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Estado moderno:

características, conceito, elementos de formação, instituições políticas, natureza jurídica, atualidades

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Agenda 28/12/2013 às 07:10

Trata-se de um resumo articulado que recupera os elementos e as características do Estado, desde a sua formação, observando-se historicamente a partir do Estado Moderno, até a atualidade.

Resumo: Trata-se de um resumo articulado que recupera os elementos e as características do Estado, desde a sua formação, observando-se historicamente a partir do Estado Moderno, até a atualidade. Para efeito didático, o texto está dividido em 34 itens específicos. No texto, veremos o conteúdo específico que compõe o objeto de análise da Teoria Geral do Estado, bem como uma configuração preliminar acerca da política, do poder e do Estado, seus elementos e variações limitadas e que os celebram como conceitos clássicos. O trabalho tem uma finalidade exclusivamente didática, a fim de que possa ser lido como manual para iniciados em Ciência Política e Teoria Geral do Estado e, por isso, não se trata da proposição de teses inovadoras. Há ainda um destaque maior quanto aos elementos e conteúdos de natureza jurídica, a fim de que se possa ler no Estado Moderno uma estruturação política, institucional e jurídica particular.

Palavras-chave: Ciência Política; Teorias do Estado; Estado Moderno; Estado de Direito; República; Estado Democrático.


1. FUNDAMENTOS DAS DISCIPLINAS

Estudar a política é estudar os clássicos e isto nos é fundamental porque esses autores e suas obras revelam ou nos ensinam o caminho para desbravarmos alguns dos principais segredos e mistérios da condição humana – sobretudo se aceitarmos a ideia de que o homem é um animal político que só se realiza no fazer-política. Neste caso, trata-se de visualizar, por exemplo, o que torna o homem um ser sociável por excelência, mas que só se completa como zoon politikón. A natureza tem muitos animais sociais, incluindo o homem que é um ser tendente à sociabilidade; mas apenas o homem é um animal político. Ou seja, além de ser social, o homem é – em um plano superior de sua organização social, mental – capaz de criar um tipo mais específico de organização: as instituições políticas. A sociabilidade pode ser adquirida (como moral, por exemplo) ou herdada, pelas tradições, como um a priori. Contudo, somente a política resulta da razão, como fabricação humana.

Teoria Geral do Estado

A Teoria Geral do Estado é uma doutrina que foi sistematizada no século XIX, na Alemanha, por Jellinek. Comparativamente, a Ciência política corresponde à investigação empírica do poder, já no clássico Renascimento italiano do século XVI, iniciada por Maquiavel. A Teoria Geral do Estado (TGE) se apoiaria nas análises do chamado realismo político, mas com o objetivo de superar as restrições impostas pela Filosofia do Estado. Com isso, a TGE passaria a observar os elementos de permanência e constância na formação do Estado. Epistemologicamente, são abordagens muito distintas e isso se observa desde a formação do objeto científico de pesquisa: o poder, para a Ciência Política; o próprio Estado, para a TGE. No início, o Estado como sociedade política organizada é visto como indutor do direito; em meados do século XX, com Kelsen, o Estado é equiparado ao direito. Por fim, especialmente no pós-Segunda Grande Guerra, a tese de que o direito deve regular o Estado – limitar o poder – ganha muita força, inclusive com amplo reflexo no direito internacional, com a criação do ONU (1946) e a proclamação da Declaração dos Direitos Humanos, de 1948. Por esta construção teórica e conceitual que vem se afirmando há um século e meio podemos compreender as primeiras noções acerca do aparelho estatal:

Além dessas características, ainda podemos dizer que o Estado:

De modo simplificado, para muitos o Estado se limita à União, uma vez que só a União tem soberania – os demais entes da Federação teriam apenas uma autonomia limitada e residual: o que não interessa à União compete ao Estado-membro e assim, sucessivamente, ao Município. Para Deleuze (2005): O Estado é a soberania. Entretanto, a observação de que o Estado – além de ser uma instância privilegiada de poder – deve ser estudado como artefato científico foi entrelaçada por Jellinek.


