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A (in)efetividade da multa ambiental aos desafortunados:

o caso da guarda doméstica de ave não ameaçada de extinção sem autorização da autoridade competente

A aplicação de multa e a inscrição do nome dos cidadãos pobres em cadastros restritivos (Cadin) são medidas desprovidas de efetividade para a tutela do meio ambiente, pois acabam piorando sua situação econômica, em nítida violação da dignidade da pessoa humana.

A preocupação com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sua preservação para as gerações futuras encontram proteção constitucional.

Nesse sentido, dispõe o art.225 da Constituição que:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

Com efeito, a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente é medida indispensável e que deve nortear a atuação da administração pública na defesa e preservação do bem de uso comum.

Não é rara a criação de ave não ameaçada de extinção (papagaio tradicional, por exemplo) sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, mormente em localidades onde a guarda doméstica é tradição popular incorporada aos costumes regionais (adequação social).

Além do cometimento de crime ambiental para tal conduta (art.29, Lei nº 9.605/98), há a devida responsabilização administrativa que, na forma do art. 72 da Lei 9.605/98 e do art. 3º do Decreto nº 6.514/2008, poderá ser punida, em tese, com a sanção de advertência, multa simples, serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente (cf. art.139, Decreto nº 6.514/2008), apreensão dos animais e restrição de direitos.

O procedimento administrativo de escolha da sanção entre as modalidades possíveis, na forma do art. 95 do Decreto nº 6.514/98, deve-se orientar pelos princípios discriminados no art. 2º da Lei 9.784/99, ou seja, pela legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência:

“Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2o da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.”

Destarte, sempre que a aplicação da sanção de multa simples não se mostrar a mais adequada ao caso concreto, ante sua falta de razoabilidade e proporcionalidade, bem como pelo excessivo valor, poderá o Poder Judiciário realizar efetivo controle do ato administrativo, de sorte que estará atuando no controle da legalidade – e não na discricionariedade (oportunidade e conveniência da escolha).

Todo ato administrativo que afronta a razoabilidade e a proporcionalidade é passível de controle, de modo que o Judiciário não estará avaliando a oportunidade e a conveniência do ato; seu mérito, mas a sua legalidade.

Evidente, pois, que a aplicação da multa simples em valor que compromete à subsistência de cidadão desafortunado, quando adequada outra modalidade de sanção que melhor atenda ao interesse público e a sua finalidade, qual seja, educação e proteção ambiental, está no campo do vício de legalidade, cujo controle pelo Estado-Juiz não encontra qualquer óbice jurisprudencial, doutrinário ou legal.

Para a imposição da sanção (penalidade administrativa), tanto o art. 4º do Decreto nº 6.514/2008 como o art. 6º da Lei nº 9.506/98 estabelecem que a escolha da punição deverá observar:

“Art.4º O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções estabelecidas neste Decreto, observando:

I - gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;

II - antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;

III - situação econômica do infrator. (g.n)”

“Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:

I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;

II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;

III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.(g.n)”

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Ademais, na forma do art. 14 da Lei nº 9605/98, são circunstâncias que sempre atenuam a pena:

“Art. 14. São circunstâncias que atenuam a pena:

I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;

II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada;

III - comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;

IV - colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental. (g.n)”

Nota-se, outrossim, que a administração pública deve, necessariamente, motivar a escolha da penalidade entre as modalidades possíveis, bem como seu quantum, com arrimo na gravidade do fato, antecedentes e situação econômica do infrator, sem embargos, por fim, da análise das circunstâncias que sempre atenuam.

Qualquer escolha administrativa sem motivação expressa e contundente é nula por ausência de motivação (art.50 da Lei nº 9.784/99).

A multa simples imposta a infratores da norma ambiental - guarda doméstica de aves não ameaçadas de extinção - em situação de vulnerabilidade econômica e social, é gravame desproporcional e violador da própria dignidade da pessoa humana (art.1º, III, Constituição da República), uma vez que sob o argumento de proteção ambiental coloca-se em risco a subsistência do ser humano.

In casu, a ineficiência da multa ambiental é evidente pela ausência de patrimônio para satisfação da dívida.

É interessante para a efetiva proteção do meio ambiente a imposição de sanção que não será cumprida pela absoluta ausência de patrimônio?

A aplicação da multa (medida costumeira e prioritária na prática) nos casos de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção (infrator vulnerável) viceja ilegalidade, até mesmo pelo fato de que poderá a autoridade administrativa deixar de aplicar a multa considerando as circunstâncias (art.24, §4º, Decreto nº 6.514/2008).

