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25 anos de Democracia

Agenda 05/11/2013 às 11:12

A Constituição Federal de 1988 refletiu integralmente a chamada Tradição Democrática.

A Constituição Federal de 1988 refletiu integralmente a chamada Tradição Democrática, vinda diretamente das Revoluções Americana e Francesa, bem como temos os traços de Montesquieu, Rousseau, Benjamin Constant.

Em passagem clara de O Contrato Social, o filósofo genebrino nos leva ao socialismo participativo como inerente à democracia e aí retrata a pressão da vontade geral para que cada indivíduo se sinta forçado à liberdade:

A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão, compreende ele tacitamente este compromisso, o único que poderá dar força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos (Rousseau, 1987, p. 36).

No nosso caso, o constituinte de 1986 poderia ter ido além, sem dúvida, a exemplo da implementação da vontade geral como princípio derivado da consciência política inerente ao sujeito de direito; em que o direito é um medium de interatividade1.

Em todo caso, o legislador constituinte avançou, inclusive, ao referenciar a democracia no Princípio da Justiça Social (artigo 170) e depois, no artigo 193, ao prescrever que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.

Mesmo que a Justiça Social seja uma corruptela (mais ideológica do que conceitual) dos pressupostos socialistas (estes referendados na Constituição Portuguesa, de 19742), daí por diante, mudamos nosso direito para ser democrático. Também poderíamos ter aprimorado, aprofundado os quesitos da democracia inclusiva, participativa3; porém, em outro exemplo o povo criou sua própria Lei da Ficha Limpa (e que se espraiou para o conjunto dos servidores públicos).

O mais importante de tudo isso, entretanto, são os 25 anos de democracia liberal clássica, em que o constituinte configurou de maneira específica as salvaguardas ao Estado Democrático4. Com este fim, na Constituição da República, a democracia e os institutos derivados foram grafadas expressivas 17 vezes.

Já o preâmbulo da Constituição de 1988 traz o Princípio Democrático, tão celebrado por Canotilho (s/d). Aliás, nossa primeira qualificação é esta, ao se afirmar que: “Nós, representantes do povo brasileiro, estamos reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático”.

De modo igualmente incisivo, em seguida, no artigo 1º, constituiu-se o Estado Democrático de Direito, agora com fundamento na cidadania (inciso II) e no pluralismo político (inciso V). Em seu parágrafo único, vê-se a descrição da democracia direta e representativa, pois: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Com garantia institucional da democracia, no artigo 5º, XLIV, o constituinte definiu como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

No artigo 17 temos a garantia de que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardadas a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana. Há uma espécie de democracia profunda, no sentido de que as representações político-partidárias não podem violar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

No artigo 23, observa-se a confirmação da competência comum, compartilhada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em para assim zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público (inciso I).

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O artigo 34 disciplina o instituto da intervenção, em que a União terá poderes limitados, sobretudo para disciplinar e (inciso VII) assegurar a observância dos princípios constitucionais que legitimam a República, o sistema representativo e o regime democrático – bem como os direitos da pessoa humana (alíneas a e b).

O artigo 59, dispondo sobre o processo legislativo, foi regulamentado pelo artigo 60 e sob a vedação para que não sofressem alteração – mediante emenda constitucional (§ 4º) – os seguintes princípios:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

O artigo 90 instituiu o Conselho da República, com base na estabilidade das instituições democráticas (inciso II).

No artigo 91, o Conselho de Defesa Nacional é definido como órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados à soberania nacional e à defesa do Estado democrático. Sendo que no inciso IV do artigo 91 são definidas suas funções, dentre as quais garantir a independência nacional (soberania externa) e a defesa do Estado democrático (soberania popular).

Como se vê no artigo 127, o Ministério Público é articulado como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-se da defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

O TÍTULO V - Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas (CAPÍTULO I) prevê e regulamenta os institutos do ESTADO DE DEFESA (artigo 136) e do ESTADO DE SÍTIO (artigo 137), como recursos excepcionais em proveito da integridade soberana da ordem pública ou a paz social e diante da grave comoção ou da iminência de guerra.

A seguridade social (artigo 194) compreende um conjunto integrado e destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Com previsão de que o Poder Público obedecerá (inciso VII) ao caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Na disposição do artigo 206, lê-se que o ensino será ministrado com base no princípio da gestão democrática do ensino público.

