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A torre de babel das novas adjetivações do dano

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Há adjetivações casuísticas de dano, gerando uma profusão de “novos danos”. Elas não representam um aumento de proteção à pessoa, bem como carecem de apuro técnico.

Resumo: O tema da responsabilidade civil tem sofrido distorções doutrinárias e jurisprudenciais, por uma compreensão equivocada do sistema de proteção da dignidade da pessoa humana. Apresenta- se criticamente o reconhecimento ou surgimento de novas modalidades de danos, propondo-se uma nova diretriz teórica sobre a matéria.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano. Dano Moral. Dano Estético.

Sumário: 1. Introdução - Por que falar em torre de babel? 2. Considerações gerais sobre o conceito de dignidade da pessoa humana. 3. A constitucionalização do direito civil e a valorização do conceito jurídico de dignidade da pessoa humana. 4. Reflexos da dignidade da pessoa humana na responsabilidade civil. 5. As novas adjetivações de dano. 6. O art. 5º, V da Constituição Federal e as espécies de dano. 6.1. Dicotomia básica: dano patrimonial/dano extrapatrimonial. 6.2. O dano moral. 6.3. O dano à imagem. 7. A torre de babel das novas adjetivações de dano. 7.1. Menções doutrinárias e jurisprudenciais de "novos danos". 7.1.1. Dano estético. 7.1.2. Dano psicológico. 7.1.3. Dano existencial. 7.1.4. Dano biológico. 7.1.5. Outras espécies de dano (ou até onde vai a criatividade humana). 7.2. Súmula 387 do STJ e a suposta autonomia das novas adjetivações de danos. 8. "Arrumando a casa": resgate do sentido do art. 5, V, da Constituição Federal. 9. Conclusões. Referências.


1. Introdução - Por que falar em torre de babel?

De acordo com o livro de Gênesis3, houve um determinado momento em que o povo queria construir uma torre para chegar aos céus. A fim de obstá-la, resolve Deus, então, confundir a língua dos homens. Desta forma, falando cada um uma língua diferente, não poderiam se entender e não seriam capazes de terminar o projeto...

Essa profusão de “línguas” desconexas é talvez uma metáfora adequada para o que hoje ocorre na seara dos danos na responsabilidade civil.

Com efeito, a classificação dos danos ocorre sem um critério pacífico. Doutrina e jurisprudência criam, dia a dia, “novos danos”.

Diante de tantas referências e adjetivações, a dificuldade de comunicação é evidente, revelando-se uma verdadeira torre de babel...

O objetivo do presente artigo é tentar colocar “ordem na casa”, identificando qual o critério de classificação dos danos, a fim de, desta forma, fazer com que impere uma mesma linguagem na doutrina e jurisprudência.

Para atingir tal desiderato, iniciar-se-á a análise das novas adjetivações de dano através do estudo da constitucionalização do direito civil e suas consequências na responsabilidade civil, haja vista que foi tal movimento que deu ensejo à ampliação qualitativa dos danos.

Em um segundo momento, o estudo vai se dirigir às espécies de dano previstas nas Constituição Federal e as “antigas adjetivações” de dano, para, em seguida, discutir algumas destas “novas adjetivações”, trazendo exemplos doutrinários e jurisprudenciais.

Após as referidas exemplificações, objetiva-se propor uma solução para o cenário atual, tentando demonstrar que a criação de inúmeros danos “novos” não é o melhor caminho a se seguir... E tentar-se-á indicar algum critério...

Enfrente-se, pois, tal desafio!


2. Considerações gerais sobre o conceito de dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, previsto no art. 1º, III, da CF/88. Dizer apenas isso, contudo, não traduz o que é, nem a importância de tal princípio para o ordenamento jurídico contemporâneo.

Ao discorrer sobre dignidade humana, é necessário, inicialmente, alertar que esta

não poderá ser conceituada de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, razão pela qual correto se afirmar que (também aqui) nos deparamos com um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento.4

Desta forma, defende-se que a dignidade, por ser característica inerente a todo o ser humano, não pode ser definida a priori, mas apenas quando se leva em consideração as peculiaridades, crenças, valores e vivências de cada indivíduo é que se pode aferir o que é ou não digno.

A sua noção jurídica, portanto, aproximar-se-ia de “um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca pela felicidade.”5

Assim como apenas o indivíduo é capaz de dizer o que lhe garante a felicidade, somente ele pode aferir o que promove a sua dignidade.

