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Regime jurídico do tombamento

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

7. Natureza jurídica do tombamento

É considerada por Diogo de Figueiredo modalidade de intervenção ordinatória, que segundo Hely Lopes Meirelles se dá por procedimento administrativo vinculado que conduz ao ato final de inscrição do bem num dos livros de tombo, procedimento este em que se dá ampla defesa ao proprietário do bem a ser tombado.

Segundo Maria Zanella Di Pietro22, o tombamento é um ato discricionário que não se enquadra nem como servidão administrativa, nem como limitação administrativa à propriedade. Este não enquadramento em nenhum destes dois institutos é apoiado por Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti, que conclui por defender que o tombamento é um instituto de natureza híbrida, por comparecer tanto como limitação, como servidão administrativa23.

Os que defendem que se trata de um ato vinculado, arrimam-se na alegação de que tendo a Constituição Federal colocado os bens do patrimônio histórico e artístico nacional sob a proteção do Poder Público, a autoridade competente para inscrição no Livro de Tombo passa a dever fazê-la quando o parecer do órgão técnico reconhecer o valor cultural do bem para fins de proteção. Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti se orienta neste sentido, pois o valor especial (histórico, artístico, paisagístico, científico, cultural ou ambiental) do bem tombado deve ser declarado, "e o processo de tombamento é vinculado, cabendo apreciação pelo Judiciário da sua existência, não ficando limitado o exame aos aspectos formais do processo"24.

Segundo Di Pietro, trata-se na verdade de um ato discricionário, pois os consectários da opinião acima não percebem que o patrimônio cultural não é o único bem cuja proteção compete ao Estado, até porque em caso de dois valores em conflito, a Administração Pública terá que preferir pelo zelo da conservação daquele que de forma mais intensa afete os interesses da coletividade, apreciação esta que é feita no momento da decisão. Assim, se não há qualquer interesse público impedindo o tombamento, ele deve ser feito.

De qualquer modo, segundo ela, a recusa, se ocorrer, deve ser motivada, para que não se configure arbítrio ao arrepio da Constituição, no que tutela os bens de interesse público.

Para José Cretella Júnior, é uma ato administrativo, discricionário e constitutivo25.


8. Natureza jurídica do bem tombado

Há muitas teorias a respeito, que serão explicadas detalhadamente abaixo.

Em função da falta de convencimento quanto aos argumentos colocados pelos consectários de cada corrente, Maria Zanella Di Pietro prefere considerar o tombamento, por conseguinte, uma categoria própria.

Servidão administrativa

No que toca ao enquadramento como servidão administrativa ou limitação administrativa, a doutrina é divergente pois Celso Antônio Bandeira de Mello (in RDP 9:55), Ruy Cirne Lima (in RDP 5:26) e Adilson de Abreu Dallari (in RDP 59:50) entendem que o tombamento é uma modalidade de servidão administrativa, sob a alegação de que incide sobre imóvel determinado, ocasionando ao seu proprietário ônus maior do que o sofrido pelos demais membros da coletividade, o que não ocorre na limitação administrativa.

A crítica que Di Pietro faz a este posicionamento é que apesar de seus seguidores defenderem que se trata de servidão, não se afigura, como tal, o tombamento, pelo fato de neste instituto não haver coisa dominante, além do mais o tombamento não é restrição imposta em benefício da coisa afetada a fim público ou de serviço público, mas, ao contrário, visa a satisfação de um interesse público genérico e abstrato, que é o patrimônio histórico e artístico nacional.

Outra crítica interponível é que, segundo José dos Santos Carvalho Filho26, o tombamento não é direito real.

O tombamento se assemelha à servidão pelo fato de individualizar o imóvel, mas dela se distingue pela ausência da coisa dominante, que é a essência da servidão.

Limitação administrativa

O tombamento se assemelha à limitação administrativa por ser imposto por interesse público, entretanto dela se distingue por individualizar o imóvel.

Quanto ao conflito doutrinário diante do fato de o tombamento se configurar como limitação ou servidão, José Maria Pinheiro Madeira adota a postura de que é limitação por um lado e servidão por outro lado. É limitação na medida em que seus efeitos se projetam diretamente sobre os direitos de propriedade. É servidão na medida em que consiste em ônus real imposto pelo Poder Público precisamente sobre o bem.

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Domínio Eminente do Estado

Este entendimento se arrima na percepção de Hely Lopes Meirelles de que o poder regulatório do Estado se estende também a coisas e locais de interesse público, e não só a seu domínio patrimonial.

Bem cultural como bem imaterial

Gianini defende que o bem cultural "atinge a coisa como testemunho material de civilização, sobrepondo-se ao bem patrimonial que impregna a mesma coisa, não influindo o regime de propriedade (direito privado ou público) sobre os traços essenciais do bem cultural como objeto autônomo de tutela jurídica"27.

