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Ação negatória de paternidade

Agenda 01/02/2002 às 01:00

1.Escorço Histórico:

Dentre os ramos da ciência jurídica, o direito de família talvez seja o mais dinâmico.O nosso Código Civil foi promulgado em 1.916, e desde então, as mudanças sociais foram enormes, sendo de conhecimento geral a enorme dificuldade que o legislador encontra para captar e responder adequadamente às mudanças que acontecem com o desenvolvimento da sociedade.

No entanto, quando as mudanças são lentas as normas existentes tornam-se descompassadas anacrônicas, cabendo à jurisprudência e à doutrina desempenhar uma tarefa de ajuste das iniqüidades que podem surgir do anacronismo das leis e da inércia quase criminosa do legislador, pois a justiça não admite que o direito subjetivo, surgido de uma relação jurídica, não obtenha a tutela almejada, por falta ou deficiência de normas que, por um motivo ou outro, se tornaram incapazes de garantir a segurança jurídica delas esperada.

É o que acontece com a investigação de paternidade, tanto a ação declaratória quanto a constitutiva negativa (conhecida como negatória de paternidade).

Quanto à Investigação de paternidade, o vetusto código civil, elaborado em uma época em que inexistiam técnicas capazes de precisar a paternidade dos indivíduos, adotou a teoria da ficção legal (pater est quem nuptia demonstrant).

A adoção da ficção legal era necessária, pois durante mais de três quartos dos dois milhões de anos, em que se estima a existência humana na terra, a cultura de coleta e caça de pequenos animais foi a principal atividade dos pequenos grupamentos humanos. Nesses agrupamentos, as mulheres possuíam um lugar de destaque, a força física não era fator preponderante para a existência dos grupos sociais. Neles existia uma harmonia entre o homem e a mulher, havia divisão de trabalho entre eles, mas não submissão de um sexo pelo outro, pois a mulher era considerada um ser sagrado pelo fato de reproduzir a espécie, e acreditava-se que a sua fertilidade refletir-se-ia na fertilidade dos animais que começavam a ser domesticados para a incipiente pecuária.

"Nas sociedades de caça de grandes animais, que sucedem a essas mais primitivas, em que a força física é essencial, é que se inicia a supremacia masculina. Mas nem nas sociedades de coleta nem nas de caça se conhecia função masculina na procriação. Também nas sociedades de caça a mulher era considerada um ser sagrado, que possuía o privilégio dado pelos deuses de reproduzir a espécie (...)".1

Nas sociedades matriarcais, não existiam as transmissões da herança e do poder, as guerras eram raras, tendo em vista a desnecessidade de conquista de novos territórios por motivos de pressão populacional. Quando a coleta e os recursos naturais vão se escasseando, até mesmo pelo aumento da população, é que se faz necessária a caça a animais de grande porte, o que, necessariamente, demandou o uso da força e a conquista de novos territórios para a expansão do grupamento tribal, gerando uma competitividade entre as tribos pelos territórios férteis e animais utilizados como caça, gerando conflitos de interesses, que geraram, por sua vez, as guerras.

Com a crescente necessidade de novas conquistas, as guerras tornaram-se constantes, fazendo com que surgisse uma verdadeira mitificação do guerreiro. Quanto mais forte e destemido mais valorizado é o herói dos campos de batalha. Nesta fase, começa o rompimento da harmonia, até então existente, entre homens e mulheres. Nessa mesma época, o homem começa a dominar a sua função reprodutora e o mito da mulher como ser sagrado começa a ser desfeito. Com a conquista de novos territórios os grupamentos precisaram deixar de ser nômades, passaram a dominar os segredos da agricultura, dividindo as terras e formando plantações, nesse período ocorre o surgimento das sociedades patriarcais e nessas sociedades a figura da transmissão do poder e da herança torna-se decisiva.

