Mudamos o título anterior referente a este artigo, pois alguns acharam um pouco forte, para analisar a responsabilidade civil do DNIT por uma tragédia que ceifou a vida de nosso filho José Ferreira Leão Neto, quando trafegava, a serviço como advogado, por uma rodovia estadual no trajeto entre a cidade de Graça e Sobral no Estado do Ceará.
Foi surpreendido por uma vaca que repentinamente adentrou a pista ocorrendo a batida e em seguida o choque com uma Hilux em sentido contrário. No dia deste acidente foi constatado por notícias locais postadas na internet que no trecho referenciado, ocorreram 19 (dezenove) acidentes de todo tipo entre as cidades de Fortaleza e Sobral.
É realmente uma vergonha a conservação das estradas brasileiras, e muito pior no interior no quesito prevenção, quando a margem das mesmas possuem cercas para evitar a passagem de animais, são feitas na maioria de bambu e que realmente não evitam que os animais as arrebentem e causam os mais variados e graves acidentes, como se constata facilmente junto às Polícias Rodoviárias Federais em seus relatórios, e principalmente durante a noite e em tempo de seca.
Nem faço comparações, mas cito logo como exemplo uma das rodovias de maior movimento no Brasil, ou seja a Rio-São Paulo. É só verificar que mesmo sendo esta rodovia pedagiada, a proteção é quase nenhuma. As propriedades que a margeiam até mesmo pela irresponsabilidade dos fazendeiros pode-se dizer que proteção efetiva alguma existe. Na Via Lagos, por incrível que pareça, além de não ter proteção nenhuma dividindo as pistas, o motorista se depara com várias placas de sinalização indicando animais nas pistas (neste caso, como é uma rodovia pedagiada, a responsabilidade civil é totalmente da concessionária, que a exemplo de outras preocupa-se mais com a arrecadação do pedágio do que com a segurança contra animais de todo tipo nas pistas).
Por duas vezes, já estive na Alemanha, e pude verificar nas estradas principais que efetivamente existem cercas bem feitas e fortes, assim como túneis e viadutos para animais atravessarem as pistas sem causar acidentes, como por exemplo na região da Floresta Negra. Ciente estou de que não é possível fazer comparações entre estes países, até por causa da extensão territorial, mas que este quesito de segurança deve ser mais bem observado pelas nossas autoridades, sem dúvida deve ser, seja nas rodovias pedagiadas, federais ou estaduais..
No aspecto da responsabilidade civil, a culpa transparece de maneira clara quando tais ocorrências causam prejuízos a terceiros, e se a rodovia é pedagiada a responsabilidade civil é da empresa que tem o contrato de exploração, e que na maioria das vezes recebem milhões de lucro e pouco se importam com tais ocorrências, deixando tudo dentro da teoria da proporcionalidade e litigando por anos a fio. Nos demais casos a responsabilidade é sempre do DNIT, e dependendo do caso concreto pode ocorrer a responsabilidade também do Estado por sua omissão.
Duvido mesmo que você, caro leitor, se for usuário de uma dessas rodovias de forma rotineira (como o signatário que usa muito as rodovias do Rio para Cambuquira (MG) ou Cuiabá (MT), não tenha se deparado com animais dos mais variados tamanhos na pista, soltos e causando acidentes, e deve reparar na proteção que é quase nenhuma nas cercas primitivas que delimitam as propriedades. Nitidamente transparece a responsabilidade civil em toda a sua extensão, e a irresponsabilidade dolosa mesmo daqueles que tem a difícil missão de fiscalizar, não custando lembrar que animal solto causando perigo social é também crime definido no CTB.
Nessas omissões em geral, a responsabilidade é objetiva na forma do artigo 37 & 6º da Constituição Federal, assim como o lastro legal está claríssimo no artigo 1º da Lei 9.503/97 que é o nosso Código de Trânsito Brasileiro-CTB, que dispõe in verbis:
Art 1º - O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
(..................)
& 2º. O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito.
(..................)
& 3º. Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
Com relação aos animais soltos nas pistas a lei é também clara:
Art 269.
A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circulação, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:
(.....................)
x- recolhimento de animais que se encontram soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos..
Mais claro é impossível, a responsabilidade in casu é OBJETIVA, isto é não se discute culpa, e objetiva, volta-se a repetir, porque está na LEI citada.