O direito à cultura (artigo 215, inciso IV) observará a democratização do acesso aos bens de cultura (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005).

O artigo 216-A instituiu o Sistema Nacional de Cultura, com base no processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, de configuração democrática e permanente. Dentre seus princípios (parágrafo um, inciso X) reafirma-se a democratização dos processos decisórios com participação e controle social; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012.

No artigo 2º do Ato das Disposições transitórias assegurou-se o plebiscito, que seria realizado no dia 7 de setembro de 1993, sobre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveriam vigorar no País. (Vide emenda Constitucional nº 2, de 1992).

Muito tem que ser feito, especialmente para que a definição jurídica de Estado Democrático seja uma realidade no Brasil. Todavia, é claro que, juridicamente, a democracia clássica está garantida.

Em suma, para estabelecer a vontade geral, desde logo, assegurou-se a inviolabilidade dos parlamentares, em razão de suas opiniões ou votos. Há ainda o pluralismo político, a rotatividade do poder assegurada na limitação imposta à reeleição, a previsão de que todo candidato precisa estar filiado a um determinado partido político. Além de que se faz uso da iniciativa popular, do plebiscito e do referendo.

Vale lembrar que a separação de poderes está assegurada como cláusula pétrea, contra qualquer tipo de Golpe de Estado ou em desfavor das instituições democráticas, assim como se exigiu a irrevogabilidade do voto direto, secreto, universal e periódico – quer dizer, voto livre – pois que aí se sustenta o princípio da soberania popular (art. 14), incluindo-se a possibilidade do voto facultativo para analfabetos, maiores de 16 e antes dos 18 anos ou, então, quando acima dos 70 anos.

Nessa esteira, a isonomia, é óbvio, não faria distinção entre homens e mulheres quanto aos direitos políticos, a não ser a previsibilidade que de haveria medidas protetivas, na modalidade de ações afirmativas para as mulheres. Apenas o analfabeto não poderia ser candidato, mas teria o direito ao voto livre. Hoje, até os presos em regime semiaberto têm a prerrogativa do voto, como medida ressocializadora.

Por fim, muitas alterações são exigidas como Reforma Política, uma delas trazendo para o debate inclusive o voto facultativo. Fala-se em voto distrital e em lista mista, recuperando-se teses do regime de governo parlamentarista – ou as cláusulas de barreira para limitar a fragmentação partidária. Contudo, não podemos questionar que foi dado o primeiro passo em direção à democracia, como soberania popular radical, ao se prever a “edição de leis conforme regras prescritas, das quais o povo aprova o caráter vinculante” (Fleiner-Gerster, 2006, p. 242. – grifos nossos).


Bibliografia

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo . Rio de janeiro : Paz e Terra, 1986.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Edição. Lisboa-Portugal : Almedina, s/d.

FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. São Paulo : Martins Fontes, 2006.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo : Ed. 34, 2003.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaios sobre a origem das línguas. 4ª ed. Col. Os Pensadores. São Paulo : Nova Cultural, 1987.


Notas

1 “...no Estado a vontade geral se contrai em ‘um Um’, no ponto de uma única instância de poder, que por sua vez se refere a seus portadores, às pessoas de direito portanto, da mesma maneira que se refere às formas de sua própria produção espiritual” (Honneth, 2003, p. 109). A intersubjetividade é jurídica, política, cultural, psíquica.

2 Portugal é um Estado de direito democrático: “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (Artigo 2.º).

3 “O modelo ideal da sociedade democrática era aquele de uma sociedade centrípeta. A realidade que temos diante dos olhos é a de uma sociedade centrífuga, que não tem apenas um centro de poder (a vontade geral de Rousseau) mas muitos, merecendo por isto o nome, sobre o qual concordam os estudiosos da política, de sociedade policêntrica ou poliárquica (ou ainda, com uma expressão mais forte mas não de tudo incorreta, policrática)” (Bobbio, 1986, p. 23).

4 O Estado Democrático conheceu sua reinvenção jurídica com a Constituição de Bonn (1949), definindo-se a impossibilidade de a democracia ser aniquilada em razão, em defesa da própria democracia – o que já se vira acontecer, historicamente, com a Constituição de Weimar de 1919 (Martinez, 2013).

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. 25 anos de Democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3779, 5 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25726. Acesso em: 24 nov. 2024.

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