"O problema crucial da determinação da paternidade e da filiação não é tão antigo como se poderia supor, mas se colocou como dado concreto de apreciação e interesse com o advento do patriarcado. Enquanto a família primitiva estava organizada em torno da mãe e sua "gente" (família do tipo matriarcal), a filiação era um fenômeno espontâneo sem maiores conseqüências na ordem familiar."2

O declínio do matriarcado e a sua substituição pelo patriarcado fizeram com que surgissem amplas alterações nas relações familiares. O parentesco e as demais relações decorrentes da relação familiar fizeram surgir os estados de filiação, determinaram a transmissão do poder entre o pai e o filho, e fizeram surgir o direito hereditário, etc.

Dentro desse novo regime patriarcal, a estrutura familiar desenvolveu-se em torno do pai e do filho. Para garantir a transmissão do patrimônio, do nome, do culto familiar, enfim, da hegemonia da gens romana era fundamental que o pai tivesse certeza de sua filiação, sem a qual se instauraria o caos e a desordem na linearidade da estrutura legada pela hierarquia patriarcal.

Todo o dilema da filiação herdado pela cultura ocidental e que remonta às indagações romanas se esgota neste ponto tormentoso: como ter certeza da paternidade se ela é incerta, enquanto a mãe é sempre certa (mater semper certa est)3.Na busca de uma solução que pudesse preencher a lacuna, quanto à certeza sobre a paternidade, os romanos criaram uma presunção legal de paternidade (pater is est quem nuptia demonstrant), que, ainda, é adotada em legislações de vários povos.

Caio Mário da Silva Pereira ensina que o direito presume a paternidade com base no casamento: pater is est quem nuptia demonstrant. Como a lei não dispõe dos mesmos recursos da ciência, nem possuindo a precisão daquela para identificar o genitor, contenta-se com uma fórmula um tanto cética: pater semper incertus.4

Tal presunção teve o condão de fazer coincidir a paternidade jurídica com a paternidade biológica, o que veio de encontro com a necessidade de uma certeza, mesmo que jurídica, sobre a filiação na sociedade paternalista, onde a filiação, é considerada a mais importante relação de parentesco. "Num encadeamento lógico, a família se constitui pelo casamento. E vive em função dos filhos. Outras relações há, e ponderáveis. Mas, no centro do Direito de Família, como razão primária de toda uma disciplina, ergue-se sobranceiramente a idéia básica da filiação. Não se pode compreender o organismo familiar sem o binômio filiação-paternidade ou filiação-maternidade. Especificamente considerada, a filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. Estabelecendo-se entre pessoas das quais uma descende da outra é considerada como filiação propriamente dita, quando visa o lado do filho; e, reversamente, encarada pelo lado do pai se chama paternidade, e pelo da mãe, maternidade"5

Assim, como não se podia, até pouco tempo, provar diretamente a paternidade, toda a civilização ocidental se ajustou com a idéia de filiação legítima num jogo de presunções, fundado numa probabilidade de que o casamento, ao qual seguem as relações sexuais e a fidelidade dos cônjuges, gere filhos e que estes filhos, gerados durante o vínculo conjugal, sejam dos cônjuges.

No regime anterior ao nosso Código Civil, a prova de filiação natural para efeitos sucessórios, somente podia ser feita por confissão espontânea, pelo reconhecimento do filho em escritura de notas, no ato do nascimento, ou por outro documento autêntico oferecido pelo pai (Dec. n.º 181, de 24/01/1890, artigo 7.º, parágrafo 1.º). Nessa época, não se permitia a investigação de paternidade.

"O Código Civil veio admitir, entretanto, ao lado do voluntário, o reconhecimento judicial, através de ação de investigação de paternidade, por via da qual, pede o demandante se lhe declare o respectivo status familiae".6

A ação de investigação de paternidade, como procedimento que visa a tutelar o estado de família dos filhos, sempre foi incluída pelos nossos processualistas na categoria das chamadas ações prejudiciais, assim denominadas pelo fato de não procurarem a obtenção, por si mesmas, qualquer condenação, mas somente o reconhecimento prévio, por sentença, de fatos que visam assegurar a efetivação de direitos através de outras ações, v.g., alimentos, guarda etc.7

Como efeitos desse reconhecimento judicial, temos o estabelecimento de impedimentos matrimoniais; preferências para tutela e curatela; direito de acréscimo ao sobrenome paterno; direito a receber e o dever de prestar alimentos aos parentes; pátrio poder e direitos sucessórios.


