1. Plano de Investigação
O instituto do dolus generalis é debatido desde longa data pela doutrina jurídico-penal. Para KRUG, “o dolus generalis é dirigido diretamente à lesão, embora não a uma lesão determinada, mas apenas ao conceito geral de lesão, que compreende a lesão fatal em si mesma”[1], asseverando que, sob certa perspectiva, o dolo geral também é eventual, uma vez que se dirige ao evento principal apenas de modo mediato e indeterminado[2].
A denominação dolus generalis popularizou-se ao longo dos anos como uma solução para uma série de hipóteses bastante assemelhadas e que se desdobram em dois atos: em um primeiro momento ou ato, o autor, de modo equivocado, acredita ter consumado o crime que pretendia cometer. Em verdade, contudo, não logrou realizá-lo. Em um segundo ato, o autor, em erro, pratica conduta destinada a encobrir o primeiro ato. A título exemplificativo, poder-se-ia aduzir o caso do agente que pretende matar alguém com uma arma de fogo. O autor atira e a vítima cai, desmaiada. O tiro não foi fatal. Pode ter sido em uma região não letal ou pode não ter atingido o ofendido, que desmaiou de susto. Convencido de que a vítima já está morta, o autor do crime a enterra, e ela morre asfixiada em razão do soterramento. Consoante compendia OFENBRÜGGEN, em seu “Casuistik des Criminalrechts”, é possível vislumbrar casos dessa estirpe na jurisprudência alemã já em 1795 e em 1819. Consoante repositório jurisprudencial, em 15 de dezembro de 1795 houve um caso em que os peritos atestam que a morte de determinada vítima resultara da concorrência de dois fatores: em primeiro lugar uma grave concussão causada por golpes na cabeça da vítima, gerando acumulação e congestão do sangue na cabeça. No entanto, segundo a análise dos peritos as mencionadas feridas na cabeça não foram absolutamente letais (An und für sich seien die am Kopfe befindlichen Wunden nicht absolute lethal gewesen), uma vez que um estrangulamento posterior se mostrou como causa suficiente (hinlängliche Ursache) para o evento morte[3].
A despeito de continuar a ser mencionada em muitos manuais, conforme se verá, a doutrina do dolo geral foi, hoje, substituída pela ideia de desvios causais relevantes ou irrelevantes. A rigor, as hipóteses fáticas que envolvem o objeto de perquirição comportam soluções distintas: parte da doutrina vê um homicídio consumado; outro setor enxerga uma tentativa de homicídio, possivelmente em concurso com um homicídio culposo. Além dessas duas principais posições, existem também outras análises peculiares. O presente trabalho busca analisar as diversas nuanças dos problemas, ainda que não de forma exaustiva, mas descartará uma solução com base no plano do autor, pelos motivos que manifestará em tópico ulterior.
2. Dolo geral e desvios causais
A doutrina do dolo geral resolve a questão de modo a estender o dolo de homicídio do primeiro ao segundo ato. Nas palavras de KÜHL:
O conceito ‘dolus generalis’ designa uma constelação especial, sem a qual ele (o conceito) mesmo já indica a resposta (cometimento doloso e consumado do delito por causa da existência de um ‘dolus generalis’). (...) O BGH e a opinião majoritária que lhe segue sustentam um evento de dois atos para um homicídio doloso consumado no sentido do § 212, apesar de o autor ter iniciado a verdadeira ação de homicídio sem o dolo de matar. O fundamento é refinado: a ação decisiva é a primeira ação iniciada com dolo de matar; sem essa ação não haveria a segunda ação letal. A primeira ação é, assim, mediatamente causal para a morte; que essa primeira ação foi, por meio da segunda ação, apenas um efeito imediato, deve ser tido como um desvio não essencial do curso causal real que o autor representou. Figurativamente falando, o autor fez de si mesmo, inconscientemente, uma ferramenta para alcançar o resultado.[4]
A rigor, a doutrina do dolo geral, embora ainda mencionada em manuais, tornou-se ultrapassada, uma vez que, como assevera Juarez Cirino dos Santos, “a ausência de dolo (de homicídio) no segundo fato não é suprível pela extensão do dolo de homicídio do primeiro fato”[5]. A própria nomenclatura “dolus generalis” é hoje considerada inexata[6].O argumento hodierno para a manutenção da resposta do homicídio consumado repousa nos chamados desvios causais essenciais ou não essenciais[7]. Se o desvio causal é relevante, isto significa que não haverá uma imputação por homicídio consumado. A relevância ou irrelevância do curso causal é, contudo, um assunto ainda controvertido. A rigor, poder-se-ia apontar dois grupos principais de solução: a) os que defendem a existência de um homicídio consumado e b) os que defendem a existência de uma tentativa de homicídio em concurso com um homicídio culposo. Não obstante esta divisão preliminar existem fundamentações distintas e bastante específicas conforme o critério adotado para aferir a relevância do desvio do curso causal.
