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A prescrição na Justiça do Trabalho: por que o TST insiste em manter ativa a súmula 153?

Reflexões sobre uma súmula superada pela lei

Agenda 09/12/2013 às 17:02

Se a parte pode alegar a prescrição em qualquer grau de jurisdição e o juiz deve pronunciar de ofício sobre a sua ocorrência, não há mais cabimento ou espaço para a regra exposta na súmula 153, que resta superada.

Introdução

Súmula é um verbete que registra a interpretação pacífica ou majoritária adotada por um Tribunal a respeito de um tema específico, com a dupla finalidade de tornar pública a jurisprudência para a sociedade, bem como de promover a uniformidade entre as decisões.

O Código de Processo Civil registra, no art. 479 que o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

Assim, a súmula é extremamente importante, dando aos operadores do direito um poderoso instrumento de interpretação. 

Na Justiça do Trabalho, em especial, as súmulas exercem um papel de destaque, contando, o TST, com mais de 400 verbetes que abordam os diversos temas do direito laboral. E é preciso destacar a louvável atuação do TST em mantê-las atuais. Nos últimos anos, um esforço concentrado foi feito pelos seus Ministros para atualizar as suas súmulas. Nesse processo, algumas súmulas foram canceladas por estarem superadas pela lei ou pela moderna jurisprudência; outras foram canceladas porque incorporadas as outras já existentes e que tratavam do mesmo assunto; outras foram modificadas, para se adequar à atualidade; algumas foram criadas a partir de Orientações Jurisprudenciais (OJ); e outras foram mantidas.

É nessa última situação que se encontra a súmula 153, mantida pela Resolução do TST n. 121/2003 e não alterada pelas atualizações posteriores até a data em que este ensaio foir escrito.

Súmula 153.

PRESCRIÇÃO.

Não se conhece de prescrição não arguida na instância ordinária.

Todavia, ousamos discordar da posição do TST a respeito. Entendemos que a súmula 153 está superada em razão das alterações legislativas havidas nos últimos tempos, fato este que deveria conduzir ao seu cancelamento, como veremos a seguir.


I. Da prescrição.

Prescrição é o fenômeno jurídico que acarreta a perda do direito de ação por conta de não sê-lo exercido dentro de um prazo fixado por lei. Ela se materializa na perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia de seu titular no decurso de certo período.

Como observa Carlos Roberto Gonçalves (2012:512), “o instituto da prescrição é necessário, para que haja tranquilidade na ordem jurídica, pela consolidação de todos os direitos. Dispensa a infinita conservação de todos os recibos de quitação...”. Com isso, evita-se a perpetuação das certas relações jurídicas, que só poderão ser questionadas dentro do lapso temporal previsto em lei.

No direito pátrio, a prescrição está regulada, principalmente, pelo Código Civil, que a prevê no art. 189:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

A prescrição começa no mesmo momento em que ocorre a violação do direito e a sua ocorrência atinge a pretensão e não a exigibilidade, e tal como a decadência, são temas de direito material e não de direito processual. Em geral, a prescrição atinge a pretensão condenatória. Pretensões meramente declaratórias não prescrevem.

Consuma-se a prescrição com o decurso do prazo previsto em lei, sendo regulada pela lei em vigor no momento dessa consumação.

A prescrição é fato extintivo do direito do autor. O Código de Processo Civil, no art. 269, IV, menciona que na ocorrência de prescrição há a extinção do processo com resolução do mérito. A prescrição envolve o exame do mérito, não sendo pressuposto processual ou condição da ação.


II. A prescrição no direito do trabalho.

No âmbito laboral, a prescrição está prevista no artigo 7°, XXIX da Constituição Federal definindo, para tanto, o prazo de 5 anos, até o limite de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho.

Destarte, o empregado urbano ou rural tem até 2 anos para propor a reclamação trabalhista após a cessação do contrato, podendo pleitear os direitos relativos apenas aos últimos 5 anos anteriores contados da data do ajuizamento da ação. Veja-se as súmulas 156 e 308 do TST:

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TST, súmula 156.

