gravidez precoce. Por outro lado, não há que se esquecer que muitas vezes o assunto sexo foi banalizado por estes mesmos veículos de comunicação de massa.
Como exemplo dessa banalização, tem-se a Internet, que possibilita livre acesso a sites pornográficos, sem qualquer ressalva. Mesmo que, no Brasil, a Internet ainda não seja acessível a todos, este é um poderoso meio de comunicação que vem crescendo de forma espantosa nos últimos anos. Quanto mais a Internet se torna acessível, mais pornografia ela sustenta, pois não há nenhum critério de hospedagem de páginas pessoais, desde que não firam a lei (como a pornografia infantil). Quanto mais o tempo passa (em se tratando de tecnologia em computação, pode-se contar por meses) mais cedo as crianças têm acesso a esse tipo de "informação", já que é difícil um controle por parte dos pais.
A mídia também, por outro lado, faz com que meninas se transformem em mulheres cobiçadas, principalmente no mundo da moda e cinema. Essas meninas são exemplos de beleza e comportamento, que são seguidos justamente pelo seu público alvo, qual seja, as próprias adolescentes. A aparência e comportamento de mulher brilham nas passarelas e movimentam muito dinheiro.
Porém, é claro, não há que se esquecer que o País é de imensas terras e que não se pode contar com a acessibilidade da informação trazida pela imprensa por todos. Não se pode dizer que todos os adolescentes menores de quatorze anos têm um nível de informações que possibilita um consentimento válido, pois isso, seria excluir os que não têm acesso a essas informações (o que não se faz tão raro assim). Não se pode, pois, comparar um adolescente que vive em grandes centros, como as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, com mesmo adolescente que mora no interior nordestino. Esse, por muitas vezes não sabe sequer ler.
Frisa-se aqui a palavra adolescente, pois não vislumbro a possibilidade de a criança dar um consentimento válido, salvo raríssimas exceções, que devem ser analisadas com extrema cautela.
Para que haja justiça quanto a validade ou não de um consentimento dado por um adolescente menor de quatorze anos, ou como foi dito acima, excepcionalmente por uma criança, é necessário que seja feita uma análise minuciosa na personalidade, caráter, cultura e comportamento dessa pessoa. É claro que o acompanhamento do caso por profissionais (médicos, psicólogos, etc.) é exigível, pois somente laudos especializados poderão dizer qual a capacidade desse indivíduo. Portanto, não é qualquer pessoa sem formação específica que poderá aventurar-se a dizer que aquele adolescente envolvido em uma relação sexual era plenamente capaz de dar o seu consentimento. Também, é claro, é preciso que o interessado que argüir essa capacidade, possa prová-la.
A prova de capacidade de consentimento só se torna possível quando o magistrado (ou o tribunal) entende que a presunção do artigo 224, alínea a, do Código Penal pátrio é relativa, pois nesse tipo de presunção, faz-se possível a produção de prova em favor do réu.
Uma posição bastante interessante do magistrado Márcio Bártoli, é no momento de fixar a época em que a pessoa está apta a dar o seu consentimento em uma relação sexual. Diz o autor que não é possível determinar que em um dia a pessoa não está apta a dar o seu consentimento e no outro dia ela está. Por isso, o juiz critica o critério de fixação da maturidade pela idade da pessoa. Talvez, o melhor critério de fixação da autodeterminação sexual de uma pessoa, seja o critério da antiga União Soviética, que dizia da "madurez sexual da vítima". Somente haveria violência ficta se a vítima não tivesse atingido a sua maturidade sexual.
"Determinar o conceito do que seja liberdade sexual das pessoas não constitui tarefa gravosa. A dificuldade apresenta-se, em verdade, no momento de fixar a época em que a autodeterminação sexual pode ser exercitada livremente. É comum vincular-se tal ocasião a uma determinada faixa etária. Mas, o que se tem é que tal critério é de manifesta impropriedade, porque significa que a pessoa adquire a capacidade para decidir, com liberdade, sua vida sexual ao atingir uma idade, legalmente prefixada, mas está proibida de fazê-lo, até a véspera de completar tal idade. Essa postura de rigidez atrita contra a lógica e o bom senso, porque não pode existir uma passagem brusca da privação de liberdade sexual para o exercício pleno dessa liberdade[1]".
