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A incolumidade moral do indiciado, em virtude do princípio constitucional da inocência presumida

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

4 DIREITOS E GARANTIAS DO INDIVÍDUO INVESTIGADO

No processo de investigação serão dadas ao homem, provável autor do fato delituoso, todas as garantias de preservação de sua liberdade, integridade física e moral, pelo Estado, guardião do indivíduo. Esse, é responsável por cada Ser social, devendo respeitá-lo e zelar por sua integridade, sem, no entanto, desobrigá-lo da pena que, por ventura, mereça.

A preocupação com a preservação do indivíduo iniciou-se com a divulgação das idéias Iluministas, que solidificou a idéia de valorização do homem como ser pleno, norteou a Revolução Francesa, principalmente quando da promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948, a qual continha a seguinte disposição: "Artigo 12. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação". Iniciava-se a busca pelo respeito aos direitos e garantias do homem, partindo-se de seu direito basilar, qual seja, sua liberdade, daí tentando influenciar as ideologias mais radicais, no sentido de que o Estado existe pelo Homem e para o Homem.

Portanto está o indiciado, "objeto" da investigação inquisitorial protegido pelo Estado, como anteriormente mencionado, inserido numa barreira invisível a ser respeitada por todos os que participam da inquisição, seja o Estado em sua persecutio criminis, sejam os operadores da mídia ou sejam os curioso ou mesmo os revoltosos.

A Constituição Federal brasileira de 1988 demonstra um grande número de dispositivos garantidores na atuação do aparelho repressivo, buscando com isto a adequação do processo penal aos valores democráticos que se firmaram no trabalho constituinte, na busca da redemocratização jurídico-formal brasileira.

Neste particular, o texto constitucional em seu artigo 5°, conseguiu reunir a maioria dos interesses individuais de liberdade e garantias fundamentais do ser humano. Podem ser citadas como exemplo, o tratamento digno, quando prevê no inciso III que: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". Na ânsia pela recepção dos princípios, explicitou o princípio da presunção da inocência, como também o devido processo legal, dando o tom característico de suas aspirações democráticas.

Assim, é importante a proteção das garantias individuais fundamentais do ser humano colocando-as em nível constitucional, pois a Legislação que as ofende, está em dissonância com a Carta Magna, possibilitando que o Estado-Juiz julgue-as inválidas.

4.1 GARANTIAS ASSEGURADAS A PESSOA HUMANA

Como enunciado no subitem anterior, as garantias do indiciado, confundem-se com as de todos os homens, pois sobre ele recai apenas uma desconfiança não configurando ainda uma acusação.

A afirmação do homem como pessoa portadora de valores éticos insuprimíveis, tais como a dignidade, a autonomia a liberdade, exigem uma constante vigilância em razão das constantes crises e guerras a que são submetidos os povos e nações.

A pessoa humana é considerada atualmente, como o mais eminente de todos os valores, porque constitui a fonte e a raiz de todos os demais valores. Em conseqüência, ela expressa a fonte e a base do direito, revelando-se critério essencial de legitimidade da ordem jurídica.

O seu valor é traduzido juridicamente pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que significa a objetivação em forma de proposição jurídica do valor da dignidade do homem e o respeito incondicional a esta.

Como fundamento jurídico, no âmbito universalista, deve ser reconhecida a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que preceitua em seu preâmbulo: "dignidade inerente a todos os membros da família humana". E no artigo 1°:." todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade"

Trazendo para o âmbito nacional, existe previsão de tal princípio na Constituição Federal de 1988 que proclama, no seu artigo primeiro, inciso III, que a República Federativa do Brasil, constituída em Estado democrático de direito, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Isso significa, que o respeito da dignidade da pessoa humana constitui um elemento imprescindível para a legitimação da atuação do Estado brasileiro.

