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A redução da menoridade penal é um caminho a ser seguido hoje?

Agenda 26/02/2014 às 11:24

O debate da menoridade não tem saído dos meios de discussão. Entretanto, a verdadeira questão não é diminuir ou aumentar a idade penal, neste momento histórico, e sim como reestruturar uma sociedade que vai perdendo os seus jovens.

O debate da menoridade não tem saído dos meios de discussão (sejam eles jurídicos ou incentivados pela mídia). Entretanto, a verdadeira questão não é diminuir ou aumentar a idade penal, neste momento histórico, e sim como reestruturar uma sociedade que vai perdendo os seus jovens.  Esta questão é muito mais complexa de responder, e talvez não se queira que seja ela realmente tratada com seriedade, pois denunciaria a omissão e a inatividade do Estado, ou quem sabe uma co-culpabilidade das políticas públicas atuais. Ora, antes de buscar exemplos normativos de países estrangeiros, é evidentemente necessário deflagrar que o Brasil está longe, e muito longe, de uma sociedade estruturada, o que, por si só, inviabiliza pretender usar exemplos importados de outras legislações de condições sociais diversas. Em outras palavras, o Brasil vive um cenário político e social próprio, e, assim, necessita pensar e refletir sua legislação deste ponto real.

Por outro lado, colocar um fazer objetivo (diminuir a idade penal) – que pode ser empreendido de forma ágil e imediata – é muito mais atraente que colocações genéricas e amplas do “esse não é o caminho”. E, aqui, reside o problema da crítica penal frente aos movimentos simbólicos. Não bastam somente bandeiras de educação e saúde, a complexidade vivida atualmente exige muito mais e para um prazo muito longo, e atitudes de “lei e ordem” soam como necessárias neste cenário (fabricado pela corrupção e interesses privados).

Realmente, existe uma violência gerada por menores, e sempre existiu, assim como existe uma violência gerada por maiores de idade. Em ambos os casos, não existe uma solução jurídica viável integralmente. Ou seja, reduzir a menor idade somente desloca o menor infrator para a condição de adulto infrator, sem que nada efetivamente esteja sendo resolvido: o fato criminoso ainda existe, e a solução a ser dada ao criminoso, em ambos os casos, está falindo no Brasil. Sendo que para um adulto o peso do Estado deveria ser um, e para o menor deveria ser adequado proporcionalmente a sua condição e idade.

Mas qual é a solução? Algumas sugestões estão sendo diuturnamente defendidas, entre elas: retirar do direito penal o dever maior de resolver e combater a criminalidade; uma denúncia massiva do descaso e da corrupção públicas, com concretas punições e afastamento de cargos públicos; um real controle do uso do dinheiro e das vagas de serviços públicos; uma política de restrição à desigualdade social e abuso econômico, que retiram do cidadão seu poder de decisão e o obrigam a viver pela sobrevivência; construir condições e estruturas para o desenvolvimento do homem em nível superior ao da simples sobrevivência e cesta básica; controlar os descaso do sistema penal e a arcaica condição do judiciário, por exemplo, sua morosidade abusiva; uma estruturação das polícias estaduais, como as que têm sido evidenciadas em níveis federais; enfim, alguns exemplos.

Em pormenores, o simples debate da redução da idade penal possui mais interesse de cunho simbólico do que concreto. Em verdade, o Brasil vem se profissionalizando no uso do direito penal e da legislação em geral como forma de se dissuadir das obrigações constitucionais: 'Já fizemos a Lei, o que mais querem?'. Antes de alterar a Constituição Federal sobre a idade penal, o ideal seria atentar para muitas outras cláusulas dirigentes e estruturantes da sociedade e, daí sim, vencida as etapas fundamentais, colocar em discussão qual a menoridade penal para o Brasil.

Trata-se de um assunto que vem sendo estudado em muitos países, conforme se visualiza abaixo.

"O discurso do sistema de controle e dos órgãos de mass-media justifica a privação de liberdade do adolescente porque o considera responsável por parte relevante da grande criminalidade; entretanto, pesquisas internacionais não autorizam esse ponto de vista: quantitativamente, registros criminais anuais indicam que menores de 14-18 anos responderiam somente por 4,5% da criminalidade (para menores de 6 a 21 anos, a taxa cairia para 3,5%); qualitativamente, a criminalidade atribuída a menores é ainda menos dramática: 2/3 das infrações penais de menores é constituída de delitos de bagatela (furto simples, dano, lesão leve, etc.), restando somente 1/3 para delitos violentos, como homicídio, lesão grave e roubo." (JUAREZ CIRINO DOS SANTOS no texto “O adolescente infrator e os direitos humanos”, do Instituto de Criminologia e Política Criminal).

