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Gabinetes de assistência judiciária e o direito a contagem do prazo em dobro

Agenda 07/02/2014 às 10:12

É necessário estender o direito a contagem do prazo em dobro para os gabinetes de assistência judiciária, quer sejam eles mantidos por entidades de ensino públicas e ou privadas.

Deparamo-nos, inúmeras vezes, em decorrência de termos tido a oportunidade de atuação profissional em gabinetes de assistência judiciária[1], com questionamentos e reflexões no que se refere, em especial, sobre a possibilidade ou não de os gabinetes de assistência judiciária e jurídica dos Cursos de Direito das universidades terem o direito e a prerrogativa da contagem dos prazos (todos) em dobro, isso em decorrência da aplicação do § 5º do art. 5º da Lei 1.060/50. Comumente essa prerrogativa, embora no nosso entender extensiva aos referidos gabinetes por força de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais pertinentes, via de regra, não vem sendo observada nos tramites processuais pelos órgãos julgadores.

Conseqüentemente, diante destas dúvidas no que tange a interpretação do § 5º do art. 5º da Lei 1.060/50, resolvemos neste pequeno ensaio confrontar e resumir conclusões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o referido tema, a fim de procurar esclarecer alguns aspectos e fomentar o debate para aqueles que estudam a Ciência do Direito.

Nossa Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5º, LXXIV prescreve que:

“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. (grifo nosso)

Por sua vez, a legislação infraconstitucional, mais precisamente a Lei 1.060/50, no seu art. 5º, § 5º estabelece que:

“Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-lhes em dobro todos os prazos.” (grifo nosso)

Os gabinetes de assistência judiciária, além de propiciarem aos estagiários o aprimoramento de seus conhecimentos, devido à associação entre teoria e prática, acabam constituindo-se e representando verdadeiro projeto que insere-se na linha de ação “Direito, Movimentos Sociais e Inclusão social”; cumprindo assim uma das finalidades inerentes a toda e qualquer universidade.

Os clientes desses gabinetes são na sua maioria pessoas semi-analfabetas, extremamente carentes e ansiosas por uma solução de seus conflitos. Buscam nos referidos gabinetes o auxílio que deveria de ser prestado de forma eficiente  pelo Estado, mas que na realidade não o é, pelo contrário, a realidade nos mostra que a Defensoria Pública de nosso Estado está “sucateada”[2]; os Defensores são em número insuficiente para atender ao volumoso número de necessitados; os defensores carecem de condições materiais, mas mesmo assim, diante dessa precariedade de recursos desempenham com zelo o seu labor e, sem dúvida, merecem aplausos pelo magnífico trabalho que tem conseguido realizar em prol dos carentes.

Segundo nosso modesto entendimento muito há de comum entre a Defensoria Pública e os gabinetes de assistência judiciária das universidades, já que ambos prestam a Assistência Jurídica e Judiciária Gratuita aos carentes; sendo que, inúmeras vezes estes órgãos realizam um intercâmbio, o que tem resultado na possibilidade real de garantir o “Acesso a Justiça” aos necessitados. Todavia, existe uma nítida diferença entre a Defensoria Pública e os referidos gabinetes: a Defensoria é um órgão público, ao passo que os gabinetes, via de regra, são órgãos privados (aqueles pertencentes as instituições privdas). No entanto, há uma isonomia entre eles que é exatamente o fato de que “ambos desempenham função pública”.

Conseqüentemente, deve de haver também entre ambos uma isonomia no que tange as prerrogativas, ou seja, os gabinetes de assistência jurídica (justiça gratuita, assistência judiciária e orientação extra-judicial) também devem fazer jus a algumas prerrogativas, em especial a contagem do prazo em dobro conferida aos defensores públicos.


A) Da interpretação e alcance do disposto no art. 5º, § 5º da Lei 1.060/50

Num primeiro momento, cabe aqui mencionarmos a exímia colocação do ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo, segundo o qual:

a interpretação das leis não deve de ser formal, mas, sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil (...) Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem, pode e deve por outro lado optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça e do bem comum[3].

