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Uma maioria sob medida...

Agenda 28/02/2014 às 09:24

O julgamento dos recursos dos réus do Mensalão no STF virou um canhestro espetáculo midiático.

Antes de ontem vimos mais uma daquelas ridículas altercações provocadas por Joaquim Barbosa no plenário do STF. Inconformado com o voto do Ministro Barroso ele cobriu seu colega de ofensas dizendo, inclusive que ele estava "politizando o julgamento" do Mensalão. Apesar da saraivada de ofensas proferidas contra ele em um tom de voz elevado, o Ministro Barroso manteve a calma e a dignidade exigidas pelo cargo que ocupa. Ao contrário de alguns de seus colegas, ele não alimentou o conflito diante das câmeras de TV ao dar entrevista após o fim do sessão. 

Reflefinto sobre o incidente, o jornalista Luis Nassif afirmou que:

"Não se tratava de jornalistas tentando expor as manipulações de um processo eminentemente político, mas de um dos mais respeitados juristas do país desnudando a manobra de seus pares, alguns atuando politicamente, outros deixando-se levar para não se expor ao achincalhe da mídia.

Chamou a atenção a  inacreditável falta de percepção da Ministra Carmen Lúcia. Seu aparte a Barroso lembrou alguns quadros de programas humorísticos visando rebaixar as mulheres. A troco de quê Barroso calculou como seriam as penas, sem os agravantes da formação de quadrilha, se ele votou pela não aceitação do crime de quadrilha, indagou ela.

Apenas confirma o despreparo que tem marcado seus votos em casos menos polêmicos, como os de deficientes. E comprova que a falta de cuidados de Lula, com o STF, não se restringiu às nomeações de Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e do inacreditável Luiz Fux.

A enorme tranquilidade e elegância de Barroso, enfrentando as barbaridades de Joaquim Barbosa, mostram mais uma vez que os verdadeiramente corajosos não são os que berram, mas os que se escudam na força das suas convicções." http://jornalggn.com.br/noticia/o-dia-em-que-o-supremo-comecou-a-purgar-os-crimes-da-sua-politizacao#comment-234067

A abordagem feita por Nassif é válida, mas é preciso fazer uma observação importante. O Direito é um fenômeno sócio-histórico-político. As escolhas Políticas feitas no passado se converteram nas Leis que devem balizar os julgamentos feitos no presente. Nesse sentido, todo julgamento técnico é necessariamente Político, pois ao se ajustar corretamente à Lei aos fatos toda decisão judicial se ajusta, também, às escolhas Políticas feitas no passado pela sociedade e por seus órgãos legislativos.

É um erro comum acreditar que o Direito é ou pode ser isento. O Direito não é e nunca será isento, pois as Leis são fruto das escolhas conscientes feitas por homens movidos por interesses, crenças e paixões. A isenção que se exige do Juiz é em relação as partes e em relação ao objeto da demanda, mas não em relação a Política. Afinal, ao fazer cumprir a Lei o Juiz também profere, de certa maneira, uma decisão Política.

Há que se fazer aqui uma distinção entre Política e partido político. O partido é uma organização com propostas, programas e objetivos específicos e necessariamente parciais. A Política convertida em Lei é o resultado da interação e do conflito entre os diversos partidos. Onde a Lei começa deve findar o partidarismo, mas não foi isto o que ocorreu no caso do Mensalão. 

De fato ficou bastante evidente para quem acompanhou o julgamento do Mensalão que o STF havia proferido não uma decisão Política e sim uma infame decisão partidarizada e sob influência da mídia. Vem daí a necessidade da crítica e da reforma do erro que foi cometido. O voto vitorioso do Ministro Barroso começou a desfazer o erro ao reconhecer que o crime de "formação de quadrilha ou bando" ou não ocorreu ou está prescrito.

Na minha modesta maneira de encarar a questão, o Ministro Barroso rePolitizou o julgamento do Mensalão destruindo seu infame caráter partidário. Ele faz o que já deveria ter sido feito desde o princípio. Tanto pior para os Ministros que foram vencidos e que terão que dormir com o pesadelo de terem proferido decisões eviadas de "...soluções arbitrárias e voluntaristas..." como disse o Ministro Teori Zavascki ao proferir seu voto.

Ao acusar seu colega de estar "politizando o julgamento" Joaquim Barbosa não percebeu o duplo equívoco que cometeu. Além de tomar a núvem por Juno ele demonstrou claramente que não tem uma profunda compreensão do que é o Direito dando prova em tape de que lhe falta o notório saber para ocupar uma cadeira no STF. Aos evidentes males da espetacularização do julgamento do Mensalão soma-se ao menos uma virtude: a de expor a péssima formação humanística e jurídica de alguns Ministros da Corte. Mas não se enganem, os piores Ministros do STF representam as piores vicissitudes da sociedade brasileira. Portanto, sem eles o STF estaria incompleto. Nossa grande tarefa não deve ser apenas reformar um Tribunal. Há uma sociedade inteira que precisa urgentemente ser reformada. 

