4 Orçamento impositivo
Como consequência da quebra de compromisso entre o Executivo e o Legislativo, consistente no contingenciamento de verbas orçamentárias oriundas de emendas parlamentares, estes passaram a discutir a velha Proposta de Emenda Constitucional de nº 565/06 que substitui o orçamento autorizativo pelo orçamento impositivo.
Esclareça-se, por oportuno, que o tratamento discriminatório dispensado às despesas oriundas de emendas parlamentares, frutos de ajustes de vontades entre os dois Poderes, além de representar quebra de compromisso, não encontra respaldo nas normas orçamentárias. Presumem-se úteis ou necessárias todas as despesas públicas consignadas na lei orçamentária anual. O que é inútil ou desnecessário não deve constar do orçamento. Consoante escrevemos “a despesa pública há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público que é aquele interesse coletivo, encampado pelo Estado.” [7]
Mas, não é só. Os chamados cortes orçamentários têm recaído sobre as generalidades das dotações no início de cada ano como que aparentando um freio nas despesas públicas.
Ora, isso é um equívoco. Os serviços públicos são ininterruptos em quantidade e qualidade, o que pressupõe, também, a continuidade das obras públicas, exceto aquelas de natureza ornamental.
Tanto é assim que os recursos financeiros pertencentes ao Legislativo, ao Judiciário e ao Ministério Público devem ser entregues até o dia 20 de cada mês em duodécimos (art. 168 da CF). Da mesma forma, não deve o Executivo abrir mão de duodécimos. As necessidades da sociedade em função das quais foi elaborado o orçamento anual são contínuas.
Exatamente por ser contínua a execução orçamentária que a Constituição Federal determina em seu art. 162 que as entidades políticas divulguem até o dia último do mês subsequente ao da arrecadação os montantes de cada um dos tributos arrecadados. Por sua vez, o § 3º, do art. 165 da CF prescreve a obrigatoriedade de o Executivo publicar até trinta dias após o encerramento do bimestre o relatório resumido da execução orçamentária, isto é, a discriminação da receita realizada e a especificação das despesas feitas.
Resta claro que a economia de despesas públicas há de ser levada em conta por ocasião da elaboração da proposta orçamentária, direcionando os gastos públicos de acordo com as prioridades eleitas. Mas, não é isso que vem acontecendo. Uma vez aprovado o sancionado o projeto de lei orçamentária anual o governo vem redirecionando os recursos correspondentes às dotações orçamentárias de setores prioritários como os da saúde, transporte e educação.
Com a aprovação do orçamento impositivo essa discricionariedade do Executivo de gastar quando e onde lhe aprouver ficará impossível juridicamente. Isso não significa dizer que o orçamento autorizativo permite sua execução às avessas. Muitas vezes a realidade não coincide com a situação considerada no plano de ação do governo, impondo o redirecionamento das verbas orçamentárias.
Examinemos os termos do art. 165-A da CF que prevê a instituição do orçamento impositivo:
“Art. 165-A. A programação constante da lei orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação.
§ 1º A solicitação de que trata o caput deste artigo somente poderá ser formulada até cento e vinte dias antes do encerramento da sessão legislativa e será acompanhada de pormenorizada justificativa das razões de natureza técnica, econômico-financeira, operacional ou jurídica, que impossibilitem a execução.
§ 2º A solicitação poderá, ainda, ser formulada a qualquer tempo, nas situações que afetem negativamente a arrecadação da receita, de calamidade pública de grandes proporções, ou ainda nas previstas no art. 137, inciso II.
§ 3º Em qualquer das hipóteses, as solicitações tramitarão no Congresso Nacional em regime de urgência.
§ 4º Não havendo deliberação do Congresso Nacional, no prazo de trinta dias, a solicitação será considerada aprovada.
§ 5º A não execução de programação orçamentária, nas condições previstas neste artigo, implica crime de responsabilidade.
§ 6º Do projeto de lei orçamentária anual, bem como do autógrafo encaminhado para sanção do Presidente da República, não constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham o início de vigência posterior à data prevista no inciso III do § 6º do art. 166.”
Como se vê, a programação orçamentária é de execução compulsória. Porém, essa obrigatoriedade sofre flexibilização. O Congresso Nacional poderá aprovar solicitação do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento total ou parcial da dotação. Admite, pois a adequação do orçamento à realidade social vigente.