Com efeito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem se posicionado pela substituição da multa simples pela advertência ou prestação de serviços em casos de vulnerabilidade econômica e social daquele que cria ave sem autorização, in verbis:

“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIES DE PASSERIFORMES DA FAUNA BRASILEIRA SEM A DEVIDA HOMOLOGAÇÃO DO IBAMA. MULTA. NECESSIDADE DE ADVERTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. I. In casu, verifica-se que a referida advertência não ocorreu, uma vez que os fiscais do IBAMA, ao observarem que 11 espécimes não constavam na relação de passeriformes, aplicaram multa, sem, contudo, abrir oportunidade para o autor sanar a irregularidade. II. Violação ao Princípio da Legalidade.III. Remessa oficial não provida. (Reoms 2002.38.03.001266-/Mg; Remessa ExOfficio Em Mandado de Segurança, Desembargador Federal Carlos Fernando Mathias, Dj P.192 De 04/12/2006)”

“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. PASSERIFORMES DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA SEM REGISTRO JUNTO AO ORGÃO COMPETENTE. ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA. MULTA. VALOR EXCESSIVO EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO DO EXECUTADO. DISPENSA DA MULTA. HONORÁRIOS.1. Não foi aplicada a pena de advertência, uma vez que os fiscais do IBAMA, ao observarem que as espécimes apreendidas não possuíam registro junto ao órgão competente, aplicaram multa, sem, contudo, abrir oportunidade para o autor sanar a irregularidade.2. A multa no valor de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais) imposta a quem é autônomo, vive de "bicos" que geram renda em torno de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), e não possui registro formal de emprego, conforme atesta cópia da CTPS juntada aos autos, aparenta manifesta desproporção, infligindo sanção que destoa da realidade do apenado.3. A sentença recorrida não merece reparos, tanto mais quando a própria Lei nº 9.605/98 prevê a aplicação de penas alternativas mais adequadas ao caso, a teor do contido no § 4º do art. 72, ou ainda, se considerarmos a previsão contida no § 2º do art. 11 do Decreto 3.179/99, que dispõe que em caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção - na hipótese dos autos, tal fato não restou comprovado - a multa pode ser dispensada (art. 29, §2°, da Lei n.° 9.605/98). 4. Consoante a Súmula 421/STJ "os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença".5. Apelação do IBAMA improvida. 6. Apelação do Autor provida. (TRF1 – QUINTA TUMRA - AC 2007.38.00.026058-1 - DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA)”

“ADMINISTRATIVO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA QUE SUSPENDEU A EXIGIBILIDADE DE MULTA APLICADA PELO IBAMA: MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA - VALOR EXCESSIVO EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO DO EXECUTADO - EFEITO SUSPENSIVO NEGADO - AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Manifestamente excessiva multa aplicada em valor muito superior a quem recebe proventos de um salário mínimo, infligindo sanção que destoa da realidade do apenado. 2. Em se tratando de guarda doméstica de animal silvestre não considerados em ameaça de extinção, considerando as circunstâncias dispostas nos art. 6° e 14 da Lei n.° 9.605/98 (gravidade do fato; antecedentes, situação econômica e grau de instrução do infrator), a multa poderá deixar de ser aplicada (art. 29, §2°, da Lei n.° 9.605/98). 3. Agravo não provido. 4. Peças liberadas pelo Relator, em 09/12/2008, para publicação do acórdão. (Ag 2008.01.00.040883/Mg; Agravo De Instrumento, Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, E-Djf1 P.269 De 16/01/2009)”