2. JELLINEK E O ESTADO DE DIREITO

O Estado brasileiro deve aprender com o passado

As manifestações públicas por todo o país, envolvendo centenas de milhares de pessoas, são garantidas pela Constituição e devem nos levar a refletir honestamente sobre o Estado brasileiro. O fenômeno da Multidão que atinge o país, depois de percorrer o mundo todo (Oriente e Ocidente), traz à tona as justificativas do atual modelo político adotado pelo Estado brasileiro.

No plano externo, vigoram as relações a partir do que se convencionou chamar de Estado Democrático de Direito Internacional. No âmbito interno, o Estado de Direito ainda anda às turras com a Justiça social, reverberando mais ideologias neoliberais do que políticas públicas respeitáveis 1. Em todo caso, podemos/devemos pensar as bases jurídicas de onde provém o próprio modelo jurídico do Estado de Direito europeu e que serviu de base à Constituição da República Brasileira.

Para esta análise, emprestamos algumas análises e conceitos do iminente jurista alemão Georg Jellinek, em que a soberania recai sobre o Estado e não sobre o povo; restringindo-se desde o século XIX, portanto, o significado da soberania popular. Sendo o Estado uma corporaçao assentada num determinado território e dotado de um poder de mando, nao se percebe muita preocupação com a legitimidade política dos poderes constituintes. Do que já se deprende que uma das principais preocupações não é exatamente a tese da Autolimitação do Poder Político e nem com a ordem jurídica não-aristocrática.

A Teoria do Estado em Georg Jellinek

Além de um teórico precursor do Estado, Georg Jellinek (1851-1911) foi um jurista alemão e filósofo do direito. É reconhecido como o fundador da disciplina de Teoria Geral do Estado, pois até sua obra ser conhecida aplicava-se uma leitura ora idealista (Filosofia do Estado de Hegel, por exemplo) ora negativista (ideologias do Estado, no exemplo da tradição marxista). Sua maior contribuição está, portanto, na tentativa de se realçar as bases de uma disciplina ou ciência que verificasse elementos de formação e de continuidade das estruturas e mecanismos do aparato estatal. A partir de sua obra mais específica sobre Teoria Geral do Estado (2000), os elementos políticos de composição do Poder Político, que se sagraram historicamente, passaram a ser investigados quando se analisava o fenômeno estatal: povo; território; soberania.

É preciso ressaltar, neste momento, que o Estado centraliza o Poder Político, mas há outras instituições e comunidades políticas que conformam o Poder Político. A Multidão, atualmente, seria um desses agrupamentos com caráter político, além das associações políticas que lutam pelo controle do Estado ou, ao contrário, os primeiros grupos humanos que detinham o controle social sobre o Poder Político – antes, portanto, da fundação do próprio Estado.

Ainda é preciso lembrar que, para o jurista alemão, a soberania recai sobre o Estado e não exatamente sobre a nação. Bonavides (2012, p. 71) traz a definição que Jellinek faz do Estado, como “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Para Dallari, comparativamente, Estado é a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território (2012, p. 122). Não só a soberania pertence à nação, para o jurista brasileiro, como a nação é sinônimo de povo, resguardado pela ordem jurídica legítima (bem comum).