2.A revolução provocada pelo saber cientifico.

A prova da filiação nas ações de investigação de paternidade, até bem pouco tempo, era feita de depoimentos de testemunhas escritos do suposto pai, depoimento pessoal, presunções e indícios, além de alguns exames periciais.

O exame mais comum era a perícia médico-legal. Esta era feita através da análise de certos caracteres morfológicos externos dos pais e do suposto filho, principalmente da cabeça e suas partes isoladamente: cabelo, fronte, orelhas, nariz, olhos, boca, queixo e dentes; cor da pele e seus pigmentos; impressões digitais e todas anomalias anatômicas individuais de caráter genealógico.

Utilizava-se, outrossim, do exame antropocinético, ou dos caracteres funcionais externos, como expressão fisionômica ou mímica facial, a atitude, a maneira de caminhar, a letra, a gesticulação, o timbre de voz; exames psicológico e semiológico, ou dos caracteres patológicos transmissíveis hereditariamente, e, finalmente, através do exame biológico do sangue.

Pode-se facilmente chegar à conclusão de tais métodos científicos de outrora (antropomórficos, antropocinéticos, semiológicos e psicológicos) eram extremamente falhos. A tendência para encontrar nas semelhanças entre o pai e o suposto filho uma das provas da paternidade data de tempos remotos. Arnaldo Medeiros da Fonseca cita ARISTÓTELES que considerava tais elementos indícios quase certos para se reconhecerem os indivíduos unidos pelos laços de sangue.8

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O exame hematológico era mais confiável, embora não se pudesse afirmar através dessa perícia, com certeza absoluta, a paternidade, esta poderia restar excluída. Os sistemas adotados eram ABO; RH e MN.

Com o surgimento do teste de HLA, que utiliza grupos sanguíneos muito mais complexos e é utilizado inclusive em transplantes de órgãos para detectar prováveis rejeições, que em sua técnica utiliza mais de dez mil diferentes tipos de sangue existentes na população, houve uma melhora sensível na confiabilidade das perícias hematológicas.. Tal qual o sistema ABO; RH e MN, o teste de HLA não se presta para afirmar a paternidade, mas permite a exclusão com 98%(noventa e oito porcento) de certeza,

A afirmação ou exclusão com margem de erro insignificante somente foi possível com a utilização da impressão genética digital do D.N.A., ocorrida recentemente.

Tudo teve início em 1865, com as pesquisas de Georges Mendel, que fazendo experimentos com ervilhas nos jardins do mosteiro de Bro, abriu caminho para as descobertas sobre a hereditariedade. Os avanços que se seguiram no campo da genética foram surpreendentes, e conseguiram colocar em xeque as presunções legais acerca da paternidade.

Os primeiros estudos da genética molecular, e sua utilização para a determinação da identidade tiveram início em 1953, com a descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico), componente responsável pela herança genética de todos os seres vivos, pelos cientistas James Watson e Francis Crick.

Alec Jeffreys, em 1985, descobriu as impressões genéticas, provando ser possível determinar a paternidade com uma precisão superior a 99,999999999%, através das sondas moleculares radioativas, que proporcionam o reconhecimento de regiões altamente sensíveis do DNA, possibilitando a identificação de padrões característicos de cada indivíduos, que foram denominadas impressão digital do DNA.

"A investigação da paternidade e da maternidade, antes do advento desta técnica do perfil de DNA, tinha como ajuda os marcadores sangüíneos simples. Não se pode negar que hoje, com esses novos recursos, não se venha ter respostas a situações, antes impossíveis como nos casos de pais falecidos, a partir de familiares diretos".9

No campo da determinação da filiação, a descoberta e a popularização do uso da identificação genética, permite melhorar a qualidade e a precisão dos resultados conseguidos através de testes sanguíneos convencionais, uma vez que por esse método estabelece-se, com precisão antes desconhecida, (99,99999999%), tanto por inclusão, quanto por exclusão, a maternidade ou a paternidade biológicas de um indivíduo.

