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Regime jurídico do tombamento

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01/02/2002 às 01:00
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14. Efeitos do tombamento (definitivo)

Di Pietro assim os classifica: quanto :

  • à alienação: que são :

    • o direito de preferência de que trata Diogo de Figueiredo logo abaixo;

    • limites à alienabilidade, de que trata Odete Medauar abaixo;

    • insuscetibilidade de desapropriação, de que trata Odete Medauar abaixo.

  • ao deslocamento: disposto no art. 14. do DL nº 25/37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

  • às transformações: disposto no art. 17. do DL nº 25-37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

  • aos imóveis vizinhos: disposto no art. 18. do DL nº 25/37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

  • à conservação: o disposto no art. 17. do DL nº 25/37, e que proíbe a destruição, demolição ou mutilação sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;

  • à fiscalização do poder público, retratada por Odete Medauar logo abaixo.

Leme Machado destaca um efeito não percebido por alguns autores: transformar o instituto jurídico da licença para construir em autorização para construir, modificar e alterar, consoante se depreende do art. 17º do DL nº 25/37, em que o Poder Público está vinculado a não autorizar atividades que conduzam à destruição, demolição ou mutilação do bem, mas habilita discricionariedade quando se trata de reparação, pintura ou restauração. Assim, abre-se espaço para que se obtenha liminar suspendendo autorização obtida para construir, com o fim de apreciar mais acuradamente o ato de tombamento.

Do acima demonstrado, resultam para :

  • o proprietário os seguintes deveres :

    • positivos (de fazer) :

      • a) só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público (art. 11. do DL nº 25/37);

      • b) assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa, obedecendo-se a seguinte ordem de preferência : União, Estado e Município, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente, devendo as punições serem aplicadas pelo Poder Judiciário (art. 22º e parágrafos do DL nº 25/37);

      • c) fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19. do DL nº 25/37).

    • negativas (de não-fazer):

      • a) art. 17. da DL nº 25/37, que veda a destruição, demolição ou mutilação sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e veda a possibilidade de os bens tombados poderem ser reformados, pintados, ou restaurados sem prévia autorização especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa de 50% do dano causado em caso de violação de qualquer destas vedações ;

      • b) A coisa tombada só poderá sair do país somente por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, e a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje IPHAN (art. 14).

    • de suportar (deixar fazer): fiscalização de que trata Odete Medauar abaixo.

      • 1.os vizinhos do proprietário : deveres negativos: o constante no art. 18. da DL nº 25/37, e que é ressaltado por Celso Ribeiro Bastos logo abaixo;

      • 2.O IPHAN : deveres positivos, que são :

        • a) o que consta nos parágrafos do art. 19:

          • § 1º, que manda executar as obras de conservação do bem, quando o proprietário não puder fazê-lo, ou providenciar para que seja feita a desapropriação da coisa;

          • §2º, que dispõe que se não forem adotadas estas medidas, o proprietário pode requerer que seja cancelado o tombamento.

        • b) o que consta no art. 20: que é o exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas, inspecionando-as sempre que julgar conveniente; e

        • c) o que consta no art. 13: caso se trate de bens de particulares, prover a transcrição do tombamento no Registro de Imóveis e a averbação ao lado da transcrição do domínio. O art. 22. dispõe que a conseqüência da não adoção destas medidas é a perda do direito de preferência.

Segundo Diogo de Figueiredo, destacam-se os seguintes :

  • Os bens tombados permanecem sob domínio e posse dos particulares, mas sua utilização passa a ser disciplinada pela obediência a servidões e limitações aos imóveis da vizinhança, caso se trate de imóvel tombado, dado o objetivo de assegurar a proteção estética necessária do entorno. É importante salientar observação feita por Maria Zanella di Pietro, consoante a qual o limite provocado pelo tombamento na propriedade é parcial, de modo que, se na prática este limite se afigurar como total, têm-se um tombamento ilegal por se configurar como desapropriação indireta;

  • Outro efeito é o direito de preferência à aquisição do Poder Público instituidor, não obstante, a qualquer tempo, será possível ao Poder Público decretar a desapropriação para melhor atingir aos fins de proteção visados. O fundamento disto é o que está previsto no art. 22. e §1º do DL nº 25/37: "os bens tombados não podem sair do país, nem ser alienados a título oneroso, sem prévia oferta à União, ao Estado, ou ao Município em que se encontram, para que exerçam seu direito de preferência à aquisição, sendo nula a alienação que se fizer com preterição desse preceito legal". Assim, há que se dar ciência formal às três esferas estatais. O prazo de 30 dias para exercício da preferência é considerado exíguo por Paulo Affonso Leme Machado.