O que se quer demonstrar com a assertiva acima é que a dignidade só pode ter seu conteúdo preenchido levando em consideração as peculiaridades e idiossincrasias de cada indivíduo. Talvez por isso seja tão difícil conceituar dignidade, haja vista não comportar uma concepção fechada. Ao contrário, está sempre aberta às diversas matizes que se apresentam. Portanto, é necessário respeitar as diferenças de cada ser humano, para, levando em consideração suas características, poder concretizar a dignidade. Impor uma concepção de dignidade sobre outras pessoas é tentar “coisificá-las”, pois

a humanidade das pessoas reside no fato de serem elas racionais, dotadas de livre arbítrio e de capacidade para interagir com os outros e com a natureza, será desumano, isto é, contrário a dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa à condição de objeto.6

O que se pode afirmar, por certo, é que a dignidade da pessoa humana apresenta- se clausula geral de tutela e proteção da pessoa, fazendo com que todo o sistema jurídico se volte para sua promoção. Desta forma, qualquer ofensa à dignidade, em regra, merece represália jurídica, que se dá, normalmente, por meio da responsabilidade civil.


3. A constitucionalização do direito civil e a valorização do conceito jurídico de dignidade da pessoa humana

A constitucionalização do direito civil foi de extrema importância para a valorização do conceito jurídico de dignidade da pessoa humana. Em verdade, foi através do referido movimento que a dignidade passou a integrar o sistema jurídico privado, mudando, assim, suas bases.

A retirada do patrimônio do centro do direito civil, colocando a pessoa como valor supremo a ser protegido, ocasionou a sua repersonalização, decorrência direta da aplicação da clausula geral de proteção à dignidade humana no sistema jurídico privado.

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Pode-se afirmar que a constitucionalização é “o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional”.7

Assim, o referido processo traduz-se na irradiação da Constituição sobre o sistema privado, passando a ser o seu fundamento, emanando seus princípios, valores e regras nas relações privadas. Deixa, portanto, de ser o código civil a constituição do direito privado, como foi conhecido por muito tempo, haja vista que o referido diploma passa a estar subordinado à Constituição.

O que ocorre é uma mudança de perspectiva, como afirma EUGÊNIO FACCHINI NETO:

[...] de notável valor hermenêutico a constatação de que a migração de institutos e princípios do direito privado para o texto constitucional acarreta uma mudança de perspectiva, pois ‘de modo contrário ao Código Civil, que conserva valores da sociedade liberal do século XIX, a Constituição projeta e estimula a fundação de uma nova sociedade com suas normas programáticas’. 8

Pode-se afirmar, portanto, que o processo de constitucionalização significou uma mudança de centro do direito privado e, consequentemente, do direito civil, deixando o sistema de gravitar ao redor do código civil e seus ideais liberais, para agora gravitar ao redor dos ideais sociais da Constituição Federal.

Vale destacar, neste sentido, a lição de Jane Reis Gonçalves Pereira:

Se no século XIX o Código Civil desempenhara, em caráter exclusivo, a função de normatizar as relações jurídicas entre os indivíduos – ocupando, assim, posição central no sistema de fontes -, a partir do pós-guerra a Constituição passa a ser o elemento que confere unidade ao ordenamento jurídico, continente de valores e princípios que condicionam todos os ramos do Direito.9

O movimento de constitucionalização, portanto, permite que a Constituição Federal e, consequentemente, seus princípios e fundamentos, agora sejam a base do sistema privado, em especial, a dignidade da pessoa humana.


4. Reflexos da dignidade da pessoa humana na responsabilidade civil

Com a constitucionalização do Direito Civil, as normas constitucionais passaram a integrar e fundamentar todo o sistema privado.

Assim, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, consequentemente, passou a ser também fundamento das normas de direito civil.

O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo categórico kantiano, do ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que já havia ocorrido em outras partes. 10

A positivação da dignidade humana no art. 1o, III, da CF/88, mudou os paradigmas do ordenamento civil. Ao colocar em uma posição de destaque as situações existenciais, a dignidade subverte o sistema, que tinha o patrimônio como centro, promovendo a proteção da pessoa em seus diversos aspectos.

Pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é hoje “base valorativa de sustentação de toda e qualquer situação jurídica de Direito Privado.”11 Em síntese, toda norma deve ter como finalidade promover a dignidade da pessoa. Entende-se, portanto, que qualquer ofensa à dignidade merece uma resposta do Direito, ou seja, merece reparação.

