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Conflitos heterogêneos entre ISS e ICMS

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Agenda 01/08/2013 às 10:26

8. OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Feitas as colocações anteriores, já se tem pressupostos suficientes para adentrar no estudo dos conflitos de competência.

Os conflitos de competência tributária entre ISS e ICMS não são raros. Isso se deve ao fato de que ambos os tributos em comento poderem tributar serviços, e ao fato de que há prestações de serviços com fornecimento de material, são as chamadas operações mistas.

Como anteriormente citado pelo professor Roque Antonio Carraza, os conflitos ora em comento em verdade, pelo rigor técnico, não deveriam ser denominados conflitos de competência tributária, pois a competência de cada ente tributante foi devidamente delimitada constitucionalmente, o que há na realidade é um problema atinente à atividade legiferante.

No que tange os conflitos envolvendo o ICMS incidente sobre serviços e o ISS Aires F. Barreto contrapõem a materialidade de cada tributo e os distingue da seguinte forma:

Em matéria de serviços, portanto, o marco distintivo entre a hipótese de incidência do ISS e do ICMS está, basicamente, na materialidade da atividade econômica considerada: se, configurando serviço, corresponder com precisão, ao conceito de comunicação ou ao de transporte transmunicipal, estará sujeita ao ICMS; se não corresponder, materialmente, nem ao conceito de comunicação, nem ao de transporte transmunicipal, estará sujeita ao ISS (caso o serviço conste da lista).[50]

Já com relação às operações mistas, tendo em vista a função da lei complementar de dispor sobre conflitos de competência, ao analisar tanto a Lei Complementar 116/2003, quanto a Lei Complementar 87/96, verifica-se a existência de previsão expressa para os casos de conflito de competência no caso de operações mistas.

A Lei Complementar 116/2003 em seu §2º, do artigo 1º define o seguinte:

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

[...]

§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

Já a Lei Complementar 87/96 dispõe o seguinte:

Art. 2° O imposto incide sobre:

[...]

IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;

V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.

Contudo, tais previsões legais não parecem ser totalmente eficazes para dirimir os conflitos de competência tributária. Até mesmo, porque se ao se aplicar tais regras pode o aplicador do direito ampliar ou limitar a competência tributária do ente político, violando o quanto preceituado na Carta Magna.

Assim, Aires F. Barreto, assevera que é imperioso se fazer a distinção, prima facie, dos conceitos de mercadoria e material.

A distinção – vital – entre o fornecimento de coisa, qualificável como mercadoria, e a prestação de um serviço, que envolve aplicação de material, repousa, ainda no discernimento entre coisas com meio e coisas como fim.

Diante de operação mercantil a coisa é o objeto do contrato; sua entrega é a própria finalidade da operação. No caso de prestação de serviço a coisa é simples meio para a realização de um fim. A finalidade não é mais fornecer ou entregar uma coisa, mas diversamente, prestar um serviço, para qual o emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio.

[...]

Não é demais repetir que a distinção entre mercadoria e material não está no bem ontologicamente considerado, mas na sua destinação. Se for objeto de mercancia, mercadoria; se for insumo ou requisito necessário à prestação de um serviço, material.[51]

Por assim ser, temos que a distinção entre mercadorias materiais está no fato de que a inexistência do material impossibilita a execução do serviço, porquanto este seja um meio necessário para que se atinja o fim que é a execução do serviço. Já a mercadoria é mero instrumento de mercancia.

Passa-se, assim, ao estudo de alguns casos específico de conflitos de competência tributária.

8.1. FARMÁCIAS DE MANIPULAÇÃO DE FÓRMULAS

A atividade de manipulação de fórmulas é uma das atividades que gera muitas dúvidas quanto a sua tributação.

Veja-se que a manipulação de fórmulas e o aviamento de fórmulas, conforme conceito dado pelo Conselho Federal de Farmácias, no artigo 6º da Resolução 357 de 20 de abril de 2001 são respectivamente:

Art. 6º - Para efeito do controle do exercício profissional serão adotadas as seguintes definições:

[...]

6.25. Aviamento de Receitas - manipulação de uma prescrição na farmácia, seguida de um conjunto de orientações adequadas, para um paciente específico.

6.49. Manipulação - Conjunto de operações farmacotécnicas, realizadas na farmácia, com a finalidade de elaborar produtos e fracionar especialidades farmacêuticas.

