3. A Mediação como forma de promoção do desenvolvimento
Não é de hoje que se sabe dos problemas que enfrenta o Poder Judiciário. Morosidade, altos custos, distância entre a necessidade das pessoas e o conteúdo das sentenças, explosão de litigiosidade, superlotação dos cartórios com processos em tramitação, inércia do cidadão em tentar solucionar o conflito, dificuldade de acesso à justiça, burocratização e corrupção são alguns dos problemas vivenciados por aqueles que trabalham com a justiça ou por aqueles que dela necessita.
“Divórcio entre direito e lei; não acesso à justiça pela maior parte da população; explosão de litigiosidade; congestionamento do Poder Judiciário com burocratização e corrupção do mesmo; percepção a quebra de mitos, da neutralidade e imparcialidade” são as principais causas vividas pelo Judiciário, de acordo com Edmundo Lima de Arruda Júnior (1993, p. 47), as quais refletem a preocupação dos operadores do direito e, principalmente, da sociedade, em mudar esse cenário, a fim de resgatar a cidadania e concretizar o Estado Democrático de Direito.
E é diante desse cenário que surgem os meios alternativos de solução de conflitos como forma de auxiliar o Poder Judiciário. Não se retira deste Poder a prerrogativa constitucional de solucionar os conflitos. A mediação, por sua característica de efetividade, vai auxiliar nessa mesma tarefa de resolução de conflitos, diminuindo, inclusive, o número de processos nos Tribunais.
Mas é preciso conscientizar a sociedade, que se acostumou com a busca incessante pelo litígio e com a confiança apenas na decisão que profere um magistrado, da importância desses meios alternativos que a população pode utilizar para resolver os problemas que porventura surjam.
Essas considerações sobre a crise da jurisdição brasileira são também consequências da crise porque passa o Estado, pois ele se torna incapaz de administrar a produção ou a aplicação do direito diante do cenário atual globalizado, e por isso, tendem-se a se “desenvolver outros procedimentos jurisdicionais, como a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação, almejando alcançar celeridade, informalização e pragmaticidade” (SPENGLER, 2011, p. 54).
Observe-se o que afirmam Fabiana Marion Spengler e Theobaldo Spengler Neto (2011, p. 63) sobre a crise do Estado e da jurisdição, conclamando que se deve discutir a crise desta a partir da crise estatal:
O Judiciário encontra-se no centro dos principais debates nas últimas décadas. Tais debates apontam para suas crises, das quais emerge a necessidade de reformas estruturais de caráter físico, pessoal e, principalmente, político. Todas as considerações sobre a jurisdição e suas crises (criadas e fomentadas a partir da globalização cultural, política e econômica) são consequências da crise estatal. Nascida de um deliberado processo de enfraquecimento do Estado, a crise se transfere para todas as suas instituições.
Diante dos obstáculos ao acesso à justiça nos moldes tradicionais e da crise de confiança por parte das pessoas em relação ao Poder Judiciário, os cidadãos passam a buscar novas formas de resolver seus conflitos. E como diz Roberto Portugal Bacellar (1999, p. 128), não se tem por objetivo acabar ou mesmo competir com a prestação jurisdicional, ou seja, com as atividades do Poder Judiciário, posto ser um direito fundamental do cidadão, “até porque nenhuma lesão ou ameaça de direito pode ser subtraída do Poder Judiciário”.
Com efeito, cabe ao Estado-Juiz o dever de prestar a tutela jurisdicional quando provocado. Por isso, os cidadãos, na maioria das vezes, buscam resolver seus conflitos de interesses com a demanda processual, na qual haverá uma disputa processual e procedimental em que as partes lutam para saírem vencedores, mas podendo se tornar perdedores. Assim, resolver o conflito judicialmente significa colocar nas mãos do magistrado o poder de decisão, o que vem a ser muito diferente da mediação, onde as partes é quem têm o poder decisório.
