A responsabilidade civil talvez seja um dos temas que mais teve a participação do Poder Judiciário para chegar à configuração que tem hoje. A jurisprudência e a doutrina vêm preenchendo as crescentes lacunas da lei, em virtude do incremento das rápidas mudanças da (e na) sociedade. O comportamento unilateral comissivo ou omissivo do Estado, legítimo ou ilegítimo, pode causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Em razão disso, o Estado tem que recompor os prejuízos de ordem patrimonial ou extrapatrimonial ocasionados ao administrado. O artigo 37, § 6º, da Carta Cidadã, atribui ao Estado responsabilidade objetiva por danos ocasionados por seus agentes, restando o direito de regresso quando se verifique dolo ou culpa. Assim, se deve investigar o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação/omissão causadora. In verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O Código Civil brasileiro dispõe:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Cumpre destacar que o § 6º do art. 37 da Constituição não se aplica apenas às pessoas jurídicas de direito público, mas também às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Tem sido decidido que elas respondem imediata e diretamente pelos danos que causarem a terceiros, não se necessitando investigar o elemento culpa ou dolo. O Estado responde, então, de forma subsidiária e não solidária, a não ser que a falha na escolha ou na fiscalização da concessionária ou permissionária tenha sido a causa imediata do evento causador do dano.
Continuando a analisar o texto constitucional, ele não contempla atos omissivos, mas apenas comissivos. Embasados nisso, alguns doutrinadores entendem que a responsabilidade por omissão é subjetiva. Entretanto, a jurisprudência não faz distinção, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que a atividade administrativa a que se refere o texto em comento abrange tanto a conduta comissiva quanto a omissiva, desde que, no último caso, a omissão seja a causa direta e imediata do dano.
O caso em comento trata-se de uma ação indenizatória por danos materiais cumulada com danos morais interposta por moradora em face da Municipalidade de Cerqueira César, alegando que um vazamento, por má conservação no sistema de água e esgoto do município, em frente à sua casa, causou rachaduras e trincas em sua residência, comprometendo a estrutura do bem. A perícia confirmou as alegações da demandante, que sucumbiu nos primeiro e segundo graus de jurisdição no que se refere aos danos morais, cujo afastamento se fundamentou no risco da convivência em sociedade e na inocorrência de abalo psicológico.
O posicionamento do Poder Judiciário é surpreendente! Ter a estrutura da casa em que se mora comprometida não pode ser considerado algo inerente ao convívio social, algo corriqueiro. Além do mais, tal circunstância causa, sim, abalo na psique, haja vista o temor de ruína da construção, gerando aflição, angústia e desequilíbrio no bem-estar de qualquer pessoa, dando azo à reparação pecuniária.
Em minha opinião, merece reforma a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no que se refere aos danos morais.