Propriedade com função social

Como assinala Gianini, há grande corrente doutrinária que concebe o bem material como "forma positiva de funcionalização social da propriedade pública ou privada"28.

Bem de interesse público

Segundo Sandulli (citado por Leme Machado), este enquadramento é arrimado no particular regime de polícia de intervenção e de tutela pública.

Bem tombado de propriedade pública

O bem público tombado tem como peculiaridades:

O fundamento disto é que quando se trata de bem privado, além de alienável, obviamente não há livre acesso pela população.


9. Tombamento Internacional

Preferi tratar à parte este sub-item pelo fato de ao contrário do que o nome indica, o que ele significa não se enquadra no conceito técnico-jurídico de tombamento, pois este é ato de soberania do país. Na verdade é apenas uma maneira de auxiliar países dotados de bens considerados pertinentes ao patrimônio mundial da humanidade a conservá-los.


10. Competências tratadas na Constituição do Estado de Pernambuco

"Art. 5º. Parágrafo Único - E competência comum do Estado e dos Municípios:

(...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos, e conservar o patrimônio publico;

(...) ".

"Art. 67. § 2º - São funções institucionais do Ministério Publico:

(...)

II - promover o inquérito civil e a ação civil Pública para a proteção do patrimônio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, como os do consumidor e os relativos ao ambiente de trabalho, coibindo o abuso de autoridade ou do poder Econômico;

(...) ".

"Art. 78. - Compete aos Municípios:

(...)

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;

(...) ".

"Art. 197. (...)

§ 2º - O Poder Publico protegerá, em sua integridade e desenvolvimento, as manifestações de cultura popular, de origem africana e de outros grupos participantes do processo da civilização brasileira.

(...)

§ 5º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na formada lei".

"Art. 199. - Para a concreta aplicação, aprofundamento e democratização dos direitos culturais consagrados na Constituição da República, o Poder Publico observara os seguintes preceitos:

(...)

XIII - participação das entidades representativas da produção cultural em conselhos de cultura, conselhos editoriais, comissões julgadoras de concursos, salões e eventos afins".

"Art. 209. - A Política Estadual de Meio Ambiente tem por objetivo garantira qualidade ambiental propicia a vida e será aprovada por lei, a partir de proposta encaminhada pelo Poder Executivo, com revisão periódica, atendendo aos seguintes Princípios:

(...)

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio publico a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

(...) ".

"Art. 210. - O Plano Estadual de Meio Ambiente, a ser disciplinado por lei, será o instrumento de implementação da Política estadual e preverá a adoção de medidas indispensáveis a utilização racional da natureza e redução da poluição resultante das atividades humanas (...).

§ 1º - Os recursos necessários a execução do Plano Estadual de Meio Ambiente ficarão assegurados em dotação orçamentária do Estado".


11. Competência legislativa tratada na Constituição Federal

A Constituição prevê competência concorrente para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico (art. 24, VII), e a competência comum para impor o tombamento (art. 23, III e IV). Do que se conclui, segundo Diogo de Figueiredo, que até os Municípios poderão decretar o tombamento, desde que observadas as prescrições gerais da lei federal e, no caso dos Estados, do DF e dos Municípios, as prescrições especiais de lei estadual ou distrital federal; os Municípios, entretanto, poderão suplementar essa base legislativa no que couber, para proteção do patrimônio histórico-cultural local (art. 30, II e IX).

Quanto a esta competência comum, Pontes de Miranda (citado por Leme Machado) defendia que qualquer das esferas estatais podem tombar o que a outra esfera já tombou (sem que haja exclusão por parte de qualquer delas, segundo José Afonso da Silva), possibilidade esta que se admite para reforçar a eficácia do tombamento, ou para evitar que a outra :

Com base no referido art. 23, III e IV, Leme Machado defende que a execução da legislação pertinente é da incumbência de todas as esferas, sendo que cabe ao Município o precípuo dever de "promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local"(art. 30, IX da CF).

Quanto a competência legislativa concorrente, Leme Machado defende que ela está subordinada aos parágrafos do art. 24, e em função deles, a União limita-se a estabelecer normas gerais no que concerne à proteção dos bens e valores dispostos no inciso VII do art. 24, quando se trata de normas que deverão ser obedecidas pelas outras esferas estatais, podendo os estados suplementarem as normas gerais federais(art. 24, §2º), ou exercer a competência legislativa plena na hipótese de inexistir as normas federais(art. 24, §3º). A eficácia da lei estadual será suspensa com a superveniência de norma geral federal, no que lhe for contrário.

