O lançamento do Consenso Brasileiro de Fotoproteção elaborado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (8) traz a tona um sério problema de saúde pública. Trata-se do primeiro documento oficial com recomendações sobre proteção solar no País.
A radiação solar afeta a pele com seu fotoenvelhecimento e exacerbação de dermatoses fotossensíveis (9). Além disso, causa o aumento do risco de câncer cutâneo, o tipo mais freqüente dessa patologia, responsável por 25% de todos os tumores. O principal agente etiológico dessa enfermidade é a radiação ultravioleta natural (sol). Essa alta incidência exige medidas objetivas para tornar obrigatório o uso de protetores de pele para os trabalhadores expostos à radiação solar.
O mais comum câncer ocupacional é o carcinoma basocelular (5) que, geralmente, aparece após muitos anos de exposição (1).
Conforme o comprimento de onda, os raios ultravioletas (raios UV) são classificados em regiões do espectro eletro magnético: UVA, 320-400 nm; UVB, 290-320 nm e UVC, de 200 a 290 nm. A radiação UVC é filtrada pela atmosfera antes de chegar a terra. A radiação UVB não é totalmente filtrada pela camada de ozônio e é responsável pelos danos devido a queimaduras solares. A radiação UVA atinge as camadas mais profundas da epiderme e da derme e provoca o envelhecimento precoce da pele (3).
Tem ocorrido um aumento da incidência dos raios ultravioletas potencialmente carcinogênicos (6), em decorrência da destruição da camada de ozônio responsável por filtrar cerca de 95% dos raios ultravioletas de alta frequência emitidos pelo Sol.
Diversos projetos de lei pertinentes ao tema tramitam nas Casas Legislativas sendo que algumas cidades brasileiras já tornaram obrigatório o uso de protetores solares para os empregados que trabalham ao ar livre. Após acordos coletivos firmados, algumas empresas disponibilizam os protetores solares aos trabalhadores, contudo, essa prática tem como empecilho o elevado preço do produto, pois cerca de 41,74% do valor pago corresponde a impostos (10).
O pagamento dos adicionais de periculosidade e de insalubridade aos trabalhadores depende da inserção do agente nocivo, como tal considerado, em normas regulamentadoras (NRs). O conceito de atividades insalubres encontra-se no artigo 189 da CLT, in verbis:
Art . 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.
Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego regulamentar matérias de segurança e saúde do trabalho (7), definir as atividades e operações insalubres, bem como adotar normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes (artigo 190 da CLT e Súmula 194 de 13/12/1963 do Supremo Tribunal Federal).
O entendimento jurisprudencial dominante é pela não percepção do adicional de insalubridade aos trabalhadores expostos à radiação não ionizante, dentre eles os raios ultravioletas, por desenvolvimento de atividades a céu aberto e exposição aos raios solares. Tais reiteradas decisões assentam-se na aplicação do entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho em sua OJ- SDI-1 n. 173, que dispõe:
OJ-SDI1-173 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – Ausente previsão legal, indevido o adicional de insalubridade ao trabalhador em atividade a céu aberto, por sujeição à radiação solar (art. 195 da CLT e Anexo 7 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE).
II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3214/78 do MTE.
Contudo, surgem entendimentos contrariando a Orientação Jurisprudencial 173 do Tribunal Superior do Trabalho, que veda a incidência do adicional por insalubridade quando o trabalhador é exposto a raios solares, por falta de previsão legal.