Corroborando ainda mais o entendimento retro citado podemos dizer, como está prescrito no art. 5º da LICC, que quer seja na interpretação ou aplicação da lei, o julgador deve de atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Com a devida vênia, podemos dizer que a interpretação teleológica – ao art. 5º, § 5º da Lei 1.060/50 – nos conduz ao entendimento que o beneficiado é o assistido, com o privilégio do prazo em dobro. Portanto, o prazo dilatado é em função da parte, justificado pelo interesse público.

O Desembargador Rui Portanova[4], referindo-se ao disposto no art. 5º, § 5º da Lei 1.060/50, menciona que:

Procurando atender a tutela de interesses para a qual foi dirigida a norma, tem-se que o parágrafo 5º do artigo 5º da Lei de Assistência Judiciária objetiva dar ao hipossuficiente melhores condições para defesa de suas pretensões, sendo de interesse público proporcionar o maior acesso possível ao Judiciário.

Não poderia ser outro o objetivo do instituto, tendo em vista que todos os órgãos que prestam exclusivamente atendimento as pessoas consideradas legalmente como “necessitadas” efetuam serviço público. E, para que possam proporcionar um bom atendimento a estas partes, razoável disporem de prazo dobrado, nos mesmos moldes que a Defensoria, a qual muitas vezes não consegue dar conta de todos os casos que lhe incube, porquanto a quantidade de pessoas que não possuem dinheiro para contratar advogado particular é enorme em todo o país.

Com grande propriedade lecionava Carlos Maximiliano, de que :

Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim não se procedia, construíam a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical.

[...]

O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para a qual foi redigida[5].

Assim, mostra-se inquestionável que os referidos gabinetes das universidades, enquanto prestadores da Assistência Judiciária/Jurídica Gratuita, equiparam-se, para efeito do benefício do prazo em dobro previsto no art. 5º, § 5º da Lei 1.060/50, aos Defensores Públicos.

Portanto, é inadmissível qualquer discriminação que se queira fazer entre as pessoas carentes que procuram os gabinetes das universidades e aquelas que procuram a Defensoria Pública, já que ambos os órgãos são responsáveis pela viabilização da Assistência Judiciária Gratuita esculpida no art. 5º, LXXIV da CF/88. Tencionar-se tratar de forma desigual os mesmos cidadãos necessitados de auxílio jurídico, conferindo a uns e não conferindo a outros as benesses da lei, já que todos estão na mesma situação jurídica, significa violar frontalmente o direito fundamental assegurado pelo art. 5º caput da CF/88[6]. Nesse sentido o entendimento do Desembargador Rui Portanova[7], segundo o qual:

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pelo princípio da igualdade, seria inadmissível qualquer discriminação entre as pessoas que procuram a Defensoria e as que recebem a mesma assistência de outros órgãos, estando todos em situação equivalente, qual seja, impossibilidade de pagar as despesas decorrentes de um processo sem prejuízo ao seu sustento e/ou de sua família. A igualdade só será efetiva se for substancial.

Salutar, a lembrança que nos faz o eminente Ministro. Sálvio de Figueiredo, em voto prolatado em julgamento de Recurso Especial, de que:

Uma das grandes missões do julgador neste final de século é buscar na lei a sua verdadeira teleologia, especialmente no campo do Direito Processual, em face do princípio da instrumentalidade que o informa.

Por outro lado, não bastasse tal circunstância, que afasta o julgador da simples interpretação pelo método gramatical dotando-o de critérios mais eficientes, tais como o axiológico, o progressivo e o finalístico, ao lado, do logos del razonable de que fala Siches, veja também um outro aspecto, que se me afigura de grande relevo no caso presente, que é a busca da igualdade substancial, a ultrapassar até mesmo os limites do texto constitucional.