Eis a posição de WELZEL sobre o tema:
O problema consiste em saber se duas ações diferentes existem com dois diferentes dolos; portanto, um homicídio doloso, que apenas alcança a fase de tentativa, e subsequentemente a ocultação da vítima supostamente morta, na qual se põe, quando muito, um homicídio culposo. Ou saber se um evento homogêneo (homicídio secreto) existe, o qual também é ainda abrangido na segunda parte pelo dolo de homicídio. A última consideração está mais próxima do correto: a ocultação da vítima é apenas um ato parcial dependente da ação total dirigida pelo homicídio secreto: portanto, homicídio doloso[8]. (tradução livre do autor)
ROXIN, por seu turno, rejeita as opiniões que enxergam uma tentativa de homicídio, invariavelmente, como solução do problema. Isto porque rejeita, igualmente, a ideia de que o dolo precisa estar presente durante todo o fato. Ao revés, segundo o celebrado penalista, o dolo só precisa estar presente “no instante em que o sujeito larga de mão o curso causal”[9]. Assevera este autor que “no caso do dolus generalis imputa-se ao autor a morte da vítima como consequência adequada de sua primeira ação abrangida pelo dolo de matar; e isso também é suficiente para a imputação do dolo enquanto o resultado continuar a ser representado como realização do plano do autor”[10].
ROXIN recorda, ainda, que à luz da teoria do plano do autor, a decisão pelo delito consumado ou pela tentativa depende de um ponto crucial: “se a decisão da segunda ação foi tomada desde o início ou somente no desfecho do primeiro ato”[11]. Destarte, “apenas quando a vontade de eliminação da vítima só foi tomada depois do suposto homicídio, haverá, segundo esta teoria, um homicídio tentado em concurso com um homicídio culposo”[12]. Assim, em geral, consoante informa ROXIN, atua-se com dolo direto, isto é, o autor já planeja o primeiro e segundo atos, de modo que o desvio causal será irrelevante, sendo o autor punido pelo delito consumado. Solução diversa haveria, apenas, no caso de o autor agir com dolo eventual, sem a decisão predeterminada da ocultação posterior[13].
Apesar disso, ROXIN, acertadamente, assevera que tais “princípios da experiência são refutáveis no caso concreto, e, por isso, conduz ao erro deixar o critério nas mãos do ponto temporal da decisão de eliminação do cadáver; pois nem a previsibilidade do segundo ato depende, em geral, de se o primeiro ato já estava planejado, nem o segundo ato se representa meramente como realização do perigo criado por meio do primeiro ato quando ele estava planejado desde o início”[14].
Em resposta às considerações de ROXIN, é digna de nota a contribuição de SANCINETTI, para quem o argumento meramente intuitivo em favor do homicídio consumado não pode vingar. Assevera o autor que “a resposta não pode repousar no fato de que a intuição mais difundida considera isto necessário: uma moral da sorte é uma moral repreensível”, de modo que “quando nenhum argumento se pronuncia a favor, a intuição tem de se retirar da argumentação”[15].JAKOBS assinala que “não se trata de um caso de erro quando o autor consoante um já suposto resultado – por causa de grande certeza -, mais uma vez, dolosamente, interfere sobre a vítima”[16]. A rigor, segundo o jurista alemão, “o resultado não é dolosamente imputável quando o risco do primeiro ato for substituído por um novo risco criado através do segundo ato: o risco dolosamente criado não se realiza, e o risco realizado será criado de forma não dolosa”[17].Recusa ainda este autor a solução baseada no concurso real entre tentativa e delito culposo, uma vez que esta resposta ignora a circunstância de que o risco do segundo ato traduz mera modificação ou suplementação, sem deslocar o risco do primeiro ato.[18] Conforme a opinião de ZAFFARONI, é preciso “sempre estabelecer-se a essencialidade ou não essencialidade da discórdia do sucedido a respeito do planejado conforme o plano concreto do fato, ou seja, segundo o grau de concreção do dolo no plano. As únicas concreções do plano não relevantes para determinar a essencialidade da disparidade do acontecido no mundo são as que tenham por objeto obter a impunidade do fato, porque sua inclusão importaria uma invariável garantia de benignidade, no caso de fracasso parcial de seu plano criminal”[19].