PRESCRIÇÃO – PRAZO. Da extinção do último contrato começa a fluir o prazo prescricional do direito de ação em que se objetiva a soma de períodos descontínuos de trabalho.

TST, súmula 308.

PRESCRIÇÃO QUINQUENAL

I. Respeitado o biênio subsequente à cessação contratual, a prescrição da ação trabalhista concerne às pretensões imediatamente anteriores a cinco anos, contados da data do ajuizamento da reclamação e, não, às anteriores ao quinquênio da data da extinção do contrato.

II. A norma constitucional que ampliou o prazo de prescrição da ação trabalhista para 5 (cinco) anos é de aplicação imediata e não atinge pretensões já alcançadas pela prescrição bienal quando da promulgação da CF/1988.

Se a pretensão envolve prestações sucessivas devidas por força de alteração de contrato, a prescrição será total:

TST, súmula 294.

PRESCRIÇÃO – ALTERAÇÃO CONTRATUAL – TRABALHADOR URBANO. Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.

TST, SDBI-1, OJ 175.

COMISSÕES – ALTERAÇÃO OU SUPRESSÃO – PRESCRIÇÃO TOTAL. A supressão das comissões, ou a alteração quanto à forma ou ao percentual, em prejuízo do empregado, é suscetível de operar a prescrição total da ação, nos termos da Súmula nº 294 do TST, em virtude de cuidar-se de parcela não assegurada por preceito de lei.

Em caso de complementação de aposentadoria devida e nunca paga ao empregado, a prescrição é total. Se for caso apenas de complementação de aposentadoria, paga a menor, a prescrição será apenas parcial.

TST, súmula 326.

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – PRESCRIÇÃO TOTAL. A pretensão à complementação de aposentadoria jamais recebida prescreve em 2 (dois) anos contados da cessação do contrato de trabalho.

TST, súmula 327.

COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – DIFERENÇAS – PRESCRIÇÃO PARCIAL.  A pretensão a diferenças de complementação de aposentadoria sujeita-se à prescrição parcial e quinquenal, salvo se o pretenso direito decorrer de verbas não recebidas no curso da relação de emprego e já alcançadas pela prescrição, à época da propositura da ação.

Em se tratando de ação em que se discute desvio de função, a prescrição é parcial, pois em se tratando de direitos que se renovam a cada mês (como o pagamento a menor do salário), a violação é periódica. No que se refere a reequadramento, a prescrição é total, pois o direito tido por violado é consubstanciado em ato único, não sucessivo.

TST, súmula 275.

PRESCRIÇÃO – DESVIO DE FUNÇÃO E REENQUADRAMENTO.

I - Na ação que objetive corrigir desvio funcional, a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento.

II - Em se tratando de pedido de reenquadramento, a prescrição é total, contada da data do enquadramento do empregado.

A prescrição será parcial, também, para a ação em que se discute diferenças de gratificação.

TST, súmula 372.

GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL – CONGELAMENTO. PRESCRIÇÃO PARCIAL. Tratando-se de pedido de diferença de gratificação semestral que teve seu valor congelado, a prescrição aplicável é a parcial.

Com relação ao FGTS, a prescrição é trintenária, ou seja, pode-se reclamar os últimos 30 anos. Porém, para que isso ocorra, a reclamação deve ser proposta no prazo de 2 anos após o término do contrato.

TST, súmula 362.

FGTS – PRESCRIÇÃO. É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.

O prazo de prescrição para a ação de cumprimento conta-se da data do trânsito em julgado da sentença normativa.

TST, súmula 350.

PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – AÇÃO DE CUMPRIMENTO – SENTENÇA NORMATIVA. O prazo de prescrição com relação à ação de cumprimento de decisão normativa flui apenas da data de seu trânsito em julgado.


III. A natureza jurídica da prescrição após a Lei 11.280/2006.

Em 2006 ocorreu uma ampla reforma legislativa que atingiu principalmente o Código de Processo Civil. Um dos pontos dessa reforma foi em relação á prescrição.

