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Execução de alimentos mediante coerção pessoal

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Agenda 09/02/2014 às 07:23

Competência

A regra de competência para as execuções fundadas em título executivo judicial é a constante do art. 575, II do CPC, ou seja, a execução deve de se processar no juízo em que se formou o título e trata-se de regra de competência absoluta.

Todavia, de acordo com a jurisprudência e doutrina, esta regra sofre abrandamento face ao disposto no art. 100, II do CPC e Súmula 1 do STJ, mediante uma interpretação analógica, permitindo-se assim ao credor, caso mude seu domicílio, que ajuize neste a sua demanda[32].

Um ponto a ser observado, é o fato de que quando a execução se processar por carta precatória, o juízo deprecado não pode decretar a prisão civil do devedor, já que a competência para tal pertence ao juízo deprecante[33]. Assim, o juízo deprecado deve apenas cumprir o requisitado na carta, de regra apenas citando o devedor, sem poder apreciar a defesa ou decretar a prisão, incumbindo-lhe revogá-la caso haja o pagamento do débito face ao disposto no § 3º do art. 733 do CPC[34].


Requisitos da petição inicial

A inicial da execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC deve seguir os requisitos preceituados no art. 282 do CPC, tendo inclusive, como regra, face ao art. 604 do CPC, de ser instruída com a planilha de cálculo do débito. Deve também de ser observado o enunciado no art. 733 do CPC, ou seja, deverá o credor[35] requerer a citação do devedor para que, no prazo de 03 dias, efetue o pagamento, comprove caso já o tenha feito, ou apresente justificativa da impossibilidade, sob pena de não o fazendo ser-lhe decretada a prisão.

Esses requisitos devem de ser observados, a fim de evitar o indeferimento da inicial, pois ao juiz cabe de ofício a verificação dos mesmos; e caso encontre alguma irregularidade mandará intimar o credor para que a supra, caso contrário indeferirá a inicial (art. 284 do CPC). De acordo com Araken de Assis esse controle da inicial é oficioso do órgão jurisdicional, o qual deve de verificar os pressupostos de existência, validade e eficácia do procedimento executivo. Sendo que, o indeferimento da inicial só seria cabível se o juiz se deparar com vício insanável tipo o de manifesta ilegitimidade de parte (art. 295, II do CPC). Refere ainda que a decisão que indeferir a inicial é considerada sentença passível de recurso de apelação[36].

Uma questão que é objeto de divergência doutrinária é com relação se o juiz pode de ofício, ou seja, sem o pedido do credor, determinar a prisão do devedor. O posicionamento que tem prevalecido é no sentido de que a prisão civil só é possível em face de requerimento do credor[37], pois segundo Arnaldo Marmitt é ele que “dispõe de melhores condições para avaliar a oportunidade e a conveniência. É o exequente que tem a liberdade para requerer ou deixar de requerer a aplicação desse mecanismo forte de coação”[38]. Ademais, é ele que sabe de suas necessidades e das possibilidades do devedor, podendo muito bem acontecer que o credor, maior interessado na questão, por qualquer motivo, inoportuna e até inconveniente a prisão do executado naquele momento[39].


Defesa do executado

De acordo com o disposto no art. 733 do CPC, no tríduo legal, após devidamente citado, o executado terá três opções: efetuar o pagamento ou comprovar que o tenha realizado, apresentar defesa ou então se manter inerte.

O pagamento que o executado deve fazer é o da integralidade das prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento. Sendo que, de acordo com Araken de Assis, o que elide a prisão é somente o pagamento integral, no entanto, pagamentos parciais os quais denotam impossibilidade momentânea, bem como, proposta de parcelamento, inibem em princípio a privação da liberdade[40].

Álvaro Villaça Azevedo menciona também o fato de que verbas estranhas ao débito alimentar não viabilizam a prisão civil. A orientação que tem prevalecido é  no sentido de que a prisão só será cabível no caso de inadimplemento dos valores referentes tão somente a verba alimentar, ou seja, a prisão civil não cabe para o caso de o devedor não recolher o valor referente a despesas processuais e honorários advocatícios[41]. Portanto, a falta do recolhimento de parcelas autônomas, diversas do crédito alimentar, não pode acarretar a coerção pessoal[42], já que o texto constitucional abre a exceção, permitindo-se a possibilidade da prisão civil, apenas e tão somente no que tange ao caso de depositário infiel e débito alimentar. Logo, as parcelas referentes às despesas judiciais e honorários advocatícios devem ser reclamadas pelo processo executivo comum, mediante coerção patrimonial.

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No caso de o devedor decidir manter-se inerte, nada fazendo no prazo dos 03 dias, que lhe fora concedido, será então determinada a sua prisão caso tenha havido o requerimento do credor.