2.1A teoria da relevância dos desvios causas com base no critério do plano do autor à luz do ordenamento brasileiro.
No que tange à aplicação das teses acerca dos desvios causais com base no plano do autor, reputo que tais contribuições são incompatíveis não só com o vigente ordenamento jurídico-penal brasileiro, bem como equivocadas segundo uma dogmática bem fundada.
Em primeiro lugar, o Código Penal brasileiro não faz nenhuma menção ao plano do autor. O código penal alemão, ao revés, adota expressamente o plano do autor como critério para definir o início da execução. Trata-se da chamada teoria objetiva individual. O plano do autor está claro na redação, pois o legislador faz menção à representação do autor, a saber: “Tenta um fato punível quem, segundo sua representação do fato, se posiciona imediatamente para realização do tipo (Eine Straftat versucht, wer nach seiner Vorstellung von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt)”[20]. Juarez Cirino dos Santos reforça esta clara menção ao dizer que a teoria objetiva individual “exprime o conceito legal de tentativa do Código Penal alemão” e que tal teoria apresenta duas dimensões, dentre as quais “a dimensão subjetiva da estrutura do conceito de tentativa constituída pela representação do fato (ou plano do autor)”[21].
De modo oposto, a redação do código brasileiro adota uma teoria objetiva da tentativa, sem qualquer carga de subjetivismo, o que torna a adoção do argumento com base no plano do autor, desde logo, incompatível sob um ponto de vista jurídico-positivo.Tampouco historicamente a adoção do plano do autor releva para a definição legal de tentativa[22]. Ressalve-se, contudo, a mudança de paradigmas caso o projeto Sarney para um novo Código Penal seja aprovado sem alterações quanto ao instituto da tentativa[23].
Ainda que se busque forçar uma interpretação subjetiva para a redação do art. 14, II do CP, segundo a qual o crime resta tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, as repercussões seriam inaceitáveis. Pois, neste caso, ter-se-ia de punir, por exemplo, o agressor que invade a casa de sua vítima durante a madrugada e lhe desfere dezenas de facadas, sem saber que, a rigor, a vítima já estava morta horas atrás em função de um infarto do miocárdio. Tal solução é refratária à inteligência do art. 17, CP[24].
Frise-se, porém, que, conforme já adiantado, o anteprojeto Sarney para um novo código penal adota uma subjetivização do início da execução, semelhante ao disposto no código penal alemão, o que permitiria uma interpretação diferente. Apesar disto, o anteprojeto repete a redação do atual art. 17, CP, o que gera uma incongruência: a aferição do começo da tentativa por meio de um critério que salienta o plano do autor e, por outro lado, a aferição do crime impossível por meio da atual perspectiva objetivista.