"Constituem normas gerais sobre tombamento aquelas que dão as características desse instituto jurídico, indicando o modo como se instaura o procedimento, a maneira como é gerido o bem tombado, a abrangência da proteção, o sistema de sanções. Os estados e municípios poderão adicionar outras regras às diretrizes federais gerais, de modo que não sejam as mesmas desnaturadas ou desvirtuadas, como podem legislar sobre suas próprias peculiaridades, em sintonia com as normas federais"30.


12. Regulamentação do tombamento

As normas gerais de obrigatória observância estão contidas na lei federal vigente, que é o Decreto Lei nº25, de 30/05/37, complementado pelo Decreto-Lei nº 2809, de 23/11/40, Decreto-Lei nº 3886, de 29/11/41, e Lei nº3924, de 20/07/61. No plano federal têm-se a lei nº 6292, de 1975, dispondo sobre o devido processo administrativo enquanto forma para sua instituição. A lei federal nº 9784/99 regula o Processo Administrativo Federal, o que me faz crer que sirva de fonte subsidiária para o processo administrativo de tombamento que venha a ser implementado pela União.

Segundo DL nº 25, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional será provido de quatro Livros do Tombo, que são os seguintes :

  1. Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;

  2. Livro do Tombo Histórico;

  3. Livro do Tombo de Belas-Artes, para as coisas de arte erudita;

  4. Livro do Tombo das Artes Aplicadas.


13. Meios de sua instituição (na esfera federal) :

Leme Machado se refere a dois meios basicamente : lei e ato do Poder Executivo. Pacheco Fiorillo e Abelha Rodrigues defendem a possibilidade da via jurisdicional.

Leme Machado31 apóia a possibilidade de que possa ser instituído por lei, sob a alegação de que :

Os argumentos contrários existentes são os seguintes:

Critico Leme Machado, dado que a falta de consulta a órgão técnico competente não pode ser suprida pelo assessoramento dos parlamentares, pois esta além não ser vinculada, é de duvidosa eficiência se se considerar a existência de incongruências técnicas aberrantes em muitas peças legislativas sobre outros assuntos. José dos Santos Carvalho Filho32 alega como crítica o fato de lei neste sentido violar o devido processo legal, pois não haveria o contraditório. Discordo da alegação do referido autor, pois o devido processo legal continuaria a haver, pois os atos administrativos baseados nesta poderiam ser questionados no judiciário, e até mesmo a constitucionalidade desta lei poderia ser duvidada, por tentar coibir o devido processo legal.

A via regular, portanto, é o ato do Poder Executivo, que se manifesta nestes exemplos (art. 1º, da lei nº 6292, de 15/12/75, e o art. 3º do Decreto federal nº 91.144, de 15/3/85):

O Ministro da Cultura é o agente ou órgão controlador que poderá ou não homologar a opinião do Conselho Consultivo.

Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "parecer é o ato administrativo unilateral pelo qual se manifesta opinião acerca da questão submetida para pronunciamento. Diz respeito a problema jurídico, técnico ou administrativo"33.

Homologação, consoante o Dicionário de Direito Administrativo é "ato administrativo que convalida ou referenda ato legítimo anterior, reconhecendo-lhe validade eficácia, como por exemplo, manifestação de congregação de faculdades de ensino oficial referendando parecer de comissão examinadora a respeito de julgamento de concurso"34.

A iniciativa do Conselho Consultivo quanto ao processo de tombamento já ocasiona o tombamento provisório. O juízo posterior deste Conselho ocasiona o tombamento definitivo ou não, e este caráter definitivo só é ganho com a homologação.

Fiorillo e Abelha Rodrigues defendem a possibilidade de tombamento por via jurisdicional com base no art. 225. da CF, que dispõe do dever da comunidade de colaborar na preservação e proteção do bem ambiental cultural, o que habilitaria a propositura de ações coletivas (inclusive de natureza mandamental), ocasião em que se pediria ao juiz a expedição de ordem determinando que certo bem seja tombado por inscrição no seu respectivo livro de tombo como bem cultural, de maneira que a proteção efetiva só passaria a incidir com o trânsito em julgado. Os referidos autores defendem que seja viável esta modalidade pela força que ela tem, pois se o tombamento instituído por lei o tombamento só pode ser desfeito por outra lei, sentença transitada em julgado nem por outra lei poderá ser desfeito por força do art. 5º, XXXVI da CF (proteção à coisa julgada).

Na esfera estadual o tombamento poderá ocorrer por decreto, resolução do Secretário de Estado ou ato de funcionário público a que se der competência.

Sobre o autor
Maxwell Medeiros de Morais

advogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maxwell Medeiros. Regime jurídico do tombamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -516, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2687. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado na matéria ""Intervenção do Estado na Propriedade"" da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Administrativo (UFPE/2001), obtendo conceito A.

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