Podemos ver, assim, que houve, em pouco mais de um século, uma evolução fantástica no campo científico não acompanhada pela legislação civil, que data de três quartos de século, demonstrando que a presunção legal não é mais absoluta, embora novas questões tenham sido levantadas, demonstrando que a paternidade biológica nem sempre deva prevalecer sobre a presunção, como nos casos de paternidade heteróloga, em que a inseminação artificial é consentida pelo marido.


3.Da Ação Negatória de Paternidade.

Como pudemos ver, a questão da paternidade, desde os romanos até nossa época, girou em torno da prova. Como, até o advento dos exames genéticos, não era possível precisar uma paternidade com toda a certeza, adotou-se um jogo de presunções e probabilidades, ao qual se atribuiu um valor absoluto em determinadas situações.

Destarte, o saber jurídico utilizou determinadas fórmulas legais, objetivando por fim às incertezas que pairavam sobre a paternidade na sociedade patriarcal, que teve seu sustentáculo maior no império romano.

Como pudemos ver (n. º 01), os romanos criaram uma presunção legal de paternidade (pater is est quem nuptia demonstrant), o que, ainda, é adotada, e tem muita força, sendo utilizada por muitos anos pelas legislações de vários povos, e defendida por afamados doutrinadores.

Como não poderia deixar de ser, a boa a doutrina nacional, com os incontestáveis avanços alcançados pelos exames genéticos, entende estarem superados e, portanto, tacitamente revogados, os artigos 338, 339 e 340 do Código Civil brasileiro, principalmente quando se cogite em impedir a declaração negativa de paternidade aspirada pelo pai registral.

Acertadamente, a doutrina entende que o desenvolvimento social deve ser acompanhado de um desenvolvimento da ciência jurídica, não sendo mais possível sustentar uma aparente verdade, decorrente de simples presunções legais relativas, em confronto com uma verdade biológica demonstrada através da impressão genética.

Para tentar corrigir esta distorção, alguns dispositivos legais foram editados. Dessa forma, a lei 8.069/90, em seu artigo 27, permite a investigação incondicional do estado de filiação, bem como a lei 8.560/92, em seu artigo 8.º, não sendo mais aplicável em matéria de ação de declaração de negativa de paternidade o prazo estabelecido no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, uma vez que a lei deve acatar a verdadeira paternidade.

Conceito:

É a ação, que compete exclusivamente ao marido, de rito ordinário, que permite seja contestada a paternidade dos filhos de mulher ou companheira, ainda que tal paternidade conste do registro civil das pessoas naturais.

Natureza Jurídica da sentença:

Os processualistas classificam a sentença definitiva em três espécies segundo o seu conteúdo: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias. Na sentença meramente declaratória o que se busca é conferir certeza à existência ou inexistência de uma relação jurídica. Apenas a existência ou inexistência de uma relação jurídica pode ser objeto de uma sentença de mero acertamento, com exceção da regra contida no artigo 4.º, II do CPC.

A ação de investigação de paternidade propende a uma sentença de conteúdo meramente declaratório, pois visa por termo à existência ou inexistência da paternidade, operando efeitos "ex tunc", ou seja, os efeitos da investigação retroagem à data da concepção, ou do nascimento, conforme a teoria adotada.

As ações condenatórias são aquelas em que se impõe o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar, fazer), seja em sentido negativo (não fazer, abster-se), produzindo, como efeito imediato, o direito à execução forçada da condenação.

As ações constitutivas, por seu turno, são aquelas capazes de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica.10

A ação negatória de paternidade enquadra-se na definição de ações constitutivas negativas, ou descontitutivas, pois visa extinguir a relação jurídica de filiação estabelecida entre o filho e o contestante. As ações constitutivas operam efeito "ex nunc", retroagindo somente até a data da sentença, restando válida toda a relação jurídica estabelecida até a data da criação, modificação ou extinção dessa mesma relação.

Do prazo para ajuizamento da demanda:

A questão mais polêmica sobre a ação negatória de paternidade gira em torno do prazo para o seu ajuizamento. Parte da doutrina e da jurisprudência nacional entende não estar revogado o artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil.