Como já foi exposto, parece-me que a antiga União Soviética tinha a forma mais justa de se analisar se era possível atribuir violência ficta a certo crime sexual, analisando a maturidade sexual de cada vítima. Dessa forma, havia uma individualização do crime, respeitando as particularidades de cada ofendido.
Porém, mesmo que a nossa legislação fixe uma faixa etária que considera ainda imatura para o sexo (menores de quatorze anos), ainda será possível, se o magistrado ou tribunal acreditar que se trata de presunção relativa de violência, provar que aquela vítima tinha plena capacidade de consentir com a relação e assim o fez. Portanto, a faixa etária serviria somente como um parâmetro para que se soubesse a partir de quantos anos não haveria, de forma alguma (a não ser por eventual incidência das outras alíneas do artigo 224 do Código Penal), a violência ficta. Por exemplo, pode-se dizer que se o "ofendido" for maior de quatorze anos, não haverá violência ficta, portanto, não haverá crime. Se a vítima for menor de quatorze anos, pode se dizer que talvez tenha havido um crime com violência ficta, desde que não reste provado que essa vítima tinha autodeterminação sexual. Isso seria o ideal.
Os veículos de comunicação, obviamente, não têm o poder de revogar as Leis, mas, servem como um espelho da sociedade atual, de sua evolução, e de seus novos costumes. A imprensa traz ao público as novas tendências e pode influenciar na revogação de leis antiquadas e publicação de leis mais atuais, condizentes com o comportamento social.
Portanto, pode-se afirmar que se for possível demonstrar a capacidade do adolescente menor de quatorze anos de consentir com uma relação sexual, e que, conseqüentemente, não houve crime porque sequer houve violência ficta (uma vez que o a inocentia consilli que o legislador quer proteger não existe mais na vítima) haverá a plena aplicação da justiça.
Não bastasse essa grande evolução nos costumes que vivenciamos a cada dia, há na nossa legislação algo mais concreto que mostra que o adolescente de hoje tem plena capacidade de consentir: o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA trouxe a possibilidade até da aplicação de pena restritiva de liberdade ao adolescente (entre 12 e 18 anos) porque considera que este possa cometer ato infracional. Portanto, considera o Estatuto que o adolescente entre 12 e 18 anos tem plena capacidade de entender o caráter ilícito e reprovável da sua conduta, que merece ser punida.
Transcreve-se, pois, o artigo 105 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) para melhor ilustração:
"Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão às medidas previstas no art. 101[2]".
Reconhece, então, o ECA que até a criança pode cometer ato infracional e estará sujeita a uma sanção (medida protetiva) se acaso cometê-la. E o próprio Estatuto dá o conceito de "ato infracional", qual seja, "a conduta descrita como crime ou contravenção penal". Também traz esse Estatuto, em seu artigo 112, a possibilidade de aplicação de medidas sócio-educativas aos adolescentes que praticarem ato infracional, quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e, por fim, qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.
Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu bojo a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional como formas de punição ao adolescente infrator.
"Já não existe menor dúvida, como se percebe, que o inimputável no Brasil (assim considerados os menores de dezoito anos, conforme o art. 104 da mesma lei) pode praticar crime ou contravenção. O que se modifica (e cuida-se de mudança puramente formal, eufemística) é o nome: legalmente tal infração chama-se ato infracional[3]".
Se o legislador considerou que um adolescente tem capacidade para discernir o certo do errado, que pode ser até internado porque cometeu ato infracional, isso mostra que o legislador de 1990 já acreditava que o adolescente dessa época já tinha sim capacidade de dar um consentimento válido porque, se tomarmos o exemplo de um crime cometido por um adulto, e um adolescente colaborar para essa infração (havendo concurso de pessoas entre eles, art. 29, caput, do Código Penal) ele poderá ser punido com tal internação. Se ele foi punido porque aderiu à vontade ou proposta da pessoa adulta, considera-se então que esse seu consentimento seja válido.