Na análise que propusemos no texto, o direito germânico salientado por Jellinek é oportuno de ser resgatado porque nos permite observar a articulação entre direito e cultura. Como bem diz Jellinek: “...a princípio o Estado germânico é uma associação de povos a quem falta a relação constante com um território fixo, o enlace permanente do território com o povo só muito lentamente se levou a cabo em sua história” (2000, p. 307. – tradução livre). Neste sentido, faltava ao Estado Germânico e ao Estado Feudal um enlace entre povo e território, ou seja, o que se chamou de adensamento e de identidade cultural. A base do poder era móvel, não havia plena identificação entre o Poder Público e o território, bem como ainda se lidava com grande variedade de costumes e de interesses. Não é fácil de se supor, mas a desordem política e a resistência ao poder central produziam inclusive a mobilidade física do Príncipe. Vejamos, novamente com Jellinek (2000), o exemplo da Alemanha:

A residência do Príncipe era algo completamente contingente e independente da organização do Estado. Por conseguinte, faltava-lhe desde o início a centralização. A dificuldade de organização para um povo que se estendeu por um vasto território e carece de um centro, é ainda maior em uma época em que as comunicações eram rudimentares e predominava a economia agrícola (Jellinek, p. 307).

Por fim, outra vez comparativamente ao Império Romano, há um dualismo na base política e jurídica: “O reino germânico nasce, pois, como um poder limitado; por conseguinte, desde seu início traz consigo um dualismo: o direito do Rei e o direito do povo, dualismo jamais superado na Idade Média 2” (Jellinek, 2000, p. 308). Assim, quando comparado à herança política romana é ainda mais evidente a existência dessas dicotomias no acento do poder:

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Onde quer que dominasse a Constituição municipal romana, acentuando-se a substantividade política das cidades, algumas chegam em certas ocasiões, como na Itália, a alcançar uma absoluta independência. Posteriormente, e dotadas de privilégios reais, fundam-se na Alemanha e na França cidades que chegam a conseguir, ao menos parte delas, um caráter de corporações soberanas. Por isto, a divisão dual da natureza do Estado significa por sua vez a atomização do poder público, e toda a história dos Estados da Idade Média é ao mesmo tempo uma história do ensaio para chegar a vencer este desmembramento ou, ao menos, para minorar suas consequências (Jellinek, 2000, p. 309. – tradução livre).

Este modelo do direito público romano, em parte, manteve-se na legislação estatal posterior, e em parte foi demovida. A compreensão de que o poder não pode ser afrontado, sob pena de morte, manteve-se atuante. De outro modo, a própria proximidade entre direito e cultura, no direito germânico, também se verificou na ideia de participação popular. Resumidamente, trata-se da evolução e da transformação por que passaram o direito de resistência e de participação:

O único modo de tornar possível o exercício da soberania popular é a atribuição ao maior número de cidadãos do direito de participar direta e indiretamente na tomada das decisões coletivas [...] O melhor remédio contra o abuso de poder sob qualquer forma – mesmo que “melhor” não queira realmente dizer nem ótimo nem infalível – é a participação direta ou indireta dos cidadãos, do maior número de cidadãos, na formação das leis. Sob esse aspecto, os direitos políticos são um complemento natural dos direitos de liberdade e dos direitos civis, ou, para usar as conhecidas expressões tornadas célebres por Jellinek (1851-1911), os iura activae civitatis constituem a melhor salvaguarda que num regime não fundado sobre a soberania popular depende unicamente do direito natural de resistência à opressão (Bobbio, 1990, pp. 43-44).

O instrumento de governo libertário, desde Cromwell (1599-1658) 3, é o primeiro exemplo de um documento constitucional moderno; o próprio nome revela sua ambição e natureza. Ele mesmo expressou claramente o que esperava desse documento: “Em todo governo, disse, tem que haver algo fundamental, semelhante à Carta Magna, permanente, invariável” (Heller, 1998, p. 178) 4. No curso da história dos direitos público-subjetivos, por sua vez, teríamos de retomar a contribuição de Rousseau e a Revolução Francesa, quando se instituiu a educação pública obrigatória – como forma de melhor divulgar os ideais revolucionários republicanos. Ora, a República seria o melhor freio institucional e regimental ao Poder Político.