Percebe-se, então, que a dignidade da pessoa humana cria uma ampliação na tutela da pessoa humana. A teoria da responsabilidade civil, antes voltada quase que em sua totalidade para a proteção de bens patrimoniais, depara-se com novos bens jurídicos merecedores de proteção, haja vista que a pessoa, em qualquer de seus âmbitos, deve ser protegida, a fim de se garantir a sua dignidade.

O fenômeno da constitucionalização do direito civil refletiu-se, portanto, também na responsabilidade civil, e de forma notável. Um novo universo de interesses merecedores de tutela veio dar margem, diante da sua violação, a dano que até então sequer eram considerados juridicamente como tais, tendo, de forma direta ou indireta, negada sua ressarcibilidade.12

Em razão da repersonalização do Direito Civil, a pessoa passa a ser o centro do sistema e qualquer ato que ofenda seus direitos da personalidade passam a ser alvo da responsabilidade civil, merecendo a mesma proteção outrora concedida aos bens patrimoniais. Desta forma, pode-se afirmar que

A consagração da dignidade humana como valor fundamental nas constituições do último século, associada à aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas, veio exigir com força irresistível a ressarcibilidade, até então discutida, do dano patrimonial.13

Com o surgimento (ou reconhecimento) de novos interesses jurídico a ser protegido, quais sejam, os extrapatrimoniais, passam a existir “novos” bens jurídicos merecedores de tutela, por consequência, começam a aparecer os chamados “novos danos”, que seriam supostamente os danos a esses novos bens reflexos da dignidade humana.

Pode-se afirmar com segurança, portanto, que a dignidade da pessoa humana influenciou a responsabilidade civil de tal maneira que não seria exagero qualificá-la como “topos subversivo da responsabilidade civil.” 14

Ratificando o ora afirmado, é válido destacar a lição de MARIA CELINA BODIN DE MORAES:

O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente, gerou no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável. Tal extensão, neste âmbito, desdobrou-se em dois efeitos principais: de um lado, no expressivo aumento das hipóteses de dano ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora tida como um dos aspectos nucleares do instituto.15

Em suma, o que se quer demonstrar é que todo o movimento de constitucionalização do direito civil, que veio a dar ensejo à repersonalização do Código Civil, ao voltar os olhos dos civilistas para o princípio fundamental da dignidade humana, ocasionou uma mudança de paradigma na responsabilidade civil. Antes individualista e patrimonialista, estando mais preocupada em punir o ofensor, com o direito civil-constitucional promove-se a dignidade humana como bem principal, decorrendo disso uma mudança de foco na responsabilidade civil, que passa a enaltecer os interesses existenciais e busca proteger o ofendido, não permitindo que sua dignidade fique sem reparação, ampliando, assim, as hipóteses de danos ressarcíveis.

5. As novas adjetivações de dano

Conforme foi demonstrado acima, a dignidade da pessoa humana causou uma ampliação dos bens jurídicos merecedores de tutela e, consequentemente, das hipóteses de danos passíveis de ressarcimento. A responsabilidade civil volta-se não só à reparação dos danos de ordem patrimonial, mas também aos de ordem extrapatrimonial.

A elevação do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento de todo o ordenamento jurídico brasileiro acabou gerando uma

expansão qualitativa, na medida em que novos interesses, sobretudo de natureza existencial e coletiva, passam a ser considerados pelos tribunais como merecedores de tutela, consubstanciando-se a sua violação em novos danos ressarcíveis.16

Em face dessa nova conjuntura, por serem reconhecidos novos interesses merecedores de tutela, começam a surgir “novos danos”.

Todavia, o que é válido ressaltar, desde já, é que nem todos eles são, efetivamente, novos.

No afã de proteger a dignidade humana em todos os seus aspectos a jurisprudência passa por um processo de adjetivação de danos. Ou seja, como não se pode tipificar todos os âmbitos da cláusula geral de proteção à dignidade, os tribunais passam a qualificar essas ofensas de acordo com o tipo de conduta ensejadora do dano, surgindo assim “novos danos” a todo o momento.

A jurisprudência fala hoje em dia de dano estético, dano sexual, dano de férias arruinadas, dano-morte, entre outros...