Por que, então, não considerar válido o consentimento do adolescente menor de 14 anos quanto aos assuntos relacionados ao sexo? Se acaso ele possa consentir com um ato infracional (crime ou contravenção), com mais propriedade pode-se dizer que esse adolescente já tem capacidade para consentir com uma relação sexual.
"O reconhecimento legal de que o adolescente (entre doze anos e dezoito anos) está sujeito a medidas sócio-educativas (só formalmente diferentes das sansões penais), inconfundíveis com as aplicadas ao menor (medidas de proteção), é a prova mais que suficiente de que o legislador agora nele entreviu certa capacidade de discernimento, de compreensão.[4]".
Percebe-se, então, que o legislador de 1990 (ECA) vê de forma bastante diferente do legislador de 1940 (Código Penal) a capacidade de compreensão do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente está bem mais atualizado quanto aos novos costumes e maior nível de informação dos adolescentes de hoje, que já não mais conservam aquela inocentia consilli que o legislador de 1940 tanto tentou resguardar. O ECA traz a realidade à tona, mostrando que as legislações sempre devem se modernizar.
"Para se sujeitar a medidas punitivas do ECA a vontade do adolescente é válida. Para anuir a um ato sexual não seria? Que diferença fundamental existiria entre compreender o caráter ilícito do fato criminoso (dentro de certas limitações, é verdade) e compreender o caráter sexual de certos comportamentos, ainda mais quando se considera que esta última, em geral, surge antes daqueloutra? Que sentido tem, destarte, depois do ECA, a presunção legal do art. 224[5]"?
Apesar de concordar com o autor acima citado, vejo com certo exagero dizer que o artigo 224 do Código Penal, após a publicação do ECA, não tem mais sentido, porque não há que se esquecer dos menores de 12 anos, que, mesmo pelo ECA, apesar de poderem cometer ato infracional, são punidas somente com medidas protetivas. Então, para os menores de 12 anos, o artigo 224 do Código Penal, ainda é bastante válido.
Uma situação interessante que pode facilmente ocorrer: um adolescente menor de 14 anos mantém relação sexual com outro adolescente da mesma idade. O que acontecerá? O primeiro adolescente, será punido porque, pelo Código Penal, cometeu estupro com violência ficta, e pelo ECA, cometeu um ato infracional grave, por isso, poderá ser até punido com uma internação, já que tem capacidade de entender o "caráter ilícito" do ato. Por outro lado, estará sendo punido porque a "vítima", que tem a sua mesma idade, não tem capacidade de entender aquele ato libidinoso, e por isso, seu consentimento é inválido. Enquanto um adolescente menor de quatorze anos pode até ser internado porque praticou ato libidinoso com outro adolescente da sua mesma idade, esse outro adolescente, pela lei Penal, não tem sequer capacidade de consentir com aquele ato.
Não se pode dizer mais que o adolescente menor de quatorze anos é imaturo para a compreensão do caráter sexual do ato. A ficção jurídica do artigo 224, que diz que esse adolescente ainda mantém sua inocentia consilli, não tem mais sentido, a não ser pela sua aplicação à vítima criança, ou seja, menor de 12 anos, analisando-se, como dito acima, cada situação.
Além do artigo 112, do ECA, que traz as medidas sócio-educativas, há também os artigos 171 e ss, que trazem da apuração do ato infracional atribuído ao adolescente e também suas garantias processuais. Portanto, considera o adolescente parte no processo que irá apurar os atos infracionais cometidos por ele. Outro artigo interessante trazido pelo ECA, é o artigo 190, que prevê a intimação da sentença na pessoa do adolescente, caso a medida sócio-educativa a ser aplicada seja a internação.
O ECA, portanto, prevê que o adolescente tem "legitimidade passiva ad causam para o procedimento infracional, capacidade para o procedimento infracional, capacidade para a intimação da sentença, para ser ‘interrogado’, etc.[6]" e, conseqüentemente, "a fortiori, nos dias que correm, é evidente que tem capacidade também para compreender o caráter sexual de alguns atos humanos[7]".
