15. Direitos do proprietário do bem tombado
Propor processo para evitar o tombamento, ou obter indenização.
Quanto a indenização, têm-se o seguinte :
Segundo Leme Machado, há duas grandes vertentes quanto a este ponto:
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os que defendem a gratuidade do tombamento (Hely Lopes Meirelles, Maria Zanella Di Pietro, Diogo de Figueiredo) ;
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os que entendem pela indenizabilidade (Celso Antônio Bandeira de Mello, Ruy Cirne Lima).
Consoante Meirelles43, o tombamento em princípio não gera indenização, salvo quando :
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resultarem na interdição do uso do bem, ou prejudicarem sua normal utilização, suprimindo ou depreciando seu valor econômico (caso em que segundo ele a coisa tombada deverá ser desapropriada );
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as condições de conservação da coisa implicarem despesas extraordinárias para o proprietário, caso em que, consoante Celso Ribeiro Bastos, deverão ser suportadas pelo Poder Público ou serão justificadoras de uma desapropriação do bem tombado (caso excepcional de desapropriação, que é previsto no art. 5º, l e m, do DL 3365/41) 44.
Assim, segundo Meirelles, "o tombamento só dispensa indenização quando não impede a utilização do bem segundo sua destinação natural, nem acarreta o seu esvaziamento econômico"45.
O referido mestre também nos alerta em seu artigo escrito na RT em 1985, que é também passível de indenização a morosidade administrativa e a desobediência de prazos durante o procedimento administrativo de tombamento, pois o tombamento provisório se equipara em efeitos ao definitivo, o que já é, segundo ele, uma grande restrição ao direito de propriedade, o que demanda da parte da administração dever de rapidez no processo, pois a lentidão se configuraria abuso de poder. A indenização pela atitude omissiva da administração teria caráter reparatório e repressivo, entretanto uma atitude preventiva poderia ser adotada por mandado de segurança, o que já foi aceito como cabível pelo STF em sua Súmula 429.
Consoante Odete Medauar, "se o tombamento tiver alcance geral, como em Ouro Preto, Olinda, descabe ressarcimento. No caso de imóvel tombado isoladamente, em princípio é cabível indenização, salvo proibição, desde que demonstrado prejuízo direto e material"46.
Leme Machado lembra a consideração de Sampaio Dória à Constituição de 1946, afirmando que a essência da igualdade de todos perante a lei está na identidade de concessões de cada um ao todo sociais, e com base nisto tece as seguintes advertências: há que se aferir :
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a generalidade temporal e espacial caracterizadora da limitação administrativa; e
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a quem e de que forma beneficia a administração.
Leme Machado, com base nisto, faz a seguinte distinção:
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a situação em que a propriedade vinculada está inserida num contexto de outros bens vinculados ou limitados : nesta situação, em função da ausência de discriminação, nada há que se indenizar em função da generalidade caracterizadora da limitação, ainda que não seja absolutamente geral;
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ocasião em que a propriedade é escolhida individualmente para ser vinculada, não havendo mais bens na vizinhança a serem preservados ou bens existentes na vizinhança que estejam sujeitos a outro regime jurídico : nesta situação, em função da constatação de que a limitação não está sendo geral no mesmo espaço geográfico, cabe indenização.
Toshio Mukai (citado por Del olmo) defende que a indenização só é devida se o tombamento for individual (recaindo sobre um só proprietário), mas se for geral, não será devida.
Pinheiro Madeira defende que é cabível a indenização no tombamento, em face do princípio da igualdade da repartição dos encargos sociais. Como o referido autor defende que o tombamento é apenas uma denominação que serve a qualquer das medidas de servidão administrativa, limitação administrativa e desapropriação, ele se coloca da seguinte maneira :
"a) considerada a medida protecionista como limitação administrativa, seria ela indenizável, por decorrer do poder de polícia da Administração;
b) havido como servidão, comportaria indenização, se instituída por lei e, na proporção que alcance o direito do particular;
c) desapropriado o bem, para efeito de sua proteção, naturalmente se imporia a indenização"47.
Segundo ele, o tombamento voluntário exclui a indenização, no mesmo sentido pugna Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti48.
Afrânio de Carvalho defende uma postura bastante peculiar neste ponto, ao defender que, por exemplo, em havendo como lícito tombamento sobre imóvel particular sem a devida indenização, deve-se adotar algum outro modo de compensação, e a que ele sugere é a compensação tributária, defendendo que haja isenção do IPTU para o proprietário, seja o tombamento feito pelo Município (caso em que o caso seria mais simplesmente resolvido), seja feito por outra esfera estatal, caso em que esta deveria entrar em acordo com o Município para que isto fosse feito. A Constitucionalidade desta proposta consiste na constatação de que o contribuinte em questão não está em situação equivalente aos demais, já que seu imóvel não está na mesma situação dos demais49.
