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Breve história do direito penal e da criminologia:

do primitivismo criminal à era das escolas penais

Agenda 03/12/2013 às 06:33

O artigo faz um resumo da obra de mesmo título, publicada pela Editora Lumen Juris, em outubro de 2013.

Por quem foi construído o Direito Penal senão por homens e fatos históricos? Os fatos históricos e os pensadores das ciências penais são os responsáveis pelo Direito penal como ele é hoje.

A História da humanidade é pautada pela junção do Direito, da Moral e da Ética e desse tripé é possível extrair que o Direito é dinâmico e muda constantemente, adaptando-se a seu meio, para atender os desejos da sociedade a que pertence.

O Direito penal ao mesmo tempo em que limita a liberdade das pessoas na sociedade, também limita o poder estatal, quando tem suas leis aplicadas. Daí é possível chegarmos a um conceito de Direito penal, como sendo um conjunto significativo de regras normativas objetivadas, com suas respectivas sanções, cuja finalidade é garantir a paz social por meio da coerção, que pode ser a pena ou medida de segurança, imposta pelo Estado a qualquer um que a desafie, inclusive a si, sendo-lhe aplicada a que seja legalmente possível.

A passagem da fase do Tabu para a fase da Vingança marca o Direito penal em sua Era primitiva, pois se percebe um amadurecimento do pensamento humano, quando aparecem os primeiros sinais do uso da racionalidade penal, que é uma consciência da gravidade das penas, e isto foi benéfico para a sociedade, o que permitiu às pessoas saírem da Era da Vingança divina para a vingança privada, até chegarem à fase da Vingança pública, quando se observa o surgimento da casta de uma política penal, que se apodera de parte de liberdade das pessoas em troca de um controle social, de uma pseudo garantia de paz.

Passando ao Direito penal da Antiguidade é possível destacar o surgimento dos primeiros Códigos de leis de que se tem notícia, como o Código de Manu, na Índia e o Código de Hamurabi, na Babilônia. Da influência da Bíblia como fonte de Direito penal e da insipiente legislação grega conduzida por Drácon e Sólon, chegamos à instituição das Leis das XII Tábuas e toda sua influência no Direito penal Ocidental, o que permitiu o nascimento da ideia de um Estado laico, principalmente em detrimento do instituto da vingança privada, ocorrida em diversos Estados. Deste período o fato mais relevante foi o evolucionismo do Direito penal germânico com a distinção imposta pelo Estado entre os delitos voluntários e os involuntários, colocando-se em posição de vanguarda, local de onde raríssimas vezes saiu, mas que hoje é facilmente contestado.

Com a chegada da Idade Média se verificou o fortalecimento do poder público e sua influência no Direito penal, com a concepção de importantes tipos penais e o embate entre a natureza objetiva do Direito penal germânico frente ao subjetivismo do Direito penal romano. O fenômeno da Recepção, o trabalho dos glosadores, dos postglosadores e dos práticos permitiu o surgimento dos Foros e elevou a importância do Direito penal a um patamar jamais alcançado, entretanto, o fato mais relevante dos fatos foi a fusão do Direito Canônico com o Direito Romano, levado a cabo com o enlace ocorrido entre a Igreja e o Estado, fato que levaria o Ocidente a um dos períodos mais tenebrosos de sua História, que foi a Idade Média com os pseudo julgamentos sumários da Inquisição, tendo o Direito penal como importante aliado.

O Direito penal na Idade Moderna foi marcado por importantes conquistas da humanidade, em matéria de política criminal, como a instituição do princípio da legalidade nas principais legislações europeias, podendo ser destacada a Constitutio Criminalis Carolina, de 1532, além de todas as legislações que inspiraram o pensamento iluminista do século XVIII, como as legislações oriundas da Áustria que obtiveram grande relevância na comunidade jurídica da época, principalmente por seu pioneirismo vanguardista que ficou exposto nas pioneiras legislações, como na Teresiana, na Josefina e no Código de Francisco II;

Os séculos XVIII e XIX podem ser considerados os séculos das legislações penais transformadoras, pois deixaram um legado que não se verificou em nenhum outro período da historia do Direito penal, podendo ser destacados importantes Códigos, como o Napoleônico, inspirado nas ideias iluministas de Beccaria, Filangieri, Voltaire e Rousseau. Nesse período destaca-se também o Código da Baviera, de 1813, conhecido como o Código de Feuerbach, que foi um marco na história do Direito penal. Este Código se caracterizou pela presença de elevados princípios em seu corpo, como o de nullum crimen, nulla poena sine lege. Destaca-se também o Código de Zanardelli, ou código italiano de 1889, que foi produto de uma fusão de uma série de outros Códigos.

