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O fenômeno da terceirização.

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Agenda 04/02/2014 às 14:56

5. CASOS JURISPRUDENCIAIS ILUSTRATIVOS

Como parte que antecede à conclusão deste esforço de perscrutar o que vem a ser a terceirização e seu respectivo tratamento, passemos para simples aspectos jurisprudenciais do tema que, por si mesmos, explicam inúmeros fatores aqui abordados. Em cada um deles repare a congruência da aplicação da CLT, da Súmula 331 do TST e, não menos importante, muito pelo contrário, da aplicação dos princípios norteadores do Direito do Trabalho.

Ambos os casos expostos foram retirados da monografia sob a autoria de Rogério Geraldo da Silva (2011, p. 26 e 28, respectivamente). Desta forma, copiamos as partes por ele levantadas como as mais importantes, o que vem como grande ajuda para a exata compreensão do que este complexo tema tem a nos dizer.

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. UNICIDADE CONTRATUAL. Demonstrado nos autos que a autora foi contratada por empresa terceirizada para prestar serviços vinculados à atividade-fim da tomadora de serviços, a fraude perpetrada é evidente. Deve, pois, ser mantida a decisão que reconheceu a unicidade contratual e declarou a solidariedade entre as empresas demandadas, a qual se encontra fundada na prática de ato tendente a impedir e fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas (art. 9° da CLT), com a formação do vínculo de emprego com a tomadora dos serviços, nos moldes do inciso I da Súmula 331 do TST.

(TRT 3ª Região – Sétima Turma - 02309-2006-136-03-00-0 RO - Relator Convocada Wilméia da Costa Benevides 12/04/2007, grifo nosso).

Neste julgado, interessante notar a singular diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim. Esta última tida como terceirização ilícita. Aplicação imediata do inciso I da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Os princípios da proteção ao trabalhador, condição mais benéfica e isonomia foram o norte no qual esta decisão fora assentada com notável propriedade.

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RELAÇÃO DE EMPREGO COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS. FRAUDE.

[...]

O contrato de natureza civil entre prestadora e tomadora de serviços não vincula terceiros, como o reclamante, que não participou do negócio jurídico. Flagrantemente nulo o contrato de trabalho do reclamante com a prestadora de serviços, vez que consubstanciou terceirização ilícita de mão-de-obra utilizada na atividade-fim da tomadora, evidenciando a precarização dos serviços daquele, cujo piso salarial e vantagens da categoria são sensivelmente inferiores aos dos empregados da tomadora dos serviços. Caracterizada a fraude (art. 9º., da CLT), não se admite a alegação de que houve ato jurídico perfeito, pelo menos no que toca ao reclamante. A terceirização de mão de obra é instituto que visa flexibilizar as relações sociais se utilizada de forma lícita, contudo, não pode servir como forma de burlar as normas trabalhistas, acirrando a desigualdade social de categorias profissionais em nome da contenção de custos com mão-de-obra. Não se admite que trabalhadores, nas mesmas funções, tenham direitos diversificados, em nome de ilícita terceirização.

(TRT/MG – 3ª Região, RO 00463-2005-103-03-00-5 , Rel. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 5ª Turma, Publicação 09/07/2005, grifo nosso).

O teor deste acórdão é parecido com o que o antecede, todavia possui uma reflexão sobre o tema – destacado em negrito na transcrição. Louva, igualmente, os princípios da proteção ao trabalhador; princípio da isonomia e, de forma louvável, o princípio basilar do Estado Brasileiro: a dignidade da pessoa humana. Belo exemplo, acrescentando.


6. CONCLUSÃO

Comemoramos, em 2013, os 25 anos em que nossa Constituição foi promulgada. Emergida em meio a uma turbulência nacional, recém-saída dos Anos de Chumbo do governo militar, veio como uma esperança para a população após drásticos anos de insegurança jurídica e desrespeito aos direitos individuais e coletivos. Este período ditatorial não se configura como um inferno, contudo muitas atrocidades ocorreram e nós, hoje, não podemos ser insensíveis quanto a isto. Deixando de lado este instigante tema, notemos que o Trabalho é resguardado de forma calorosa no ordenamento jurídico brasileiro, gozando até mesmo de status constitucional. Sendo direito social, o trabalho, tido como forma de sustento da sociedade, é protegido de forma detalhista, embora muitas vezes alegórica quando analisado faticamente. De qualquer forma, ali está presente, apto a gerar qualquer discussão caso seja necessário.