A lei 11.280/2006, entre outras coisas, alterou o art. 219 do Código de Processo Civil, especificamente o § 5º, que trata da prescrição, que ficou assim:

§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

Como se vê, a norma é dirigida ao juiz e lhe impõe um dever de agir de ofício, de pronunciar a prescrição. Não há dúvida nisso, em face da natureza imperativa usada no verbo – “pronunciará”. Não é um, pois, um poder do juiz, muito menos uma faculdade: é um dever a ele imposto pela lei.

Em face dessa situação, podemos afirmar que a partir da Lei 11.280/2006, a prescrição passou a ter natureza jurídica de norma de ordem pública. Assim sendo, ela pode ser pronunciada pelo juiz, de ofício, a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição.

A lei 11.280/2006 ainda revogou expressamente o art. 194 do Código Civil, que proibia ao juiz suprimir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo em interesse de incapaz.

Destarte, não há mais a necessidade de que a prescrição, para ser conhecida, tenha que ser alegada pela parte.


IV.  Por que a súmula 153 está superada.

Antes da edição da Lei 11.280/2006 a prescrição não era matéria de ordem pública, e, para ser conhecida, exigia a iniciativa da parte a quem ela aproveitava, que deveria alegá-la. É que o § 5º do art. 219 dizia que em se tratando de direitos patrimoniais, o juiz não poderia conhecer de ofício a prescrição. A isso se somava o art. 194 do Código Civil que vedava ao juiz suprimir, de ofício, a prescrição não alegada pela parte.

Vigia a regra de que, em se tratando de direitos patrimoniais e não havendo interesse de incapaz, a conhecimento da prescrição exigia iniciativa da parte, que deveria alegá-la, não podendo o juiz pronunciá-la de ofício. Não era, pois, a prescrição matéria de ordem pública.

Foi nesse cenário que surgiu a súmula 153, para fixar o entendimento de que, na Justiça do Trabalho, se a parte não alegasse a prescrição na instância ordinária, não poderia mais alegá-la.

Mas com as mudanças legislativas havidas em 2006, como vimos acima, não há mais espaço para o entendimento esposado nessa súmula. Não mais se exige, para conhecimento da prescrição, que ela seja alegada pela parte, porque o juiz deve pronunciá-la de ofício. E, por ser norma de ordem pública, em qualquer tempo e de grau de jurisdição.

Por oportuno, vale lembrar da regra estatuída no art. 194 do Código Civil:

Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.

Destarte, se a parte pode alegar a prescrição em qualquer grau de jurisdição e o juiz deve pronunciar de ofício sobre a sua ocorrência, não há mais cabimento ou espaço para a regra exposta na súmula 153, que resta superada.


Conclusão

Sendo as regras que evolvem a prescrição normas de ordem pública, que o juiz deve pronunciar de ofício e a parte pode alegar em qualquer grau de jurisdição, implica que não pode haver restrição temporal para o seu conhecimento.

Sempre que o magistrado, não importando em qual grau de jurisdição ou instância estiver, tomar conhecimento da prescrição, deverá pronunciá-la. E pouco importa se ele tomou conhecimento por conta próprio ou porque foi alertado pela parte.

Com as novas regras referentes à prescrição, introduzidas no ordenamento jurídico pela Lei 11.280/2006, não há mais espaço para a orientação da súmula 153.

Resta esperar que o TST, nas próximas atualizações de suas súmulas, promova o seu cancelamento.


Bibliografia

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011.

SALES, Fernando Augusto de Vita Borges, e MENDES, Marcel Kléber. Direito do trabalho de A a Z. São Paulo: Saraiva, 2013.

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernando Augusto. A prescrição na Justiça do Trabalho: por que o TST insiste em manter ativa a súmula 153?: Reflexões sobre uma súmula superada pela lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3813, 9 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26090. Acesso em: 25 nov. 2024.

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