Agora, já demonstrada a capacidade de consentir do adolescente menor de quatorze anos, à conclusão que se pode chegar é de que esse menor pode ter um comportamento provocador.
"Se se quisesse estabelecer um conceito operacional de vítima provocadora, para viabilizar uma mais ampla compreensão do que aqui é dito a respeito da conduta desse tipo de vítima, poder-se-ia afirmar que uma vítima enquadrada nessa modalidade, quando referida a um crime sexual, é ‘aquela que, sob a influência de móveis estritamente pessoais, teleologicamente afinados com os do vitimizador, e determinados por suas próprias idiossincrasias sexuais, deflagra um processo sinalagmático de estimulação de respostas por parte do vitimizador, as quais vêm a se constituir, no limite, em projeção, sobre a pessoa da vítima, de atos/fatos produzidos pelo vitimizador na esfera de sua sexualidade’[8]’".
Pela conceituação de vítima provocadora acima citada que, em outras palavras, é aquela que, de alguma forma, contribuiu para o crime, porque provocou, de qualquer maneira, aquela ação criminosa do agente; é necessário que a vítima tenha vontade própria e capacidade de responder pelos seus atos.
A vontade, nessa situação, tem que ser livre de qualquer vício, ou seja, a vítima tem que querer, de qualquer maneira, participar da ação, mesmo que essa vontade seja inconsciente. Porém, pode ocorrer de a vítima participar da ação, provocando o agente mas, não querer o resultado, ou não acreditar que ele realmente venha a ocorrer. Mesmo assim, essa vítima, pode-se dizer, tem vontade própria e, qualquer pessoa normal, poderia prever aquele resultado, haja vista essa provocação.
A capacidade da vítima de responder pelos seus atos, na legislação brasileira, está ligada à sua faixa etária e/ou a sua sanidade mental. Os alienados mentais não têm capacidade de responder por algumas de suas ações, ou por qualquer uma de suas ações, dependendo da sua enfermidade. Portanto, não podem ser consideradas vítimas provocadoras, já que qualquer provocação que venha de sua parte é considerada nula, ineficaz. Por outro lado, aqui foi exposto que o adolescente menor de quatorze anos tem capacidade de consentir, porque, até mesmo para a nossa legislação, a mais recente (ECA), ele pode ser responsabilizado por seus atos e deverá cumprir uma pena, que poderá, inclusive, chegar à internação. Mas, como já foi dito, considera-se que a criança (menor de doze anos) não é capaz de responder por seus atos e, portanto, a seu comportamento provocador não pode ser considerado.
Tomando-se por base o artigo 224 do Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os estudos de Vitimologia, chega-se à conclusão de que o adolescente menor de quatorze anos pode ter um comportamento provocador e, conseqüentemente, ser uma vítima provocadora. Mas, como no artigo 224 a violência real não é usada, pois este trata somente da violência ficta, diz-se, então, que se esse adolescente manter relação sexual com alguém, ele não poderá ser chamado de "vítima", porque sequer houve crime. Não houve violência real (e nem pode se considerar a violência ficta, devido a capacidade de discernimento desse adolescente), o adolescente tinha capacidade de entender o que estava se passando e dar um consentimento válido e, portanto, não houve crime.
Porém, mesmo que tenha havido um comportamento provocador por parte da vítima, a violência nunca é justificável. Não se pode "perdoar" um crime sexual porque a vítima provocou o agente. O que se pode, no máximo, é diminuir a pena cabível ao criminoso, já que, teoricamente, sem a provocação da vítima, não haveria o crime.
Em se tratando de vítima provocadora adolescente menor de quatorze anos, se se considerar que esse adolescente tem capacidade de dar um consentimento válido e que houve uma provocação por parte dela (já que pode, como visto, ser considerado vítima provocadora), também deveria haver uma diminuição na pena do agente, de acordo com o artigo 59, "caput", do Código Penal Brasileiro, caso contra ele ocorresse crime com violência real (já que a ficta não pode ser considerada, pois está presente a capacidade de consentir).