Não se quer aqui dizer que a prestação jurisdicional não tem mais sentido e que não possa mais ser utilizada. Pelo contrário, primamos para que essa prestação seja feita cada vez mais de forma eficaz e célere. Mas como afirma Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 62), “a existência da prestação jurisdicional é imprescindível para a solução justa de conflitos, contudo, esta não é a única forma de resolução dos litígios existentes ou em potencial, os mecanismos alternativos ou consensuais de resolução de conflitos são instrumentos de acesso à justiça em seu sentido mais amplo”. Cabe também ao Judiciário a função de apoiar a adoção desses meios alternativos de resolução de conflitos.
Negociação, conciliação, arbitragem e mediação constituem esses meios alternativos de solução de conflitos. Na negociação as pessoas conversam e encontram um acordo sem a necessidade da participação de uma terceira pessoa. Na conciliação as pessoas buscam sanar as divergências com o auxílio de um terceiro, o conciliador, que interfere na discussão entre as pessoas, sugerindo e propondo soluções para o conflito. Na arbitragem as partes escolhem uma pessoa capaz e da sua confiança, o árbitro, para solucionar os conflitos, pois elas não possuem o poder de decisão.
O que diferencia essas três modalidades da mediação é que esta é um procedimento consensual de solução de conflitos no qual uma terceira pessoa imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. Assim, representa um mecanismo de solução de conflito utilizado pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória para cada caso. É o que bem delineia Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 23):
Por meio da mediação, buscam-se os pontos de convergência entre os envolvidos na contenda que possam amenizar a discórdia e facilitar a comunicação. A mediação estimula, através do diálogo, o resgate dos objetivos comuns que possam existir entre os indivíduos que estão vivendo o problema.
É preciso, pois, que haja o conflito, que é inerente às relações humanas, para que se possa tentar resolvê-lo através da mediação. Na verdade, o conflito em si, que é considerado, na maioria das vezes, como negativo, torna-se positivo quando se fala em mediação, tendo em vista a sua necessidade para aprimorar as relações existentes entre as pessoas, pois se passa do perde-ganha para o ganha-ganha, da competição à cooperação, do individual ao coletivo e da culpa à responsabilidade. Essas são algumas das peculiaridades do processo de mediação.
Mediação essa que se fundamenta, de acordo com Lília Maia de Morais Sales (2007, p. 30), na maiêutica socrática (“método criado por Sócrates, na busca pela autorreflexão que conduz o interlocutor a conhecer paulatinamente o objeto em discussão. Consistia em multiplicar as perguntas com a finalidade de definir o objeto geral em questão”), posto que requeira a participação ativa das pessoas por meio da comunicação, que é estimulada com perguntas simples e abertas ao raciocínio.
O importante nesse meio de solução de conflitos é a condução do processo de mediação, uma vez que o resultado final em positivo ou negativo vai depender da administração do processo. Para isso, devem ser observados os seguintes princípios: liberdade das partes, não competitividade, poder de decisão das partes, participação de terceiro imparcial, competência do mediador, informalidade do processo e confidencialidade no processo.
Assim, verifica-se que na mediação as partes estão de livre e espontânea vontade para tentar resolver o conflito, sem que haja nenhum tipo de competição entre elas, já que são as mesmas que decidem como o conflito será solucionado, pois o mediador, terceiro imparcial, apenas conduz a mediação, tratando as partes de forma igualitária, sem privilegiar ninguém. Entretanto, é preciso que esse mediador tenha capacidade para assumir esse encargo, para assegurar a qualidade e o resultado do processo que é informal, não existindo regras rígidas para a sua condução, mas devendo-se, acima de tudo, garantir o sigilo do processo.
Se tudo isso for respeitado, percebe-se, claramente, que a mediação apresentará impacto direto na melhoria das condições de vida da população, tanto na perspectiva do acesso à justiça, quanto na conscientização de direitos e no exercício da cidadania, uma vez que a mediação tem por objetivo a inclusão social, a paz social e a boa administração da solução dos conflitos. Assim, pode-se dizer que o acordo configura-se como uma consequência da mediação e não como objetivo primordial, já que esta prima pela facilitação do diálogo.
O papel do mediador nesse processo é justamente o de encorajar e facilitar a resolução do conflito, “evitando antagonismos, porém sem prescrever a solução” (SALES, 2004, p. 25). A decisão vai caber às partes, as quais, certamente, decidirão de forma ponderada, eficaz e satisfatória para ambas, e o mais importante, de forma célere, não dependendo da decisão que cabe ao Estado no processo de jurisdição.
