4. A REPERCUSSÃO GERAL EM PROCESSOS COM IDÊNTICA CONTROVÉRSIA
Por derradeiro, neste capítulo fora destinado à análise dos casos envolvendo multiplicidade dos recursos com a mesma fundamentação jurídica, com a apresentação dos procedimentos a serem adotados pelos Tribunais, bem como a questão do sobrestamento dos recursos interpostos com idêntica controvérsia até o julgamento pela Corte Superior.
3.1 Apresentação da Controvérsia e Seleção da Representação Adequada
O art. 543 – B, do CPC, assevera que havendo conflito de massa, que possa gerar múltiplos recursos a respeito da mesma controvérsia jurídica, a análise da repercussão geral será realizada nos termos do Regimento Interno do STF[89].
Mas vale destacar, que a nossa legislação processual apresenta algumas orientações de como deverá ser realizada a aferição da existência de relevância e transcendência nos conflitos de massa.
Neste sentido, o art. 543 – B, § 1º, do CPC[90], revela que nos conflitos de massa os Tribunais de origem escolherão um ou mais Recursos representativos da controvérsia e encaminharão ao Supremo Tribunal, sobrestando os demais até o julgamento definitivo da Corte. Cabe dizer, que o exame da repercussão geral se dará por amostragem[91].
Se a escolha não for realizada na origem, ela deve ser realizada pela Presidência do Supremo Tribunal Federal ou pelo relator do recurso, nos termos do art. 328, parágrafo único do RISTF[92].
Neste caso, será escolhido o recurso representativo da controvérsia, procedendo-se com a devolução dos recursos não selecionados e o sobrestamento do feito até a manifestação da Corte Superior sobre a existência da repercussão geral.
A doutrina nos ensina que “a representatividade do recurso extraordinário está na ótima exposição da questão constitucional, abordando-a eventualmente em tantas perspectivas argumentativas quantas forem possíveis” [93].
Assim, se um recurso não abordar toda a argumentação possível relacionada à controvérsia, é necessário que se envie dois ou mais recursos ao Supremo, a fim de que somada as razões dos recursos, alcance-se um panorama completo da questão constitucional discutida.
Os Tribunais de origem, ao efetuarem a escolha do recurso representativo da controvérsia que será remetido ao Supremo Tribunal Federal, devem dialogar de forma aberta e ampla, inclusive ofertando a participação das entidades de classe.
A seleção realizada pelo Tribunal a quo não o obriga a acatar o recurso de uma parte específica, fato que não gera para a parte o direito à escolha do seu recurso para remessa ao Supremo e aferição da existência da repercussão geral.
Destacados os recursos passiveis de adequada representação da controvérsia, os demais ficam paralisados até o pronunciamento da Corte Superior sobre a existência ou não da repercussão geral.
Se um recurso for paralisado de maneira equivocada, a solução está em requerer-se diretamente ao Tribunal de origem, por agravo regimental, a realização do juízo de admissibilidade e imediata remessa ao Supremo[94].
Nesse sentido, entende Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa que:
Da mesma forma que o recorrente pode se insurgir contra a retenção do recurso extraordinário apoiada no art. 542, § 3.º, ele também pode se voltar contra a decisão que sobresta seu recurso com base no art. 543-B, § 1.º (p. ex. por entender que seu recurso veicula matéria diversa da discutida nos recursos selecionados pelo tribunal local). Para tanto, ele pode lançar mão de pedido de medida cautelar, por meio de simples petição direcionada ao STF, ou de reclamação, que são os meios fungíveis[95].
Com a manutenção do sobrestamento, poderá a parte apresentar agravo ou reclamação constitucional contra a decisão. A Corte Superior, no entanto, vem se mantendo resistente a respeito da admissibilidade destes recursos, conforme pode se extrair da análise da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 760.358:
Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem[96].
Bem como, na Reclamação 7.569:
RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação[97].
A nossa Corte Superior entende que antes da apresentação de agravo regimental no Tribunal de origem é descabida a interposição de agravo e reclamação dirigidos diretamente a ela.