Existem, portanto, três correntes doutrinárias acerca do prazo para aforamento da contestação de paternidade.

A primeira, mais conservadora e em franco declínio, entende não estar revogado o artigo 178, §§ 3.º e 4.º, afirmando que o direito à contestação da paternidade "tem de ser exercido num prazo bem reduzido: dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido (Código Civil, art. 178, § 3.º) ou três meses, se estava ausente, ou se lhe ocultaram os nascimentos, contados do dia da sua volta à casa conjugal, no primeiro caso, e da data da ciência, no segundo (art. 178, § 4.º, I). São prazos de decadência, e não de prescrição; portanto, não se interrompem, nem se suspendem. Correm inexoravelmente."11

Uma segunda corrente doutrinária, entende que os prazos decadenciais estabelecidos no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, não foram revogados, mas devem ser interpretados "cum granus salis", devendo começar a fluir a partir do momento em que o marido tiver conhecimento de que o filho cuja paternidade contesta não é seu.

A terceira corrente, em ascensão, corretamente entende estarem revogados todos os dispositivos do Código Civil que vedam a investigação e a contestação da paternidade. A lei 8.069/90, em seu artigo 27, permite a investigação incondicional do estado de filiação, bem como a lei 8.560/92, em seu artigo 8.º, não sendo mais aplicável em matéria de ação de declaração de negativa de paternidade os prazos estabelecidos no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, uma vez que a vige em nosso ordenamento jurídico o princípio da paternidade real, que exige seja perquirida a verdadeira paternidade.

Defendemos os argumentos da terceira corrente doutrinária. A primeira peca pelo conservadorismo e a segunda por tornar excessivamente difícil, pode se dizer impossível, estabelecer a data em que o interessado na contestação de paternidade teve conhecimento do fato de não ser o verdadeiro pai. Como já teve oportunidade de se manifestar o Superior Tribunal de Justiça, através do voto do Eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, "o fetichismo das normas legais, em atrito com a evolução social e científica, não pode prevalecer a ponto de levar o Judiciário a manietar-se, mantendo-se impotente em face de uma realidade mais palpitante, à qual o novo Direito de Família, prestigiado pelo constituinte de 1.988, busca adequar-se (Resp 4.987-RJ 90.0008966-2), 4.ª Turma do STJ, por maioria, 05/06/1.990)".

Assim, a terceira corrente é a mais coerente, além de estar em consonância com os dispositivos constitucionais que dispõem sobre as relações familiares, atendendo, ainda, aos interesses da criança que tem o direito de obter a verdade sobre a sua paternidade. Os nossos tribunais, embora não sejam mais tão vacilantes, quanto à possibilidade de aforamento da ação negatória de paternidade fora dos prazos estabelecidos no artigo 178 parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, ainda não chegaram a um consenso sobre a matéria em exame.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação Civil n.º 99.002588-8, cujo Relato foi o Desembargador Newton Trisotto, decidiu que "As normas jurídicas hão de ser entendidas, tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando valores tidos como válidos em determinado momento histórico. Não há como se interpretar uma disposição, ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos. Nos tempos atuais, não se justifica que a contestação da paternidade, pelo marido, dos filhos nascidos de sua mulher, se restrinja às hipóteses do artigo 340 do Código Civil, quando a ciência fornece métodos notavelmente seguros para verificar a existência do vínculo de filiação" (REsp n.º 194.866, Min. Eduardo Ribeiro).12

Neste sentido, aliás, já se posicionou o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, da seguinte forma: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE – ADULTÉRIO da MULHER – Não elisão.Negatória de paternidade – Imprescritibilidade – Coabitação do casal à época da concepção – Presunção da paternidade do marido – Adultério da mulher – Não elisão – A negativa de paternidade, por se tratar de ação de estado, é imprescritível. – O adultério da mulher não elide a presunção da paternidade do marido, se, à época da concepção do filho, o casal vivia sob o mesmo teto.’ (TJ/MG – Ap. Cível n.º 37.703/6 – Comarca de Tombos – Ac. unân. – 3ª Câm. Cív. – Rel: Des. Lúcio Urbano – Fonte: DJMG II, 22.11.95, pág. 1).13