O texto constitucional atual é a primeira constituição brasileira a reconhecer expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Tal princípio refere-se às exigências básicas do ser humano, no sentido de que, ao homem, sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a manutenção de uma existência digna, bem como, propiciar as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades. A sua proteção envolve tanto um aspecto de garantia negativa, no sentido de a pessoa humana não ser ofendida ou humilhada, quanto outro de afirmação do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.

A importância do princípio em tela revela-se por ser fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, pois é o valor que atribui unidade e coerência ao conjunto de tais direitos.

O rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1°, inciso III da mesma. Evidente, que não se trata de rol taxativo, sendo que possibilita a inserção de outros direitos, desde que implícitos na Constituição, decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratados internacionais. Assim sendo, deve-se considerar a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo de todo o ordenamento constitucional.

E, ainda, como determinante desses direitos, o princípio da dignidade da pessoa humana possibilita a referência a um sistema de direitos fundamentais, com isso, facilita-se a interpretação e aplicação desses direitos, pois reforça o entendimento de direitos em particular bem como favorece a articulação destes com os outros. Em conseqüência, consolida-se a força normativa dos direitos fundamentais e a sua magna proteção da pessoa.

4.2 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Os antecedentes históricos das declarações de direitos humanos fundamentais encontram-se, primeiramente, na Inglaterra, onde surgiu a Magna Charta Libertatum, outorgada por João Sem-Terra em 15 de junho de 1215, seguindo-se a Petition of Right, de 1628, O Habeas Corus Act, de 1679, o Bill of Right, de 1689, e o Act of Seattlemente, de 12 de junho de 1701.

Dentre os direitos dispostos podem ser citados, em síntese, na Magna Charta Libertatum, entre outras garantias, a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção, previsão do devido processo legal, livre acesso à Justiça, liberdade de locomoção e livre entrada e saída do país.

A Petition of Right, de 1628, previa, expressamente, entre outros, que nenhum homem livre ficasse sob prisão ou detido ilegalmente.

O Habeas Corus Act, de 1679, regulamentou esse instituto que, porém, já existia na common law. Previa que por meio de reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime, poderia, se estivesse preso, ser beneficiado com a concessão de habeas corpus, o qual seria imediatamente executado, e se afiançável, o indivíduo seria solto, durante a execução da providência, comprometendo-se a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente.

A Bill of Right, de 1689, significou enorme restrição ao poder estatal, prevendo, dentre outras regulamentações, o fortalecimento ao princípio da legalidade, ao impedir que o rei pudesse suspender leis ou a execução das leis sem o consentimento do Parlamento; a criação o direito de petição; e a vedação à aplicação de penas cruéis. Apesar do avanço em termos de declaração de direitos, ela negava a liberdade e igualdade religiosa.

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Act of Seattlemente, de 1701, basicamente, configurou-se em um ato normativo reafirmador do princípio da legalidade e da responsabilização política dos agentes públicos.

Após estes primeiros institutos surgiram diversas declarações que reconheceram outros direitos, ampliando o rol dos direitos fundamentais. Com isso, as Constituições formuladas em seguida reafirmaram e consolidaram conteúdo de tais direitos.

A consagração normativa dos direitos humanos fundamentais, porém coube à França, quando, em 1789, a Assembléia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos o Homem e do Cidadão, com 17 artigos. Dentre as inúmeras e importantíssima previsões, podem ser destacados os seguintes direitos humanos fundamentais: princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência; liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento.

Sobreveio em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como uma resposta de profundo conteúdo humanista às atrocidades cometidas durante a segunda Guerra Mundial. Na essência, é exaltação à vida, à liberdade e padrões consagrados de justiça, exatamente os itens que mais foram violados durante a guerra.