Fundamental destacar a manifestação do Tribunal Superior do Trabalho, no caso em que o laudo pericial comprovou a exposição do trabalhador ao calor excessivo, como prevê a NR 15, Anexo 3, do Ministério do Trabalho:
RECURSO DE EMBARGOS DA RECLAMADA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - EXPOSIÇÃO AO CALOR DO SOL - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 173 DA SBDI-1 - INAPLICABILIDADE. O Anexo 7 da NR 15 do Ministério do Trabalho, ao qual a Orientação Jurisprudencial nº 173 da SBDI-1 faz referência, trata das radiações não-ionizantes. Inegável, portanto, que o intuito desta Corte, quando de sua edição, foi de vedar o pagamento de adicional de insalubridade em razão do fator radiação solar, ante a inexistência de previsão legal neste sentido. Entretanto, o mesmo entendimento não pode ser aplicado às hipóteses em que o laudo pericial constata a submissão do trabalhador ao agente insalubre calor, o qual encontra previsão no anexo nº 3 da mesma norma regulamentar, na qual não há qualquer diferenciação a respeito da necessidade de exposição ao mencionado fator em ambiente fechado ou aberto. Aliás, conforme se verifica do item 1 do referido anexo, há expressa menção a -Ambientes externos com carga solar-. Dessa forma, havendo comprovação, mediante perícia técnica, da submissão do reclamante a trabalho insalubre decorrente da exposição ao fator calor, nos termos da NR 15, Anexo 3, do Ministério do Trabalho, deve ser mantida a condenação ao pagamento de adicional de insalubridade, sendo irrelevante o fato da alta temperatura decorrer do contato com a luz solar. Recurso de embargos conhecido e desprovido.(TST - RR - 51100-73.2006.5.15.0120, SDI-1, Relator Renato de Lacerda Paiva, DEJT 10/08/2012).
A NR 6 da Portaria n° 3214/78 trata dos equipamentos de proteção individual (EPI”s), dispositivos de uso individual, de fabricação nacional ou estrangeira, destinados a proteger a saúde e integridade física do trabalhador. Deve ser fornecido gratuitamente ao empregado (4). O protetor solar não está elencado como equipamento de proteção individual.
O EPI fornecido ao empregado para a prestação dos serviços não é considerado salário (& 2° do artigo 458 da CLT) e a recusa injustificada do trabalhador na sua utilização configura ato faltoso, devendo o empregador promover a utilização dos equipamentos de proteção para eliminar ou neutralizar a condição insalubre.
A redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança é um direito constitucionalmente assegurado (2). Nesse diapasão, a desoneração fiscal dos protetores solares poderá facilitar o acesso ao produto, contribuindo para reduzir a incidência do câncer de pele e os gastos públicos com o seu tratamento.
Para os indivíduos que laboram a céu aberto, de maneira habitual e permanente, sob exposição ao calor decorrente de carga solar e como complemento ao uso de chapéus e roupas adequadas, os protetores solares são indispensáveis “equipamentos de proteção individual” e devem ser fornecidos em quantidade suficiente e gratuitamente aos trabalhadores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1-ALI, Salim Amedi. Dermatoses ocupacionais. 2.ed. São Paulo: Fundacentro, 2009).
2-BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
3-DUTRA, Elizângela Abreu et al . Determination of sun protection factor (SPF) of sunscreens by ultraviolet spectrophotometry. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo , v. 40, n. 3, set. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-93322004000300014&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 25 dez. 2013. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-93322004000300014.
4-MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 17 ed.São Paulo: Atlas, 2013, p.198).
5-Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer-INCA. Radiação solar. Disponível em: http: //www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=21.Acesso em: 19 dez. 2013.
6-OPTIZ JUNIOR, João Batista. Perícia Médica: Perícia Médica Trabalhista. São Paulo: Rideel, 2011, p.220.)
7-RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo: Método, 2011, p. 841.
8-SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA. Consenso Brasileiro de Fotoproteção-Disponível em: <www.sbd.org.br>
9-STOKES, R. Project sunscreen protection. In: GABARD, B.; ELSNER, P.; SURBER, C.; TREFFEL, P., (Eds). Dematopharmacology of topical preparations. Berlin: Springer, 2000. cap. 21, p.365-382. (Stokes, 2000).
10- TITONELLI, Allan. In: Revista Consultor Jurídico, de 18 de março de 2013, (http://www.conjur.com.br/2013-mar-18/procuradores-fazenda-fazem-campanha-transparencia-tributaria).