A respeito da manipulação de fórmulas, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, em decisão normativa da Coordenadoria de Administração Tributária n.º 1 de 27 de setembro de 2004, foi exarado o entendimento de que é atividade sujeita à incidência do ICMS, com os seguintes fundamentos:

Decisão Normativa CAT 1, de 27-09-2004  (DOE de 28-09-2004)

ICMS - Saída de produtos farmacêuticos obtidos mediante manipulação de fórmulas magistrais e farmacopéicas, realizada por farmácia de manipulação - Incidência

[...]

1. A Consulente, "representante da categoria econômica das farmácias de manipulação de insumos farmacêuticos ou magistrais", apresenta dúvida quanto à incidência do imposto estadual sobre a atividade desenvolvida pelos integrantes da categoria econômica que representa, tendo em vista que a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31/7/2003, " no item 4.07, inclui os 'serviços farmacêuticos' no âmbito de incidência do ISS".

[...]

5. A atividade de manipulação ou aviamento de receita médica caracteriza-se como uma efetiva industrialização, assim considerada, conforme inciso I do artigo 4º do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto 45.490, de 30/11/2000, "qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para consumo" .

5.1 Ora, o produto resultante da industrialização configura uma mercadoria e sua saída está sujeita ao ICMS, com base no inciso I do artigo 2º do mesmo Regulamento, que prevê a ocorrência do fato gerador do imposto "na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular".

6. Nesse sentido, este Órgão Consultivo já se pronunciou reiteradas vezes quanto à incidência do ICMS na saída de produto resultante da manipulação ou aviamento da receita médica, expendendo o entendimento de que se trata, efetivamente, de operação relativa à circulação de mercadorias (medicamentos), incidindo o ICMS na saída dos medicamentos, cuja base de cálculo é o valor da operação, ou seja, o valor total cobrado do adquirente, na regra do artigo 37, I e § 1º, do RICMS/2000.

7. Referida conclusão em nada é alterada pela advento da nova Lista de Serviços, anexa à Lei Complementar nº 116, de 31/7/2003, que inclui entre os seus itens, o 4.07, relativo a "Serviços Farmacêuticos".

8. Como bem lembrou a Consulente (item 3, transcrito), cabe ao Conselho Federal de Farmácia, conforme competência dada pela Lei 3.820/60, que o criou, artigo 6º, alínea "m ", "expedir resoluções, definindo ou modificando atribuições ou competência dos profissionais de Farmácia, conforme as necessidades futuras". (grifo nosso)

8.1 Ora, o Conselho Federal de Farmácia, no uso dessa competência, expediu a Resolução nº 357, de 20/4/2001, publicada no DOU em 27/4/2001, que "Aprova o regulamento técnico das Boas Práticas de Farmácia" e que define "Serviços Farmacêuticos" em seu artigo 6º, 6.71, como "serviços de atenção à saúde prestados pelo farmacêutico". O Capítulo VIII, "Dos serviços farmacêuticos", da referida Resolução, regulamenta os serviços de âmbito farmacêutico, enumerando-os, a saber: aplicação de injetáveis (arts. 78 a 83), realização de pequenos curativos (arts. 84 a 87), nebulização e/ou inalação (arts. 88 a 90), verificação de temperatura e pressão arterial (art. 91), determinação de parâmetros bioquímicos e fisiológicos (arts. 92 a 94) e colocação de brincos (arts. 95 e 96).

8.2 Por outro lado, o referido artigo 6º, que trata de definições, em seu item 6.49 define "Manipulação" como "conjunto de operações farmacotécnicas, realizadas na farmácia, com a finalidade de elaborar produtos e fracionar especialidades farmacêuticas", definindo também, em seu item 6.25, "Aviamento de Receitas" como "manipulação de uma prescrição na farmácia, seguida de um conjunto de orientações adequadas, para um paciente específico". (grifos nossos)

8.3 Já o seu artigo 51 elenca as atribuições inerentes ao farmacêutico no processo de "Manipulação", transcritas parcialmente, abaixo:

‘Artigo 51 - São inerentes ao farmacêutico na manipulação as seguintes atribuições:

(...)

II) especificar, selecionar, inspecionar e armazenar criteriosamente as matérias-primas e materiais de embalagem necessários ao preparo dos produtos manipulados;

III) assegurar que os rótulos ou etiquetas dos produtos manipulados contenham todas as informações necessárias de acordo com a legislação específica;

(...)

