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Da continuidade dos serviços públicos essenciais de consumo

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4.0 Cobrança pela Prestação de Serviços Essenciais

Caracterizado o serviço como essencial, reveste-se da inabalável obrigação de continuidade de sua prestação, seja pelos "Órgãos Públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento..."[23] sob pena da ocorrência de danos materiais e morais irreversíveis na esfera do consumidor.

O que mais ocorre na sociedade no que diz à cobrança – meio para compelir ao pagamento de obrigações - de tais serviços é o corte e desligamento do serviço essencial, o que pela própria e expressa redação do artigo 22 citado, é ilegal.

Note-se que a maior parte destas interrupções ilícitas ou mais popularmente conhecidas como "cortes", ocorrem pela impontualidade no pagamento das obrigações assumidas pelo consumidor, que se diga, pode ocorrer sem que seja sinal de inadimplência eterna. E neste ponto, cita-se inestimável doutrina do professor Reynaldo Andrade da Silveira:

"Creio que há de se repensar a questão do "corte" de fornecimento, puro e simples, de água e energia elétrica do cidadão. Diferentemente do corte da linha telefônica, água e energia elétrica, são bens da vida de capital importância e seu abrupto seccionamento causa inúmeros transtornos ao ser humano. Não há equivalência direta entre o não-pagar e o corte. Esta é medida duríssima que penaliza uma família ou empresa inteira, muitas já penalizadas por outras sanções do Estado brasileiro, pródigo em tantas punições ao cidadão, mormente agora quando o País passa por um a processo recessivo sem precedentes, que se apresenta com um nível alto de desemprego e escorchantes taxas de juros. Ademais, o prazo de "corte" é sempre curto e quem já está privado de outros bens da vida, pode por dificuldades financeiras ficar sem água e luz, pela simples impontualidade no pagamento. Noto, também que uma fatura mensal de água e luz tem mais força, na prática, do que uma sentença judiciária, porquanto, nesta na maioria das vezes, quando impugnada por recurso, tem efeito suspensivo. Naquela, é necessário pagar para impugnar o lançamento. Não se pode perder de vista, que as estatais que controlam esses fornecimentos também erram (e como), muito embora haja uma presunção (errada) que o sistema é infalível. Melhor seria que não paga a dívida, o serviço continuasse sendo prestado, assegurado o direito de a empresa fornecedora de cobrar a dívida judicialmente. Uma posição intermediária, poderia ser a do racionamento desses serviços. Assim, não paga a fatura mensal, a empresa fornecedora poderia ir racionando o fornecimento desses bens, por uma, duas ou mais horas por dia. O que é inaceitável é o abrupto "corte", que pode comprometer a saúde e até a vida de muitos consumidores, mormente de pessoas idosas e crianças."[24]

Pela regra do artigo 42 do Código do Consumidor, este, apesar de inadimplente, "não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça." Entenda-se aplicáveis os preceitos dos artigos 42 e 71 do CDC apenas às cobranças extrajudiciais[25] onde ocorrem a maioria dos abusos em relação ao consumidor e aos serviços essenciais.

Não obstante a isso, o artigo 71 do CDC descreve como crime o fato da utilização:

"na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer."

O fato do "corte", deve ser recriminado no Ordenamento Jurídico no que diz aos serviços essenciais, pois se de tal natureza, configuram-se indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos, até porque, se aplicarmos o Princípio da Proporcionalidade Constitucional[26] poderemos constatar que a medida de restrição de direitos em questão, não é adequada(Geeignegnetheit)[27] de vez que o meio escolhido, o "corte", e o resultado pretendido, o pagamento, não têm qualquer relação a não ser de humilhação do consumidor; também não é necessária(Enforderlichkeit)[28], pois anular um direito a um serviço essencial, não irá resolver o débito existente; como também não é proporcional em sentido estrito (Verháltnismässigkeit)[29], pois trás intenso gravame à dignidade, à vida e às relações sociais do consumidor em detrimento da prestadora do serviço essencial que deve arcar com o risco comercial de suas atividades.

Portanto, o "corte" como medida para obtenção do pagamento da obrigação não é proporcional[30] ou sequer razoável, à restrição do direito de uso dos serviços essenciais pelo consumidor.

Ora, porque o prestador destes serviços essenciais não se utiliza do racionamento como proposto pelo eminente Mestre citado? Mas, asseveramos, nunca o "corte". O direito de cobrar que tem as prestadoras de serviço essencial, não pode vir a restringir tal serviço por completo, pois verdadeiros direitos essenciais do homem. Tal atitude, configura o abuso de direito, e de direito essencial, pois "o ato de cobrar não pode ser confundido com o de humilhar."[31]


5.0 Conclusão

Preferimos neste texto afirmar um conceito para os serviços ditos essenciais, como indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos, para que não permanecesse ao critério do bom senso para cada situação tendo em vista o tempo e espaço. De outro lado, percebe-se que os serviços essenciais não têm o tratamento na Sociedade que lhe dá a legislação vigente, nem tampouco a Constituição Federal de 1988, e estão a ser subtraídos a toda forma dos consumidores, sem qualquer respeito.

