Certamente são as mais importantes manifestações de um povo aquelas em que reclama correção nas políticas de transporte, educação e saúde. Outros serviços públicos são também merecedores de reclamações. Mas aqueles atingem indistintamente brasileiros de norte a sul, recaindo suas deficiências na faixa composta pela maioria da população, penalizando os contribuintes e os usuários dos serviços prestados pelo governo ou sob seu controle direto.
Enquanto decai a qualidade os preços sobem – é o que se verifica no transporte urbano. A educação e a saúde oferecem vagas e atendimentos insuficientes e tardios em relação às necessidades dos usuários. Mas não falta dinheiro. A arrecadação tributária bate sucessivos recordes. Bilhões são gastos ou comprometidos com eventos internacionais para os quais o país não está preparado. Há miséria e deficiências a corrigir.
O componente explosivo das manifestações populares iniciadas em junho nas grandes cidades aí está: insatisfação do povo com seus governantes. Nada pessoal. O povo aguarda melhorias concretas. Interpretar a revolta popular como idealismo político é, mais uma vez, mostrar desconhecimento da real situação. Não queremos uma reforma política se, ao final, vão se manter as carências e não será corrigida a má-distribuição dos recursos públicos.
Os governantes, é certo, não estão em condições de atender aos pleitos específicos de cada manifestação. As reivindicações de menores preços nas tarifas públicas esbarram ou na necessidade de aprovação legislativa ou em cláusulas imutáveis dos contratos firmados com empresas privadas. Por exemplo, a diminuição dos pedágios e dos bilhetes de ônibus urbanos implica, para o poder público, na oferta de contrapartida aos concessionários. Isenção e redução de impostos não são autorizadas impunemente.
O problema é que as soluções emergenciais não trarão satisfação permanente. A lei não permite renúncia fiscal sob pena de o administrador público incidir em improbidade administrativa. Diz o art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000 que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de medidas de compensação, por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Ou seja: troca-se o benefício de uns por idêntica imposição financeira a outros.
No que tange à geração de despesas e à assunção de novas obrigações, a lei não autoriza a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete mais despesa se o aumento não couber na previsão orçamentária e financeira anual, além de estar em compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (art. 16, II).
De imediato, portanto, o atendimento das reivindicações das ruas significa ato populista do governante. E o que interessa ao povo são políticas públicas que venham para ficar, como a tarifa zero para estudantes no transporte urbano; atendimento exemplar e imediato no sistema público de saúde; melhorias efetivas no sistema global de educação, alcançando as condições de vida das pessoas no que se refere a moradia, alimentação e assistência social e financeira, dentre outras. O dinheiro existe, mas é mal empregado na gestão da própria máquina estatal e em obras sem proveito efetivo para a população. Sem reforma administrativa já!, falar em reforma política soa como mais uma tapeação.