Sobre o conteúdo da Declaração em comento, o festejado Doutrinador Norberto Bobbio[10] em seu clássico "A Era dos Direitos" afirmou: "Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípio nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado". E, ainda: "A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas sua tábuas não foram gravadas e uma vez para sempre.Quero dizer, com isso, que a comunidade internacional se encontra hoje diante não só do problema de fornecer garantias válidas para aqueles direitos, mas também de aperfeiçoar continuamente o conteúdo da Declaração, articulando-o, especificando-o, atualizando-o, de modo a não deixá-lo cristalizar-se e enrijecer-se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias".

No Brasil, deste a Constituição Política do Império, jurada a 25 de março de 1824, foi estabelecido extenso rol de direitos humanos fundamentais.

Após descrever sucintamente o histórico dos direitos fundamentais, cumpre estabelecer seu conceito.

São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma Constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu próprio enunciado, uma vez que a Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicação imediata (CF, art. 5°, § 1°).

O Doutrinador Edmundo Oliveira[11] conceitua: "Na linguagem contemporânea, pode-se conceituar os Direitos Humanos como faculdades e possibilidades que decorrem da preservação da integridade, da dignidade, bem como das necessidades e condições inerentes à natureza humana para assegurar plena realização da personalidade no convívio social".

Tais garantias nasceram para impedir o absolutismo, protegendo o homem, e dando-lhe um valor prioritário. Afinal, o indivíduo, é anterior ao Estado. O Estado existe, pelo homem, para o homem, encontrando nele seu objetivo. Daí porque, ele deve estar organizado para preservar e garantir os direitos do ser humano.

Posteriormente surge uma nova visão destes direitos que, ao invés de uma postura negativa, exigem uma ação positiva do Estado ou a participação dos cidadãos na formação da vontade política do Estado.

Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um escudos da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna.

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.

A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, expressamente em seu artigo 29: "Toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, ser exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa, para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes a supressão e qualquer dos direitos e liberdades proclamados nessa Declaração".

Os critérios de solução de conflitos entre direitos fundamentais serão oportunamente analisados, para orientar a solução do confronto entre os direitos da personalidade e direito a informação.

4.3 DIREITOS DA PERSONALIDADE

O elenco de elementos individualizadores de uma pessoa compõem a sua personalidade, não sendo esta um direito do ser, mas um bem a ele inerente. Os direitos da personalidade são os meios e prerrogativas conferidas a um indivíduo, pelo ordenamento jurídico, para que ele possa dispor e gozar dos elementos de sua própria pessoa.

Os direitos da personalidade se ramificam, atendendo a cada interesse especificadamente. Para o estudo proposto, importa a parte que se refere à honra, à imagem e à intimidade.

A agressão realizada no transcorrer do Inquérito Policial, à imagem do suspeito, no contexto da investigação policial, deve ser limitada aos direitos e garantias, que se referem a este elemento da personalidade.

O direito à imagem inegavelmente faz parte da personalidade do Ser. Distintos, mas juntos a ela, estão muitas vezes os direitos à honra e à intimidade. Todos devidamente preservados pelos dispositivos legais em vigor, notoriamente na Constituição Federal, em seu artigo 5°.

A proteção constitucional consagrada no inciso X, do citado artigo, ampara a incolumidade da imagem das pessoas como um direito subjetivo autônomo da personalidade, abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas). No entanto o uso indevido da imagem de alguém, não é por si só, ofensa à sua honra ou ferimento à sua intimidade.

A intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, estudo etc. Pode ser definida como o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento pelos outros daquilo que somente se refere a ela.

A intimidade, é exigência moral da personalidade para que em determinadas situações seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa.

Com a proteção da intimidade, pretende-se assegurar uma parcela da personalidade que se reserva da indiscrição alheia para satisfazer exigências de isolamento moral do sujeito. Ao revés, com o direito à honra, procura-se preservar a personalidade de ofensas que a depreciem ou ataquem sua reputação.

No caso da investigação policial, não pode-se falar em ofensa à intimidade, posto que se está diante de um interesse público, salvo, os casos condenáveis de vingança particular dos agentes públicos nas perseguições privadas, que constituem abuso do poder estatal.