Assim, concluo juntamente com Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti que a indenização por dano ocasionado pelo tombamento compulsório se faz necessária, pois "baseada nas regras de indenização pelo Poder Público no fracionamento dos ônus e cômodos, não vejo como escapar à conclusão de que necessário se faz o repartimento dos prejuízos sofridos"50.
16. Tombamento e o planejamento nacional, estadual e municipal
Segundo Leme Machado, a necessidade de abordagem deste ponto especificamente se dá pelo fato de o tombamento se afigurar como limitador do Poder Público a ponto ser um regime jurídico antecipativo e às vezes acessório do zoneamento urbano51.
Conforme Eduardo Montoulieu Garcia, o planejamento pode ser entendido como "racionalização na tomada de decisões individuais e coletivas dirigida a ações sistemáticas com objetivo de conseguir-se o bem-estar público, abrangendo aspectos sociais, econômicos, físico-espacial-temporais, ou outros de interesse público"52 e :
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visa, segundo Fernandez Rodrigues, "assegurar um equilíbrio apropriado entre todas as pretensões de uso do solo, e de maneira que este seja utilizado no interesse de todo o povo"53;
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visa, segundo Den Abeele :
1."sintetizar os diferentes conhecimentos proporcionados pelos inventários e recenseamentos;
2.exprimir as opções de ação e de organização em matéria de conservação integrada;
3.assegurar uma proteção eficaz pela integração de meios legislativos de salvaguarda e o ordenamento do desenvolvimento diante das pressões econômicas e sociais;
4.programar as intervenções de reabilitação e de restauração no tempo e no espaço, estabelecer a importância das contribuições financeiras estatais"54.
Consoante Leme Machado, a preocupação da adequação entre a conservação do patrimônio cultural e o planejamento se registra nos níveis federal e estadual pelas portarias interministeriais n. 19, de 4/3/77 e nº 1170, de 27/11/79. Nos níveis estadual e municipal se percebe "a organização de programa de preservação de bens culturais" como condição para que recebam recursos nesta área, concomitantemente com a atitude de órgãos e entidades envolvidos no sentido de induzir a "inclusão nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano de legislação de proteção às áreas de valor cultural"55.
O referido autor recomenda como precaução para adequação entre planejamento e tombamento que "na elaboração de um plano nacional de proteção de bens culturais e, particularmente de recursos naturais, deve-se procurar o inventário de todos os interesses em confronto, para se saber se há outros interesses equivalentes ou superiores de importância nacional que se opõem à conservação. (...). Caso contrário, as forças de destruição, que, em geral, são mais rápidas, se põem em ação e apresentam o fato consumado da inexistência do bem ou o começo de um projeto envolvendo o bem a ser tombado"56.
Apesar da relevância do planejamento, segundo se deduz da explanação de Alain Bacquet (Diretor de Arquitetura do Ministério dos Negócios Culturais francês), a sistemática de proteção ao patrimônio cultural se completa com a efetivação do planejamento através da conservação e da existência de uma legislação especial de proteção habilitadora da intervenção da autoridade em qualquer momento.
17. Co-responsabilidade da administração em conservar o bem tombado
O proprietário e o Poder Público tombador são co-responsáveis pela sua conservação e reparação, entretanto, segundo Leme Machado, a co-responsabilidade do poder público só pode ser invocada no caso de se comprovar dois requisitos:
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que não tenha sido o proprietário o causador do dano;
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haja a necessidade da reparação.
O fundamento desta co-responsabilidade do Poder Público é que :
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"o tombamento como medida protetora incorpora o poder público na gestão do bem, a ponto de associá-lo nas despesas de sua manutenção"57. Dano causado por ação ou omissão do proprietário não obriga o Poder Público à reparação, e sim o proprietário, embora haja, segundo Leme Machado, lacuna na legislação federal no sentido de efetuar esta cobrança;
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o art. 19. do DL nº 25/37 dispõe que o proprietário carente de recursos para efetuar as medidas conservativas e reparadoras levará este fato ao conhecimento do IPHAN, e seu §1º ainda dispõe que em sendo necessárias as obras, serão feitas às expensas da União.
18. Abordagem comparativa com institutos restritivos da propriedade :
Diogo de Figueiredo tece o comentário de que o tombamento e :
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1) a servidão administrativo distinguem-se :
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quanto a finalidade, já que para a servidão administrativa visa a facilidade de execução de obras e serviços públicos, enquanto no tombamento a função é a proteção de objetos de cultura;
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quanto ao fato de a servidão ser heteroexecutória, onerosa, em regra, e ocasionar um ônus real de uso a favor de terceiro, ao passo que o tombamento é auto-executório, gratuito, e não transfere qualquer direito à utilização do bem tombado, dado que apenas o limita.