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA SUSPENDENDO A EXIGIBILIDADE DE MULTA ADMINISTRATIVA POR SUPOSTO CRIME AMBIENTAL (MANTER EM CATIVEIRO PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE SEM AUTORIZAÇÃO). 1- Consoante Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o IBAMA/MG e a Defensoria Pública da União, pode-se converter multa ambiental (por manutenção em cativeiro de 07 pássaros silvestres brasileiros) em medida de cunho educativo (prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação), a teor do art. 72, §4º, da Lei nº 9.605/98, não vicejando a mera vontade do IBAMA em denunciar o aludido pacto, que, enquanto vigente, assegura à autora a conversão aludida, que, ao que consta, ostenta a necessária eficácia comum às sanções (reprimir e educar). 2 - Há previsão legal para que o Juiz deixe de aplicar a pena (§2º do art. 29 da Lei nº 9.605/99 e art. 11, §2º, do Decreto nº 3.179/99) e, no caso, não há notícia de que as aves, embora da fauna silvestre brasileira, estejam em risco de extinção. 3 - Considera-se, também, o perfil sócio-econômico e a conduta da agravada-autuada, pessoa semi-analfabeta e de poucos recursos, que, além de desconhecer a infração cometida, fato comum na realidade brasileira interiorana, demonstrou - no que mais importa - não infligir maus-tratos aos pássaros, criados em ambiente doméstico, sem qualquer exposição de risco ao meio ambiente ou à fauna silvestre; prova inconteste de tais fatos é que permaneceram em seu poder, na condição de depositária, mesmo após a autuação. 4 - Presentes os requisitos do art. 273 do CPC e adotando-se o princípio da insignificância, a suspensão da exigibilidade da multa é medida que se impõe. 5- Agravo não provido. 6 - Peças liberadas pelo Relator, em 23/10/2007, para publicação do Acórdão. (Ag 2007.01.00.024393-6/Mg; Agravo de Instrumento, Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral,  Dj P.226 De 09/11/2007)”

“AMBIENTAL. CRIAÇÃO DE PASSERIFORMES. AUSÊNCIA DE ANILHAMENTO. APREENSÃO PELO IBAMA. LEI N. 9.605/1998. APLICAÇÃO DE MULTA. PREVISÃO LEGAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. INOCORRÊNCIA. CONVERSÃO DA PENA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PREVISÃO NA IN 79/2005. FALTA DE APRECIAÇÃO DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. REINCIDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. 1. O autor foi autuado pelo IBAMA em 22/09/2006, por manter em cativeiro, sem as devidas anilhas, "09 (nove) pássaros da fauna silvestre sem o devido registro junto ao IBAMA, sendo 04 papa-capins, 01 azulão, 01 pintassilgo, 01 coleira baiano, 01 canário chapinha e 01 cigarrinha, o que é crime previsto no artigo 29 da Lei Federal 9605/98 e Decreto 3179/99". Diante de tal fato, tais passeriformes foram apreendidos, sendo lavrado Auto de Infração no valor de R$ 4.500,00. 2. Considerou o juiz: "o autor não demonstrou que a ausência de anilhas tenha se dado por culpa exclusiva do IBAMA, ou que tenha diligenciado no sentido de informar sua situação ao órgão competente, evitando-se, assim, o descumprimento da norma. (...) como não é possível a identificação da origem dos pássaros apreendidos, e considerando que possam te sido capturados na natureza, não há como afastar a possibilidade de lesão ao meio ambiente(...). Passando aos fundamentos da multa imposta, à luz da legislação vigente, não se verifica qualquer vício que possa invalidá-la. (...) a conversão da multa em prestação de serviços é matéria afeta à discricionariedade da Administração que, observando os critérios legais, avaliará a conveniência e oportunidade de sua aplicação. (...) o autor não trouxe a estes autos elementos diversos dos já apreciados no âmbito administrativo, que pudessem ensejar a anulação, seja do auto de infração, seja da multa aplicada, ou mesmo sua redução". 3. A autuação tem fundamento no art. 29, § 1º, inciso III, e art. 72, incisos II e IV, da Lei n. 9.605/1998 - que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente -, e no artigo 2º, incisos II e IV, e art. 11, § 1º, inciso III, do Decreto n. 3.179/1999, que regulamentava a lei supracitada. 4. Por estar prevista em lei a pena de multa, não é caso de ofensa ao princípio da reserva legal. Aliás, pelo fato de "utilizar espécimes da fauna silvestre" em desacordo com a licença obtida, o infrator estava sujeito também à pena de "detenção de seis meses a um ano" (art. 29 da Lei 9.605/98), pelo que não se pode considerar excessiva a pena aplicada. 5. No caso, que não houve suspensão ou cancelamento do registro de criadouro amadorista do interessado, conforme sugerido no parecer do Procurador Federal. 6. No pedido de reconsideração da decisão de indeferimento do recurso administrativo, requereu o autuado lhe fosse aplicada "a pena de multa EDUCATIVA" ou que, se fosse o caso, fosse transformada "a pena de multa em medidas de preservação ambiental". 7. Caberia à Administração motivar o indeferimento do pedido conversão da multa. Entretanto, o IBAMA não se manifestou especificamente sobre esse pedido. 8. Tal alternativa está prevista na Instrução Normativa n. 79/2005, do IBAMA, cujo art. 18 prevê: "Na impossibilidade da reparação ou da indenização do dano ambiental, assim devidamente avaliado pelo Ibama, o infrator poderá pleitear a conversão da multa em prestação de serviços de forma direta ou indireta, objetivando a preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, na forma prevista no art. 72, § 4º, da Lei nº 9.605/98 e 2º, § 4º, do Decreto 3.179/99". 9. Deve-se considerar também não haver registro de que o Autor seja reincidente no cometimento da infração em questão. 10. Em caso análogo, julgou esta Corte: "1. Consoante Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o IBAMA/MG e a Defensoria Pública da União, pode-se converter multa ambiental (por manutenção em cativeiro de 07 pássaros silvestres brasileiros) em medida de cunho educativo (prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação), a teor do art. 72, §4º, da Lei nº 9.605/98, não vicejando a mera vontade do IBAMA em denunciar o aludido pacto, que, enquanto vigente, assegura à autora a conversão aludida, que, ao que consta, ostenta a necessária eficácia comum às sanções (reprimir e educar). 2 - Há previsão legal para que o Juiz deixe de aplicar a pena (§2º do art. 29 da Lei nº 9.605/99 e art. 11, §2º, do Decreto nº 3.179/99) e, no caso, não há notícia de que as aves, embora da fauna silvestre brasileira, estejam em risco de extinção" (AG 200701000243936, Juiz Federal Convocado Rafael Paulo Soares Pinto, Sétima Turma, DJ de 09/11/2007). 11. Apelação parcialmente provida para admitir a conversão da multa em medida de cunho educativo (prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente) a ser estabelecida pelo juiz da execução (AC - APELAÇÃO CIVEL – 200738000064594, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF-1, 5ª Turma, e-DJF1 DATA:30/03/2012 PAGINA:337)”