Todavia, essa solicitação exclusiva do Chefe do Poder Executivo somente deverá ser formulada dentro das regras preestabelecidas nos parágrafos 1º e 2º e terão a tramitação previstos nos parágrafos 3º e 4º.
Para dar efetividade ao orçamento anual o § 5º capitula como crime de responsabilidade a não execução da programação orçamentária nas condições previstas no artigo sob comento. É oportuno lembrar que o art. 85, inciso VI da CF, que considera como crime de responsabilidade o atentado contra as normas orçamentárias, jamais foi aplicado.
Finalmente, o § 6º prescreve que no projeto de lei orçamentária anual, bem como do autógrafo encaminhado à sanção do Executivo, não constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham início de vigência posterior a 31 de maio de cada ano, data limite para o envio da proposta orçamentária ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. [8]
Se de um lado o orçamento impositivo confere grau de seriedade na execução orçamentária, deixando de ser o orçamento anual uma peça de ficção, a sua elaboração não poderá ser feita sem o prévio conhecimento profundo da realidade do País como um todo. Existem enormes disparidades regionais em termos econômicos e sociais. Não é por outra razão que § 7º, do art. 165 da CF determina que o orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento das empresas estatais guardem compatibilidade com o plano plurianual com funções prioritárias de reduzir as desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.
A elaboração de proposta orçamentária requer conhecimento detalhado da realidade social do País, capacidade técnica e muita sensibilidade para eleger as prioridades. Sabemos que as necessidades da sociedade nas diferentes regiões do País são variáveis e infinitamente maiores do que as reais possibilidades de transferência de recursos financeiros do setor privado para o público. Por outro lado, as operações de crédito sofrem limitações constitucionais e aquelas decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse modelo de orçamento impositivo se não houver visão de um estadista na elaboração da programação orçamentária a solicitação de alteração das dotações orçamentárias, que é uma exceção, poderá tornar-se uma rotina cansativa.
Outrossim, a ideia que norteia a elaboração de orçamento impositivo torna absolutamente incompatível o costumeiro procedimento de inserir na LDO a autorização parcial da programação orçamentária, sob condições aí fixadas, até a final aprovação do projeto de lei orçamentária anual e sua remessa à sanção presidencial. Aliás, mesmo no modelo de orçamento autorizativo vigente tal expediente revela-se inconstitucional, por partir do pressuposto de que o projeto de lei orçamentária anual não será deliberado dentro do prazo constitucional.
Por derradeiro, o art. 165-A da CF que introduz o orçamento impositivo, somente será cumprido nas condições fixadas em lei complementar a ser editada no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da promulgação desta Emenda.
Pode ser que essa lei complementar nunca venha a ser editada, a exemplo de inúmeros outras referidas na Constituição Federal.
Como dissemos no início, essa proposta de emenda constitucional saiu da gaveta do Parlamento após desentendimento em torno da liberação de recursos financeiros correspondentes as verbas resultantes de emendas apresentadas pelos parlamentares. Essas verbas que podem ter resultado, inclusive, de mensagens aditivas propondo modificações nas programações orçamentárias com base no § 5º, do art. 166 da CF, não poderiam merecer tratamento discriminatório pelo Executivo. Afinal, o Parlamento é o eco de ressonância da vontade popular, à medida que representa os contribuintes no direcionamento do produto da arrecadação tributária.
5 Referências bibliográficas
DALLARI, Adilson Abreu. Orçamento impositivo in Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob coordenação de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Notas
[1] Orçamento impositivo, in Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob coordenação de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 325.
[2] ADI nº 2.925, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 4-3-2005.
[3] Fonte: O Estado de São Paulo, 2-7-2013, p.A6.
[4] Realocação de recursos de um órgão para outro.
[5] Realocação de recursos no âmbito dos programas de trabalho dentro do mesmo órgão.
[6] Realocação de recursos entre categorias econômicas de despesas dentro do mesmo órgão e mesmo programa de trabalho.
[7] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.22
[8] O inciso III, do § 6º do art. 166 da CF na redação da PEC nº 565/06 determina o envio do projeto de lei orçamentária anual até sete meses antes do encerramento do exercício financeiro para sua devolução para sanção presidencial até o encerramento da sessão legislativa (22 de dezembro).