Portanto, desse período até à modernidade decorre a perspectiva de que o Estado deveria conhecer alguns limites quanto à projeção do poder político – o que se convencionou chamar de Teoria da Autolimitação do Estado: “...o Estado nos aparece como um duplo Estado em que o príncipe e as Cortes têm cada um seus funcionários particulares, tribunais e até exército e embaixadores” (Jellinek, 2000, pp. 309-310).

O próprio Estado Moderno seria um tipo ideal, uma vez que se pode ver diferenças exorbitantes se tomarmos exemplos históricos para efeito de comparação. De todo modo, o conceito de tipo ideal foi emprestado do jurista europeu. O que se revela claramente, pois esta concepção republicana do poder é compartilhada pela ciência do direito de Jellinek (2000), ao expor a urgência de se configurar a própria Teoria da Autolimitação do Estado.

No seu encalço, a versão clássica de Zippelius corresponde ao Estado de Direito, como: “a obrigação de criar e manter determinadas instituições públicas” (1997, pp. 377). Outros juristas ainda lembram Jellinek e as instituições normativas: “a Constituição designa o conjunto de normas jurídicas que definem os órgãos supremos do Estado, determinam a forma de sua criação, sua relação recíproca e seu âmbito de atuação, como também fixam a posição do indivíduo em relação ao poder do Estado” (Peña, 2003, p. 61).

No caso brasileiro, as Teorias do Estado deveriam dar cobertura especial ao preâmbulo da Constituição, bem como supõem-se analisar pormenorizadamente os artigos 1º ao 4º, pois o artigo 5º trata dos direitos individuais. A própria Constituição articula as Teorias do Estado, transformando em artigos os preceitos do moderno Estado Democrático. Na CF/88 desfila a história política do Estado e da sociedade: do liberalismo à democracia; do liberalismo aos preceitos socialistas. Por fim, há quem sustente que falta sentido à discussão e à terminologia porque no Estado Moderno não há liberdade sem a intervenção ou predisposição estatal ao seu reconhecimento. Não há sentido em insistir no caráter público da liberdade pelo simples fato de que não existem liberdades privadas fora do Estado. Em todo caso, pode-se frisar que o liberalismo foi positivado como direito humano apenas no pós-Revolução Francesa:

Para a ideologia liberal o indivíduo é um fim em si mesmo, e a sociedade e o direito não são mais do que meios postos a seu serviço para facilitar a realização de seus interesses. A este respeito, certamente recorda-se que o mito mais representativo desta ideologia é Robinson Crusoe, que é “o herói do individualismo em ação”. A partir dessas coordenadas, os direitos individuais são considerados em sentido eminentemente negativo como garantia da não ingerência estatal em sua esfera: é o que Georg Jellinek denominará status libertatis e Georges Burdeau liberdade-autonomia (Luño, 2003, p. 35. – tradução livre).

De todo modo, a influência de Jellinek ainda se manifesta em outro jurista alemão de grande vulto e repercussão internacional: Hans Kelsen (1998). O chamado positivismo de Kelsen não resolveria adequadamente a superveniência da Razão de Estado, tal qual o liberalismo de Bobbio não teria maior eficácia: o resultado seria a formação atualíssima de um Estado Penal Internacional. O século XX se caracterizou pela consolidação de um sistema de Estados nacionais e pela superação do jus publicum europeum, com a criação da Liga das Nações e da ONU. O eurocentrismo cedeu espaço ao globalismo – o ideal de Kant da Paz Perpétua estaria mais próximo, como uma espécie de “profissão de fé cosmopolita” rumo ao “direito público da humanidade”. Enquanto o direito internacional se referia à relação entre Estados. O direito cosmopolita tratava da relação entre de Estados e indivíduos (estrangeiros).