O cerne problemático é que a dignidade da pessoa humana é multifacetada, revelando-se por meio de incontáveis âmbitos da personalidade, não podendo, portanto, limitar- se a um rol taxativo de danos. Desta forma, a fim de protegê-la em sua completude a doutrina e a jurisprudência vêm criando novos tipos de dano para cada ofensa a um dos aspectos da personalidade. A cada nova conduta danosa dirigida à dignidade surge uma nova espécie de dano, como se tal expediente fosse sinônimo de maior proteção. Com todo o respeito, não parece ser esta a forma mais técnica de se tratar o problema. É o que se busca demonstrar neste trabalho.


6. O art. 5º, V da Constituição Federal e as espécies de dano

Estabelece o art. 5o, V, da Constituição Federal: É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização material, moral e à imagem.

Percebe-se que a CF/88 elegeu três espécies de dano, o dano material, o dano moral e o dano à imagem, reconhecendo autonomia a eles, pois, se assim não o fosse, desarrazoada seria a distinção feita pelo legislador constitucional.

Pode-se afirmar então que, com base no dispositivo legal citado, o nosso sistema jurídico reconhece a autonomia de três (e apenas três) espécies de dano. Aos quais se passa agora a tecer breves comentários.

6.1. Dicotomia básica: dano patrimonial/dano extrapatrimonial

Antes de iniciar o presente tópico necessário se faz um alerta. Utilizar-se-á a distinção dano patrimonial/dano extrapatrimonial ao invés da dicotomia dano material/dano moral, mais comum na doutrina, pois se entende estar inserido dentro do conceito de dano extrapatrimonial não apenas o dano moral, como também o dano à imagem. Colocar o dano à imagem fora da dicotomia ora proposta é entendê-lo como um dano sui generis, nem patrimonial, nem extrapatrimonial, o que não parece correto.

A grande dicotomia existente na classificação do dano certamente é aquela que distingue dano patrimonial de dano extrapatrimonial.

Entende-se que o dano patrimonial é aquele que ofende bens ou interesses que podem ser quantificados monetariamente, ou seja, que se traduzem em algum valor em dinheiro, como seria, por exemplo, o dano ocorrido em um carro.

O dano patrimonial se divide em dano emergente e lucros cessantes. O dano emergente corresponde ao efetivo prejuízo suportado pelo ofendido, podendo ser facilmente quantificado através de uma simples conta matemática (subtrai-se o valor do bem antes do evento danoso pelo valor após o referido evento, a diferença é o montante a ser reparado).

Os lucros cessantes, por sua vez, representam aquilo que o ofendido deixou de ganhar. É o exemplo que alguém que abalroa o veículo de um taxista, terá que pagar, além do dano emergente (o valor referente ao conserto do carro), também o lucro cessante, que seria o valor médio de quanto aquele taxista deixou de ganhar enquanto o seu veículo se encontrava na oficina.

Já o dano extrapatrimonial pode ser conceituado como aquele que ofende bens ou valores desprovidos de correspondência pecuniária, não podendo ser traduzidos em dinheiro. É o caso da ofensa à honra, à vida, à privacidade, à imagem, entre outros.

Com a previsão da dignidade da pessoa humana como fundamento da República do Brasil o dano extrapatrimonial ganhou destaque no sistema jurídico. A pessoa agora deve ser protegida não apenas em seus reflexos patrimoniais, mas também, e principalmente, em seus aspectos existenciais. Atento a isso o legislador, no art 5o, V, da CF/88 positiva a proteção aos bens extrapatrimoniais do indivíduo.

Segundo o legislador constitucional a pessoa deve ter reparada quaisquer danos materiais, morais ou à imagem. Ou seja, a pessoa merece proteção em seu aspecto patrimonial e extrapatrimonial. Assim, em atenção ao que dispõe o art. 5o, V, da CF/88, dividir-se-á o dano extrapatrimonial em dano moral e dano à imagem.

6.2. O dano moral

O dano moral é a violação da dignidade da pessoa humana em qualquer de seus aspectos, seria a ofensa à clausula geral de tutela da pessoa humana. Neste sentido é também o entendimento de MARIA CELINA BODIN DE MORAES:

O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade, que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado com o princípio geral de respeito à dignidade humana).17

Desta forma, qualquer conduta que venha a ofender a pessoa em sua condição humana dá ensejo a uma reparação de ordem moral. Não há necessidade de que a lesão seja dirigida a um direito subjetivo específico.

