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Lei de irresponsabilidade fiscal

Agenda 01/02/2002 às 01:00

Em 1º de janeiro de 2001 entrou em vigor a Lei Complementar n.º 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, norma de finanças públicas voltadas para a gestão fiscal, tendo como objetivo acabar com a "farra" de gastos públicos estabelecendo paridade necessária entre receitas e despesas e limites de endividamento.

O Brasil há tempos clamava por um eficiente e honesto gerenciamento dos recursos públicos, visto que, durante décadas, talvez séculos, ou, mais provavelmente, desde sempre, o ente governante manteve o hábito de efetuar gastos conforme o que julgava conveniente, esquecendo-se do que determina o senso comum: que as despesas sejam compatíveis com as receitas.

Mas essa situação – despesas em níveis superiores aos de receitas – não implica necessariamente em problemas de ordem financeira, desde que haja um patrimônio que permita o excesso de gastos. Todavia, como nunca foi o governo herdeiro de alguma fortuna, nem tampouco titular de um considerável patrimônio que lhe permita a despreocupação com seus gastos, o excesso de despesas sempre foi lastreado mediante a obtenção de empréstimos e financiamentos, reiterados e cumulativos. Quando do vencimento de um empréstimo ou financiamento, para poder quitá-lo, o governo contratava outra operação da natureza similar.

Caminhava o Brasil para situação correlata à vivida pelo governo francês do Rei Luis XIV, que, imerso em uma ciranda financeira, sendo obrigado a buscar empréstimos para quitar empréstimos anteriores, chegou a despender, em 1788, mais de 50% do seu orçamento com pagamento de juros, tendo sido esse – o endividamento excessivo do reinado de Rei Luis XIV e a sua conseqüente crise social-econômica – um dos fatores determinantes da ocorrência da Revolução Francesa, em 1789.

Nesse aspecto, o de conter o endividamento crescente do governo, a LC 101 vem em boa hora. Mas essa norma é tão-somente o primeiro passo, posto que o grande entrave da economia brasileira não se encontra no excesso de gastos do governo em relação às suas receitas.

Outro dos fatores determinantes para a ocorrência da Revolução Francesa foi o excesso fiscal praticado por muito tempo pelo Rei Luis XIV e também pelos nobres, os quais possuíam, dentro de seus domínios, competência tributária.

No Brasil convive-se há muito com o excesso fiscal, esse o verdadeiro problema econômico nacional. Mas nunca se viu o governo com tanta sede de receitas como nos idos atuais, coincidentemente, na mesma época na qual se vê, por determinação da LC 101, impedido de contrair empréstimos para manter a seu patamar de gastos públicos.

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Estando o governo impedido de contrair mais empréstimos para fechar suas contas, procura, ao invés de reduzir despesas, aumentar as suas receitas, o que facilmente se comprova quando analisados os dados de arrecadação de receitas tributárias.

A Receita Federal obteve crescimento real tributário da ordem de 6,43% no exercício de 2000, em comparação com o exercício de 1999, situação que deve ser mantida, a ser considerado o primeiro semestre de 2001 no qual as receitas federais apresentaram incremento real de 5,26% quando comparadas com o mesmo período do exercício de 2000.

Crescimento de receitas na mesma magnitude verifica-se também nos Estados, alguns dos quais em níveis acima dos constatados junto à Receita Federal. A Secretaria da Fazenda de São Paulo estima aumentar a sua arrecadação em 2 pontos percentuais por ano acima da variação do seu Produto Interno Bruto-PIB enquanto o Estado da Bahia e o Estado de Goiás estimam em 3 pontos percentuais por ano acima de seu PIB, para ficarmos apenas nesses exemplos.

A carga tributária brasileira, foi, no exercício de 1999, correspondente a 31,67% do PIB nacional. Os dados do exercício de 2000 ainda não se encontram analisados de forma conclusiva, mas já permitem estimar que a carga tributária tenha correspondido a 32,76% do PIB, devendo atingir 34% no exercício de 2001 e com tendência de crescimento pelos próximos exercícios.

Essa política, a do incremento de receitas a todo custo, teve na LC 101 um grande impulsionador, visto que esta norma, enquanto criou limitação ao endividamento do governo, não controlou a voracidade fiscal do governo.

O crescimento astronômico das receitas tributárias deixa claro que o governo não efetuou nenhum esforço interno para adequar-se à LC 101, utilizando-se da via mais "fácil", mas a manutenção dessa situação por longo período implica em majoração do tão falado "Custo Brasil", em redução de competitividade das empresas nacionais, entraves à exportação, dentre outras mais conseqüências nefastas.

A ferramenta correta, no caso a Lei de Responsabilidade Fiscal, utilizada de forma incorreta ou em mãos de pessoas inábeis, pode resultar em maiores prejuízos que aqueles que se pretendia combater, como atualmente se vislumbra.

A manter-se a postura tributária governamental, tornar-se-á a LC 101 uma Lei de Irresponsabilidade Fiscal, e quem efetivamente vai pagar o pato, mais uma vez, é o contribuinte.

Sobre o autor
Dênerson Dias Rosa

Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Dênerson Dias. Lei de irresponsabilidade fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2668. Acesso em: 25 nov. 2024.

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