O autor alemão rejeitava a Teoria Dualista do Direito – separando-se entre direito interno e direito internacional –, opondo-se a Jellineck, por exemplo, e trazendo uma formulação nova para a interpretação de Kant. O direito nacional de todos os Estados nacionais soberanos seria elemento de um todo, partes de uma “ordem parcial”. O direito internacional, portanto, seria a unidade objetiva do conhecimento jurídico”, o suporte para uma concepção monista (Teixeira, 2011). Pelo traço da história, vemos que na origem este seria um princípio (aliado à separação dos poderes) mais fortes quanto à defesa da liberdade do cidadão, afastando tanto quanto possível (ante o jugo da força física dos príncipes) a ação ofensiva e repressiva do Estado:

No entanto, o poder era suficientemente forte para proteger o cidadão e para garantir o direito, também era suficientemente forte para oprimir o cidadão e dispor arbitrariamente do direito [...] As instituições do moderno Estado constitucional e de Direito nasceram, em grande parte, como resposta ao desafio de um absolutismo absoluto. Neste sentido, a história da liberdade do cidadão é uma história da restrição e do controle do poder de Estado [...] Este procura um compromisso entre a necessidade de um poder do Estado homogêneo e suficientemente forte para garantir a paz jurídica e a necessidade de prevenir um abuso de poder estatal e de estabelecer limites a uma expansão totalitária do poder do Estado, assegurando na maior medida possível as liberdades individuais (Zippelius, 1997, p. 384).

Porém, de lá para cá, houve essa inversão ou reconversão ideológica, com o princípio atuando a favor do instituidor do Estado 5 e não do povo, só a favor do Estado, quando se faz necessário estancar sua sanha e seu avanço sobre os interesses da coletividade 6. De lá para cá, a Administração Pública teria, então, se convertido em Administração Pública Corporativista e com isso passaria a defender tão-somente os próprios interesses (ou da fração da burguesia que a financia). Contudo, há muitas formas políticas estranhas ao Estado, mas não há ordem ou política sem direito. A Multidão recupera as ruas como espaço público e nos obriga a repensar o Estado como instituição política que centraliza o poder público e, por vezes, mantem-se longe do clamor e das demandas populares. Por tudo isso é necessário investigarmos atentamente de que política e poder é composto o Estado Moderno.


3. O QUE É POLÍTICA?

As intensas manifestações populares que tomaram conta das ruas no Brasil, embaladas pela onda política internacional que mobilizou milhares de estudantes no Chile e pelo Movimento dos Indignados, na Espanha, com o lema “Da indignação à rebelião”, exigem outra política.

Nesse sentido, veremos uma breve descrição da política, uma espécie de guia para estudantes de primeira hora na arte do convencimento e do exercício do poder. O guia pode/deve ser lido por acadêmicos, trabalhadores, professores, empregadas domésticas, eleitores, servidores públicos, profissionais liberais e mais ainda pelos governantes.

Afinal, o que é a política?

Por política se entende uma porção, um recorte amplo de atividades humanas. Ou seja, a política é o exercício de atividades essenciais à realização do ser humano. Neste raciocínio, a política é a efetivação da condição humana. Política é a arte do convencimento para que se exerça o poder de comando e assim se aprimore a condição humana; a possibilidade de se conviver em sociedade, sobretudo quando há conflito de interesses. Portanto, a política é um guia para a ação humana (Kibernets). Pois, não há homem que desconheça a política (zoon politikón). O homem é um animal político. Mas, além disso, a política é:

A política partidária expressa uma sociedade dividida em partes, e cada parte defende sua ideologia, seu ponto de vista, seus interesses. Por isso, na relação política em que se opõem contendores, defendem-se visões de mundo discordantes, opostas e até antagônicas.

Contudo, há algo que a política não é, por definição. A política não é sinônimo da corrupção, uma vez que a corrupção é a deturpação de toda a política. A política é a arte dissuasiva que conserva a sociedade; a política promove a constituição da sociedade. Portanto, a política é o avesso da corrupção, pois a corrupção é a negação da vida social, da vida em grupo; como corrupção da própria sociedade, a política seria a negação do zoon politikón e acabaria definida pelo seu contrário – o que, evidentemente, não é lógico e nem racional.