Quer me parecer que o legislador, ao redigir (de forma incompleta) o § 5º do art. 5º da Lei 1.060/50, procurou dar ao hipossuficiente melhores condições na defesa de seus direitos em litígio[8].

Por sua vez o insigne Ministro Bueno de Souza, ao proferir o seu voto no julgamento do REsp. 23952, afirmava que:

Parece-me, também, que o art. 5º, § 5º, da lei 1.060/50 aconselha essa exegese, sem dúvida, progressiva, porquanto o § 5º do citado art. 5º se reporta, expressamente, ‘a quem exerça cargo equivalente’. Não se há de ler aqui a palavra cargo na acepção rigorosamente técnica do Direito Administrativo, mas no sentido processual que a mesma comporta.

Do mesmo sentir foi o voto do ilustre Ministro Athos Gusmão Carneiro, também no REsp. 23952, segundo o qual:

No caso é justificável que a expressão ‘cargo equivalente’, contida no § 5º do art. 5º da Lei 1060/50 – aliás é parágrafo acrescido pela lei 7.871 de 1989-, receba uma exegese ampla, de forma a abranger também aqueles defensores que exerçam um munus, não propriamente como servidores do Estado, mas atuando como se fossem.

Desta feita, a interpretação a ser dada ao referido dispositivo legal, mais especificamente a expressão “quem exerça cargo equivalente”, deve de ser uma interpretação sistemática[9], ampla e que fique em consonância com a realidade social, a fim de garantir o prazo em dobro àqueles que de forma isonômica desempenham o mesmo papel que a Defensoria Pública. Ademais, cabe a lembrança de que se utilizarmos um dogmatismo e um rigorismo na interpretação das leis, não só no Direito Processual, iremos nos conduzir a um descompasso com a realidade, criando um abismo entre o texto frio da lei e a riqueza de situações que a vida nos proporciona. Assim, podemos afirmar que a interpretação das disposições legais não pode desconsiderar a realidade social, “a natureza das coisas” ou a “lógica do razoável”. Logo, a referida interpretação deve guardar um sentido eqüitativo, lógico e acorde com circunstâncias objetivamente demonstradas, pois o direito não pode ser injusto ou desajustado à realidade.


B) Concessão dos mesmos privilégios/prerrogativas processuais dos Defensores Públicos para todas as entidades que prestam assistência judiciária

Para a defesa e o ajuizamento de ações em prol dos carentes foram estabelecidos privilégios para a Defensoria Pública atuar, tais como: intimação pessoal, prazos em dobro e desnecessidade de outorga de instrumento particular de procuração. A Lei nº. 7.871, de 08 de novembro de 1989 acrescentou o § 5º ao artigo 5º da Lei 1.060, de 05-02-1950, disciplinando que:

Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as instâncias, contando-se-lhe em dobro todos os prazos[10].

Segundo Regel Ferrazza[11] a Lei Complementar nº 80, de 12-01-1994, estabelece como prerrogativas dos Defensores Públicos a intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, a concessão de prazos em dobro (art. 44, inciso I), bem como a representação da parte assistida, nos processos administrativos e judiciais, independentemente de mandato (art. 44, inciso XI). Sendo que, as legislações mencionadas significam um grande progresso para a atuação do defensor público em prol dos assistidos. Esses privilégios processuais são muito importantes, quer pelo acúmulo de trabalho que necessita de prazos maiores para preparação das defesas, quer pelo custo financeiro para verificar notas de expedientes, ou pelas formalidades existentes em procurações onde os carentes, às vezes, são analfabetos, assistem seus filhos menores e não têm condições de custear procurações por instrumento público.

Cumpre salientar também, que quanto à necessidade do prazo em dobro, há muitas dificuldades para o carente procurar um defensor, pois “sem recursos materiais, sem informação e de pouca cultura, fica literalmente perdido”[12]. Outro aspecto é que geralmente moram em lugares distantes. Quando chegam até os órgãos prestadores de assistência, o prazo já expirou, ou ainda, não conseguem pegar fichas de atendimento em tempo hábil.