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Ontem ao proferir seu voto vencido Joaquim Barbosa confirmou não ter qualquer vocação para ocupar um cargo na cúpula do Judiciário.  Além de depreciar de maneira cruel os votos de seus colegas de STF, qualificando de pífios argumentos que foram solidamente apoiados na doutrina e na jurisprudencia oriunda da própria Corte que preside, JB disse que o novo resultado do julgamento ocorreu porque “foi formada aqui uma maioria sob medida”.

O STF é um Tribunal colegiado e seus Ministros são investidos na forma da Constituição Federal.  Ao dizer que novo resultado do julgamento ocorreu por causa de uma “maioria sob medida” o Presidente do STF questionou a composição do Tribunal, lançando dúvidas sobre a forma como outros Ministros foram investidos nos seus cargos. Curiosamente, o Presidente do STF não apontou como lhe competia quais Ministros foram investidos de maneira irregular e os respectivos vícios constitucionais de suas nomeações.

JB levantou uma questão grave e relevante que acarretaria a nulidade do julgamento proferido ontem. Portanto, ele deveria ir às últimas consequencias quer porque Preside o Tribunal, quer porque ele também é um guardião da Constituição Federal que teria sido violada ao se permitir que Ministros do STF irregularmente empossados proferissem votos durante o julgamento. Mas não foi isto o que ocorreu. Ele fez seu discurso e se retirou após proclamar o resultado do julgamento.

O plenário do STF não é um palanque político. As acusações que ali se fazem não podem ser apenas retóricas. Não só isto. Aquele que levianamente questionar a validade da investidura de Ministros do STF durante um julgamento deve responder pelo abuso. In casu o ofensor teria cometido não só um atentado contra a dignidade dos seus colegas de toga, mas conspurcado temerariamente a imagem pública da própria instituição que integra. Os cidadãos jurisdicionados não dão e nunca darão crédito ou importância a um Tribunal colegiado cujas decisões são proferidas por "uma maioria sob medida”.

Desde tempos imemoriais os estudiosos do discurso consideram que existem basicamente duas modalidades discursivas: a apologia e o elogio. A apologia é o discurso de convencimento, aquele cujo conteúdo é definido menos pelas crenças profundas e pessoais de seu autor e mais por necessidades lhe impostas pela platéia a qual se destina a mensagem. O elogio, ao contrário, tem seu conteúdo definido pelo próprio autor e seu uso ocorre quando ele pretende comunicar o que considera bom, belo e justo. Os advogados e políticos usam a primeira modalidade do discurso. Os filósofos e os magistrados podem e devem utilizar a segunda modalidade discursiva, pois deles se espera que comuniquem o que intimamente julgam ser verdadeiro ou o que consideram justo.

Ao dizer que “foi formada aqui uma maioria sob medida” Joaquim Barbosa colocou em dúvida a validade ou justiça da decisão proferida pela maioria STF. No fundo, ele tentou convencer a platéia que a sua decisão era mais justa e, portanto, deveria prevalecer à decisão dos seus pares. Ocorre, porém, que em se tratando de um Tribunal colegiado a decisão mais justa é sempre aquela proferida pela maioria, nunca por um ou mais votos vencidos. Não há e não deve haver qualquer distinção qualitativa entre os Ministros do STF. Isto, porém, parece incomodar JB, que fez a apologia da própria posição como se ela tivesse mais valor e dignidade do que as dos demais Ministros da Corte.

O inadequado caráter apologético do voto de JB fica ainda mais claro nesta frase proferida por ele em plenário “Esta é uma tarde triste para este pleno do STF, porque com argumentos pífios foi reformada, foi, como eu disse, jogada por terra, extirpada do mundo jurídico uma decisão plenária sólida, bem fundamentada...” . Ao contrário do que disse o presidente do STF, a melhor justiça é aquela que a maioria do Tribunal fez ao julgar os recursos dos réus. É para isto que os recursos existem, justamente para devolver ao Tribunal o conhecimento das matérias impugnadas permitindo, assim, que as mesmas sejam novamente julgadas. Válida, eficaz e justa é a nova decisão e não aquela que havia sido anteriormente proferida. Além disto, ao contrário do que a frase de JB sugere, não existe decisão imutável antes de seu trânsito em julgado. Pífio, portanto, foi o argumento apologético usado pelo presidente do STF para tentar transformar em imutável uma decisão que ele mesmo deveria saber que estava sujeita a modificação em plenário naquela oportunidade.

É preocupante a maneira como JB se dirigiu aos seus pares, desqualificando suas investiduras ou mandatos. Mais preocupante ainda é a sua incapacidade de se resignar diante de um fato corriqueiro: a possibilidade de derrota durante votação num Tribunal colegiado. JB parece acreditar que suas razões são melhores, mais dignas, mais justas e mais válidas do que as dos seus pares. Sua crença esbarra, todavia, nos limites da Constituição Federal que ele é obrigado a cumprir e fazer cumprir.

Escrevo com pesar estas palavras duras contra JB. Estive entre aqueles que o defendeu quando ele foi cruelmente ofendido por Gilmar Mendes no plenário do STF. Nos últimos dois dias, entretanto, notei que, após ser empossado na presidência da Corte, JB passou a reproduzir os mesmos vícios que seu antigo adversário. O cargo, ao que parece, inflamou seu ego produzindo aquela cegueira temerária de que falam alguns mitos antigos. Mas isto é assunto para uma outra e longa discussão.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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