O que é política

A expressão política não tem uma definição exata e muito menos simples; ao longo da história humana adquiriu significados diversos e empregos os mais variados. Política tem um sentido diverso, complementar, amplo e complexo, desde sua origem na Cidade-Estado. Além de um vínculo, a política é um objeto esquivo, indefinível, polissêmico, interminável (Vera, p. 57). Para o grego clássico, no entanto, política deriva dos vocábulos polis, politeia, politica, politiké. Em suma implica em:

O emprego do vocábulo, em inglês, ainda traz outras atribuições. Talvez num sentido já adaptado a muitas necessidades estruturais e da conjuntura política ocidental moderna, já se relaciona entre os objetivos políticos, a própria regulação da governança e a fixação do espaço público (definido independente da vida privada):

Ainda implica em dizer, lato sensu, que o animal é social, mas só o homem é político.

A política, portanto, como tarefa ou fabricação humana é uma intenção, um produto da razão e guarda racionalidade em si, é expressão de uma lógica que constrói uma visão de mundo. Desse modo, a política relaciona meios e fins, é um objeto, uma relação e ao mesmo tempo traça objetivos e fins que devem ser perseguidos coletivamente. A escolha dos meios aplicados a esses fins, para se alcançar o que se quer, portanto, é uma escolha política. A definição dos meios a fim de se alcançar determinados fins, nunca será uma escolha neutra:

Pode-se estudar a política, por conseguinte, em dois níveis – o dos fins e o dos meios. O primeiro diz respeito a necessidades básicas, que podemos classificar como físicos, mentais e sociais [...] Nesse nível, a política tenta descobrir regularidades nos fins e nas necessidades que os criam [...] Por outro lado, trata-se de processo em que a razão é aplicada inicialmente à experiência para explicá-la e, em seguida, controlá-la ou moldá-la segundo as finalidades [...] O processo é racional no sentido de constituir uma tentativa para estabelecer um padrão ordenado de relações de causa e efeito entre fenômenos, e utilizá-lo intencionalmente [...] Tal exame de finalidades e da maneira como elas se desenvolvem e são formuladas fornece base aos estudos políticos no segundo nível, isto é, das condições e processos de cooperação em grupos ou associações, como o Estado (Greaves, 1969, p. 215-216).

Como vimos, a política é essencialmente uma atividade racional. A política é inerente, imanente ao homem, mas esta condição humana só se revela no fazer-política. Sem que se expresse politicamente, a essência não se revelará e de uma condição inerente, civitatis activae, a política apenas se resguarda em mera virtualidade (virtus): o que “pode” vir-a-ser. Como latência, em sentido limitado, restrito de virtus, sem expressar “publicamente” a política, o homem social não estimula suas virtudes, seus valores políticos. Sem a política, as virtudes permanecem privadas, não conhecem o espaço público. Por isso, a política tem um claro sentido publicista, voltado ao espaço público, à cidade, ao Estado ou, como queriam os romanos, à res publica¸à coisa pública.

Para completar a condição política, a virtus precisa se converter em virtù; o valor da ação política precisa dominar o furor humano (já nos ensinavam Petrarca e Maquiavel): “Vertù contra furore / Prenderà l’arme, e fia ‘l combatter corto” 7 (Maquiavel, 1979, p. 94). Em busca de uma mensagem humanista mais clara, nos dirá Maquiavel que a ganância, a soberba do poder incontrolado (esse mesmo que se alimenta da vingança das penas cruéis) são a porta do fracasso. Trata-se de um verso romano e nos diz que a virtude da política, como virtù, depende da prudência e da inteligência, como forma de controle da violência, do furor, dos "arroubos", do agir intempestivo.