Também é importante frisar a dificuldade do defensor encontrar o assistido para indagar sobre fatos novos alegados pela parte contrária, pois normalmente aqueles não possuem telefone, o correio também demora ou ocorre a mudança de endereço. Portanto, o desempenho do defensor depende em muito dessa dilação de prazo. Ressalte-se, que todos esses problemas também são enfrentados pelos gabinetes de Assistência Jurídica[13].

A experiência pessoal de atuação junto a um desses gabinetes de assistência judiciária/jurídica gratuita demonstrou-me que antes de o assistido chegar ao escritório, ele procurou outros órgãos como o Ministério Público e o Conselho Tutelar (em matéria de infância e juventude).

Acreditamos que  essas prerrogativas são uma garantia de igualdade dos assistidos no enfrentamento das ações com os mais poderosos. Como assevera  Augusto Marcacini, a isonomia não implica igualdade absoluta, mas sim dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, para que desta forma se possa compensar as desigualdades, e, com isto, buscar atingir a igualdade substancial. Com isso é possível admitir-se que em tese, seja possível à lei conceder prazos dilatados a determinados sujeitos, se isso for necessário para estabelecer o equilíbrio[14].

Sobre o assunto Paulo Galliez afirma que:

o Desembargador Synésio de Aquino, em voto lapidar e incisivo, abordando com realismo a matéria, destacou, enfaticamente que: ‘se o Defensor Público deixar de ser intimado pessoalmente dos atos processuais será prejudicada não somente a Instituição, mas, sobretudo, o assistido, voltando a ser, como era em épocas remotas, o Código de Processo Civil dos potentados, e o Processo Penal, dos pobres. Não podemos ou devemos permitir, ou admitir que tal ocorra. (...) O ideal da igualdade na distribuição da justiça e de isonomia de condições entre ricos e pobres somente poderá continuar a existir, em nosso Estado, se os membros da Defensoria Pública não forem cerceados em suas prerrogativas e afastadas as dificuldades ao desempenho de suas nobres funções’[15].

Assim, para o aprimoramento da assistência jurídica e pelas mesmas razões que são concedidos os privilégios processuais para os membros da Defensoria Pública, deveriam ser concedidos aos demais entes que prestam esse serviço as mesmas prerrogativas processuais, como intimação pessoal, prazo em dobro e dispensa do mandato de procuração.

Os Advogados ad doc, as Faculdades de Direito e as demais entidades que prestam assistência jurídica/judiciária devem ter as mesmas condições de atuar das defensorias públicas. Se o serviço é o mesmo (a clientela é a mesma), qual o motiva para tratamento diferente? Qual o fator de discrímem que legitimaria tal atitude?

Araújo Cintra, em parecer para o Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo, afirma que as prerrogativas processuais:

não foram estabelecidas pela lei em benefício do Defensor Público, mas, imediatamente, de quem necessita dos serviços de assistência judiciária por ele prestados, e, mediatamente, no interesse público da boa distribuição da justiça, tendo em vista o enorme volume de trabalho que sobrecarrega os serviços de Assistência Judiciária e o conseqüente e inevitável caráter burocrático das instituições deles encarregadas, inclusive o Departamento Jurídico[16].

No Rio Grande do Sul o Tribunal de Justiça, em alguns julgados, tem reconhecido os privilégios processuais para os serviços organizados de assistência judiciária em razão da grande demanda da prestação da assistência judiciária gratuita. Vejamos algumas decisões neste sentido:

Os prestadores de serviço de assistência judiciária, mantidos por Universidade, beneficiam-se da dobra dos prazos processuais, inclusive para recorrer. Inteligência do art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50[17].

Serviços organizados de assistência judiciária. Prazo em dobro. Por reconhecer a grande demanda da prestação da AJG, os tribunais tem admitido que para os serviços organizados também seja concedido o prazo em dobro[18].