V) adquirir insumos de fabricantes/fornecedores qualificados e assegurar que a recepção da matéria-prima seja acompanhada de certificado de análise emitido pelo fabricante/fornecedor;

VII) avaliar a prescrição quanto à concentração e compatibilidade físico-química dos componentes, dose e via de administração;

VIII) assegurar condições adequadas de manipulação, conservação, dispensação e avaliação final do produto manipulado;

IX) atender aos requisitos técnicos dos produtos manipulados;

(...)

XI) determinar o prazo de validade para cada produto manipulado;’

8.4 Resta claro, portanto, da leitura dos dispositivos citados: (i) a caracterização da atividade de manipulação ou aviamento de receita médica como atividade de industrialização, evidenciando-se, da leitura do artigo 51, transcrito, as várias etapas envolvidas no processo de elaboração dos produtos e, (ii) a sua não inclusão nos chamados "Serviços farmacêuticos", previstos no item 4.07 da Lista de Serviços anexa à LC 116/03, claramente delimitados, consoante exposto no item 8.1 da presente.

9. Portanto, conforme conclusão apresentada no item 6, em resposta à primeira questão informamos que a saída de produtos farmacêuticos, obtidos mediante manipulação de fórmulas magistrais e farmacopéicas, realizadas por farmácias de manipulação, sujeita-se unicamente à incidência do ICMS, estando prejudicada a segunda questão proposta."[52]

Contudo, em que pese referida decisão normativa, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a questão, vem decidindo de forma diversa, a exemplo do julgada infra transcrito:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.

ICMS. SERVIÇOS DE MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. NÃO INCIDÊNCIA.

ATIVIDADE QUE CONSTA NA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 118/03.

SUBMISSÃO AO ISSQN.

1. Hipótese em que Estado-membro questiona a incidência de ICMS sobre a venda de medicamentos manipulados por farmácia.

2. "Os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN" (REsp.

881.035/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 26.3.2008). No mesmo sentido: REsp 975.105/RS, Segunda Turma, Rel.Min. Herman Benjamin, DJe de 9.3.2009.

3. O que se agrega são os produtos utilizados pelo técnico à consecução de seu ofício, e não, como pretende o agravante, a mercadoria ao serviço por ele executado. Na verdade, o negócio jurídico travado, diga-se, a manipulação de fórmulas medicamentosas sob encomenda, diz respeito à atividade do profissional. O discrímen está na opção daquele que busca a fórmula e privilegia o labor do técnico farmacêutico ao invés de optar pelo medicamento industrializado, dito "de prateleira".

4. Agravo regimental não provido.[53]

Acertada a decisão do Superior Tribunal de Justiça não apenas pela aplicação da Legislação Complementar, mas sob a perspectiva dos ensinamentos até aqui exposados.

Verifique-se que se considerado sob a perspectiva de uma obrigação de fazer o consumidor ao se dirigir a uma farmácia de manipulação contrata os serviços do farmacêutico para a confecção de um medicamento, conforme preceituado pelo próprio Conselho Federal de Farmácias com “uma prescrição [...], seguida de um conjunto de orientações adequadas, para um paciente específico”.

Tendo-se em vista que se trata de um esforço humano, sem subordinação, sob a égide do direito privado, com a finalidade de se obter um bem específico, de utilidade somente àquele a que se destina, com o fito de remuneração, constante da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, portanto um serviço, sujeito a incidência do tributo de competência municipal.

Veja-se ainda que caso não se tenham os materiais necessários à confecção do medicamente resta inviável a realização da obrigação instituída, portanto os bens corpóreos empregados nada mais são que materiais, pois separadamente cada um dos componentes que integram o medicamento, para o consumidor, de nada valem.

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8.2. CONFECÇÃO DE IMPRESSOS GRÁFICOS

Com relação à confecção de impressos gráficos pretende-se focar o presente estudo na confecção de embalagens para a posterior industrialização de produtos.

Este tema tem sido objeto de muito debate, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que ainda não chegou a uma decisão definitiva a despeito da incidência do ISS ou do ICMS sobre referida atividade.

A atividade de confecção de embalagens encontra-se descrita no item 13.05 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003. Por assim ser, via de regra, se trataria de um serviço.

Contudo, há de se ter muita cautela com referida atividade.

O entendimento assentado na jurisprudência é de que o serviço de composição gráfica relacionado às embalagens sob encomenda são personalizados, caracterizando-se assim como serviço.