Celso Ribeiro Bastos, em sua leitura do DL nº 25/37 ressaltou os seguintes:

  • o art. 18. do DL nº 25 veda a colocação de anúncios ou cartazes na vizinhança de coisa tombada e a construção que impeça ou reduza a visibilidade sem que haja prévia consulta ao SPHAN (atualmente IPHAN), condição esta que nem sempre é bem aceita pela comunidade.

Meirelles nos adverte que o conceito de redução da visibilidade é amplo, e abrange a tirada da vista da coisa tombada, inclusive principalmente a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença no estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, retirando o valor histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido.

Consoante Di Pietro, acórdão constante na RT 222:559 inclui na redução da visibilidade a redução da respeitabilidade do imóvel em questão. Já Leme Machado vê que esta proteção foi colocada timidamente, e por isto o critica por só resguardar a visão, o que habilitaria a vizinhança deixar de apresentar homogeneidade com a coisa a ser alterada de modo prejudicial a ela, podendo-se assim afigurar-se duas situações (em conseqüência de a legislação não propiciar meios à administração para impedir a alteração ou exigir a adaptação integrativa da vizinhança) :

  • as adjacências do bem tombado já estão desfiguradas quando do tombamento; ou

  • passam a ser transformadas após o tombamento.

Segundo Maria Zanella Di Pietro, "trata-se de servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada, e serviente os prédios vizinhos. É servidão que resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esse encargo não corresponde qualquer indenização"35, servidão esta que segundo ela surge no ato do tombamento, sem necessidade de transcrição no registro de imóveis.

Outra consideração relevante é a de Leme Machado, que por sua vez defende que a tutela em questão precisa de revisão, principalmente na esfera municipal, para que este art 18 "não seja fonte de conflito entre o órgão de proteção cultural e o órgão licenciador de construções ou de atividades agrícolas ou florestais"36.

Outra observação relevante de Di Pietro é que o art. 18. criou uma servidão administrativa, porém não a delimitou, o que implica em deixar para a discricionariedade (critério subjetivo) do órgão público a decisão quanto a restrição em cada caso, e a crítica que a referida autora faz a isto é que os proprietários dos prédios vizinhos não contam com critérios objetivos para verificar se são ou não alcançados pela restrição. É por isto que ela sugere, para que se coadune o art. 18. do DL nº 25 e a boa-fé de terceiros, a adoção das seguintes medidas:

  • "fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação da área dentro da qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do IPHAN; e

  • imposição de averbação no Registro e Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção"37.

"Na ausência dessas medidas, incumbe àquele órgão exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, cabendo responsabilidade por perdas e danos quando, por culpa sua, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura"38.

  • Os bens tombados não podem ser reformados, pintados, nem restaurados sem prévia autorização especial do instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17) ;

  • A coisa tombada só poderá sair do país somente por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, e a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (art. 14).

Além da imodificabilidade salientada acima por Celso Ribeiro Bastos, há ainda os seguintes, no entender de Odete Medauar :

  • se o bem tombado for imóvel : transcrição e averbação no registro respectivo (para que, consoante Afrânio de Carvalho, possa surtir efeitos perante terceiros), embora segundo Passos de Freitas, a lei de registros públicos preveja que a limitação administrativa seja averbada à margem da matrícula (Lei nº 6015, de 31/12/1973, art. 167, III), certamente porque a inscrição no Livro do Tombo feita em órgão da administração pública faz presumir a publicidade. Segundo Afrânio de Carvalho, "comete-se um erro manifesto ao prever-se a transcrição no Registro de Imóveis dos imóveis tombados. Ao invés de transcrição, agora transformada em matrícula, o que cabe é o lançamento definitivo do imóvel, com seus limites e confrontações, no livro próprio, o fólio real, sob a forma de matrícula, ao pé da qual se aditará a averbação do tombamento visto não ser este um característico físico do imóvel como corpo certo, material, semelhante a qualquer outro, para depois acrescentar-lhe o atributo do tombamento, este imaterial. (...). Seja como for, fora de dúvida é que todos os imóveis, tombados ou não, devem ingressar na matrícula com as características e confrontações exigidas pela lei registral. Havendo tombamento, este só poderá ser aposto em averbação à respectiva matrícula, se a autoridade competente fizer, para tanto, a comunicação indispensável. Do contrário continuará no rol dos demais imóveis junto aos quais poderá ocasionar questões entre compradores e vendedores no caso de venda sem menção, pelos últimos, do atributo restritivo a ele aderente, assemelhável a venda com vício redibitório"39.

