Uma das questões mais controvertidas e que vem trazendo insegurança jurídica entre os contribuinte diz respeito à inclusão do valor de determinado tributo na base de cálculo de outro tributo.
O único caso de exclusão expressa na Constituição Federal é o do valor do IPI da base de cálculo do ICMS, “quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos” (art. 155, § 2º, XI).
Aparentemente, esse texto constitucional configura uma exceção, sendo que a regra geral é a inclusão do valor do tributo na base de cálculo de outro tributo. É o entendimento a que conduzem as regras da hermenêutica.
Mas, na realidade, não é bem assim.
A partir de questionamentos feitos pelos contribuintes a jurisprudência vem decidindo caso a caso, sem um critério uniforme a respeito dessa controvertida questão.
Tem decidido pela exclusão em determinada hipótese e pela inclusão em outras hipóteses. O exame desses julgados não permite identificar um critério objetivo e seguro para fixar a tese da exclusão ou da inclusão.
No caso da exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, por exemplo, argumentou-se que o valor do ICMS não é abrangido pelo conceito de faturamento sobre o qual incide a COFINS. Seis votos foram proferidos nesse sentido, estando RE nº 240.785-MG, sobrestado em função da propositura da ADECON nº 18-5 pela União, batendo-se pela tese oposta, ou seja, constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS.[1]
Apesar de o ICMS estar agregado ao preço da mercadoria ou do serviço, a exemplo de outros tributos indiretos, considerou-se o seu caráter tributário que é inegável. O ICMS por definição legal é um imposto, e não uma mercadoria ou serviço.
Porém, na verdade, não apenas o valor do ICMS, mas também, os valores da mão de obra e até a margem de lucro do agente econômico estão incluídos no preço representativo do faturamento. Outrossim, como sabemos, o valor dos tributos indiretos compõem a política de fixação de preços dos serviços e mercadorias.
Dentro daquela orientação, representada por seis votos dos Ministros da Corte Suprema, os Tribunais Regionais Federais vêm excluindo, também, o ISS da base de cálculo da COFINS e do PIS. De fato, o princípio é o mesmo.
No RE nº 559607/RG, decidiu-se pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS-importação dentro da mesma linha de argumentação desenvolvida no RE 240.785-MG, que está, ainda, pendente de julgamento final.
Como reflexo do pronunciamento da Corte Suprema um juiz federal de Osasco concedeu medida liminar para excluir o ICMS e o ISS da base de cálculo da contribuição social incidente sobre a receita bruta, a nova modalidade de contribuição social decorrente da substituição da contribuição social incidente sobre a folha de remuneração. Argumentou-se que o valor do ISS e do ICMS não corresponde à receita bruta e o que, em termos de linguagem comum parece óbvio. No pagamento do ICMS há saída de dinheiro e não entrada. Particularmente somos simpáticos a essa tese, neste caso específico, porque o governo federal, a pretexto de exoneração da carga tributária representada pela contribuição social sobre a folha, vem procedendo a substituição gradativa pela contribuição incidente sobre a receita bruta,[2] relativamente a diversos setores da economia, aleatoriamente eleitos como contribuintes da nova modalidade de tributação. Isso tem acarretado um aumento brutal da carga tributária em relação às empresas que ostentam uma receita bruta desproporcional ao custo da mão de obra, talvez, decorrente da utilização de modernos meios de produção, comercialização ou prestação de serviços.
Outrossim, no RE nº 582525/RG, o Plenário do STF decidiu que a CSLL incide sobre o IRPJ (art. 1º da Lei nº 9.613/96).
Ora, assim como o ICMS não configura faturamento para ser alcançado pela Cofins, a CSLL não constitui um acréscimo patrimonial a propiciar sua tributação pelo imposto de renda. O pagamento de um tributo pode decorrer de uma renda auferida, mas o seu pagamento não configura uma renda. Prevaleceu, entretanto, a tese de que a CSLL não constitui uma despesa operacional, porém, uma parte do lucro real, reservada ao custeio da Previdência Social. O argumento não nos convence. Uma coisa é dizer que a CSLL decorre do lucro auferido, outra coisa bem diversa é considerar o pagamento da CSLL como uma renda passível de tributação pelo imposto de renda. O mesmo raciocínio que levou à exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins deveria prevalecer em relação à exclusão da CSLL da base de cálculo do imposto de renda.
Na realidade, a CSLL, a exemplo de outras despesas como salários, aluguéis, valores de outros tributos indiretos etc. representa um custo para a obtenção do resultado líquido. O certo é que a CSLL não é uma renda, mas um encargo tributário.
Cotejando-se os argumentos despendidos no RE 240.785-MG (julgamento não concluído), no RE nº 559607 em caráter de Repercussão Geral e no RE nº 582525, também em caráter de Repercussão Geral fica bem difícil encontrar um critério objetivo das hipóteses de exclusão e de inclusão do valor de determinado tributo na base de cálculo de outro tributo.
Por tais razões, aproveitando o momento atual em que se pretende implementar uma minirreforma tributária, sugerimos a aprovação de uma Pec inserindo o § 8º, no art. 150 da CF, vedando a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo e na de outro tributo, revogando-se o inciso XI, do § 2º, do art. 155 e a letra “i”, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF, com a seguinte redação:
“§8º. É vedada a inclusão do valor do tributo na sua própria base de cálculo, bem como a sua inclusão na base de cálculo de outro tributo sempre que a situação configurar fato gerador de ambos ou mais tributos.”
A tributação por fora vem de encontro ao princípio da transparência tributária previsto no § 5º desse art. 150 e tem por finalidade dificultar a ação do sonegador.
Outrossim, a exclusão do valor do tributo da base de cálculo de outro tributo, na hipótese de configuração de fato gerador de ambos ou mais tributos, configura um imperativo de justiça fiscal. Finalmente, a Pec proposta visa conferir segurança jurídica e desafogar o Judiciário com as discussões da espécie que vêm aumentando dia a dia.
Notas
[1] Antes da EC nº 20/98 a base de cálculo da COFINS era apenas o faturamento.
[2] A Constituição Federal refere-se à receita ou faturamento que são expressões equivalentes.