Vamos agora demonstrar a responsabilidade do DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre que tem a competência normativa de conservar, restaurar, ampliar e sinalizar adequadamente as estradas federais, devendo assegurar a utilização normal e segura das rodovias e responde pelos fatos relacionados às suas atribuições, tudo na forma da Lei 10.223/01.
O artigo 80 estabelece: “ Constitui objetivo do DNIT implementar, em sua esfera de atuação, a política formulada para a administração da infra-estruturado Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade, e ampliação mediante construção de novas vias e terminais, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei.
Artigo 81 – A esfera de atuação do DNIT corresponde à infra-estrutura do Sistema Federal de Viação, sob a jurisdição do Ministério dos Transportes constituídas de..... ( II) ferrovias e rodovias federais.
E, os incisos I e IV com a redação dada pela Lei 11.518 de 2013 determinam as atribuições do DNIT em sua esfera de atuação, tais como estabelecer programas de segurança operacional, administrar, diretamente ou por meios de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, e demais obrigações capituladas na lei específica citada acima..
Portanto, e sem a menor dúvida, o dever da administração da rodovia inclui o dever de oferecer a segurança necessária para os usuários que trafegam pelas estradas brasileiras, evitando que animais de todo tipo constantemente estejam soltos nas pistas, causando acidentes fatais aos seus usuários principalmente à noite, pela ausência de fiscalização efetiva, aliada à irresponsabilidade de proprietários das terras que margeiam as rodovias.
Entendemos que a questão está bem equacionada pela melhor jurisprudência de nosso Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por exemplo ao julgar o REsp 438831 /RS estabeleceu a regra de que poderá haver responsabilidade civil subjetiva do Estado por omissão em fiscalizar e sinalizar Rodovia Federal, entendimento esse que se estende à Rodovia Estadual. No julgamento do REsp 647710 a Corte entendeu que em se tratando de rodovia gerenciada por Concessionária de Serviço Público, a responsabilidade passa a ser – objetiva – com base no que estabelece com meridiana clareza o Código de Defesa do Consumidor na forma de seu artigo 14, pois a relação de consumo atrai a responsabilidade objetiva daquele que presta o serviço.
São milhares de r. decisões judiciais em tal sentido, e para que se evite incorrer em tautologia jurídica, citamos uma proveniente do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar a AC 0164575-21.2006.8.26.0000 que teve como Relator o e. Desembargador José Santana, in DJ 14.3.2011.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ANIMAL NA PISTA. RODOVIA ESTADUAL ADMINISTRADA PELO DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DE SÃO PAULO.
“ ... no caso de acidente com animal na pista, a Administração responde pela omissão em adotar as providências necessárias para impedir que animais circulem soltos nas rodovias, uma vez que o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito de suas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito (Lei 9.503/97 art 1º, & 2º). Dentro desse âmbito de compreensão, a responsabilidade só é afastada se demonstrada a existência de causas excludentes de responsabilidade, tais como a culpa exclusiva da vítima ou ocorrência de caso fortuito ou força maior, hipótese, no caso, não verificadas “.
Finalizamos este simples paper, que só teve por base o alerta para a vergonha que verificamos quanto à manutenção das cercas que margeiam as rodovias brasileiras, e são causas de inúmeros acidentes fatais pela irresponsabilidade daqueles que tem a missão e o poder de pelo menos fazer cumprir a Lei.
Registro e convido para leitura uma sentença que é uma aula sobre otema, e extremamente fundamentada prolatada pelo e. Juiz Federal Substituto da 1ª. Vara Federal de Sergipe, Dr. Fábio Cordeiro de Lima, que julgou procedente ação contra o DNIT, e por incrível que possa parecer, em acidente ocorrido no local denominado de Mucambo, exatamente onde ocorreu o evento narrado neste artigo, quando dois cavalos soltos na pista mataram o Sr. José Oliveira de Souza por volta das 23,00h quando regressava da faculdade para sua residência. (Processo 0001793-57.2010.4.05.8500.)
Irretocável também o artigo do Dr. Alexandre Herculano Verçosa que longamente ministra uma verdadeira aula sobre o tema analisando várias situações legais que foi publicado no excelente site Jus Navigandi (http://jus.com.br/artigos/21387/responsabilidade-civil-do-estado-e-de-particulares-em-acidentes-de-transito-provocados-por-animais)