Contudo referido entendimento está sendo alterado. É o que se verifica pela decisão do Supremo Tribunal Federal ao apreciar o pedido cautelar em sede de Medida Cautelar em Ação Direita de Inconstitucionalidade n.º 4.389/DF da lavra do Ministro Joaquim Barbosa.

Ao interpretar a legislação de regência à luz dos conceitos constitucionais de prestação de serviços e de circulação de mercadorias, esta Corte definiu que serviços gráficos feitos por encomenda e segundo especificações singulares se submeteriam ao ISS municipal1. Por outro lado, serviços gráficos dos quais resultassem produtos colocados indistintamente no comércio, dotados de características e qualidade quase uniformes, sofreriam a incidência do ICMS estadual.

Como se percebe, a solução seguiu as mesmas razões de ser aplicadas aos programas de computador, divididos em logiciários de prateleira (off the shelf software) e logiciários personalizados (customised software)2.

Penso que os mesmos fundamentos que animaram os precedentes apontados são aplicáveis ao caso, mas com a devida ponderação. Nesta etapa histórica, os conceitos civilistas de serviços e de mercadorias servem de ponto de partida, mas não são suficientes.

Contudo, conforme transparece nos julgados, a distinção entre a prestação de serviços e as operações de circulação de mercadorias é sutil.

No RE 100.5635, a Primeira Turma entendeu que o fornecimento de bebidas e alimentação por bares e restaurantes envolvia concomitantemente a venda de mercadorias (os alimentos preparados) e a prestação de serviços (utilização de mesa, toalha, guardanapo, gelo, trabalho de garçons, porteiro, cozinheiro etc). A indivisibilidade da amálgama serviços-mercadoria não impedia, naquele caso, a diferenciação entre as expressões econômicas de ambas as atividades, devendo a lei estadual “distinguir o preço dos serviços do preço das mercadorias” como condição necessária à cobrança do imposto.

Ademais, a distinção tributária entre operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços não pode sequer ser obtida a partir de fatos naturais. Basta lembrar o fornecimento de água encanada: trata se de mineral perfeitamente tangível, de expressão econômica, mas cuja lavra, beneficiamento e distribuição são costumeiramente classificados como prestação de serviços6.

Como observei em voto-vista proferido nos autos do RE 547.247, a evolução social, técnica e científica tende a tornar obsoletos conceitos há muito tidos como absolutos. Essas mudanças colocam desafios ao legislador e ao Judiciário, na medida em que exigem novos paradigmas para calibrar a carga tributária de acordo com a expressão econômica das atividades, sem serem dissipadas ou exasperadas por puros formalismos7.

Para o aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos, nenhuma qualidade intrínseca da produção de embalagens resolverá o impasse. A solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo.

Conforme se depreende dos autos, as embalagens têm função técnica na industrialização, ao permitirem a conservação das propriedades físicoquímicas dos produtos, bem como o transporte, o manuseio e o armazenamento dos produtos. Por força da legislação, tais embalagens podem ainda exibir informações relevantes aos consumidores e a quaisquer pessoas que com ela terão contato. Trata-se de típico insumo.

Neste momento de juízo inicial, tenho como densamente plausível caracterização desse tipo de atividade como circulação de mercadorias (“venda”), ainda que fabricadas as embalagens de acordo com especificações do cliente, e não como a contratação de serviço.

Aliás, a ênfase na encomenda da industrialização parece-me insuficiente para contrariar a tese oposta. Diante da sempre crescente complexidade técnica das atividades econômicas e da legislação regulatória, não é razoável esperar que todos os tipos de invólucro sejam produzidos de antemão e postos, indistintamente, à disposição das partes interessadas para eventual aquisição. Nem é adequado pretender que as atividades econômicas passem a ser verticalizadas, de modo a levar os agentes de mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo.

Assim, não há como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio.

Por fim, há detalhe final que merece ser exposto. A alíquota média do ICMS é de 18%, muito superior à alíquota máxima do ISS, de 5%. A pretensão dos contribuintes tem amparo econômico e se alinha com a harmonia entre carga e benefício econômico que deve orientar a tributação. Se o ICMS incidir, o valor cobrado poderá ser usado para calibrar o tributo devido na operação subseqüente, nos termos da regra constitucional da não-cumulatividade. Em sentido contrário, ainda que nominalmente inferior, a incidência do ISS agrega-se ao custo da produção e da venda subseqüentes, onerando-as sem a possibilidade de compensação. Não se trata de simplesmente de pagar menos, mas de recolher o que efetivamente devido e a quem é o sujeito ativo previsto constitucionalmente.