“AMBIENTAL. CRIAÇÃO DE PASSERIFORMES EM CATIVEIRO. ANIMAIS SILVESTRES JÁ DOMESTICADOS. AUSÊNCIA DE CADASTRAMENTO. APREENSÃO PELO IBAMA. LEI N. 9.605/1998. APLICAÇÃO DE MULTA. CONVERSÃO EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (ART. 18, IN 79/2005). REINCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE READAPTAÇÃO AO MEIO AMBIENTE. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS. MANUTENÇÃO DA GUARDA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. Conforme andamento processual, o Agravo de Instrumento n. 2006.01.00.018787-6, interposto da decisão em que deferida a antecipação de tutela, encontra-se com baixa definitiva. 2. Considerou a juíza: a) quanto à isenção da multa, embora o art.11, § 2º, do Decreto 3.179/99 "trate de atividade discricionária da Administração, cabe ao Judiciário verificar se a ré, ao aplicar a sanção, agiu obedecendo às normas e princípios legais, mesmo porque a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV, dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"; b) "não há nos autos qualquer fundamentação para o indeferimento do benefício ao autor" e "tudo leva a crer que tal benefício não foi sequer cogitado pela Administração"; c) por se tratar de benefício que a lei oportunizou ao particular, não poderia deixar de ser observado pela autoridade administrativa; para que fosse negado, seria imprescindível que houvesse a efetiva análise das circunstâncias fáticas e a fundamentação da decisão, observados os princípios da razoabilidade, da moralidade e da finalidade"; d) "é função do aplicador do direito a adequação da lei à realidade, atento aos fins sociais a que ela se dirige, nos termos do art. 5º da LICC. Dessa forma, entendo extremamente desarrazoada a aplicação de uma multa de R$ 10.000,00 a pessoa com rendimento médio mensal de R$ 300,00". 3. Diz o Autor na inicial: a) "os espécimes estão em perfeitas condições físicas e bem cuidados, corroborando esse entendimento o fato de o autor ter sido nomeado depositário dos animais"; b) os animais já estão domesticados, "seja por terem nascido em cativeiro de pais que já se encontravam na mesma situação, seja por já terem perdido a liberdade há tanto tempo que já se tornaram totalmente dependentes do ser humano, mesmo para suas necessidades básicas, sendo que, se soltos, não tardariam a morrer". Desinfluente, assim, a alegação de que "o autor em momento algum da inicial formula pretensão quanto à guarda dos animais, o que revela a violação pela sentença ao princípio da congruência", razão pela qual não há falar em sentença extra petita. 4. Dispunha o Decreto n. 3.179/99: "Art. 11 (...) § 2º No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, nos termos do § 2º do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998". 5. Administrativamente, peticionou o Autor, de próprio punho: "Fui multado no valor de 10.000 mil reais não tenho como pagar sou pobre e só ganho um salário mínimo e é com este salário que sustento a minha familia(...) não sobra nada mem pra compra alguma coisinha a mais e não tem ninguém que está trabalhando para poder me ajudar" (sic). Pelo que se pode inferir, não se sustenta o argumento de que "o Autor em momento algum no processo administrativo requereu que lhe fosse concedido o perdão da multa". 6. Em caso análogo julgou o TRF da 5ª Região: "como de fato é comum diante de longo convívio (mais de 10 anos), efetivou-se a afetação emocional entre o Impetrante, então depositário, e os animais, já domesticados. Mostra-se inviável a apreensão dos mesmos, para fins de que continuem em cativeiro de posse do IBAMA, longe dos donos a que estão emocionalmente vinculados, bem como a sua soltura em razão da impossibilidade de adaptação ao meio ambiente. Tornaram-se animais que não desenvolveram instintos de caça e de defesa e, provavelmente, não se adaptariam ao convívio com animais de sua própria espécie" (APELREEX 200882000057705, Rel. Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Segunda Turma, DJE de 04/03/2010). 7. De outra feita decidiu o TRF da 4ª Região: "Não faz sentido em mudar-se o 'habitat' de animais silvestres mantidos em cativeiro doméstico por mais de vinte anos, seja pela perda de contato com o 'habitat' natural, seja pelos laços afetivos estabelecidos no novo 'habitat', seja pelo risco de frustrar-se a readaptação com possibilidade de evento letal" (APELREEX 200871070029171, Rel. Desembargador Sérgio Renato Tejada Garcia, Quarta Turma, D.E. de 28/09/2009). 8. Em impugnação à contestação, requereu o Autor conversão da multa em prestação de serviços, ao argumentado de que "não há que se falar em discricionariedade no ato de conversão da multa pela Administração, uma vez que, preenchidos os requisitos legais para o ato, conta o administrado com direito subjetivo à sua concessão". 9. Considerando-se as condições econômicas do Autor e em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, afigura-se cabível a alternativa, prevista na Instrução Normativa n. 79, de 13/12/2005, do IBAMA, cujo art. 18 prevê: "Na impossibilidade da reparação ou da indenização do dano ambiental, assim devidamente avaliado pelo Ibama, o infrator poderá pleitear a conversão da multa em prestação de serviços de forma direta ou indireta, objetivando a preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, na forma prevista no art. 72, § 4º, da Lei nº 9.605/98 e 2º, § 4º, do Decreto 3.179/99". 10. Sobre o tema, deliberou esta Corte: "1. Consoante Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o IBAMA/MG e a Defensoria Pública da União, pode-se converter multa ambiental (por manutenção em cativeiro de 07 pássaros silvestres brasileiros) em medida de cunho educativo (prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação), a teor do art. 72, §4º, da Lei nº 9.605/98, não vicejando a mera vontade do IBAMA em denunciar o aludido pacto, que, enquanto vigente, assegura à autora a conversão aludida, que, ao que consta, ostenta a necessária eficácia comum às sanções (reprimir e educar). 2 - Há previsão legal para que o Juiz deixe de aplicar a pena (§2º do art. 29 da Lei nº 9.605/99 e art. 11, §2º, do Decreto nº 3.179/99) e, no caso, não há notícia de que as aves, embora da fauna silvestre brasileira, estejam em risco de extinção" (AG 200701000243936, Juiz Federal Convocado Rafael Paulo Soares Pinto, Sétima Turma, DJ de 09/11/2007). 11. Deve-se considerar, ainda, não haver registro de que o Autor seja reincidente no cometimento da infração em questão. 12. Apelação parcialmente provida para restabelecer a pena de multa, reduzida ao valor de R$ 1.000,00 convertendo-a em medida de cunho educativo (prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente), a ser estabelecida pelo juiz da execução (AC - APELAÇÃO CIVEL – 200638000069747, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF-1, 5ª Turma e-DJF1 DATA:11/05/2012 PAGINA:1453)”