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2) a limitação administrativa :
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2.1. assemelham-se :
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quanto a gratuidade de imposição;
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quanto ao fato de em muitos casos haver a finalidade estética.
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2.2. Distinguem-se quanto constatação de que :
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enquanto o tombamento é um ato concreto, a limitação é abstrata, e geralmente atinente a uma categoria de bens;
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enquanto a finalidade do tombamento é, em última análise, cultural, a da limitação é a segurança, a salubridade e o decoro, cogitando-se assim de valores-meio, dentro de horizontes mais reduzidos.
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19. Tutela Processual do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional :
Segundo Maria Zanella di Pietro, tal tutela se dá pelos seguintes instrumentos:
- ação civil pública (art. 129, III da CF) ;
- ação popular (art. 5º, LXXIII da CF).
Quanto a indagação de que se estas ações exigem prévio tombamento do bem, percebe-se que sim, consoante a referida autora, pois assim dispõe o art. 1º, §1º. "Os bens a que se refere o presente artigo só poderão ser considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico brasileiro, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei".
Apesar disto, Di Pietro constata que estes instrumentos processuais são mais úteis como modos de proteção precisamente dos bens ainda não tombados, pois em relação a estes, as restrições e a fiscalização a que se sujeitam têm por finalidade dar-lhes a adequada tutela.
20. Sanções Administrativas
Tais sanções podem ser multa, demolição, restauração, embargo e interdição.
20.1. Multas – Generalidades
Segundo Meirelles, "a multa administrativa é de natureza objetiva e se torna devida independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator"58.
Espécies
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Multa de 50% do valor do bem tombado estão previstas nos seguintes casos:
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1) exportação ou tentativa de exportação de coisa tombada sem pedir prévia autorização ou tendo sido negada a autorização (em caso de primariedade do infrator);
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2) construção ou colocação de anúncios ou cartazes que impeçam ou reduzam a visibilidade do bem tombado;
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3) ausência de autenticação de objetos considerados como "antigüidades, obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros";
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4) ausência de apresentação da relação dos objetos, antes da venda, ao órgão estatal competente.
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Multa de 100% do valor da coisa tombada no caso de reincidência em exportação ou tentativa de exportação;
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Multa de 50% do lucro causado em caso de destruição, demolição, mutilação e multa do mesmo valor no caso de reparação, pintura ou restauração sem prévia autorização do órgão competente. Em caso de bem público, a autoridade responsável incorrerá pessoalmente na multa;
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Multa de 10%:
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1) quando o adquirente do bem tombado deixar de fazer dentro do prazo de 30 dias o registro no Cartório do Registro de Imóveis, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis;
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2) quando o proprietário de uma coisa tombada deixar de comunicar no prazo de 10 dias o seu extravio ou furto.
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Segundo Paulo Affonso Leme Machado, no cálculo do valor das multas
levar-se-á como base não só o valor de mercado do bem, mas principalmente os valores que são protegidos na coisa tombada em sua estimativa para o futuro da necessidade de sua conservação. Segundo ele, configura-se caso de multa indeterminada quando depender do dano sofrido pela coisa a ser aferido posteriormente, enquadrando-se neste caso a infração consistente em o proprietário não comunicar ao órgão competente da necessidade de serem feitas obras de conservação e de reparação de sua dificuldade de fazê-la às suas expensas.
A crítica que o referido autor faz à mencionada legislação é que falta clara disposição sobre o tipo de culpa do proprietário na prática dos ilícitos referidos, e qual o critério de responsabilidade a que está sujeito (se é objetiva ou subjetiva). Quanto a isto, a observação de Meirelles supre esta lacuna, e quanto a patrimônio natural tombado o art. 4º da lei nº 6938/81 dispõe que a responsabilidade é objetiva.
20.2. Demolição
A demolição do que foi edificado nos termos do art. 18. do DL nº 25/37.
20.3. Restauração da coisa tombada
Esta sanção não é prevista no DL nº 25/37, mas se pode intentar ação civil pública pleiteando a obrigação de fazer esta reparação.
20.4. Embargo e interdição
O embargo é aplicável ao caso do arts. 17. e 18 do DL nº 25/37, por ser conseqüência dela, apesar de não a ter previsto explicitamente, até porque feriria o bom senso que a lei previsse a proibição, e diante da realização da conduta proibida nada fizesse para evitar o dano. A obediência a embargo é tutelada penalmente pelo art. 330. do CP (crime de desobediência).