Os gabinetes de assistência judiciária gratuita, que atendem aos necessitados que não tem acesso à defensoria pública fazem jus ao prazo em dobro previsto no artigo 5, parágrafo 5 da lei 1060/50. precedentes jurisprudenciais[19].

O Superior Tribunal de Justiça como podemos ver anteriormente, com a transcrição de trechos dos votos de alguns de seus ministros, também já teve oportunidade de se manifestar sobre a questão, senão vejamos:

Ementa: Assistência Judiciária. Prazos dobrados. Aos advogados do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, entidade conveniada com o Estado de SP visando a prestação da assistência judiciária gratuita, enquanto prestantes da referida assistência as pessoas carentes, contam-se em dobro todos os prazos[20].

Todavia, o STJ em decisões mais recentes tem restringido o alcance de tal interpretação, para estender tal prerrogativa apenas aos gabinetes de assistência judiciária mantidos pelas instituições públicas de ensino, senão vejamos:

Ementa: Assistência Judiciária. Núcleo De Prática Jurídica. Universidade Pública. Prazo em dobro.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, interpretando art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, para ter direito ao prazo em dobro, o advogado da parte deve integrar serviço de assistência judiciária organizado e mantido pelo Estado, o que é a hipótese dos autos, tendo em vista que os recorrentes estão representados por membro de núcleo de prática jurídica de entidade pública de ensino superior. 2. Recurso especial provido para que seja garantido à entidade patrocinadora da presente causa o benefício do prazo em dobro previsto no art. 5º, §5º, da Lei 1.060/50.[21]

Marcacini também entende, com fundamento na isonomia, que as prerrogativas do prazo em dobro e a intimação pessoal devem de ser estendidas a todos os prestadores de assistência judiciária. Ademais, esses benefícios são para os carentes e não para os órgãos públicos, até porque esses órgãos não têm condições de atender todos os necessitados[22].

Para evitar as dúvidas sobre a extensão das prerrogativas dos Defensores Públicos para os demais entes que prestam serviço equivalente “a legislação deveria ser modificada imediatamente, estabelecendo a igualdade entre os órgãos prestadores de assistência jurídica, propiciando aos necessitados que buscam esses órgãos os mesmos benefícios processuais que teriam se procurassem a Defensoria Pública”[23].

Portanto, em síntese, tendo em vista os argumentos exposados torna-se evidente e plenamente plausível a possibilidade e até  mesmo o direito da contagem do prazo em dobro para os Gabinetes de Assistência Judiciária das Universidades, já que tanto a lei como a jurisprudência tem reconhecido esse direito aos órgãos que desempenham função similar a da Defensoria Pública. Entender de forma contrária é acima de tudo não assegurar aos carentes o acesso à justiça, a assistência judiciária, a ampla defesa e a isonomia, os quais se constituem em Princípios Constitucionais que não estão inseridos na Constituição como meros adornos de ornamentação da mesma, mas sim são preceitos de plena eficácia e que se aplicam a todos sem qualquer discriminação (art. 5º da CF/88); caso contrário não teremos a sua concretização. Dessa forma, imprescindível se faz uma adequada interpretação do § 5º do art. 5º da Lei 1.060/50 devido os anseios da sociedade, mais especificamente dos necessitados, para os quais a justiça deve olhar sem a venda que lhe cobre os seus olhos, a fim de que dessa forma realmente seja feita justiça.

Felizmente, parece que esse entendimento de extensão de tal prerrogativa aos gabinetes de assistência judiciária, de forma ampla, tende a prevalecer do ponto de vista legal, pois no projeto do novo CPC (Projeto de Lei n. 8046, de 2010) há expressa previsão de extensão de tal benesse aos gabinetes de assistência judiciária sejam públicos ou privados, senão vejamos:

Art. 161. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.

§ 4º O disposto no caput deste artigo se aplica aos escritórios de prática jurídica reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Ordem dos Advogados do Brasil ou com a Defensoria Pública.