No restrito âmbito familiar, os direitos à intimidade e vida privada devem ser interpretados de uma forma mais ampla, levando-se em conta as delicadas, sentimentais e importantes relações familiares, cuidando para que não ocorra qualquer intromissão externa. Dessa forma, as intromissões na vida familiar não se justificam pelo interesse de obtenção de prova, pois, deve ser reconhecida a importância de uma vivência conjugal e familiar resguardando-a de restrições e intromissões.

É inegável, que durante a investigação de delitos de determinada espécie ocorre grande transtorno não só ao investigado, como para toda a sua família, que estará exposta perante toda a comunidade. Naturalmente, quando uma investigação recai sobre determinada pessoa gera uma desconfiança natural perante as pessoas que a cercam, então, ao se expor a família a gravame maior seria crueldade.

Por isso, deve ser garantido a todas as pessoas, especialmente ao indiciado, a intimidade sem a exposição de sua vida particular, quando o delito investigado em nada se referir a mesma.

Nesse sentido dispõe Peter Gilles[12]: "los procedimientos preliminares aún cuando en ellos los derechos personales y privados son puestos em peligro de una manera especial en los diferentes tipos de antejuicios (o fases preliminares) en el campo de la averiguación de personas privadas o en el campo de la investigación en manos de fiscales y de la policía..."

Em relação à honra, pode-se dizer que é atributo inerente a qualquer pessoa, sendo sua dignidade refletida na consideração dos outros e em seu sentimento próprio, ou seja, a honra é reputação que a pessoa disputa no meio social situada e a estimação que realiza de sua própria dignidade moral.

Ela pode ser irremediavelmente abalada, quando o uso indevido da imagem do suspeito macula sua boa fama. As acusações levianas ou precipitadas feitas muitas vezes pela mídia, no afã de fazer notícia, podem gerar incalculáveis prejuízos ao suspeito.

O autor Cessare Beccaria[13] em sua obra clássica "Dos Delitos e Das Penas" ao tratar desse tipo de abuso, escreve: "As injúrias pessoais, que são contra a honra, quer dizer, a essa exata parcela de estima que cada homem tem o direito de esperar de seus concidadãos, devem ser castigadas pela infâmia".

E, ainda[14] revela: "Tal honra, que muitos preferem à própria vida, apenas foi conhecida após os homens se reunirem em sociedade; não pode ser colocada no depósito comum. O sentimento que nos une à honra não é mais do que uma volta momentânea ao estado da natureza, um movimento que nos tira por um momento as leis cuja proteção é insuficiente em certos momentos."

Por isso, o Estado garante aos ofendidos, o direito de ressarcimento pecuniário, bem como a persecução criminal, cabendo esta, àquele, nos limites da sua atribuição, aspecto que será analisado em momento oportuno.

Converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública de caráter jornalístico em sua divulgação, revela clara contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, postulada no artigo 1°, inciso III da Carta Magna e com o direito à honra, à intimidade e à vida privada, dispostos no artigo 5°, inciso X.

A ofensa aos direitos da personalidade tomam maiores proporções quando a atuação negativa da autoridade policial, é somada a atuação dos meios de comunicação social, como jornais, revistas, rádio, etc.

Atualmente, face a enorme quantidade de informações emergentes, a mídia exerce função essencial à sociedade.

Muitas informações veiculadas por ela dizem respeito as ocorrências policiais, notoriamente aquelas que causam explosão emocional e firmam a opinião pública sobre as vertentes da sociedade criminalizada. Já foi denominada de "imprensa marrom", sendo assim definida a parte da mídia, que se preocupa em veicular notícias chocantes e escândalos, nessas matérias, não são raras, as apresentações de pessoas, seus nomes, imagens, vidas íntimas, daí repetidas vezes, que demonstram agressões aos direitos da personalidade.