Em sentido contrário, o colendo Superior Tribunal de Justiça, já reconheceu a vigência do art. 178, § 3º, do Código Civil. Todavia, como se pode ver da decisão a seguir transcrita, refere-se aquela Corte a elementos circunstanciais que corroboram a manutenção desse posicionamento. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PRESCRIÇÃO bimestral cabível – MARIDO – Ciência da GRAVIDEZ da mulher antes do CASAMENTO – Configuração de CONFISSÃO tácita da PATERNIDADE – ART. 178/CC, § 3º.Ação negatória de paternidade cumulada com cancelamento de registro civil – Prazo de decadência.

I – Prescreve em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher (art. 178, § 3º, do Código Civil). Consoante a melhor doutrina, se o marido, antes de se casar, tinha ciência da gravidez da mulher e, apesar disso, contraiu casamento, o seu ato deve ser interpretado como uma tácita confissão de que o filho é seu e, portanto legítimo para todos os efeitos.

II – Recurso não conhecido. (STJ – Rec. Especial n.º 89.606 – São Paulo – Ac. 3ª T. – unân. – Rel: Min. Waldemar Zveiter – j. em 14.04.97 – Fonte: DJU I, 09.06.97, pág. 25534).

Em outra oportunidade, o próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisão relatada pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, já reconheceu a necessidade de que seja levada em consideração, no tocante ao direito de família, a perquirição da verdade material, em detrimento de formalismos que não se coadunam com o caráter instrumental do Direito.

O acórdão em apreço encontra-se ementado da seguinte maneira: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – Presunção legal – ART. 240/CC – PROVA – Possibilidade – Direito de Família – Evolução – Hermenêutica – Recurso conhecido e provido.

I – Na fase atual da evolução do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor.

II – Deve-se ensejar a produção de provas sempre que ela se apresentar imprescindível à boa realização da justiça.

III – O Superior Tribunal de Justiça, pela relevância de sua missão constitucional, não pode deter-se em sutilezas de ordem formal que impeçam a apreciação das grandes teses jurídicas que estão a reclamar pronunciamento e orientação pretoriana. (STJ – Rec. Especial n.º 4.987 – Rio de Janeiro – Reg. n.º 90.0008966-2 – Ac. por maioria da 4ª Turma – j. em 04.06.91 – p. em 28.10.91 – DJU I, pág. 15.259).

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, como nos demais, ainda não é pacífico um entendimento acerca do prazo para ajuizamento da ação negatória de paternidade, senão vejamos:

ACÃO NEGATORIA DE PATERNIDADE SEPARACAO DE FATO DO CASAL PRESUNCAO DE PATERNIDADE INOCORRENCIA DECADENCIA NAO CONFIGURACAO

Ação Negatória de Paternidade. Ajuizamento apos decorridos os prazos previstos nos pars. 3. e 4. do artigo 178 do Código Civil. Procedência. Apelação. Estando o marido separado de fato da mulher à época da possível concepção, não se aplica a presunção do artigo 338 do Código Civil, pelo que os prazos decadenciais estabelecidos nos parágrafos supra mencionados, estabelecidos em razão da aludida presunção, também não são aplicáveis. Recurso improvido. (LCR) : APELACAO CIVEL n.º 2000.001.04304, Quinta Câmara Cível.14

ACAO NEGATORIA DE PATERNIDADE FINALIDADE DECADENCIA RECONHECIMENTO C.C. PAR. 3º ART.178

Negatória de paternidade. Finalidade. Prazo decadencial. A ação negatória de paternidade tem por finalidade contestar a legitimidade do filho concebido na constância do casamento ou no período de concepção presumida pela lei. A essa ação, cuja legitimação ativa e´ exclusiva do marido, aplica-se o prazo decadencial previsto no art. 178, par. 3. do Código Civil. Embora cuide de estado de pessoa, não guarda a negatória de paternidade qualquer relação com a investigatória de paternidade, pelo que não lhe e´ aplicável à imprescritibilidade de que cogita a Sumula 149 do STF. Desprovimento do recurso. (MGS) 15

ACAO NEGATORIA DE PATERNIDADE DECADENCIA

ART. 178, PAR. 3.º PAR. 4.º C.C IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ-PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA – REJEIÇÃO – EXTINÇÃO DO PROCESSO – ART. 269 INC. IV CPC.

