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A laicidade do Estado e o Deputado Marco Feliciano

A República Federativa do Brasil não adotou religião oficial. Os cidadãos são livres para profetizar o credo que quiserem. Ocorre que, alguns "representantes do povo", não têm adotado essa postura. É o caso do Deputado Marco Feliciano.

     A política nacional, nos últimos meses, tem dado sinais de que não vai e de que não está nada bem. O que se tem vislumbrado é um emaranhado de legislações, uma verdadeira “colcha de retalhos” sem que haja, efetivamente, objetivos estatais sendo almejados pelos atuais legisladores, devidamente nomeados como representantes do povo.

Da mesma forma, os representantes do povo que têm como princípio básico de suas condutas, o respeito à coletividade, tem se utilizado da palavra, em muitos casos, com completos devaneios. Perceba-se que de acordo com a Constituição Federal (art. 45) os componentes da Câmara dos Deputados compõem-se de representantes do povo, ao contrário do Senado Federal, que é composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal (art. 46).

A última polêmica que ecoou do Congresso Nacional foi a afirmação feita por um Deputado Marco Feliciano (frisa-se, representante do povo) – mais uma vez -, que em um vídeo divulgado na internet, afirma que os católicos “adoram Satanás e têm o corpo entregue à prostituição”. Veja, uma pessoa pública, que representa o povo, pode expor toda uma coletividade que segue a Igreja Católica desta forma?

A República Federativa do Brasil não profetiza qualquer religião oficial, daí se dizer que o Estado Brasileiro é laico, ou seja, o Estado e a Igreja se tornam entidades distintas, em que uma não pode interferir na outra, tanto é que a própria Constituição Federal veda que os entes federativos estabeleçam tratamento discriminatório entre os credos religiosos (art. 19, I).

Há muito tempo já houve a cisão entre Estado e Religião. No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, já não há como se sustentar que preceitos dogmáticos das religiões possam interferir na vida social.

Perceba-se, cada um tem a liberdade de profetizar a religião que quiser e isso está devidamente consignado nos termos do art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, sendo assegurada a liberdade de crença e consciência. Então, qual o sentido em se realizar uma afirmação dessas?

Por certo, fazer esse tipo de comentário ofende grande parte da população brasileira – população que ele deve representar – tendo em vista que, consoante pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha na véspera da Jornada Mundial da Juventude - JMJ, 57% das pessoas acima de 16 anos se declaram católicas no país. Em suma, mais da metade da população do país é católica e é essa grande parcela da população que o Deputado Marco Feliciano ofende quando faz tal afirmativa.

Considerando que no último Censo Demográfico realizado em 2010 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população brasileira contava com 190.755.799 habitantes, a população de católicos é de aproximadamente 108.730.805 de habitantes, ou seja, aproximadamente 57% (cinquenta e sete por cento) da população brasileira se apresenta como professante da religião Católica, perceba que é parcela considerável da população.

Da mesma forma, há que se considerar os dados levantados pelo projeto Pew Fórum sobre Religião e Vida Pública, que estabelecem que a população de católicos pelo mundo quadruplicou em um século. Se em 1910 eram 291 milhões, hoje ela totaliza aproximadamente 1,1 bilhões de habitantes.

É contra toda essa população que o referido Deputado quer se insurgir? Será que a ÚNICA religião que pode ser profetizada, na sua concepção, é aquela de que faz parte, devendo todas as outras, principalmente o Catolicismo, serem reprimidas e rechaçadas pela/da sociedade? Analisando essas questões constata-se um absoluto retrocesso difundido por esse cidadão (se é que com esse tipo de pensamento, podemos qualificá-lo como cidadão, haja vista que ele não sabe respeitar as diferenças e a diversidade de credo).

Da mesma forma que a Constituição assegura a liberdade de crença justamente pela existência de um pluralismo religioso, que garante a todo cidadão o direito de profetizar a fé que lhe convém ou mesmo não profetizar fé alguma (ateu), está inserto entre os objetivos fundamentais da República, em seu art. 3º, inciso IV, a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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Veja, o legislador Constituinte originário, preocupado com essas questões atinentes à discriminação e preconceito, trouxe a previsão de respeito à diversidade e dever de respeito a diferença, seja ela qual for. Sendo assim, não há como se admitir que atitudes desse porte continuem a ser difundidas. Pior de tudo é perceber que esse político faz parte da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados: a que ponto chegamos?! Acho que no fundo do poço, sem sequer conseguir respirar! Como diria o Capital Inicial: “Troca a pele como cobre e faz o terno com a sobra; Alugou um deputado com dinheiro desviado; Suspeito do assalto ao Palácio do Planalto; Morreu bebendo gim, nega tudo ao fim; Espera o intervalo e foge pelo ralo; Vendeu o Cristo Redentor; Tem esqueletos no armário, nunca foi réu primário; Vive de contar vantagem, adora uma chantagem; Quer morar em Brasília, quer comprar uma ilha; Confirma o que fez e faria tudo outra vez. Vendeu o Cristo Redentor”.

Por esse motivo, reitera-se a afirmação feita no início desse artigo, a política nacional tem dado sinais de que não vai e de que não está nada bem. O Deputado Feliciano como representante do POVO BRASILEIRO em sua totalidade não pode querer unir Estado e Religião, que há tempos já se tornaram independentes, e muito menos atacar de forma insustentável a Igreja Católica, que têm tantos fiéis pelo mundo. A dinâmica social é mutável.

As relações interpessoais mudam e, com isso, os pensamentos de todos devem evoluir. Como diria Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Abaixo à discriminação de raça, cor, orientação sexual, credo e todas as demais!

Sobre os autores
Marcelo Sant'Anna Vieira Gomes

Meste em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Vice-Secretário Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos - ABDH. Assessor Jurídico no Ministério Público Federal do Espírito Santo.

Jackelline Fraga Pessanha

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vila Velha. Professora da Faculdade São Geraldo. Assessora do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Marcelo Sant'Anna Vieira; PESSANHA, Jackelline Fraga. A laicidade do Estado e o Deputado Marco Feliciano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3776, 2 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25667. Acesso em: 21 nov. 2024.

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