Celeridade, resultados eficazes, participação ativa das partes na resolução dos conflitos, satisfação mútua, eficácia da decisão, sigilo, diminuição do sofrimento, igualdade de oportunidades, melhor relação posterior entre as partes, construção da comunicação e diminuição do fluxo de processos nos tribunais são apenas alguns dos benefícios da mediação, que preenche funções essenciais do processo de desenvolvimento humano, “promovendo a condição de agente e sendo uma expressão de liberdade individual com perfil social” (SILVA, 2006, p. 220).
Adriana dos Santos Silva faz um estudo sobre a arbitragem como instrumento de desenvolvimento. E como a arbitragem também é um meio de resolução de conflitos, adotamos esse entendimento para considerar a mediação como um instrumento de desenvolvimento humano, já que desponta com a finalidade máxima de acesso à justiça. Além do mais, as pessoas humanas são as “grandes responsáveis pela promoção da justiça, pois são agentes, e não pacientes, deste processo” (SILVA, 2006, p. 215).
É essa autonomia das partes que caracteriza a liberdade apresentada por Amartya Sen, como já referido acima. De acordo com Adriana dos Santos Silva (SILVA, 2006, p. 216), o princípio da autonomia privada coaduna num mesmo instrumento a liberdade individual e a responsabilidade perante a sociedade. Ela explica os motivos:
Isso porque a autonomia é um instrumento do querer individual, sendo sinônimo da liberdade, mas não de arbítrio, de uma vontade sem limites. Isso porque a autonomia evidencia a influência de princípios de natureza social, tais como: solidariedade social, boa-fé, utilidade social, paridade de tratamento, segurança, liberdade, dignidade humana ou função social. E, por ter influência de todos estes princípios sociais, deve existir, na ideia de autonomia privada, um contraponto entre os desejos particulares e as necessidades gerais, como bem prevê Sen.
O que podemos extrair desse posicionamento é que o princípio da liberdade e o da dignidade da pessoa humana estão presentes no processo da mediação. Nesse meio alternativo de resolução de conflitos as partes são livres para escolherem a mediação como processo ideal e para decidirem as pendências. Nada mais essencial do que isso para o pleno desenvolvimento humano: liberdade.
Conclusão
Diante da crise pela qual passa o Estado e também o Poder Judiciário, a sociedade está mais consciente de que é preciso buscar formas alternativas para solucionar os conflitos, tendo em vista a ineficiência da prestação jurisdicional em razão do excesso de burocracia, da falta de celeridade processual, dentre outros fatores.
Observa-se que o Judiciário não está contribuindo para a pacificação social, ao contrário da mediação, que busca a melhor solução pelas próprias partes, mesmo não havendo uniformidade na forma pela qual a mediação se expressa, variando de acordo com o lugar, a cultura e o tipo de conflito.
O processo de mediação, como um dos meios alternativos de resolução de conflitos, tem demonstrado rapidez e eficácia nos conflitos contratuais e é aliada importante nas questões que envolvem famílias, comunidades, escolas e meio ambiente. Em razão disso, os centros e escritórios de mediação têm formalizado acordos, atribuindo força de título executivo extrajudicial ou submetendo-o à homologação judicial.
Assim, os meios alternativos de solução de conflitos se mostram auxiliares do Poder Judiciário, despontando com a finalidade máxima de acesso à justiça e preenchendo funções essenciais do processo de desenvolvimento humano, já que promove a condição de agente do cidadão e expressa a liberdade individual social.
Trata-se de um esforço importante para a efetividade do direito fundamental ao acesso à justiça, conjugando mediação com a cultura da paz e o desenvolvimento com a paz social, a fim de ampliar a cidadania, que requer a atuação conjunta do Estado, da sociedade e de todos os cidadãos.
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Abstract
The judiciary has been going through a deep crisis with regard to its efficiency. The adjudication no longer meets the aspirations of the people, disregarding the principle of access to justice. Therefore, alternative means of dispute resolution are being increasingly used. It is in this context that this article seeks to examine mediation as an effective tool for achieving the fundamental right to freedom, essential to human development and to expand access to justice.
Keywords: Access to justice. Mediation. Development.