Infere-se que, a mídia exerce um poder de ensinamento. Infelizmente a ideologia embutida em cada notícia, bem como o desrespeito aos direitos da personalidade, direitos estes, inerentes a cada pessoa, como a intimidade, a honra e a imagem, levam esse poder de ensinamento, a uma disfunção da mídia, pois passa para o resto da população, o entendimento, de que os suspeitos não têm direitos, pelo menos direito a preservar sua personalidade.

A pretexto de exercer a liberdade de imprensa, os operadores dos meios de comunicação, vão além dos direitos individuais das pessoas, e assim agindo causam muitas vezes danos aos suspeitos de práticas delituosas, dentre outros.

4.4 CONFLITO APARENTE COM O DIREITO À INFORMAÇÃO

Mesmo sendo a pessoa humana o centro dos valores normativos ou jurídicos, ela não deve ser vista como valor absoluto no sentido de prevalecer sempre sobre os outros em todas as circunstâncias. É necessário compatibilizá-la com outros valores sociais e políticos, encontrando o ponto de equilíbrio entre o indivíduo.

Assim, como foi anteriormente ventilado quando analisados os direitos humanos fundamentais, no exercício de tais direitos, é freqüente o choque entre os mesmos ou confronto desses direitos com outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente. Tal fenômeno é o que a doutrina tecnicamente designa de colisão de direitos fundamentais.

Haverá colisão entre os próprios direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental, por parte de um titular, colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular.

O Mestre Edilsom Pereira de Farias[15] esclarece, ao tratar do assunto em obra específica: "Sucede a colisão entre os direitos fundamentais e outros valores constitucionais, quando interesses individuais (tutelados por direitos fundamentais) se contrapõem a interesses da comunidade, reconhecidos também pela constituição, tais como: saúde pública, integridade territorial, família, patrimônio cultural, segurança pública e outros".

Verificada a existência de reserva da lei na constituição para pelo menos um dos direitos colidentes, o legislador poderá resolver a colisão de direitos fundamentais comprimindo o direito ou direitos restringíveis, estes sujeitos à reserva da lei, respeitando os limites das restrições.

Tratando-se de colisão entre sujeitos à reservas de lei, a solução se realiza pela ponderação dos bens envolvidos, visando a resolver a colisão através do sacrifício mínimo dos direitos discutidos. Nessa tarefa, pode se guiar pelos princípios da unidade da constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, dentre outros.

Além da proteção positiva, enquanto direitos em si mesmos, dispostos na Constituição Federal, no artigo 5°, inciso X, os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem estão protegidos, também de forma negativa pela Carta Magna de 1988.

No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação estão compreendidos tanto os atos de comunicar, quanto os de receber livremente informações corretas.

O direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos, independente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos.

A Declaração de Direitos do Bom Povo do Estado da Virgínia[16] em 12 de junho de 1776, preceituava em seu item XII: "Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos".

Entrando em conflito com a idéia original da liberdade de imprensa, a Constituição Federal vigente procurou restringir este direito dispondo no artigo 220: "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição", no parágrafo primeiro, salienta a observância, dos dispositivos previstos no artigo 5°, da mesma Carta, que são exatamente aqueles que regram a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Assim fica claro que, a mídia não pode ultrapassar os limites dos direitos da personalidade, sob pena de responsabilização do agente divulgador por danos materiais e morais (artigo 5° V e X da Constituição Federal).

O surgimento do artigo em comento, que implicou o relacionamento mútuo entre a liberdade de expressão e informação e os direitos da personalidade, revela importantes conseqüências para solução do choque entre aquela liberdade e esses direitos.