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Defende-se, porém, que o Brasil discuta suas próprias políticas, baseadas em dados especificamente brasileiros.

Partindo da Constituição Federal do Brasil, de 1988, esta faz constar em seu artigo 228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, mesmo que sujeitos às normas da legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente). Assim, mesmo que não possam cometer crime, estes agentes podem ser responsabilizados pelos atos infracionais que praticarem (leia-se crime e contravenção penal). No entanto, ao invés de penas como a prisão, sofrem medidas de proteção genéricas (art. 98 do ECA) e específicas (art. 101 do ECA), e, para adolescentes, medidas socioeducativas (art. 112 do ECA).

O que isto quer dizer? Algo muito mais complexo do que vem sendo debatido. Em poucas palavras, o menor de 18 anos não caminha impune e à margem da lei. Sofre o menor de idade medidas de castigo e ressocialização, em um dizer mais simples, inclusive de recolhimento cautelar, com prazos de até três anos. Somente para ilustrar, alguém que seja maior de idade, condenado (após todo o processo penal) pelo crime de homicídio a uma pena de 6 (seis) anos, talvez não fique tanto tempo recolhido a um presídio, quanto um menor internado cautelarmente (antes de um processo) nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Figueiredo Dias apresenta que os fundamentos da inimputabilidade em razão da idade é decorrência objetiva de um agente que não atingiu, em virtude da idade, sua maturidade psíquica e espiritual. Adverte o autor que “[...] todas as concepções esbarrarão com grande dificuldade em compreender inteiramente este fundamento a partir do pensamento da culpa [...]”[1], no entanto, conclui que a colocação desta barreira etária (12, 14, 16, 18 anos, etc.) instransponível pelo julgador, corresponde a “[...] um princípio de humanidade que deve caracterizar todo o direito penal de um Estado de direito material.”[2]

A imputabilidade é a plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade, ou seja, é a capacidade de entender e querer o resultado previsto como crime em lei. Assim, aqueles que conseguem entender e controlar seus atos para um agir ou não agir típico e ilícito são, também, culpáveis/imputáveis. O agente compreende a ilicitude do fato e atua conforme esta compreensão.

"A imputabilidade é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a capacidade genérica de entender e querer, ou seja, de entendimento da antijuridicidade de seu comportamento e de autogoverno, que tem o maior de 18 anos."[3]

O artigo 27 do Código Penal prevê que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, estando em conformidade com a norma constitucional. Condição imutável até atingir a referida maioridade, e que, assim, difere da vida civil, na qual o menor tem a possibilidade de alcançar sua emancipação (art. 5, §único, do Código Civil) antes de ver completos os dezoitos anos.

"Alardeia-se pela mídia, sem dados, a criminalidade do menor de dezoito anos, dentro de uma visão tacanha da 'lei e da ordem', que de má ou boa-fé crê resolver a questão da criminalidade com repressão penal, como se por um passe de mágica a imputabilidade aos dezesseis anos viesse a reduzir comodamente, sem políticas sociais, a criminalidade."[4]

Por fim, a decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ao rejeitar a proposta das mudanças de regras sobre a idade penal mínima (PEC 33/2012), mesmo que tenha sido com votos por sua viabilidade, assegurou um marco material previsto na Constituição Federal, em que pese não trazer à discussão os verdadeiros discursos que devem ser debatidos (quais são eles?). Saliento, não é a questão de defender uma impunidade, mas de buscar vias reais – e não simbólicas – para a redução da criminalidade e estruturação de uma sociedade que está ‘sendo perdida’ para o descaso e interesses não Constitucionais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais: a doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais; Portugal: Coimbra Editora, 2007. 5v.

FRAGOSO, H. C. Lições de direito penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. Rio de janeiro: Forense, 2009.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.


Notas

[1]    DIAS, 2007, p. 595.

[2]   Ibid.

[3]   FRAGOSO, 1981, p. 202.

[4]  REALE JÚNIOR, 2009, p. 211.

Sobre o autor
Frederico Cattani

* Sócio da Frederico Cattani Advocacia, que atua com foco no Direito Penal Econômico e Crimes Financeiros * Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS (Porto Alegre, RS) * Especialista em Direito Empresarial pela FSG (Caxias do Sul, RS) * Professor de Graduação e Pós-Graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CATTANI, Frederico. A redução da menoridade penal é um caminho a ser seguido hoje?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3892, 26 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26791. Acesso em: 22 nov. 2024.

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