Entretanto, esgotada a jurisdição de origem com a interposição do agravo regimental no Tribunal a quo, o Supremo deve conhecer do agravo com a finalidade de distinguir os casos, servindo tal ideia para a reclamação.
Entendendo-se de modo contrário, corre-se o risco de se igualarem casos completamente distintos ao caso paradigma, ocasionando um evidente erro de procedimento, com usurpação da competência do STF para definição da repercussão geral.
3.2 Eficácia do Reconhecimento da Repercussão Geral
De acordo com o art. 543 – B, § 3º, do CPC, reconhecida a repercussão geral da questão debatida, e julgado o mérito do recurso, os expedientes paralisados poderão ser apreciados imediatamente pelo Tribunal de origem, pelas Turmas de Uniformização ou pelas Turmas Recursais[98].
Assim, os Tribunais poderão retratar-se de suas decisões, promovendo a adequação do decisum ao posicionamento adotado pela Corte Superior, ou ainda declará-los prejudicados, caso tenham sido manejados em desacordo com a decisão do Supremo, sendo um caso de negativa de provimento.
Havendo uma clara exposição das razões que levaram à tomada de certa decisão pelo Supremo Tribunal Federal para o julgamento de mérito de determina questão, haverá vinculação jurídica vertical, devendo os Tribunais seguirem a decisão do Supremo.
A Emenda Constitucional 3 de 1993, introduziu a ação declaratória de constitucionalidade e, consequentemente, consagrou o efeito vinculante. As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no exercício de sua jurisdição constitucional possuem efeito vinculante, que se desenvolveu contemporaneamente ao sistema de controle de constitucionalidade, com especial enfoque no controle concentrado e abstrato.
Posteriormente, a Corte Superior, com a evolução dos seus julgamentos, passou a atribuir efeito vinculante às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade, completando a sistemática da vinculação, quando da regulamentação da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Existem vários entendimentos doutrinários e até Tribunais de origem, que atribuem ao efeito vinculante um caráter de mitigação do livre convencimento do Magistrado, invadindo o exercício da função do Juiz. Apesar da existência de entendimento contrário, as pessoas que não concordam com a existência do efeito vinculante não podem se furtar da realidade e ignorar a sua existência, validade e eficácia[99].
O Supremo Tribunal Federal possui o entendimento de que o efeito vinculante não está restrito ao dispositivo da decisão, alcançando, também, os fundamentos determinantes da decisão.
Quanto à aplicação em si do efeito vinculante, o Ministro Celso de Mello na Reclamação 2.986/SE, assevera:
Na realidade, o caso versado nos presentes autos parece configurar hipótese de "violação ao conteúdo essencial" do acórdão consubstanciador do julgamento da referida ADI 2.868/PI, o que caracterizaria possível transgressão ao efeito transcendente dos fundamentos determinantes daquela decisão plenária emanada do Supremo Tribunal Federal, ainda que proferida em face de legislação estranha ao Estado de Sergipe, parte ora reclamante[100].
Ou seja, o efeito vinculante vai muito além do dispositivo da decisão, pois, na verdade, o que importa são as razões que levaram à tomada da decisão, quando se trata de matéria de vinculação. Neste sentido, é valido o esclarecimento do Ministro Gilmar Mendes no julgamento da Reclamação 1.987 “Vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também considerar os chamados ‘motivos determinantes’” [101].
Todos os esclarecimentos apresentados sobre o efeito vinculante se aplicam, sem qualquer margem a dúvidas, às ações de controle abstrato de constitucionalidade, quando o STF concentra os seus esforços na controvérsia constitucional e em seus efeitos, não existindo partes, lide, conflito de interesses, na defesa de interesses subjetivos de determinada pessoa[102].
Poderia se ter dúvidas quanto à aplicação do efeito vinculante nas ações de controle concreto, como, por exemplo, nas decisões proferidas em sede de recurso extraordinário. No entanto, firme é o posicionamento do STF pelo cabimento da aplicação do efeito.