“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIES DE PASSERIFORMES DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO DO IBAMA. ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA. MULTA. VALOR EXCESSIVO EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO DO EXECUTADO. HONORÁRIOS. 1. Na hipótese, não foi aplicada a pena de advertência, uma vez que os fiscais do IBAMA, ao observarem que 11 espécimes que o autor portava não obtinham licença do órgão ambiental, aplicaram multa, sem, contudo, abrir oportunidade para o autor sanar a irregularidade. 2. Ademais, as multas nos valores de R$ 1.000,00 (um mil reais) e R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais) impostas a quem é Pedreiro e tem renda mensal de R$ 600,00 (seiscentos reais), aparenta manifesta desproporção, infligindo sanção que destoa da realidade do apenado. 3. A sentença recorrida não merece reparos, tanto mais quando a própria Lei nº 9.605/98 prevê a aplicação de penas alternativas mais adequadas ao caso, a teor do contido no § 4º do art. 72, ou ainda, se considerarmos a previsão contida no § 2º do art. 11 do Decreto 3.179/99, que dispõe que em caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção - na hipótese dos autos, tal fato não restou comprovado - a multa pode ser dispensada (art. 29, §2°, da Lei n.° 9.605/98). 4. Consoante a Súmula 421/STJ "os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença", devendo ser decotado da condenação o seu pagamento. 5. Apelação do IBAMA parcialmente provida(AC - APELAÇÃO CIVEL – 200938000330420, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF-1, 5ª Turma, e-DJF1 DATA:01/07/2011 PAGINA:146)”

“ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. MANTER EM CATIVEIRO ESPÉCIES DE PASSERIFORMES DA FAUNA SILVESTRE BRASILEIRA SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO DO IBAMA. ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA. MULTA. VALOR EXCESSIVO EM RELAÇÃO À SITUAÇÃO DO EXECUTADO. DISPENSA DA MULTA. 1. Na hipótese, não foi aplicada a pena de advertência, uma vez que os fiscais do IBAMA, ao observarem que 01 espécime que o autor portava não obtinha licença do órgão ambiental, aplicaram multa, sem, contudo, abrir oportunidade para o mesmo sanar a irregularidade. 2. A multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) imposta a quem é pintor e tem renda mensal de R$ 572,00 (quinhentos e setenta e dois reais), aparenta manifesta desproporção, infligindo sanção que destoa da realidade do apenado. 3. A multa deve ser dispensada, tanto mais quando a própria Lei nº 9.605/98 prevê a aplicação de penas alternativas mais adequadas ao caso, a teor do contido no § 4º do art. 72, ou ainda, se considerarmos a previsão contida no § 2º do art. 11 do Decreto 3.179/99, que dispõe que em caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção - na hipótese dos autos, tal fato não restou comprovado - a multa pode ser dispensada. 4. Apelação do autor provida. 5. Apelação do IBAMA prejudicada (AC - APELAÇÃO CIVEL – 200938000060710, DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF-1, 5ª Turma, e-DJF1 DATA:29/04/2011 PAGINA:204)”

Toda sanção administrativa deve ser dotada de efetividade, sob pena de não se atingir à finalidade do ato sancionador que é a proteção do meio ambiente e a devida promoção da educação ambiental (prevenção e repressão).

Conclui-se, nesta ordem de ideias, que a prestação de serviço ou a advertência são penalidades que mais se amoldam à adequada sanção administrativa nos casos de guarda doméstica de ave não ameaçada de extinção, quando o infrator encontra-se em estado de vulnerabilidade social e econômico.

A aplicação de multa e a inscrição do nome dos cidadãos desafortunado em cadastros restritivos (Cadin) são medidas desprovidas de efetividade para a tutela do meio ambiente, pois, sob o pretexto do cumprimento da norma do art. 225 da Constituição, acabam por maximizar a pobreza, em nítida violação da dignidade da pessoa humana (epicentro axiológico).


Referências

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______. Decreto nº 6.514/2008.Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed, São Paulo: Atlas, 2012.

Sobre o autor
Luiz Henrique de Vasconcelos Quaglietta Correa

Defensor Público Federal. Atualmente, Defensor-Chefe em Belo Horizonte. Graduado pela Universidade Federal Fluminense. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho. Conselheiro Suplente do Conselho Penitenciário de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREA, Luiz Henrique Vasconcelos Quaglietta. A (in)efetividade da multa ambiental aos desafortunados:: o caso da guarda doméstica de ave não ameaçada de extinção sem autorização da autoridade competente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3709, 27 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25118. Acesso em: 25 nov. 2024.

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