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  • limites à alienabilidade : manifestos através das seguintes restrições:

    • 1.se o bem tombado pertencer ao domínio público, torna-se inalienável para particulares, o que não impede que seja transferido de uma entidade pública para outra ;

    • 2.se o bem tombado for privado, permanece alienável, mas com restrições, devendo-se ressaltar que se se tratar de alienação onerosa, a União, os Estados ou Municípios têm direito de preferência, além do que o adquirente fica obrigado a inscrever a transferência no registro imobiliário, no prazo de 30 dias.

  • fiscalização do poder público : pois o órgão responsável pelo tombamento poderá manter vigilância constante, tendo o direito de acesso ou ingresso do bem ;

  • insuscetibilidade de desapropriação, salvo para manter o próprio tombamento. Até porque consoante o próprio Hely Lopes Meirelles, entidades estatais de superior hierarquia política não podem expropriar bens tombados pelas menores, enquanto não for cancelado o tombamento pelo órgão competente.

  • aplicação de sanções administrativas por infrações ao tombamento, entre as quais :

    • 1) multas em caso de tentativa ou reincidência de exportação de bem móvel tombado, em percentuais incidentes sobre o valor do bem;

    • 2) multa por colocação de anúncios ou cartazes que afetem a visibilidade do bem;

    • 3) multa no caso de demolição, destruição, mutilação e de restauração ou pintura sem prévia autorização do poder público;

    • 4) multa se o proprietário deixar de comunicar a necessidade de obras de conservação e sua dificuldade para efetuá-las;

    • 5) demolição do que for edificado sem autorização.

Consoante Passos de Freitas, pelo tombamento, o Estado pode estabelecer regime especial para determinados bens de interesse público, independentemente de que sejam estes bens públicos ou particulares, ou de quaisquer esferas a que pertençam, até porque a lei regulamentadora é omissa, ao contrário do que consta na lei de desapropriações.

Segundo Odete Medauar, apesar de todos estes efeitos, o tombamento está sujeito :

  • a revogação, por inconveniência e inoportunidade ou anulação, por ilegalidade, pois a própria autoridade competente, em vez de homologá-lo, poderá determinar a revisão, alteração ou desfazimento;

  • (DL 3866 de 29/11/41) cancelamento pelo Presidente da República do tombamento definitivo efetuado pelo IPHAN (seja de bens públicos ou privados), de ofício ou em grau de recurso(interposto por legitimamente interessado), por motivo de interesse público, mesmo que já tenha sido homologado. Em qualquer caso, o desfazimento deve ser motivado.

O mestre Meirelles critica a priorização da discricionariedade do chefe do Poder Executivo Federal sobre a do colegiado do IPHAN a quem incumbe originariamente o órgão, alegando que "a autoridade desse órgão, especializado na matéria, não deveria ficar sumariamente anulada pelo julgamento subjetivo ou político do Chefe da Nação. A instituição desse recurso deve-se, naturalmente, à origem ditatorial do diploma que o estabeleceu, em cujo regime o Presidente da República absorvia todos os poderes e funções, ainda que estranhos à sua missão governamental"40.

Maria Zanella Di Pietro41, entretanto, dele discorda, pois conforme ela a crítica não procede pelo fato de o cancelamento só se poder fazer por interesse público, conforme a próprio letra do citado Decreto-Lei nº 3866/41, o que não impede o controle do judiciário diante dos conflitos existentes entre este interesse público e outros interesses também relevantes e merecedores de proteção.

Na visão do mestre Hely Lopes Meirelles42, o tombamento poderá ser nulo se não forem obedecidas as imposições legais e regulamentares, pois que, acarretando restrições ao exercício do direito de propriedade, há que se observar o devido processo legal para sua formalização, nulidade esta que deve ser pronunciada pelo Poder Judiciário, que apreciará os motivos e a regularidade do procedimento administrativo para efetivação da desapropriação.

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Sobre o autor
Maxwell Medeiros de Morais

advogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maxwell Medeiros. Regime jurídico do tombamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -516, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2687. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado na matéria ""Intervenção do Estado na Propriedade"" da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Administrativo (UFPE/2001), obtendo conceito A.

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