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O STF e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.

Perdemos a batalha, mas não a guerra

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Agenda 10/01/2014 às 07:45

IX - A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o Processo Penal brasileiro

Ainda que admitíssemos a constitucionalidade de tal responsabilidade penal, o certo é que esbarraríamos em um obstáculo que me parece intransponível: a Lei 9.605/98 não estabeleceu qualquer regra procedimental ou processual a respeito de um processo criminal em relação a uma pessoa jurídica, o que torna absolutamente impossível a instauração e o desenvolvimento válido de uma ação penal nestes termos.

Evidentemente que o nosso Código de Processo Penal é um diploma dirigido a estabelecer regras para um processo penal cujos acusados são pessoas físicas; todos os seus dispositivos assim foram pensados.

Ora, se as normas penais não podem ser aplicadas diretamente, pois o Direito Penal não é meio de coação direta, evidentemente que seria indispensável estabelecer-se o respectivo procedimento, adequado a esta nova realidade.

Observa-se que em França, ao contrário do Brasil, procurou-se adaptar as regras processuais penais à possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Naquele país, promulgou-se a Lei 92-1336, de 16 de dezembro de 1992, a chamada Lei de Adaptação, acrescentando ao Code de Procédure Pénaleo Título XVIII, sob a seguinte epígrafe: “De la poursuite, de l´instruction et du jugement des infractions commises par les personnes morales.”

O legislador francês neste título tratou de estabelecer as regras atinentes à acusação, instrução e julgamento das pessoas jurídicas. Assim, por exemplo, o art. 706-42 trata da questão relativa à competência; já o art. 706-43 trata de estabelecer que a ação pública é exercida contra o ente moral na pessoa do seu representante legal à l´époque dês poursuites.

O art. 706-44 estabelece que “o representante da pessoa jurídica processada não pode, nessa qualidade, ser objeto de nenhuma medida de coação, a não ser aquela aplicável à testemunha.” O art. 706-45 prevê uma série de obrigações às quais pode le juge d´instruction submeter a pessoa jurídica.

Esta mesma Lei de Adaptação modificou os arts. 555, 557 e 559 do Code de Procédure Pénale. O art. 557, por exemplo, afirma que o domicílio da pessoa moral se entende como sendo o do local de sua sede.

Em nosso País nada disso ocorreu, muito pelo contrário, razão pela qual o Professor René Ariel Dotti afirmou com muita propriedade que “os corifeus e os propagandistas da capacidade criminal das pessoas coletivas ainda não se dedicaram ao trabalho de analisar as consequências desse projeto no quadro do processo penal.”[47]

Vejamos, por exemplo, algumas dificuldades que existem quando se trata de um processo penal cujo acusado é uma pessoa jurídica.

1) A quem serão dirigidos os atos processuais de cientificação: citação, intimação e notificação?Ao Presidente da empresa ou a quaisquer dos seus diretores? Note-se que em França o art. 555 foi modificado para estabelecer expressamente o regramento das citações da pessoa jurídica.

2) Quem será interrogado?Teria ele o direito ao silêncio e o direito de não autoincriminação? Sabe-se que o interrogado tem também o direito indiscutível de não se autoincriminar e o de não fazer prova contra si mesmo, em conformidade com o art. 8.º, 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica – Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto 592, de 6 de julho de 1992. Já em 1960, o grande Serrano Alves escrevia uma monografia com o título O Direito de Calar (Rio de Janeiro, Editora Fretas Bastos S/A), cuja dedicatória era “aos que ainda insistem na violação de uma das mais belas conquistas do homem: o direito de não se incriminar”. Nesta obra, adverte o autor que “há no homem um território indevassável que se chama consciência. Desta, só ele, apenas ele pode dispor. Sua invasão, portanto, ainda que pela autoridade constituída, seja a que pretexto for e por que processo for, é sempre atentado, é sempre ignomínia, é torpe sacrilégio.” (p. 151).