Não obstante tal incompatibilidade legal, caso ainda se queira decidir a relevância do desvio causal com base na representação ou no plano do autor, a resposta que opta tão somente pelo homicídio consumado, no caso citado no início deste escrito, não é coerente. Em primeiro lugar, se o importante é verificar o plano do autor, então seria coerente puni-lo pelo homicídio consumado e pela ocultação de cadáver. E por quê? Se o plano do autor era matar e depois ocultar o cadáver, muito embora a morte não tenha acontecido no primeiro ato, o autor a representa como certa e, posteriormente, dá prosseguimento ao resto de seu plano. Logo, se o plano do autor é o critério eleito para resolver a questão, só é coerente imputar ao autor os crimes de homicídio e de ocultação de cadáver. Eleger o plano do autor como critério para a solução deste grupo de problemas significa dizer que o intérprete deverá, sob pena de uma solução ad hoc, considerar somente o plano da representação do autor, isto é, aquilo que é representado como real pelo autor é o que deve valer para fins de imputação. A decisão pela imputação do homicídio doloso consumado no caso de dolo direto, isto é, de a decisão acerca da ocultação já estar tomada não percebe uma incongruência: ao mesmo tempo que se deseja tomar como critério para o homicídio algo que está na representação ou plano do autor (a prévia decisão pela ocultação), toma-se o segundo ato ou parte do fato à luz da realidade (o enterro da vítima enquanto ela ainda está viva). Por que esta posição toma, em princípio, por critério algo subjetivo e, depois, apoia-se numa base objetiva, não é algo que tenha sido explicado com coerência pelos defensores desta resposta.As incongruências não cessam neste ponto, contudo. Como segunda objeção, poder-se-ia indagar: por que tomar como critério para afirmar a irrelevância do desvio causal algo que, a rigor, é por si só impunível? O fato de o autor já ter ou não se decidido pela ocultação não apresenta nenhuma pertinência em relação à imputação do resultado. O que o autor planeja ou representa é um mero desvalor subjetivo da conduta. Além disto, sob a perspectiva da vítima e da lesão do bem jurídico, não há qualquer diferença relevante entre a agressão ter sido perpetrada com dolo direto ou eventual. Constata-se, destarte, que a aplicação coerente do critério do plano do autor exige que o intérprete não se afaste deste plano quando da análise dos fatos. Mais do que isto, impõe que se considere a parcela de realidade representada pelo autor quando da prática dos fatos. A resposta coerente à luz dessas considerações só poderia levar à punição por homicídio consumado em concurso com a ocultação de cadáver. Ademais, é preciso salientar que mesmo se abandonássemos o plano do autor como critério para imputar ou não o homicídio consumado nesta hipótese, o segundo ato seria impunível, uma vez que se a vítima não estava morta, mas viva, impossível será o crime de ocultação de cadáver. Ainda que levássemos o argumento ao extremo e admitíssemos que não se trata de tentativa inidônea, tampouco seria punível a conduta, uma vez que não existe ocultação de cadáver a título de culpa. A depender do grau de verossimilhança da suposta morte, também não haveria de se falar em crime culposo.
A afirmativa segundo a qual deverá existir um homicídio consumado se o autor, já de antemão, planejava ocultar o corpo de uma maneira específica, não convence. Isto porque essa estratégia só passa a ser penalmente relevante no momento em que ela é levada a cabo. Contudo, no momento em que ela é levada a cabo, na realidade, não existe cadáver, mas alguém, isto é, um ser vivente. Ademais, para corroborar o já dito, o intérprete não pode seccionar o plano do autor e contentar-se com o fato de que o autor queria matar de qualquer modo e, de fato, a morte ocorreu. Ao fazer isto, o intérprete foge, deliberadamente ou não, do próprio critério eleito: se é imperiosa a vinculação ao plano do autor, igualmente imperioso é guiar-se totalmente de acordo com este plano, e isso inclui o modo e etapas de execução deste à luz da parcela dos acontecimentos representada pelo autor como sendo real. Por isto, conforme parece a este trabalho, com respeito às opiniões divergentes, o critério do plano do autor deveria levar à punição por homicídio doloso e ocultação de cadáver em concurso material.
Uma terceira objeção concerne ao conceito de dolo. Com as devidas vênias à opinião de ROXIN no sentido de que o dolo não precisa acompanhar todo o fato, isto parece equivocado. O dolo não se liga apenas à ação de execução do delito, mas também ao modo de execução e ao resultado. Deve, ainda, estar presente durante toda evolução do fato típico, englobando os elementos do tipo. Tal é demonstrado em vários pontos da dogmática penal. A presença do dolo quanto ao modo de execução é relevante, por exemplo, para a determinação da continuidade delitiva; releva, igualmente, para aferição da tentativa inidônea, uma vez que a eleição de um modo de execução absolutamente inidôneo não ensejará conduta típica. Também a presença do dolo ao longo da execução se faz importante no instituto da desistência voluntária. Na distinção entre dolo eventual e culpa consciente, por outro lado, o conhecimento e vontade dirigidos ao resultado são de imprescindível verificação. Para a configuração do dolo eventual é preciso não apenas a vontade de realizar uma ação perigosa ao bem jurídico, como também a assunção ou conformação do risco de um resultado superveniente representado como possível ou provável.