Neste sentido, se manifestou o Ministro Celso de Mello, na Reclamação 2.986:
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, vem dando mostras de que o papel do recurso extraordinário na jurisdição constitucional está em processo de redefinição, de modo a conferir maior efetividade às decisões. Recordo a discussão que se travou na Medica Cautelar no RE 376.852, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (Plenário, por maioria, DJ 27.03.2003). Naquela ocasião, asseverou Sua Excelência o caráter objetivo que a evolução legislativa vem emprestando ao recurso extraordinário, como medida racionalizadora de efetiva prestação jurisdicional[103].
Por seu turno, não podemos deixar de apresentar o voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 376.852/SC, que assim se manifestou:
Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual ‘a função da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjectivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo’, dotado de uma ‘dupla função’, subjetiva e objetiva, ‘consistindo esta última em assegurar o Direito Constitucional objetivo’ (Peter Häberle, O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33 (49)). Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito americano[104].
Desta forma, vale destacar que são idênticos os procedimentos para a declaração de inconstitucionalidade nos modelos concreto e abstrato no STF, e assim, não existiriam razões para que fosse atribuído efeito vinculante a um e não ao outro.
A equiparação dos efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto marcou uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, pois as razões da decisão do Supremo Tribunal Federal passaram a possuir efeito vinculante, que é aplicado, inclusive, nos acórdãos dos recursos extraordinários[105].
Entretanto, se o STF tivesse decidido uma questão por inúmeras vezes, e mesmo assim as razões do julgamento permanecessem obscuras, qual procedimento deveria ser adotado?
Para estas situações, o art. 103 – A, da Constituição trás a solução, qual seja, a possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante, que terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, quando houver controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica[106].
Desta forma, quando a razão da decisão for clara, será absolutamente incabível a edição de súmula vinculante, mas quando a razão for complexa ou obscura, será plenamente possível a edição da súmula.
Caso o Tribunal de origem mantenha a decisão proferida em contrariedade à orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o recurso extraordinário tem de ser remetido à apreciação da Corte Superior, que poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão, de acordo com o art. 543 – B, § 4º do CPC, podendo ainda o relator se valer da atribuição prevista no art. 557, § 1º - A, do CPC e dar provimento ao recurso[107].
3.3 Eficácia do Não Reconhecimento da Repercussão Geral
De inicio, cabe destacar, que de acordo com o art. 543 – B, § 2º, do CPC, se for negada a existência de repercussão geral, todos os recursos sobrestados serão automaticamente inadmitidos[108].
E neste sentido, o STF já decidiu não ser necessário se aguardar o transito em julgado da decisão paradigma, para que o Tribunal de origem não admitida os demais recursos. Vejamos o Agravo de Instrumento 765.378:
RECURSO. Agravo. Regimental. Repercussão geral. Ausência. Normas infraconstitucionais. Aplicação do art. 543-A, § 5º do CPC. Agravo improvido. Ausente a repercussão geral, todos os recursos que versem sobre matéria idêntica devem ser indeferidos. Desnecessidade de se aguardar o trânsito em julgado do recurso paradigma[109].
O Tribunal de origem deverá noticiar em cada processo paralisado o julgamento do Supremo Tribunal e declarar que o recurso não será admitido. Tal atitude deve ser tomada em respeito ao principio da necessidade de motivação das decisões. Assim, o Tribunal deverá acostar ao processo cópia da decisão que decidiu pela inexistência de repercussão geral.
Ainda, neste norte, devemos destacar que não cabe ao Tribunal originário remeter ao STF recurso extraordinário com controvérsia já decidida pela Corte, pois está verticalmente vinculado à decisão.
Vale destacar que o recurso cabível pela inadequada aplicação de precedente pelo Tribunal de origem é o agravo regimental. Lembrando que é inadmissível, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, a interposição direta de agravo ou reclamação ao Tribunal Constitucional, e que estes só serão admitidos após o esgotamento de todos os meios na instância originária.