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3) E a confissão? Será admissível a confissão pelo interrogando (seja ele quem for) em prejuízo, por exemplo, dos demais sócios da pessoa jurídica? A confissão prejudicará os demais membros da corporação?

4) E a revelia? Será possível a decretação da revelia pela ausência injustificada de quem deveria comparecer para o interrogatório? E os demais membros do ente coletivo ficarão prejudicados? É possível a aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, no caso de citação editalícia?

5) E as regras sobre competência? Caso, por exemplo, não seja conhecido o lugar da infração, é possível aplicar-se o art. 72 do Código de Processo Penal? E se uma das pessoas físicas também denunciadas (em coautoria com a pessoa jurídica) tiver prerrogativa de função, aplicar-se-ão as regras de continência (art. 78, III, do Código de Processo Penal c/c o Enunciado 704 do Supremo Tribunal Federal)? A pessoa jurídica seria julgada pelo respectivo Tribunal ou haveria a separação do processo (art. 80, CPP)?

6) Quem teria interesse e legitimidade para recorrer em nome da pessoa jurídica? Apenas aquele que foi interrogado ou qualquer membro do ente coletivo que se sentiu prejudicado com a sentença?

7) Se se tratar de uma infração penal de menor potencial ofensivo, lavra-se o Termo Circunstanciado ou instaura-se o Inquérito Policial? Também nesta hipótese quem poderá em nome da empresa, fazer a composição civil dos danos? E a transação penal?

8) E na suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95) quem poderá aceitar a proposta do Ministério Público?

Evidentemente que são indagações cujas respostas não encontraremos no Código de Processo Penal. Valer-se de outros diplomas legais, como o Código de Processo Civil e mesmo a Consolidação das Leis do Trabalho, parece-nos um exercício hermenêutico de altíssimo risco, tendo em vista a especificidade de cada ramo do Direito.

É preciso atentar para a lição de Rogério Lauria Tucci quando afirma que o estudo do processo penal precisa ser “colocado e conduzido de modo completamente autônomo”; caso contrário, corremos o risco de “civilizar o processo penal”, pois, “já de há muito tempo, o processo penal não é mais a ´Cinderela` do Direito Processual, tal como o cognominou Carnelutti.” Diz ele que já é hora “de visualizar o Direito Processual Penal com ótica própria, conferindo-lhe a dignidade científica que faz por merecer!”[48]


X - A pessoa jurídica e a jurisprudência brasileira – Não perdemos a guerra

Nada obstante esta última decisão do Supremo Tribunal Federal, podemos apontar na jurisprudência brasileira algum movimento contra a responsabilização penal da pessoa jurídica:

“Habeas Corpus – Pessoa Jurídica – Responsabilização Penal – Ato do representante. O art. 225, § 3.º da Constituição Federal e o art. 3.º da Lei 9.605/98 não autorizam a responsabilização penal da pessoajurídica por ato próprio, mas, tão-somente, por ato de seu representante legal, contratual ou de seu órgão colegiado. Ordem concedida.”(TJRS, HC 70018196808, 4.ª Câm. Crim., j. 08.03.2007, v.u., rel. Des. Gaspar Marques Batista).Veja-se este trecho do voto:

“(...) A exemplo de outros julgados e rogando máxima vênia aos eminentes colegas da Câmara, persisto na tese da incapacidade da pessoa jurídica para operar ação delituosa, porquanto é o indivíduo o único sujeito ativo possível em Direito Penal. A Lei 9.605/98 traz uma norma de conteúdo anômalo, introduzindo no Direito Penal brasileiro, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, que deve ser condenada, em função da ação delituosa de seu representante. Inclusive, se o representante legal não for condenado, a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente, porque aí não houve o cometimento da infração. Oportuno frisar que, em matéria de coautoria, adotamos a chamada teoria monista, existindo um crime e várias ações. Ocorre que a Lei 9.605/98, lavrada por ambientalistas e não por juristas, não trata de concurso de agentes, porque não há várias ações, mas somente uma – a ação do representante da pessoa jurídica. Também não se pode falar em participação, porque esta é uma ação acessória, secundária, apresentando, usualmente, apenamento menor. Portanto, não há codelinquência entre o representante e a pessoa jurídica, ocorrendo, na verdade, responsabilização penal indireta. Em decorrência do comportamento do representante legal, a pessoa jurídica é responsabilizada penalmente. Assim, o réu, figura do âmbito processual, deve corresponder a autor ou autores da ação delituosa, ou aqueles que concorrem de modo secundário para a realização da conduta ilícita. O art. 3.º da Lei 9.605/98 não contém expressões como ré ou parte no processo criminal, refere apenas que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente. De outra banda, questão pertinente diz respeito ao dolo, porque o fato, para ser típico, além de corresponder a todas as elementares da norma incriminadora, deve ser praticado com dolo, isto é, vontade dirigida à realização da conduta típica. Só é doloso o comportamento do autor da ação, não se concebendo dolos superpostos do representante e da pessoa jurídica representada, uma vez que a vontade do ente coletivo é externada pelo agir de seu representante. Nesse contexto, diante das ponderações supra, estou concedendo a Ordem para trancar a Ação Penal, em face da incapacidade penal ativa da pessoa jurídica. Por tais fundamentos, voto pela concessão do writ.”

“Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Inconstitucionalidade do art. 3.º da Lei 9.605/98 – Ocorrência – Mostra-se inconstitucional o art. 3.º da Lei 9.605/98, no que toca à responsabilidade penal da pessoa jurídica. (...)" (TACrimSP, MS349.440/8, 3.ª Câm., rel. Fábio Gouvêa, RJTACrim 48/3682).