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O Direito penal como saber científico foi marcado notadamente pela aplicação dos ideais iluministas nos Códigos penais, o que permitiu a conquista de importantes Direitos que elevaram o respeito pela dignidade da pessoa humana. Podem ser destacados os trabalhos dos enciclopedistas Diderot e d’Lambert, dos filósofos Hobbes, Spinoza, Locke, Rousseau, Buffon, Montesquieu, Thomas Jefferson, Howard, Bentham e outros, que idealizaram uma nova história para a humanidade, concebendo Leis como a Declaração de Virginia, a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Assim, por tudo que representou para a história da humanidade, o Século XVIII é um divisor de águas, um marco histórico, um bastião das liberdades e dos princípios de humanidade, como os de liberdade, igualdade e fraternidade.

O século XIX ficou marcado pela Era das Escolas Penais, com relevância especial para a Escola penal Italiana, que promoveu uma espécie de bipartição do pensamento filosófico penal, dividindo-o em iluminismo e jusnaturalismo.  O primeiro representado pela rigidez sistemática da obra de Filangieri, pela defesa do indivíduo e da sociedade nas obras de Romagnosi e pela defesa de Carmignani, que pregava que o Direito penal deveria ser tido como um limite ao livre arbítrio. O segundo grupo, representado pelos defensores do jusnaturalismo, ficou marcado pela obra de Pellegrino Rossi, que criticava o papel do legislador de então, dizendo não ser benéfico ao Direito penal, pois segundo ele, quando a justiça de uma sociedade não serve à ordem moral, pode tornar-se um instrumento de servidão. Na mesma linha, Carrara defendia que o crime é um ente jurídico porque sua essência deve consistir necessariamente na violação de um Direito, e Pessina que vai dizer que para que se configure legalmente a criminalidade de um determinado ato, é necessário que, além de sua previsão em uma lei positiva, se tenha agido de forma que torne impossível a observância de tal lei. Assim, o positivismo dava seus primeiros passos rumo ao a uma Escola Positiva.

A Escola Clássica alemã foi marcada principalmente pela ideia de um imperativo categórico, concebido por Kant, em oposição aos iluministas e aos utilitaristas, pela tríade filosófica de Hegel e pela concepção da teoria da coação psicológica, composta por Feuerbach, um dos mais importantes pensadores do Direito penal em todos os tempos, e que serviu de modelo para diversos Códigos penais. No mesmo período, ainda tivemos importantes penalistas como o mexicano Lardizábal e o português Mello Freire.

O destaque final fica para a Escola Positiva Italiana, representada por pela por Lombroso, Ferri, e Garófalo. Destaca-se o trabalho de Lombroso que sustentava a ideia de um delinquente nato, pelo qual os delinquentes eram considerados detentores de características físicas especiais e distintos dos “normais”. Ferri, o maestro de Pizza, foi o mestre da ciência criminológica e representante da fase sociológica do positivismo, tendo como destaque sua negação ao livre arbítrio e suas lições sobre a finalidade da pena, substituindo a responsabilidade moral pela responsabilidade social, defendendo que as delinquências deveriam sofrer um ajustamento às condições mínimas e básicas de convivência social. Por fim, temos Garófalo, que defendia a ideia do Delito Natural e Inimigo do Estado, onde a pretensão era defender-se dos inimigos “anormais”. O indivíduo para este penalista, mesmo que nada tivesse feito, tornava-se passivo de punição pelo que era e não pelo que fez. Passava, portanto, a ser escravo de sua condição física e biológica. Estabelece-se, a noção de responsabilidade social.

Verdade seja dita, não há como entender a história do Direito penal sem levar em consideração a história da humanidade, isso é fato. Nessa esteira, não há como entender a história das grandes transformações do Direito penal sem entender as grandes transformações por que passou a humanidade. Logo, não há como entender o Direito penal atual sem entendermos os fatores que levaram às recentes transformações, principalmente as ocorridas nos séculos XVIII e XIX. A partir desses acontecimentos é possível traçarmos uma rota segura até os recentes dias.

Sobre o autor
Antonio Sólon Rudá

Antonio Sólon Rudá é um Jurista brasileiro, especialista em ciências criminais, Ph.D. student (Ciências Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra); e MSc student (Teoria do Direito pela Fac. de Direito da Universidade de Lisboa); É membro da Fundação Internacional de Ciências Penais; É membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-DF; Autor de artigos e livros jurídicos; É Advogado cível e trabalhista; e Sócio fundador do Escritório Sanches & Sólon Advogados Associados. E-mail: antoniosolonruda@gmail.com. WhatsApp 61 9 9698-3973. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7589396799233806. 

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDÁ, Antonio Sólon. Breve história do direito penal e da criminologia:: do primitivismo criminal à era das escolas penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3807, 3 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25959. Acesso em: 22 dez. 2024.

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