Neste sentido, é interessante notar que a concepção de que dano moral seria o sofrimento suportado pelo ofendido se mostra equivocada. Sofrimento não é causa de dano moral, mas consequência não essencial, decorrente (ou não) da ofensa a algum direito da personalidade. SÉRGIO CAVALIERI FILHO leciona de maneira cristalina acerca do assunto:

Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüências, e não causa. Assim, como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.18

Assim, tanto pode existir dano moral sem sofrimento, como sofrimento sem dano moral. Exemplifica-se o primeiro caso com base nos atos de inscrição do nome de um sujeito nos órgãos de proteção ao crédito, que muitas vezes não traz nenhuma espécie de dor ou vexame para aquele que teve seu nome “negativado” e ainda assim se reconhece o direito à indenização a título de danos morais. Contudo, talvez o melhor exemplo de que dano moral não tem uma relação de necessariedade com o sofrimento é o reconhecimento pacífico de que pessoa jurídica pode sofrer dano moral.19

Por outro lado, também pode haver sofrimento sem ofensa a algum direito da personalidade, seria o caso da morte de um filho por causas naturais, não existe dor maior, contudo, ainda assim os genitores não farão jus a nenhuma reparação moral.

Conclui-se, portanto, que o dano moral é a ofensa à clausula geral de proteção à dignidade da pessoa em qualquer de seus âmbitos.

6.3. O dano à imagem

Inicialmente, é imperioso destacar que a imagem é um direito da personalidade. Sendo assim, poder-se-ia afirmar que a ofensa à imagem seria dano moral, haja vista que, conforme doutrina majoritária20, qualquer ato atentatório a um direito da personalidade gera um dano moral. Contudo, em que pese ser a imagem também direito da personalidade, o legislador constitucional resolveu dar destaque ao dano dirigido contra ela, não se sabe ao certo o porquê de tal destaque, talvez em razão da grande relevância que a imagem vem ganhando devido ao avanço dos meios de comunicação, colocando a imagem no patamar de direito da personalidade mais “comercializado” ou talvez em razão de suas peculiaridades. Independentemente dos motivos, em razão de o art. 5º, V, da CF/88 ter distinguido o dano à imagem do dano moral, garantindo autonomia àquele, opta-se, no presente trabalho, tratá-lo da mesma forma.

A imagem é “um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social”.21 Ou seja, seria o atributo físico e moral que compõe e individualiza cada pessoa. Baseado neste conceito pode-se entender a imagem sob dois aspectos: imagem-retrato e imagem-atributo.

A imagem-retrato é o aspecto físico da pessoa, numa explicação quase tautológica, é o retrato da pessoa, ou seja, seus traços físicos que a distinguem dos outros, como, por exemplo, a cor dos olhos, o cabelo, o sorriso, entre outros. A imagem-atributo, por sua vez, é o arcabouço moral da pessoa, a maneira como a sociedade o vê.

Assim, qualquer dano perpetrado contra a imagem do indivíduo, em qualquer de seus aspectos deve ser reparado. O uso indevido da imagem gerará uma indenização de pode ser a título patrimonial ou extrapatrimonial, a depender do caso concreto.

Em que pese ser a imagem um atributo extrapatrimonial (direito da personalidade) sua ofensa pode dar ensejo a um dano patrimonial. Seria o exemplo de uma modelo que tem suas fotos publicadas sem sua autorização. Contudo, não se pode confundir os reflexos patrimoniais da imagem com a imagem em si, pois, mesmo que se possa aferir monetariamente quanto vale o uso da foto de uma modelo em uma determinada campanha publicitária, nunca se conseguirá traduzir em dinheiro o quanto vale sua imagem. Ou seja, não se pode confundir a cessão de uso da imagem, que gera efeitos patrimoniais, com o direito da personalidade, de cunho extrapatrimonial.

Percebe-se, portanto, que o uso indevido da imagem de alguém gera dano e deve ser reparado e que, independentemente dos reflexos patrimoniais que possam advir dessa conduta danosa.

Sobre os autores
Rodolfo Pamplona Filho

juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Luiz Carlos Vilas Boas Andrade Júnior

Advogado. Professor da Faculdade de Direito da UFBA - Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Civil da Universidade Salvador – UNIFACS. eProfessor da graduação e pós-graduação da Unifacs - Universidade Salvador e da Faculdade de Tecnologia e Ciências em Salvador/BA. Mestre em Direito das Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ANDRADE JÚNIOR, Luiz Carlos Vilas Boas. A torre de babel das novas adjetivações do dano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3891, 25 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26780. Acesso em: 22 nov. 2024.

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