A sua defesa, caso deseje apresentá-la, se dá sob a forma de incidente, nos próprios autos e fica limitada à prova do pagamento (abrange qualquer fato extintivo, modificativo ou impeditivo) ou apresentação de justificativa de impossibilidade de fazê-lo. No entanto, conquanto sumária a defesa do devedor, é permitido ao juiz o conhecimento de questões que pode e deve conhecer de ofício e questões que de regra seriam remetidas aos embargos; sendo que, lhe seria vedado apenas o conhecimento de questões em torno da existência da pretensão creditória, pois tais questões devem ser deduzidas em ação própria. Cabendo ao devedor, alegar também questões processuais do tipo pressupostos processuais e condições da ação[43].

No que se refere a defesa de impossibilidade a que é alegável é apenas a impossibilidade temporária[44]. Devendo, caso haja impossibilidade permanente, tal questão ser deduzida em ação própria[45]. Esse todavia, não é o pensamento de Amílcar Castro, para o qual havendo caso de impossibilidade permanente, o caso é de exoneração do encargo e, “portanto, de se declarar extinta a execução por falta de objeto”[46]. Com a devida vênia, entendemos ser um tanto extremo tal idéia, acreditando ser o caso então de determinar-se ao menos a conversão para o procedimento do art. 732 do CPC ao invés de simplesmente extinguir-se o feito por falta de objeto.

Havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, mostra-se inviável a decretação de prisão sem que o juiz a aprecie[47], sendo que isso por vezes abrangerá a necessidade de produção de provas, as quais podem ser todas aquelas admitidas em direito (v.eg. testemunhal, pericial, documental...). Lembrando ainda, que ao devedor cabe o ônus da alegação e o ônus da prova da referida impossibilidade, mas tal prova não precisa ser de imediato, ou seja, no tríduo legal, pois como bem lembra Celso Neves pode haver “insinuação de prova, nesse prazo, podendo o juiz determinar as providências que o incidente exija, inclusive mediante requisição de informações”[48]. Desta forma, independente de qual seja a causa da impossibilidade, havendo a sua respectiva comprovação, mostra-se inviável a coerção pessoal do devedor.


Decisão do incidente da justificativa

Como vimos anteriormente, ao devedor é permitido, no prazo dos 03 dias estabelecido no art. 733 do CPC, a apresentação de justificativa de impossibilidade (temporária) de pagamento dos valores executados, dando ensejo com tal procedimento a instauração de um incidente processual nos próprios autos da execução.

O julgamento desse incidente se dá mediante decisão judicial do tipo decisão interlocutória[49]. Tal decisão deve necessariamente, sob pena de invalidade, ser motivada, ou seja, o julgador deverá declinar expressamente os motivos ensejadores da sua decisão, quer seja no sentido de acolher a justificativa de impossibilidade, ou então, de rejeitá-la e conseqüentemente determinar a coerção pessoal. Essa motivação decorre da exigência do princípio constitucional da motivação (art. 93, IX da CF/88).

Se a decisão for de acolhimento da justificativa isso implicará na inviabilidade da coerção pessoal por hora. Caberá então ao credor requerer o prosseguimento do feito, com a conversão do meio executório para a expropriação de bens caso existam, se isso não for possível o processo então deverá ficar suspenso até o cumprimento da pena ou o desaparecimento da impossibilidade temporária[50]. Frise-se aqui o fato de que passada a impossibilidade temporária o credor pode requerer o prosseguimento do feito e caso o devedor continue inadimplente injustificadamente, poderá ser-lhe decretada a prisão. Nesse sentido temos o entendimento de Arnaldo Marmitt[51], para o qual:

Sobrevindo a recuperação financeira do obrigado, com ela também se restabelece o dever de alimentar. Se a falta de condições para manter a prisão em determinado momento era correta e justa, se ela tinha amparo legal, isso já não ocorre mais a partir do instante em que as possibilidades se implementaram. Com a modificação para melhor da situação do inadimplente, ressurge a viabilidade da coação pessoal.

Dessa forma, como bem lembra Araken de Assis[52], a prisão é reiterável, tantas vezes quantas forem necessárias, no curso do mesmo processo ou em outro, todavia, exige-se dívida diversa, já que juridicamente não se admite uma segunda decretação de prisão pela mesma dívida.


Meios de impugnação da decisão do incidente

Proferida a decisão interlocutória, decidindo o incidente decorrente da apresentação de justificativa de impossibilidade por parte do devedor, poderão as partes utilizar-se de meios processuais para impugná-la.

Se a decisão proferida foi num sentido de acolher a justificativa do devedor poderá o credor, caso inconformado, impugnar tal decisão mediante o recurso de agravo de instrumento a fim de reformar tal decisão.

Por outro lado, caso a decisão tenha sido de rejeitar a justificativa do devedor, poderá este, a fim de tentar impedir a coerção pessoal, utilizar-se do recurso de agravo de instrumento ou então do remédio constitucional que é o Habeas Corpus.

No que tange ao recurso de agravo de instrumento, de regra, ele tem efeito apenas devolutivo (art. 497 do CPC), no entanto, o devedor poderá pleitear a concessão do efeito suspensivo com base no disposto no art. 527, III c/c 558 ambos do CPC[53]. Sendo que, nessa modalidade de recurso ele poderá discutir os chamados error in judicando e error in procedendo, permitindo-lhe assim a discussão de questões de fato e de direito.