Ante o exposto, concedo a medida liminar pleiteada, para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.

Claramente, ainda é cedo para afirmar qual será a posição so Supremo Tribunal Federal em caráter definitivo. Contudo, há de se admitir que tal decisão se coaduna ao todo até então apresentado neste trabalho.

Haja vista que, se a confecção de embalagens for considerada como sendo resultado de um esforço humano de caráter individual, personalizado, não-massificado, estar-se-á diante de um serviço. Mas, contrario sensu, considerando que as embalagens são parte de um processo produtivo, massificado, que são objetos de mercancia, não há razão de tributar tal atividade por meio de ISS, mas sim de ICMS.

Neste sentido são os apontamentos feitos por Thais Helena Morando:

Indubitavelmente, as embalagens, como produtos industrializados, submetem-se à tributação do IPI e do ICMS, já que, como abordado anteriormente, são bens perfeitos e acabados, cuja saída do estabelecimento industrial ou produtor se verifica em razão de negócios jurídicos, translativos de suas respectivas posse ou propriedade.[54]

Outrossim, em consulta tributária realizada perante a Coordenadoria de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo a respeito do tema foi proferida a seguinte resposta:

Resposta à consulta tributária nº 576/2005, de 07 de fevereiro de 2005.

1. A Consulente tem por atividade a fabricação de embalagens plásticas.

2. Descreve o seu processo produtivo como consistente em: (i) transformar polietileno e polipropileno em folhas planas; (ii) imprimir por sistema de flexografia na embalagem, utilizando tinta "quando e o que for solicitado pelo cliente"; (iii) cortar e efetuar soldas, ficando uma única abertura para a utilização da embalagem.

3. Informa que toda a matéria-prima utilizada na fabricação é adquirida pela empresa.

4. Informa, ainda, que, emite nota fiscal de venda de produção do estabelecimento, destacando ICMS e cobrando IPI.

5. A Prefeitura Municipal de Itaquaquecetuba alega que as embalagens são personalizadas e devem ser tributadas pelo ISS, sob o fundamento de que se tratam de impressos personalizados.

6. Solicita manifestação desta Consultoria no sentido de se esclarecer se a atividade de fabricação de embalagens plásticas personalizadas está sujeita ao ICMS ou ao ISS.

7. Em aditamento à Consulta, esclareceu, também, que, o processo de fabricação envolve (i) o recebimento da matéria-prima em grãos, de empresas petroquímicas ou distribuidores de produtos petroquímicos; (ii) a transformação da matéria-prima em filme laminado, na cor, largura e espessura desejados pelo cliente; (iii) a impressão de informação, caso solicitada pelo cliente (marca, logo e outras informações solicitadas pelo cliente); (iv) corte e solda do produto no formato desejado pelo cliente. Informou, também, que entre a gama de produtos que fabrica, encontram-se sacos, sacolas e bobinas. Informou, ainda que os produtos são fornecidos para a indústria em geral, para o comércio, confecções, farmacêutica, postadoras, hotéis, hospitais, condomínios, construtoras, entre outras.

8. Há que se considerar que o potencial conflito de normas a ensejar a manifestação desta Consultoria se circunscreve à definição acerca do possível enquadramento da atividade de fabricação de produtos embalagens plásticas personalizadas na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, mais especificamente no item 13.5, que compreende a "composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia, fotolitografia".

9. Nesse sentido, essa Consultoria, de longa data, tem se manifestado no sentido da não incidência do ISS, mas do ICMS sobre a atividade de comercialização das embalagens fabricadas sob encomenda, por não se caracterizar a alegada prestação de serviço de composição gráfica e impressão de impressos personalizados.

10. A atividade de comercialização de embalagens não se enquadra no conceito serviço de composição gráfica e impressão de impressos personalizados, mas no conceito de operação de circulação de mercadorias, já que:

11. (i) A impressão, no contexto da Consulta, não é um serviço em si, mas parte de um processo produtivo que resulta na venda de mercadorias ao adquirente.