Desde os gregos clássicos e sua polis sabemos que a política é um valor humano intrínseco e, portanto, não apenas um instrumento dos demais valores. A política não é totalmente neutra ou instrumental, é, em si, ao mesmo tempo, uma expressão da personalidade humana. O político por si é uma parte da situação total, com a qual temos de contar. A política planta seus próprios fins ideais que temos de considerar e alcançar se for possível. A ordem, a justiça, a integração, o equilíbrio, a seguridade, o bem comum são aspirações, desideratos da vida humana e tem seu lugar na escala de valores humanos. Constituem a especial responsabilidade dos estadistas, para quem se apresentam como valores de significação vital. Se temos a tarefa de empreender a edificação de um Estado, temos que supor esses valores como tipologia dessa sociedade que queremos servir (Merriam, 1986, p. 66).

Arete, virtus e corpus

A política, enfim, quando consagrada na condição humana, quando transformada de virtus (virtualidade) em virtù (virtude), será a própria excelência humana:

A excelência em si, arete como a teriam chamado os gregos, virtus como teriam dito os romanos, sempre foi reservada à esfera pública, onde uma pessoa podia sobressair-se e distinguir-se dos demais. Toda atividade realizada em público atinge uma excelência jamais igualada na intimidade; para a excelência, por definição, há sempre a necessidade da presença de outros, e essa presença requer um público formal, constituído pelos pares do indivíduo; não pode ser a presença fortuita e familiar de seus iguais... (Arendt, 1991, p. 58).

A antiga filosofia cristã favorecia a perspectiva integrativa entre excelência e prudência:

Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que nele habitam em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo intermediário, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relação entre os homens [...] O que torna tão difícil suportar a sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é este o fator fundamental; antes, é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-las [...] Encontrar um vinculo entre os homens, suficientemente forte para substituir o mundo, foi a principal tarefa política da antiga filosofia cristã; e foi Agostinho quem propôs educar sobre a caridade não apenas a <irmandade> cristã, mas todas as relações humanas (Arendt, 1991, pp. 62-63).

Porém, advertia Arendt, a ampliação da esfera privada representada pela figura central da família refluía os impactos positivos que poderia exercer na conformação/confirmação do próprio espaço público:

O caráter apolítico e não-público da comunidade cristã foi bem cedo definido na condição de que deveria formar um corpus, cujos membros teriam entre si a relação que têm os irmãos de uma mesma família. A estrutura da vida comunitária tomou por modelo as relações entre os membros de uma família porque estas eram sabidamente não-políticas e até mesmo antipolíticas. Jamais existiu uma esfera pública entre os membros de uma família, e era portanto improvável que viesse a surgir da vida comunitária cristã se esta fosse governada pelo princípio da caridade e nada mais (Arendt, 1991, pp. 63-64).

Isto confirmaria a necessidade da vida presente (necessitas vitae praesentis), ainda que nem sempre corrobore a construção do espaço público. Ainda que a lição mais prudente na própria descrição bíblica seja de uma prudência que se construa para a vida do homem público, seja do chamado homem médio. Vejamos uma das mais difundidas transcrições que reforçam este prisma: "Eis que eu vos mando como ovelhas no meio de lobos. Sede pois, prudentes como a serpente e simples como as pombas". (Mt 10,16).Esta lição não pode muito bem refletir na vida privada ou pública, na comércio e na política, entre adversários e vizinhos? Isto é transformar a virtus em virtù, em domar a ação pela virtude. O arete é aquela intenção política que reúne a força dos demais para agir pela polis, que controla a agressividade, que canaliza e direciona a impetuosidade, transformando gravetos isolados e frágeis em um único bastão de força conjunta. A política é o arete que deve romper o isolamento familiar, privado, transformando o homem em coletivo, rompendo o isolamento, em espanhol, o aislamiento, para que não existam mais ilhas sociais. É óbvio que a análise da política nos leva a repensar conceitualmente o que é poder.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado moderno:: características, conceito, elementos de formação, instituições políticas, natureza jurídica, atualidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3832, 28 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26268. Acesso em: 22 nov. 2024.

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