Apelação cível. ação negatória de paternidade. direitos processual civil, civil e de família. preliminares de nulidade da sentença e agravos retidos nos autos contra rejeição de preliminar de prescrição e de indeferimento de produção de prova testemunhal. decadência. distinção entre ação de investigação de paternidade e ação negatória de paternidade. regras do art. 178, §§ 3º e 4º, c.civil. principio da identidade física do juiz. art. 132 do cpc. 0 principio da oralidade, no qual se encontra inserido o principio da identidade física do juiz, condiz com a segurança jurídica e legitimação das decisões judiciais. assim, o magistrado que concluir a audiência de instrução devera, em regra, proferir a sentença, sobre ele recaindo competência funcional de índole absoluta. se, todavia, inexiste prejuízo as partes, a sentença proferida por magistrado, em aparente desacordo com a norma atinente, não esta a comprometer a segurança jurídica, eis que, mesmo tendo concluído a instrução do feito, não ocorreu a colheita de provas em audiência. a ação de investigação de paternidade tem natureza jurídica declaratória. a sentença nela produzida declara uma situação de fato. desta carga declaratória da sentença não advém qualquer lesão a segurança da relação entre as partes, ou mesmo ao escopo da jurisdição, qual seja, a pacificação social. sob outro aspecto, a ação negatória de paternidade, diferentemente daquela, possui carga constitutiva ( negativa ) preponderante, eis que objetiva precipuamente desconstituir uma situação jurídica preexistente. esta sujeita a prazo decadencial, qual seja, aquele consignado nos parágrafos 3º e 4º do art. 178 do código civil. isto não significa, no entanto, tenha a ação negatória de paternidade o condão de transmudar-se em investigação de paternidade, quando contestada. objetivando a ação a desconstituição de uma situação jurídica já existente, qual seja, a filiação reconhecida pelo pai, não se subsume as hipóteses elencadas no art. 178, § 9º, v, b, do código civil, razão pela qual e improvido o primeiro agravo retido nos autos. entretanto e, por outro lado, como se enquadra à hipótese dentre aquelas sujeitas a decadência - e não a prescrição, como visto - deve a matéria ser conhecida de oficio e, ainda, em qualquer tempo e grau de jurisdição. não procede a afirmação de imprescritibilidade, lato Celso da ação negatória de paternidade. alem de impor violência a texto expresso de lei, não e razoável admitir que, a qualquer tempo, décadas talvez apos o nascimento, possa o pai ajuizar ação desestabilizando situação aceita como tranqüila, em detrimento daquele que, ate então, era tido como integrante da família. ressalve-se, contudo, o direito do filho que venha a demandar o reconhecimento da paternidade, autorizando-o o artigo 27 do estatuto da criança e do adolescente. precedente do superior tribunal de justiça. preliminar de nulidade da sentença rejeitada e, bem assim, rejeitado o primeiro agravo retido nos autos, declarada a decadência do direito do autor. extinção do processo, com apreciação de mérito, nos termos do art. 269, IV, cpc. 16


4-Conclusões:

Diante do que foi observado, chegamos às seguintes conclusões:

1. A necessidade de averiguação da paternidade não esteve sempre presente na história da humanidade, somente assumiu importância quando o patriarcado substituiu o matriarcado, em virtude da necessidade de transmissão do poder, da herança e do culto doméstico, que passaram a ser de capital importância para o desenvolvimento daquelas sociedades que adotaram o regime patriarcal.

2. A imprescindibilidade de se estabelecer a paternidade, conjugada com a falta de recursos científicos para a sua determinação fizeram surgir os postulados do mater semper certa est e do pater is est quem nuptia demonstrant.

3. Com o aprimoramento do saber científico, o pater is est quem nuptia demonstrant, deixou de ser aceito como presunção absoluta de paternidade, passando a ser permitidas, através de exames periciais de altíssima precisão (HLA e DNA), a investigação e a contestação da paternidade registral.