12. Sobre a obrigação havida entre a Consulente e seus clientes, tem-se que a natureza do negócio jurídico aponta para a definição do objeto da prestação como sendo de venda de uma coisa, qual seja, uma embalagem adequada ao acondicionamento e identificação de produto que será fabricado, comercializado ou distribuído pelo cliente.

13. A impressão, por flexografia, de marcas, desenhos, ou outros caracteres que venham a identificar o produto é, no contexto, não um serviço, mas uma de várias partes do processo produtivo de uma mercadoria (embalagem), que continua a ter que atender requisitos de forma, cor, tamanho, capacidade, resistência física, inviolabilidade, dentre outros.

14. (ii) É incompatível cogitar haver prestação de serviços quando a mercadoria vendida deva ser utilizada na fabricação de outros produtos, comercializada ou distribuída:

15. A operação de circulação das embalagens produzidas segundo as características peculiares de determinados produtos, que serão industrializados, é muito comum nos processos industriais dos tempos atuais. A evolução da tecnologia de produção de embalagens leva à especialização, o que determina, via de regra, a preferência da empresa em adquirir suas embalagens junto a fornecedores especializados, ao invés de tentar manufaturar a embalagem internamente.

16. A solução de tributar pelo ICMS a venda de embalagens é, nesse contexto, a mais correta do ponto de vista técnico, posto que a incidência do ISS sobre elos intermediários da cadeia de produção/circulação de uma mercadoria é um inconveniente de longo tempo conhecido dos estudiosos da tributação, que resulta no aumento de custo tributário suportado pela cadeia produtiva como um todo.

17. Imaginemos que se considere a venda da mercadoria embalagem como um serviço. Haveria, deste modo, a não-incidência do ICMS sobre a operação de saída da embalagem. Tal fato implicaria na imposição de estorno dos créditos correspondentes ao ICMS incidente sobre os insumos de fabricação da própria embalagem. Havendo tal estorno, ter-se-ia, para a maioria dos produtos fabricados no Brasil, o aumento de custo tributário, em função da cumulatividade de ICMS gerada e da própria cobrança do ISS no meio da cadeia de circulação econômica da mercadoria.

18. (iii) As embalagens, ainda que fabricadas sob requisitos especificados pelo cliente, são resultantes de produção industrial, não se enquadrando no conceito de personalização característico da prestação de serviços.

19. Quanto ao não enquadramento das embalagens plásticas produzidas no conceito de personalização necessário à caracterização da atividade de prestação de serviços de composição gráfica, há que se considerar que é natural a associação da produção industrial à idéia de busca de redução de custos, obtida em função de ganhos de escala, que, por sua vez, exigem a definição de padrões mais ou menos uniformes para os produtos fabricados.

20. No caso em tela, a Consulente dedica-se a fornecer material de embalagem, que, dentre outras características (segurança contra contaminação externa, vazamentos, atendimento de padrões de resistência, entre outros) contém sinais, marcas, desenhos e informações que permitem a identificação do produto a ser fabricado, comercializado ou distribuído com a embalagem.

21. A alta especialização da indústria de produção de embalagens, para conseguir produzir embalagens que identifiquem corretamente os produtos que serão fabricados, comercializados ou distribuídos por seus clientes, não faz com que a embalagem se revista da característica de personalização que caracteriza um serviço. Isso porque a fabricação de embalagem plástica, dentro de parâmetros rígidos, escolhidos pelo futuro adquirente, se pauta, como regra, pela produção em larga escala, de produtos idênticos entre si, o que determina que a natureza da atividade seja industrial e, por conseguinte, sujeita ao IPI e ao ICMS.

22. Mais do que isso, as embalagens impressas produzidas segundo as determinações do cliente não podem ser denominadas de personalizadas, no sentido próprio que o termo assume na caracterização da prestação de serviços. Isso porque entende-se que um serviço é personalizado, na medida em que predomine a relação pessoal entre prestador e tomador, e na medida em que o serviço prestado se destine à satisfação de necessidades peculiares a um e somente um usuário (tomador ou grupo de tomadores).

23. No caso das embalagens impressas com marcas e desenhos que identifiquem o produto que será fabricado, comercializado ou distribuído pelo cliente, tem-se apenas a padronização da mercadoria vendida, não se podendo dizer, contudo, que haja personalização, já que a distribuição futura a múltiplos destinatários (clientes ou pessoas que se relacionam com o encomendante) destaca a característica de não ser o produto embalagem destinado à satisfação de necessidades peculiares de um só consumidor.