O problema aqui proposto e nossos esforços em abordá-lo, que de forma alguma tivesse na pretensão aprofundar seus pormenores, não passa ao largo desta discussão, pois suas implicações e efeitos incidem necessariamente em inúmeros aspectos e dimensões do social, passando da mera discussão em uma mesa de negociação de um empregador qualquer, ou do trabalho do juiz de direito, ou do legislador tentando coibir lacunas e até mesmo à política econômica nacional e, por que não, internacional. Nesta perspectiva ampliada, vemos o ofício dos diversos ramos da área jurídica e, o mais belo, todos fluindo em direção aos preceitos e garantias constitucionais, que devem ser resguardados a qualquer custo, pois independentemente de como é feita a crítica ao ordenamento jurídico brasileiro, é ele e tão só ele que temos no momento e caso suas garantias e preceitos não sejam aplicados, nada mais nos resta a não ser estado de exceção. Neste, não há discussão.

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Neste lindo monte espinhoso temos o fenômeno da terceirização, contrato de natureza civil e trabalhista, cuja não fiscalização poderá desaguar, e comumente o faz, na devassidão das irresponsabilidades e degradação de direitos, pois caso os intentos de maximação dos lucros, cortes de custos e eficiência na produção sejam sobrepostos e mais bem quistos do que a pessoa do trabalhador, o trabalhador como ser humano, podemos pegar a Constituição da República atual e queimá-la na Praça dos Três Poderes, porque no momento em que isto for constatado, destruímos a essência da nação. No entanto, a indumentária social que reveste o Texto Magno de 1988 tenta coibir, à sua maneira, a esbórnia ao desrespeito e, para que isso seja possível, elencou inúmeras expectativas do devir-ser da manutenção da res publica.

Assim, tamanha proteção possui guarida num cabedal de garantias, individuais e coletivas, bem como em princípios, para assegurar o mínimo ético necessário para a mantença mínima da população. Autores dizem que a terceirização é totalmente deletéria por criar um “direito flexível” e orientado para o capital, que sobreporia aos interesses sociais; d´outrem, afirmam que a flexibilização das normas trabalhistas não se configura como um retrocesso, mas numa contínua caminhada ao desenvolvimento da nação, permitindo maior competitividade e lucro, que em algum momento seria repassado para toda a população. Não cabe no intento deste trabalho criticar a ingenuidade desta segunda proposição, nem acatarmos graciosamente as postulações da primeira.

Cabe, todavia, dizer que as relações trabalhistas devem sim ser reguladas da maneira que se apresentem na faticidade, concretude do real, porque o trabalho é a forma de sustento de todos os seres que por esse lugar passaram, independentemente do quê fizeram para isso. Além do mais, a clivagem entre ricos e pobres fica mais bem definida aos postularmos parâmetros simples: condições de trabalho e o que este pode lhe oferecer materialmente para prover a subsistência.

Agora, precisamos analisar mais do que nunca o aspecto social do trabalho. A extrema proibição da terceirização pode sim atrapalhar o rendimento macroeconômico da produção e circulação de bens e serviços, porém também é prejudicial se ocorrer sem controle por parte da legislação que regulamenta estas situações. Lembremos constantemente que nenhuma pessoa no mundo está, por assim dizer, “desprotegida” de eventualidades outras. Qualquer medida influencia todos os demais, algo dito pela física quântica há décadas e demonstrada de forma exuberante pela Teoria do Caos. Assim, qualquer medida tomada em direção aos opostos provocará efeitos em cadeias, todos simultâneos e, provavelmente, incontroláveis, fazendo com que qualquer medida que tente coibir estes efeitos só fortaleça os próprios, tornando a situação, agora sim, caótica do ponto de vista do controle e da regulamentação.

Como ninguém vive em bolhas, mas em concorrentes processos interconexos e adjacentes, a terceirização se faz como fenômeno econômico, passando para o social e terminando como justrabalhista. Embora uma tendência mundial devido à homogeneização dos meios e formas de produção, também deverá ser respaldada (a terceirização) na garantia da pessoa enquanto tal, portadora de direitos, detentora duma dignidade inalienável, cujos interesses, de um lado, e sobrevivência, do outro, sejam sobrepesados antes da tomada de qualquer medida que possa desvirtuar essas garantias fundantes do Estado Democrático de Direito, pois bem como a experiência nos ensina, o amor ao lucro e culto a um deus denominado “Capital”, cujo templo seria denominado “progresso”, só pode levar há uma única direção: dominação de uns pelos outros, seguida imediatamente de destruição recíproca.


REFERÊNCIAS

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. 1471p.

MARCELINO, Paula. Afinal, o que é terceirização? Em busca de ferramentas de análise e de ação política. Pegada, São Paulo, v.8, n.2, dezembro. 2007. Disponível em: <www4.fct.unesp.br/ceget/PEGADA82/4Texto-Paula.pdf>. Acesso: em 18 set. 2013.

SILVA, Rogério Geraldo da. A terceirização no Brasil e a Súmula 331 do TST. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3042, 30 out. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20331/a-terceirizacao-no-brasil-e-a-sumula-331-do-tst>. Acesso em: 4 out. 2013.

Sobre o autor
Mateus de Souza Medeiros

Discente do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas gerais e também discente do curso de Ciências Sociais ministrado na Universidade Federal de Minas gerais.

Informações sobre o texto

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