A relevância do tema, foi abordada pelo Doutrinador Fauzi Hassan Chouke[17]: "Aqui se corre o mesmo risco atrás apontado, o de cair no abismo entre um modo de vida e certos preceitos constitucionais que parecem relutar em sair do papel para determinados casos. Trata-se do cotejo entre os valores constitucionais da informação e da intimidade no caminhar da investigação. O tema é tormentoso e de discussão ainda distante, muito embora sua discussão entre nós não tenha ganhado a dimensão que deveria. Isto porque existe um confronto explícito entre uma parcela da mídia, que se alimenta da invasão no direito à intimidade do "indiciado" (a imprensa adora esta expressão, embora raramente saiba extrair seu conteúdo jurídico, que é praticamente nenhum), tudo em nome da "informação", sendo este último valor constitucional, tão importante quanto o primeiro".

Embora autorizado pelo texto constitucional para densificar os limites da liberdade de expressão e informação, a fim de prevenir eventuais confrontos com outros direitos fundamentais, o legislador pátrio não se preocupou em elaborar lei sobre a matéria, quer na esfera civil, quer na área penal, após a promulgação da Constituição Federal em vigor.

Sobre o conflito das normas postas escreve Tércio Sampaio Ferraz Júnior[18]: "A Lei n. 5250, de 09 de fevereiro de 1967 estabelece responsabilidade civil nos casos de calúnia e difamação se o fato imputado, ainda que verdadeiro, disser respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interesse público e a Lei n. 7232/84 – Lei de informática – protege o sigilo dos dados armazenados, processados e vinculados, que sejam do interesse da privacidade das pessoas (art. 2°, VIII)".

Os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem foram paulatinamente sendo inseridos como direitos subjetivos da personalidade, com eficácia prevalente no âmbito privado, para só mais tarde alcançar o estatus constitucional.

A liberdade de expressão e informação, uma vez que contribui para a orientação da opinião pública na sociedade democrática, é estimada como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para exercício de outros direitos fundamentais ou bens de estatura constitucional.

Considerando que a Constituição Federal de 1988 consagra os direitos da personalidade não apenas como limites externos à liberdade de expressão e informação, mas também os tutela como direitos fundamentais em si mesmos, quando esses direitos entram em conflito com a liberdade de expressão, se está diante uma colisão entre os próprios direitos fundamentais, cuja solução se revela um dos problemas nucleares a desafiar a dogmática sobre os direitos fundamentais.

Para a aplicação em concreto do critério da posição de preferência em abstrato da liberdade de expressão e informação, Edilsom Pereira de Farias[19] apresenta alguns critérios: "(1) o público (assuntos ou sujeitos públicos) deve ser separado do privado (assuntos ou sujeitos privados) essencialmente em razão da função social que a liberdade de expressão e informação desempenha na sociedade democrática: serviço da opinião pública livre e pluralista, do controle do Poder Público, do debate público. Assim, não há razão para valoração preferente da liberdade de expressão e informação, quando essa liberdade se referir ao âmbito inter privato dos assuntos ou sujeitos. (2) Examina o referido limite interno da veracidade que conforma a liberdade de expressão e informação, ou seja, a atitude diligente do comunicador no sentido de produzir uma notícia correta e honesta. Assim, a informação que revela manifesto desprezo pela verdade ou falsidade não tem preferência, uma vez que não cumpre a relevante função social confiada à liberdade de expressão e informação".

A proteção constitucional à informação é relativa, havendo necessidade de distinguir-se as informações de fatos de interesse público, da vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória e humilhante.

Pelo que foi sinteticamente exposto, não há, no caso que se propôs ao iniciar a pesquisa, prevalência da liberdade de expressão e informação, pois, utilizando-se dos critérios enunciados pelo Mestre Edilsom Pereira de Farias ao concluir sua profunda pesquisa sobre o tema, trata-se de direitos em âmbitos diversos, quais sejam, privado e público.

Sobre a autora
Raquel Costa de Souza

acadêmica da Faculdade de Direito de Curitiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Raquel Costa. A incolumidade moral do indiciado, em virtude do princípio constitucional da inocência presumida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2678. Acesso em: 19 nov. 2024.

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