Poderá também o devedor utilizar-se do remédio constitucional do habeas corpus a fim de atacar a decisão que determina a sua prisão. Todavia, deve ater-se ao fato de que no habeas corpus não poderá discutir matéria de fato, eis que só admite questões de direito. Assim, devido a natureza do procedimento sumário e pela sua finalidade, no habeas corpus é inviável “investigar a fundo as questões que dizem respeito ao mérito da lide alimentar, especialmente se o alimentante está podendo ou não cumprir a sua obrigação”[54]. Nesse mesmo sentido é o posicionamento do STJ para o qual: “O habeas corpus, nos termos da jurisprudência da Corte, não é via adequada para o exame aprofundado de provas e a verificação das justificativas, fáticas, apresentadas em relação à inadimplência do devedor dos alimentos e da necessidade dos alimentários”[55]. Assim, como no habeas só podem ser alegadas questões de direito, Yussef Said Cahali menciona algumas hipóteses que podem ser objeto de discussão no writ. Vejamos algumas: 1) competência do juízo, decretação de ofício, legitimidade ad causam e ad processum do requerente da medida; 2) falta de liquidez e certeza do débito; 3) recusa de dilação probatória; 4) ausência ou carência de fundamentação do decreto de prisão; 5) fixação do prazo da prisão fora dos parâmetros legais[56].

Cabe aqui também a lembrança, feita por João Roberto Parizatto, de que se o devedor por ventura durante a tramitação da execução venha interpor demanda revisional ou exoneratória de alimentos tal demanda não pode interromper nem suspender o prosseguimento da execução e muito menos suspender o decreto de prisão, eis que “tal ação não possui efeito suspensivo com referência às prestações vencidas e vincendas”[57].


Prisão do executado

Não havendo a apresentação de justificativa de impossibilidade, ou tendo esta, caso apresentada, sido rejeitada, e o devedor não a tenha conseguido alterar mediante recurso, caberá então ao juiz decretar-lhe a prisão.

A referida decisão, como visto anteriormente, é decisão interlocutória e deve ser devidamente fundamentada (art. 93, IX da CF/88) . Deverá também, a referida decisão, quando determinar a coerção pessoal, fixar o prazo da prisão, já que como adverte Arnaldo Marmitt “o confinamento por tempo indeterminado não pode prevalecer, impondo-se a sua imediata desconstituição”[58]. Nesse sentido também o pensamento de Yussef Said Cahali, para o qual tendo em vista as características da cominação, tem-se por ineficaz a decisão que a determina se é omissa com relação ao respectivo prazo[59].

No que se refere à duração da prisão existe um certo descompasso em relação ao disposto no art. 19 da lei 5478/68 e o disposto no art. 733 do CPC, pois no primeiro há previsão de tempo até 60 dias, ao passo que no segundo a previsão é de até 90 dias. Assim, isso acabou gerando também um descompasso no que tange ao posicionamento da doutrina, sendo possível como bem menciona Sérgio Gilberto Porto encontrarmos posicionamentos em um e em outro sentido[60]. Mas segundo este mesmo autor, o posicionamento que há de prevalecer é o que limita a prisão ao tempo máximo de 60 dias, já que “considerando que a prisão não é pena, mas modo coercitivo, forma de execução, e que, segundo os princípios gerais, deve ser feita de forma menos gravosa para o devedor, não resta dúvida que preponderam os 60 dias (art. 620 do CPC)”[61].

Com relação a possibilidade de o devedor pleitear o benefício de cumprimento da pena em regime domiciliar é necessário observarmos o fato de que em face da sua própria natureza e finalidade, a prisão civil não se confunde com a criminal, por isso o regime de prisão domiciliar não se aplica às prisões civis, já que poderia lhe tirar o caráter constritivo que a embasa e justifica[62]. Esse também tem sido o posicionamento em decisões do STJ: “o beneficio da prisão domiciliar não se estende, em tese, a prisão civil, pois esta não e pena, mas simples coação admitida para cumprimento de obrigação”[63]. Bem lembra Araken de Assis de que é preciso deixar claro ao devedor relapso de que insatisfeitas as prestações a pena será concretizada da pior forma, pois caso contrário ele não se sensibilizará com a medida judicial, sendo que “as experiências de colocar o executado em albergue, à margem da lei, revelaram que ele prefere cumprir a pena em lugar de pagar a dívida”[64].

Por fim, com relação a revogação e suspensão da pena de prisão, pode-se dizer que uma vez paga a dívida[65] deve ser de imediato determinado a soltura do devedor (§3º do art. 733 do CPC). A suspensão e revogação também poderão ser requeridas diretamente pelo credor, mesmo sem o pagamento, por vezes motivado por razões emocionais; sendo que tal pedido deve de ser acolhido pelo julgador, de vez que só pode ser decretada a pedido do credor.[66]

Sobre o autor
Marcelo Amaral da Silva

Professor Universitário, Advogado e Consultor jurídico, Especialista em Direito Público e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Amaral. Execução de alimentos mediante coerção pessoal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3875, 9 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26582. Acesso em: 23 dez. 2024.

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