4. Estão, com os incontestáveis avanços alcançados pelos exames genéticos, tacitamente revogados, os artigos 338, 339 e 340 do Código Civil brasileiro, principalmente quando se cogite em impedir a declaração negativa de paternidade aspirada pelo pai registral.

5. A ação negatória de paternidade é constitutiva negativa, ou desconstitutiva, gerando efeitos ex nunc, ou seja, somente até a data da sentença, restando válida toda a relação jurídica estabelecida até a data da criação, modificação ou extinção dessa mesma relação.

6. Entendo que estão revogados todos os dispositivos do Código Civil que vedam a investigação e a contestação da paternidade. A lei 8.069/90, em seu artigo 27, permite a investigação incondicional do estado de filiação, bem como a lei 8.560/92, em seu artigo 8.º,.

7. Embora a questão ainda não esteja pacificada em nossos tribunais, a doutrina majoritariamente entende não mais ser aplicável em matéria de ação de declaração de negativa de paternidade os prazos estabelecidos no artigo 178, parágrafos 3.º e 4º, inciso I, do Código Civil, uma vez que a vige em nosso ordenamento jurídico o princípio da paternidade real.


Notas

1.- MURARO, Rose Marie, in breve introdução histórica, Martelo das Feiticeiras, obra de Heinrich Kramer e James Sprenger, ed. Rosa dos Tempos Ltda., p. 05, 1.991.

2. - LEITE, Eduardo de Oliveira, O exame de DNA: reflexões sobre a prova científica da filiação in Repertório de doutrina sobre Direito de Família, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 4, p.185, 1.999.

3 - LEITE, Eduardo de Oliveira, O exame de DNA: reflexões sobre a prova científica da filiação in Repertório de doutrina sobre Direito de Família, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 4, p.189, 1.999.

4 - PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, volume V, p.188, 11.ª edição, Forense.

5 - PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, volume V, p.172, 11.ª edição, Forense.

6 MONTEIRO Washington de Barros – Curso de Direito Civil – Direito de Família –, 1.992, p. 254, 29ª edição atualizada, Saraiva.

7 – FONSECA, Arnaldo Medeiros – Investigação de Paternidade, 3.ª ed., Revista Forense, p. 343, 1.958, Rio de Janeiro.

8 – FONSECA, Arnaldo Medeiros – Investigação de Paternidade, 3.ª ed., Revista Forense, p. 405, 1.958, Rio de Janeiro.

9 – FRANCA, Genival Veloso de -professor da Universidade Federal da Paraíba - "O vínculo genêtico da filiação pelo DNA: suas aplicações nos Tribunais, in Jus Navegandi.

10 - CÂMARA, Alexandre Freitas – Lições de direito Processual Civil, 3.ª ed. Revista e Ampliada, volume I, p. 378, 1.999, Lumem Juris, Rio de Janeiro.

11 – VELOSO, Zeno – Direito Brasileiro da filiação e Paternidade, 1.ª ed., p. 62, 1.997, Malheiros editores, São Paulo.

12 - Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Apelação Civil n.º 99.002588-8.

13 – Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Ap. Cível n.º 37.703/6 – Comarca de Tombos – Ac. unân. – 3ª Câm. Cív. – Rel: Des. Lúcio Urbano – Fonte: DJMG II, 22.11.95, pág. 1) destaque nosso.

14 - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Apelação Civil n.º 2000.001.04304, Quinta Câmara Cível, Desembargador Carlos Ferrari.

15 - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Apelação Civil n.º 2000.001.01709, Segunda Câmara Cível, Desembargador Sérgio Cavalieri Filho.

16 - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - Apelação Civil n.º 2000.001.00529, Décima Quinta Câmara Cível, Desembargador José Pimentel Marques.

Sobre o autor
Roberto Henrique dos Reis

defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Civil e Processual Civil no Centro Universitário de Barra Mansa (UBM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Roberto Henrique. Ação negatória de paternidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2593. Acesso em: 22 nov. 2024.

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