Indubitavelmente, a solução que ignora a ausência de dolo na segunda parte do fenômeno e opta pelo homicídio consumado sempre, seja em razão da aplicação da tese do dolo geral, seja em razão do plano do autor (como critério à determinação da irrelevância do curso causal) aumentam o horizonte de imputação de modo a violar frontalmente a proposição segundo a qual o dolo deve abranger toda a extensão da ação. Isto porque não se pode imputar deliberada e inadvertidamente tudo o que ocorre depois da ação pelo mero fato de que, afinal, o plano do autor era matar a vítima e isso aconteceu. Tal significa imputar um fato com base apenas na causação, ignorando, conforme será visto ulteriormente, critérios essenciais de imputação do resultado, dispensando ao autor a mera condição de objeto causador do evento, ainda que de maneira cega e divorciada do dolo naquele instante[25].
Ademais, “a consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva”[26]. No momento do segundo ato, não existe dolo de homicídio, pois o autor já representa a vítima como sendo morta, isto é, como um cadáver. O dolo deste segundo ato só pode ser um dolo de ocultar um cadáver. No entanto, como (ainda) não existe qualquer dispositivo na legislação penal brasileira que obrigue o aplicador do direito a adotar um critério baseado no plano do autor, não há tampouco como punir o autor por ocultação de cadáver, visto que cadáver, na realidade, não havia. Logo, partindo-se de um critério concretista ou realista, com adeptos de peso na doutrina, a resposta mais adequada seria a punição do autor por tentativa de homicídio em concurso com um homicídio culposo, se for o caso deste último.
Veja-se, por exemplo, KÜHL:
Apesar do refinamento do fundamento, a adoção de um delito doloso consumado não convence plenamente. O autor, por meio do primeiro ato, não realiza seu dolo de matar, isto é, ele está preso na tentativa (§§ 212, 22, 23). No caso da segunda ação, ele se encontrava em um erro sobre as circunstâncias de fato, porque ele pensava ter um cadáver em frente de si (= Não conhecimento a respeito do requerido objeto de ação ‘homem’), de modo que a ele, por meio da segunda ação, a morte causada na melhor das hipóteses pode ser atribuída como homicídio culposo (§ 16 I 2: § 222)[27]. (tradução livre do autor)
Como quarta objeção, resta sempre presente a imensa dificuldade de se demonstrar (provar, e não simplesmente presumir) o conteúdo do plano do autor no que diz respeito à atuação deste com dolo direto ou eventual. Em muitos casos, tal não será possível. Neste particular, é relevante o trabalho de KHADER[28], que de forma pontual indica o quão intrincada é a questão da prova do dolo e como este aspecto tem sido menosprezado, uma vez que, a rigor, pretende-se chegar à ‘prova’ do dolo por meio de presunções mais ou menos elaboradas. Tais posturas, porém, não só possuem a inconveniência de confundir alegações ou presunções com demonstração, mas também a de procurar ‘provar’ o subjetivo por meio de circunstâncias externas, não raro, facilmente manipuláveis e arbitrariamente interpretadas. Afora isto, tais presunções são incompatíveis com a aplicação do favor rei em sua manifestação mais conhecida como ‘in dúbio pro reo’. Não se pretende, com isto, nesta sede, emitir juízos definitivos acerca da dificílima questão da prova do dolo. Apenas se pretende apontar mais uma das dificuldades da solução criticada nesta sede. Como quinta objeção, a ser melhor desenvolvida em tópico ulterior, é de se ressaltar que a imputação da tentativa ou do crime consumado é uma questão de imputação objetiva do resultado. A definição pelo dolo direto ou eventual é matéria de imputação subjetiva que, a rigor, não releva para a afirmação ou não do resultado como obra imputável ao autor.