“Crime contra o meio ambiente – Denúncia ofertada contra pessoa jurídica – Ente que não pode ser responsabilizado pela prática de crime – Ausência de vontade própria – Recurso provido. A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente (ReCrim 03.003801-9, j. 01.04.2003, rel. Maurílio Moreira Leite). (...) 1. Preliminarmente, é necessária a análise da possibilidade de aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas. Nos países filiados à cultura romano-germânica vige o princípio societas delinquere non potest, o que significa dizer que é inadmissível responsabilizar-se penalmente as pessoas jurídicas, restando a previsão de sanções administrativas ou civis. De outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências, vigora o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica. No Brasil, a Constituição de 1988 admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica quando tratou da responsabilização por delitos contra a ordem econômica (art. 173, § 5.º) e de crimes contra o meio ambiente (225, § 3.º), a seguir transcritos: Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei. (...)§ 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3.º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa sustentam que ‘a maioria da doutrina brasileira é assente em afirmar que a Constituição de 1988 introduziu no ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica, rompendo com o célebre brocardo latino societas delinquere non potest’. Entre os constitucionalistas, José Afonso da Silva reconhece o avanço do texto normativo e comunga com a fixação da responsabilidade dos entes morais todas as vezes que houver agressão, quer à ordem econômica, quer ao meio ambiente. Igualmente, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins concordam em seus Comentários à Constituição do Brasil que o Texto Maior reconheceu a responsabilidade criminal da pessoa jurídica. (..) Igualmente, Sérgio Salomão Shecaira sustenta que, ´não obstante existirem opiniões contrárias – de juristas de nomeada – , a nosso juízo não há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica’ (Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, 2.ª ed., Brasília Jurídica, 2001, p. 51). Entre os doutrinadores contrários à responsabilização das pessoas jurídicas, estão René Ariel Dotti e Luiz Vicente Cernicchiaro. Para o primeiro, haveria violação aos princípios da isonomia, personalidade e humanização das sanções, porque, a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes, ou seja, os instigadores ou cúmplices, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação. Além disso, quando a Constituição Federal trata da aplicação da pena, refere-se sempre à conduta humana. Para ele, ‘o texto constitucional deve ser compreendido com a possibilidade tanto da pessoa natural como da pessoa jurídica de responderem civil e administrativamente. Porém, a responsabilidade penal continua sendo de natureza e de caráter estritamente pessoal’ (René Ariel Dotti, Meio Ambiente e Proteção Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 317, p. 200). Luiz Vicente Cernicchiaro, por sua vez, ensina que, face à inexistência de vontade própria, torna-se inviável aplicar os princípios da responsabilidade pessoal e da culpabilidade (norteadores do Direito Penal moderno) às pessoas jurídicas, pois são atributos inerentes às pessoas físicas (vide Direito Penal na Constituição, 3ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995), razão pela qual a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente. Neste sentido, este egrégio Tribunal de Justiça já decidiu: ‘Crime ambiental – Denúncia nos termos do art. 3.º da Lei 9.605/98 rejeitada em relação à pessoa jurídica – Prosseguimento quanto à pessoa física responsável – Recurso da acusação pleiteando o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica – Ausência de precedentes jurisprudenciais – Orientação doutrinária – Observância dos princípios da pessoalidade da pena e da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica vigentes no ordenamento jurídico pátrio – Recurso desprovido’ (ReCrim 00.004656-6, de Descanso, rel. Juiz Torres Marques, j. 12.09.2000). Também: ‘Apelação criminal – Artigo 54 da Lei 9.605/98 – Denúncia oferecida contra pessoa jurídica – Impossibilidade de a pessoa jurídica figurar no polo passivo da ação penal – Recurso provido para excluí-la da relação processual’ (ApCrim 02.011726-4, de Itajaí, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. 25.02.2003). E, deste relator: ‘Ação penal – Crime contra o meio ambiente – Rejeição da denúncia – Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Impossibilidade – Precedente deste tribunal – Recurso ministerial não provido’ (ReCrim 02.023129-6, de Videira, j. 18.02.2003). Dessarte, de tudo o que aqui ficou dito, portanto, e, data vênia do entendimento contrário do colendo Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser introduzido no sistema brasileiro sem que este, especificamente, passe por uma adaptação, pois está solidamente alicerçado em postulados que não o admitem. Isto não significa dizer que as pessoas coletivas não devam sofrer punição pelos atos assim considerados delituosos no exercício de suas atividades. Devem ser punidas, sim, mormente em nosso tempo, onde os novos tipos de criminalidade surgem, onde as vítimas não são, no mais das vezes, determinadas, mas, sim, determináveis. Porém, os meios sancionatórios não devem estar previstos, necessariamente, na esfera penal, pois o Direito Penal atua sempre como ultima ratio, o que não é desejável na solução desses conflitos de massa provocados pelas pessoas coletivas. Para isso, mais eficaz e efetivo seria um Direito Administrativo Sancionador, a par de outras sanções civis cumuláveis, conforme a gravidade do caso. A solução, assim, é a rejeição da denúncia no tocante a C. C. G. Ltda., nos termos do art. 43, inc. III, primeira parte, do Código de Processo Penal.[artigo revogado pela Lei 11.719/2008]” (TJSC, ApCrim 2006.015166-6, rel. Des. Irineu João da Silva).

O próprio Supremo Tribunal Federal irá analisar, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 473045, a responsabilização penal de pessoa jurídica. Esse recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MP-SC) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC), que manteve o entendimento de que a responsabilização penal da pessoa jurídica não está prevista nos princípios penais extraídos da Constituição Federal. O relator do caso é o ministro Cezar Peluso. O MP-SC denunciou a empresa A.P.V.V. Ltda. e seu proprietário pela suposta prática dos crimes de poluição por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos. A empresa foi denunciada, também, pela realização de obras sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes (arts. 54, § 2.º, V, e 60 da Lei 9.605/98). A Justiça de Videira, município de Santa Catarina, recebeu a denúncia apenas em relação ao proprietário da empresa, rejeitando-a em relação ao autoposto, por entender que a responsabilização penal da pessoa jurídica não está respaldada pelos princípios penais da Constituição Federal. Dessa decisão, o MP recorreu ao TJ, que a manteve. No Recurso Extraordinário, interposto pelo MP-SC, foi apontado descumprimento do art. 225, § 3.º, da Constituição Federal, quando prevê que as condutas prejudiciais ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas. O Ministério Público ressaltou a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica em crime ambiental, com a observância de princípios penais constitucionais assim como do princípio da proteção ao meio ambiente. Fonte: STF.