Notas

[1] Tendo atuado como professor supervisor junto ao Escritório Modelo do Curso de Direito da Unijuí/RS, Faculdades Cathedral/RR, Facto/TO, Ceulp/TO, Unitins/TO.

[2] “A Defensoria Pública é um dos baluartes da cidadania. Mas seus problemas são muitos, principalmente decorrentes da falta de vontade política em disponibilizar recursos públicos e implantar eficientemente as defensorias em todo o país. As Defensorias Públicas estão somente conseguindo fazer, e com muita restrição, apenas a defesa dos necessitados, ou seja, somente a prestação da assistência judiciária. A orientação e a reivindicação dos interesses difusos dos carentes, pelo acúmulo da assistência judiciária, não são possíveis de concretizar-se ante o abandono das Defensorias. pelos Estados.” (FERRAZZA, Regel. Assistência Jurídica integral e gratuita e o acesso à cidadania. Dissertação de Mestrado junto a UFSC. 2001)

[3] apud. SILVA, Marcelo Amaral. Alguns aspectos sobre o concubinato, união estável e o direito alimentar entre os conviventes. Monografia de especialização – Unijuí/RS.

[4] Ap. nº.70005295936, 8ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Rui Portanova (voto vencido), j.27.03.2003.

[5] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. p.. 163/164.

[6] Sobre o princípio da igualdade vide SILVA, Marcelo Amaral. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. 2003.Disponível em: http://www.jus.com.br

[7] Ap. nº.70005295936, 8ª Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Rui Portanova (voto vencido), j.27.03.2003.

[8] REsp. 23952, 4ª Turma do STJ, julgado. em 06/10/1992.

[9] Em relação ao ato de interpretar, cabe aqui destacarmos os ensinamentos do notório Prof. Juarez Freitas de que “Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou indiretamente, uma aplicação de princípios gerais, de normas e valores constituintes da totalidade do sistema jurídico.” E prossegue o ilustre autor afirmando de que “ou se compreende o enunciado jurídico no plexo de suas relações com o conjunto dos demais enunciados, ou não se pode compreendê-lo adequadamente. Nesse sentido, é de se afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática, ou não é interpretação”. (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros : São Paulo. p.53/53)

[10] VIDIGAL, Maurício. Lei de assistência judiciária interpretada. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2000. p. 41.

[11] FERRAZZA, Regel Antônio. Assistência Jurídica integral e gratuita e o acesso à cidadania. Dissertação de Mestrado junto a UFSC. 2001.

[12] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita.  p. 76.

[13] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita. Rio de Janeiro: Forense. p. 76/77.

[14] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.74.

[15] GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. A defensoria pública, o estado e a cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999. p. 31.

[16] ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Assistência judiciária. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 758, p. 65-67, dezembro. 1998.

[17] AGI nº 70005849252, Nona Câmara Cível, TJRS, Relatora: Mara Larsen Chechi, julgado em 28/05/2003.

[18]AGI nº 70000402149, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS, Relator: Des. Cezar Tasso Gomes, julgado em 30/03/2000.

[19] AP nº 70001434943, Décima Primeira Câmara Cível, TJRS, Relatora: Ana Maria Nedel Scalzilli, julgado em 16/11/2000.

[20] REsp. nº 23952. 4ª Turma do STJ. Rel. Min. Fontes de Alencar. Julgado em 06/10/1992.

[21] REsp. nº 1106213, 3 Turma, Rel. Minª Nancy Andrighi. Julgado em 25/10/2011.

[22] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p. 77-79.

[23]FERRAZZA, Regel. Assistência Jurídica integral e gratuita e o acesso à cidadania. Dissertação de Mestrado junto a UFSC. 2001. p.109.

Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. Gabinetes de assistência judiciária e o direito a contagem do prazo em dobro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3873, 7 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26548. Acesso em: 24 nov. 2024.

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