Não chegou ainda aos prestadores de tais serviços a consciência de que um serviço essencial é na verdade um direito essencial ou fundamental à subsistência digna do ser humano, e portanto, deve sempre estar livre de soluções de continuidade, não apenas pela ilegalidade, mas pelo próprio bem-estar do homem (artigo 3º, IV da Constituição Federal de 1988).

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6.Notas

1.BRASIL. LEI Nº 8.078/90. Código de Proteção e Defesa do Consumidor, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Coleção Saraiva de Legislação, 11ª edição, São Paulo : Saraiva, 1999, p. 8.

2.In Acórdão do STF – 2ª Turma, CT 17536, Rel. Min. Edgard Costa, publicado no DJ de 30.04.1956.

3.BRASIL. LEI DELEGADA nº 04/62, de 27 de setembro de 1962 com retificação em 2.10.62. Dispõe sôbre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo.

4.In Acórdão Unânime do STJ – 1ª Turma, RESP 199762/PE, Rel. Min. José Delgado, publicado no DJ de 01.07.99.

5.BRASIL. LEI Nº 7.783 de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

6.As normas jurídicas podem ser classificadas quanto a esfera de atuação de onde se aplicam, em Nacionais quando seu conteúdo não tem destinatários específicos, aplicam-se a todos os nacionais a exemplo do CDC; Federais quando há destinatários específicos como os do Regime Jurídico Único dos Servidores da União; Estaduais quando servem aos Estados-membros e por fim aos Municipais nos mesmos termos.

7.Por uma interpretação gramatical mais atenta vê-se que o fato de a expressão "define as atividades essenciais" estar entre vírgulas, mostra sua autonomia em razão das outras matérias versadas no texto legal.

8.BRASIL, LEI Nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências.

9.GRINOVER, Ada Pellegrine, e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 4ª edição, Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1995, p. 140.

10.NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 306.

11.Idem, p. 307.

12.No mesmo sentido os Acórdãos do Tribunal de justiça do Paraná nº 4.993/14.346/10.097.

13.In MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7ª edição, São Paulo : Malheiros, 1999, p. 68-71.

14.BRASIL, LEI Nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997, Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inc. XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei 8.001 de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989.

15.BRASIL, DECRETO Nº 24.643 de 10 de julho de 1934, Código de Águas.

16.Op. cit., p. 352.

17.BRASIL, LEI Nº 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Em seu artigo 54 dispõe que " Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

18.BRASIL, LEI Nº4.117, de 27 de agosto de 1962. Institui o Código Brasileiro de Telecomunicações.

19.BRASIL, LEI Nº 9.472, DE 16 DE JULHO DE 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.

20.BRASIL, LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

21.Ver item 1.0 deste texto..

22.BRASIL, LEI Nº 8.080 DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

23.In artigo 22, caput do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078 de 11.09.1990..

24.SILVEIRA, Reynaldo Andrade da. Práticas Mercantis no Direito do Consumidor, Curitiba : Juruá, 1999, p. 211.

25.Ibid, p. 206. Versa o Autor que "...somente as cobranças de dívidas extrajudiciais e que decorram, especificamente, de relações de consumo, terão a disciplina – e o amparo – do que prescrevem os arts. 42 e 71, do CDC. As demais terão o tratamento dispensado pelo direito comum.

26.Segundo a doutrina Alemã o Princípio da Proporcionalidade é formado por três elementos: a adequação(Geeignegnetheit), a necessidade(Enforderlichkeit) e a proporcionalidade em sentido

estrito(Verháltnismässigkeit). O Princípio da Proporcionalidade, ou como usa a jurisprudência do STF (HC-80379 / SP, HC 80448 / RN, ADIMC 2353 / ES, AGRAG-269104 / RS), Razoabilidade, saltou da doutrina Alemã e Norte Americana através do Direito Comparado e tem sido usado não apenas como parâmetro constitucional mas acabou por estar sendo aplicado nas outras relações de direito, contratos e medidas

judiciais, a proteger os direitos fundamentais.

27.A adequação ou idoneidade, para o Princípio da Proporcionalidade consiste na relação positiva entre o meio escolhido e o resultado pretendido, o que nos trás a idéia de finalidade.

28.A necessidade ou exigibilidade, está como indispensável à conservação do próprio direito fundamental, assim como o menos restritivo do núcleo possível.

29.A proporcionalidade em sentido restrito, indica que a intangência do núcleo deve ser proporcional ao fim almejado sem que proporcione gravames ao direito ‘diminuído’.

30.Sobre o Princípio da Proporcionalidade ver BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. 2ª edição, Brasília : Brasília Jurídica, 2000.

31.SILVEIRA, Reynaldo Andrade da. Op. cit., p. 205.

Sobre os autores
Amadeu dos Anjos Vidonho Júnior

advogado em Belém (PA), especialista em Direito pela Estácio de Sá - UNESA/RJ, mestrando em Direito pela UFPA, professor da Universidade da Amazônia (UNAMA), associado ao Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI)

Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: mariopaiva@mariopaiva.adv.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIDONHO JÚNIOR, Amadeu Anjos; PAIVA, Mario Antonio Lobato. Da continuidade dos serviços públicos essenciais de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2505. Acesso em: 23 dez. 2024.

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