Comentando uma decisão proferida  peloTribunal Regional Federal da 4ª Região8.ª T. – AP 0010064-78.2005.404.7200 j. 21.08.2012 (public. 12.09.2012Cadastro IBCCRIM 2830 e que admitiu a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica), Davi de Paiva Costa Tangerino, anotou o seguinte: “Cuida-se de ação penal deflagrada contra P.R.F. e sua empregadora P.P.C. pela alegada prática de pesca de manjubas mediante rede de lance em local proibido (interior da Baía Sul, em Palhoça), em desacordo com a Portaria Sudepe 466/72 (art. 34 da Lei 9.605/1998). Como já contasse com mais de 70 anos o acusado P.R.F. quando da audiência de instrução e julgamento, constatada a prescrição, extinguiu-se a punibilidade do referido delito. Ao cabo da instrução, sobreveio sentença julgando extinta a ação penal, sem resolução do mérito (art. 267, IV, do CPC, por analogia), eis que não se poderia prosseguir na persecução penal, dada a teoria da dupla imputação, apenas contra a pessoa jurídica. Em sede de apelação, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região cassou a decisão, determinando a confecção de outra, afastado aquele fundamento legal.Segundo o Desembargador Relator, estar-se-ia diante de hard case (invocando Dworkin e Alexy), cuja solução “não prescinde de uma releitura dos fundamentos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e reconstrução da jurisprudência até então dominante a partir da teoria dos sistemas autopoiéticos” (Luhmann) “e dos princípios constitucionais que regem a proteção do ambiente”. Desde logo, fixa ser um pressuposto do acórdão que as sociedades podem cometer delitos, expungido o aforismo societas delinquere non potest. Invoca o mandado constitucional de criminalização dos crimes contra o meio ambiente, de onde decorreria que “ao hermeneuta/aplicador do direito [cabe] criar o sentido na norma que esteja adaptado a esse princípio, e não o contrário, da regra ao princípio”. O sentido adviria da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (Feldens/Sarlet), de sorte que, reconhecida a dignidade constitucional do meio ambiente, mais do que mero direito subjetivo, não se poderia olvidar da dimensão objetiva como imperativos de tutela, “que exigem igualmente a atuação ativa do Estado, protegendo – e assim fomentando – a realização efetiva dos direitos fundamentais mediante prescrições”. Parte-se, então, à análise dogmático-penal: a culpabilidade, conceito a demandar “releitura compreensiva [...] para acomodar as práticas delitivas perpetradas pelas pessoas jurídicas”. A principal dimensão a revisitar-se seria a de categorias dogmáticas tradicionais, como aquelas “que consideram o homem como único centro de imputação de condutas reprováveis”. Aponta a contribuição Tiedemann (defeito de organização), Hirsch (culpabilidade corporativa), criticando-as por serem modelos de responsabilidade por ato de terceiro (vicariante).Com base em Silvina Bacigalupo sustenta que o sujeito “não é uma questão óbvia, porém requer uma determinação conceitual que depende do ponto de partida hermenêutico e pré-jurídico sem o qual não é possível nenhuma construção dogmática”, concluindo, com Jara-Díez, que aos olhos do Direito tanto pessoas físicas como jurídicas são pessoas jurídicas. Para diferenciá-las quanto à sujeição ao Direito Penal, o autor espanhol sustenta um conceito construtivista de culpabilidade, próprio para sistemas autopoiéticos, um tertium genus entre as teorias organicistas e as de responsabilidade vicária: “o novo marco dos sistemas sociais não se compõe de ações individuais, mas de comunicações imputáveis como ações, de forma que o sujeito tradicional do delito, ‘o indivíduo, é suplantado pelo sistema e suas comunicações com o mundo circundante’” (BACIGALUPO, Silvina. El problema del sujeto del derecho penal: la responsabilidad penal de las personas jurídicas.Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. v.1, n.1, set./dez. 2000. p. 307). A comunicação interna corporis da pessoa jurídica seria um complexo concatenado de decisões (Jara-Díez).De toda sorte, tratar-se-ia de aplicar o funcionalismo normativista, giro conceitual calcado no pensamento de Jakobs, “para o qual, em apertadíssima síntese, ‘o direito penal (como subsistema social) tem a função primordial de proteger a norma (e só indiretamente tutelaria os bens jurídicos mais fundamentais)’ [...]”.Com a devida vênia, o funcionalismo sistêmico, na particular leitura da Jakobs e de seus discípulos (Jara-Díez e Bacigalupo) estão fora de lugar na discussão na dupla imputação.Em primeiro lugar, o questio juris que interessa à resolução do caso é: extinta a punibilidade da pessoa física, pode-se incriminar a jurídica? Longe de ser um hard case, os precedentes pretorianos que firmaram os contornos da responsabilidade penal da pessoa jurídica inseriram a “dupla imputação” como decorrência lógica da impossibilidade de a pessoa jurídica agir por ela mesma. Assim, não se pode acusar (imputar) uma pessoa jurídica sem dizer qual a pessoa física que lhe permitiu agir. O mesmo não vale para a imposição de sanção: tendo sido acusadas pessoa jurídica e pessoa física, respeitou-se o critério de dupla imputação, não se contaminando esse requisito por eventual prescrição.O acórdão, em verdade, faz uma defesa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, com argumentos sólidos e importantes. Despiciendos, porém, para a resolução da quaestio. Ao fazê-lo, todavia, abre espaço para que os críticos também se posicionem quanto a esse libelo. Discordo, desde logo, de seu ponto de partida: o Direito Penal não pode ter por missão garantir a validade das normas, conforme consolidada crítica às posições de Jakobs, sob pena de esvaziar-se de garantias o Direito Penal e transformá-lo em puro arbítrio estatal. Da mesma maneira, a atraente aplicação da proporcionalidade ao Direito Penal ignora (ou dá muito pouco importância) a uma variável decisiva: a vedação de Untermassverbot não pode ser confundida com um mandato de incriminação. Não há nenhuma demonstração de qualquer natureza de que um direito fundamental é fomentado ou protegido por meio do Direito Penal. Assim, a sinonímia “proteger” = “incriminar” é uma falácia (confira-se O direito penal ambiental e normas administrativas, de Helena Regina Lobo da Costa, Boletim do IBCCRIM, n. 155, p. 18-19, out. 2005).Registre-se que não se trata de se opor a uma culpabilidade das pessoas jurídicas (confira-se, a propósito, meu A responsabilidade penal da pessoa jurídica para além da velha questão de sua constitucionalidade, Boletim do IBCCRIM, n. 218). Antes, porém, de se desnaturar uma garantia constitucional em nome da incriminação da mera violação à norma, verdadeiro Direito Penal máximo, mister se lembrar de que se entende como Direito Penal democrático a tutela de bens jurídicos fundamentais (fragmentariedade + ultima ratio), com observância da legalidade, da ofensividade, da culpabilidade e da humanidade. Como nomear um Direito Penal eficientista, sem bens jurídicos (norma não é bem) e sem culpabilidade?” (Boletim do IBCCrim, Ano 21, nº. 243 – Fevereiro de 2013 – ISSN – 3661, p. 1630)

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O STF e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.: Perdemos a batalha, mas não a guerra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3845, 10 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26358. Acesso em: 22 dez. 2024.

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