24. Vale, nesse ponto, destacar o exemplo análogo do fornecimento de peças e componentes para a indústria automobilística e a aeronáutica. Atualmente, tais indústrias concentram seus esforços no desenvolvimento de projetos e administração das relações com fornecedores, produzindo internamente poucas partes dos produtos que fabricam. Muitas das peças produzidas e vendidas ao fabricante de veículos e aeronaves por fornecedores especialistas são compatíveis somente com um tipo de veículo ou aeronave, produzido exclusivamente pelo adquirente. Tais peças e componentes são, por vezes, inclusive, identificadas pela impressão da marca do encomendante na peça ou componente fabricado. Ainda assim, não se cogita caracterizar que sejam as peças impressos personalizados, ou que haja personalização a caracterizar a prestação de serviços, sendo tranqüilamente aceita a idéia de que a atividade tem natureza industrial, sujeitando-se ao IPI e ao ICMS.

25. De modo a complementar a fundamentação, transcrevemos, por oportuno, parte das considerações feitas por esta Consultoria, na resposta à Consulta 823/2003, que se aplicam ao caso sob análise:

"...As operações relatadas na inicial, fabricação de embalagens personalizadas, já foram objeto de manifestação desta Consultoria Tributária no sentido de considerá-las tributadas pelo ICMS e não pelo ISSQN.

A matéria encontra-se amplamente analisada na Portaria CAT nº 54/81, cuja leitura recomendamos, que esclarece a incidência de ISSQN quando se tratar de impressos personalizados destinados ao consumo exclusivo do autor da encomenda, excluídos aqueles que, mesmo contendo o nome do autor da encomenda, destinem-se a embalagens ou distribuição, ainda que a título gratuito. Seus artigos 1º e 2º assim dispõem:

"Artigo 1º - O Imposto de Circulação de Mercadorias deixará de ser exigido nas saídas, efetuadas por estabelecimentos gráficos, de impressos personalizados, assim entendidos aqueles que se destinam a uso exclusivo do autor da encomenda, tais como talonários de notas fiscais e cartões de visita.

Artigo 2º - Não se consideram impressos personalizados, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, mesmo contendo o nome do encomendante, se destinem a consumo na industrialização ou na comercialização, tais como rótulos, etiquetas e materiais de embalagem, ou para posterior distribuição, ainda que a título gratuito." (grifos nossos).

Ressalte-se, ainda, que o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, em junho de 1982, celebrou o Convênio ICM-11/82, adotando esse entendimento em nível nacional, nas cláusulas que transcrevemos:

"Cláusula primeira - Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir o recolhimento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias - ICM, na saída de impressos personalizados, promovida por estabelecimento gráfico a usuário...

Parágrafo único - Para os fins desta cláusula, considera-se usuário final, a pessoa física ou jurídica que adquira o produto personalizado, sob encomenda, diretamente de estabelecimento gráfico, para seu uso exclusivo.

Cláusula segunda - A norma prevista na cláusula anterior não se aplica à saída de impressos destinados à comercialização, à industrialização ou à distribuição, ainda que a título gratuito." (grifos acrescentados)..."

26. Pelo exposto, tem-se que a incidência do ISS é incabível na espécie, vez que: (i) não existe no caso a prestação de serviços gráficos e de impressão, mas a produção e comercialização de mercadorias; (ii) não há, tecnicamente, personalização dos itens fabricados e (iii) a prestação de serviços é incompatível com as hipóteses em que a mercadoria vendida deva ser objeto de industrialização, comercialização ou distribuição futura pelo encomendante.

FÁBIO ROBERTO CORRÊA CASTILHO - Consultor Tributário. De acordo. GIANPAULO CAMILO DRINGOLI - Consultor Tributário Chefe – 1ª ACT. GUILHERME ALVARENGA PACHECO - Diretor Adjunto da Consultoria Tributária.[55]

Sobre o autor
Henrique Kazuo Uemura

Advogado, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e pós-graduando em Direito Tributário pela Anhanguera – Uniderp/Rede LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UEMURA, Henrique Kazuo. Conflitos heterogêneos entre ISS e ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3683, 1 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25059. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Título original: "Conflitos heterogêneos entre o imposto sobre serviços de qualquer natureza e o imposto sobre circulação de mercadorias e serviço de transporte intermunicpal e interestadual e de comunicação".

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